DESEMPREGO E CRIME: UMA ANÁLISE TEMPORAL PARA A REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE

Anyuska Amaral Santiago1; Gabriel Sallum Pentagna Guimarães2.
1 - Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é mestranda de Economia Aplicada e estudante de graduação de Matemática Pura, ambos os cursos na UFRGS.
2 - Graduado em ciências econômicas pelo IBMEC-MG e atualmente cursa mestrado em Economia Aplicada na UFRGS.


Resumo

A existência de variáveis omitidas ou endógenas produzem um resultado viesado na estimação de modelos econométricos. Em vista disto, este trabalho busca evitar este problema para a estimação dos fatores socio-demográficos que estão relacionados com a criminalidade na Região Metropolitana de Porto Alegre através do Modelo de Componentes Não Observados com os dados anuais referentes ao anos de 2002 a 2017. Os resultados encontrados neste estudo indicam que há uma relação positiva entre o desemprego e a taxa de roubos e de furtos. Além disso, a inferência mostra que a correlação entre estes fatores é mais forte entre os homens e entre os jovens. Todavia, não existe significância entre o desemprego e os crimes violentos ou relacionados ao narcotráfico.

Palavras-chave: Desemprego; Taxa de criminalidade; Modelo de componentes não observados.

Classificação JEL: J6, J64, K42.


Abstract

If there are ommited or endogenous variables in a edonometric model estimation, the result will be viased. In view of this, this paper seeks to avoid this problem for the estimation of socio-demografic factors that are related to metropolitan region of Porto Alegre criminality through Unobserved Components Model by annual data on years from 2002 to 2017. The results found in this study show there is a positive relation between unemployment and both robbery rate and burglary rate. Moreover, the inference reveal that the connection between this factors are stronger among men and among youngers. However, does not exist significant correlation between unemployment and violent or drug-related crimes.

Keywords: Unemployment; Crime Rate; Unobserved Components Model.

JEL Classification: J6, J64, K42.


1 - INTRODUÇÃO

Desde o trabalho seminal de Becker (1968), os economistas dedicam-se para estabelecer os determinantes da criminalidade. Duas vertentes se destacam na literatura para explicar a incidência de crimes. A primeira assume que a atividade criminal pode ser vista como uma alternativa ao emprego legítimo e, mediante uma análise custo-benefício, um indivíduo decide se comete um crime (BECKER, 1968; EHRLICH, 1973). A segunda considera que fatores externos, como variáveis macroeconômicas, dissuasão criminal e o ambiente social são capazes de promover a prática criminal (GROGGER, 1998; ENTORF; SPENGLER, 2000).

Não obstante à existência de inúmeros trabalhos que relacionam positivamente crime com maior desemprego, mais desigualdade e menor segurança pública, ainda são poucas as contribuições que visam lidar com potenciais erros de especificação dos modelos criminais. O viés de variável omitida e a inclusão de variáveis endógenas como regressoras são problemas prováveis em modelos deste tipo, ignorá-los pode acarretar em estimadores tendenciosos e inconsistentes. A plausibilidade destes tipos de erros se sustenta no fato de que, apesar de extensa a literatura de economia do crime, ainda não há um consenso sobre os determinantes da criminalidade. Ademais, algumas variáveis podem tanto impactar a prática criminal como serem impactadas por ela (LEVITT, 1998; BUN; SARAFIDIS; KELAHER, 2016).

O enfoque do presente trabalho é analisar a relação entre criminalidade e desemprego de tal maneira a lidar com os problemas reportados acima. A motivação de usar o desemprego consiste na possibilidade desta variável contemplar as duas vertentes mencionadas. Haja vista que a ausência de emprego pode fornecer incentivos e tornar menos custosa a prática criminal, bem como o desemprego é uma variável macroeconômica que abrange fatores externos ao controle individual.

Mediante a utilização de Modelos de Componentes Não Observados, utiliza-se indicadores criminais e dados sobre o desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre para a análise. O benefício de adotar esta estratégia de identificação manifesta-se na capacidade de abranger variáveis que impactam o crime mas são não mensuráveis ou não observáveis. Nunley et al.(2016) ressaltam que a dissuasão criminal é uma dessas variáveis e, embora existam proxies que procuram mimetizar os esforços para conter o crime, a inclusão das mesmas provavelmente causará problemas de endogeneidade, devido à causalidade simultânea.

A motivação de se estudar a Região Metropolitana de Porto Alegre consiste no aumento expressivo da criminalidade desta região nas últimas duas décadas. Entre 2002 e 2015, foi documentado um crescimento de 116,5% no roubo de veículos; a elevação de 47,1% de roubos; e um aumento de 28,4% e 53,7% do número de latrocínios e homicídios dolosos, respectivamente (CORTES; FOCHEZATTO; JACINTO, 2018). Como não há uma coincidência no comportamento dos crimes ao decorrer do tempo, este artigo analisa o impacto do desemprego sobre quatro tipos de crime3 separadamente.

Além de fazer a análise para diferentes tipos de crimes, avalia-se o impacto de diferentes subgrupos de desempregados sobre o crime. A literatura indica que os principais praticantes de crimes são os homens jovens, portanto analisar o impacto conforme a idade e o gênero pode ser uma estratégia valiosa (FREEMAN, 1996; FOUGÉRE; KRAMARZ; POUGET, 2009). Dentre as variáveis utilizadas como indicadores de criminalidade, os resultados indicam que o desemprego possui impacto estatisticamente significante e robusto apenas sobre os crimes contra propriedade (roubo e furto). Isto sugere que, para evitar problemas recorrentes na literatura, as estratégias de identificação em trabalhos de economia do crime devem ser feitas com cautela.

Notou-se que o aumento de um ponto percentual na taxa de desemprego é capaz de promover um crescimento equivalente a 4,1% nos roubos. Esta magnitude varia conforme o gênero e faixa etária do subgrupo estudado, de tal maneira que homens são mais responsáveis pelo crescimento dos roubos comparativamente às mulheres. Do mesmo modo, jovens dos 16 aos 24 anos são os principais responsáveis pelo crescimento de furtos.

Isto posto, o restante do artigo é organizado da seguinte maneira: a seção 2 resume as evidências passadas sobre os determinantes da criminalidade; a seção 3 explica o Modelo de Componentes Observados e a sua estimação com auxílio do filtro de Kalman; a seção 4 apresenta os resultados e a última seção conclui e fornece considerações finais.


2 - CRIMINALIDADE E SEUS DETERMINANTES

O trabalho de Becker(1968) agrega a literatura de economia do crime com um dos primeiros modelos de raciocínio econômico para a escolha de atividades ilegais. Esta abordagem considera que a atividade criminosa é um fenômeno trabalhista em contraposição às atividades legais, de tal modo, o criminoso é um indivíduo racional cujo, ao maximizar a sua utilidade dada a sua restrição orçamentária, escolhe entre atividades legais e ilegais.

Posteriormente, Ehrlich(1973) estende o modelo de escolha econômica do crime. Diferentemente do modelo de Becker, que considera que a escolha entre as atividades legais e ilegais são mutuamente excludentes, no modelo proposto por Ehrlich o indivíduo poderá destinar recursos tanto para atividades legítimas quando ilegítimas. Além disso, esta extensão do modelo permite a variação de alocação ótima em qualquer período do tempo ao longo da vida do indivíduo. Isto mostra que a reincidência criminal pode ser resultado das oportunidades do ambiente.

Dado que o ambiente é um fator de influência na alocação ótima dos indivíduos, dado suas preferências, é interessante compreender os fatores socio-econômicos que promovem a escolha pelas atividades ilegais, para que seja possível investir em meios de dissuasão. Tais estudos são realizados e aprimorados desde que os modelos de teoria dos crime foram desenvolvidos, por isso, destinaremos um capítulo deste artigo para expor uma parte desta literatura que servirá também de aporte para a escolha das nossas variáveis de estudo.

A inflação, desigualdade e desemprego são consideradas as principais variáveis de impacto sobre os crimes. Nos estudos que analisam o impacto da inflação encontra-se evidências empíricas desta relação utilizando dados para países (TANG; LEAN, 2007; ROSENFELD, 2014) e para cidades (ROSENFELD; VOGEL; MCCUDDY, 2018). Todos os estudos que analisam a relação entre inflação e crimes encontram que as variáveis são cointegradas de forma positiva, variando somente quanto a significância.

Uma explicação para este fenômeno considera que a inflação eleva a demanda por bens roubados baratos, incentivando os crimes contra propriedade (ROSENFELD; LEVIN, 2016). Sendo assim, se a maioria dos indivíduos tiverem melhor poder aquisitivo a taxa de criminalidade tenderia a reduzir. A hipótese de que salários altos desestimulam a atividade criminosa é sustentada tanto em estudos de caso internacional (GROGGER, 1998; GOULD; WEINBERG; MUSTARD, 2002; LOBON¸t et al., 2017) quanto nos resultados para os dados brasileiros (SANTOS; KASSOUF, 2013) e do estado gaúcho (BARTZ; QUARTIERI; MENEZES, 2018).

Entretanto, os ganhos monetários não são os únicos fatores que impactam o nível de crimi- nalidade de uma região. Dado que o indivíduo está inserido num contexto social, Entorf e Spengler (2000) ressaltam que o índice de desigualdade aumenta o comportamento delinquente sendo, portanto, um dos determinantes da criminalidade. Uma explicação possível para a relação entre desigualdade e criminalidade é que os indivíduos em maior desvantagem numa sociedade são os mais propensos a cometerem crimes. Kelly(2000) fornece três motivos para isso: incentivo econômico4, de tensão5 ou de desorganização social6.

Os trabalhos apresentados acima mostram que o crime apresenta relação com a inflação, nível salarial e desigualdade. Entretanto, a variável desemprego é amplamente utilizada em estudos que tentam entender como as variáveis socioeconômicas e a criminalidade estão cointegradas. A justificativa de Machin e Meghir (2004) para isso é fundamentada no fato de que o desemprego engloba características do mercado de trabalho, e, ao mesmo tempo, é controlada por decisões laborais dos indivíduos.

A maioria dos estudos encontra evidências de que o desemprego está relacionado de forma positiva com a taxa de crime contra a propriedade7. Há outros estudos que dividem a variável desemprego em subamostras de classificação, encontra-se que os indivíduos que apresentam maiores propensão a se envolverem em atividades criminosas são os jovens desempregados (FOUGÉRE; KRAMARZ; POUGET, 2009) e os desalentados (KLECK; JACKSON, 2016). Já os crimes violentos possuem uma relação fraca com o desemprego, porém Mesters, Geest e Bijleveld (2016) explicam que este resultado pode ocorrer devido a amostra pequena, dado que os crimes violentos são mais raros.

Em relação a escolha do modelo,Fougére, Kramarz e Pouget (2009) apontam que a variável desemprego e a taxa de crime podem apresentar endogeneidade, portanto a estimação através de OLS ou um modelo VAR será viesada e, segundo Lin (2008) estes modelos subestimam os parâmetros, reduzindo o impacto observado do desemprego sobre a criminalidade. Além disso, outro componente que deve ser levado em consideração na aplicação do modelo é a sazonalidade, pois vários estudos reportam a sua presença na prática de crimes (DODGE, 1988; COHN; ROTTON, 2000; HIPP et al., 2004; ANDRESEN; MALLESON, 2013).

Os trabalhos indicam, em sua grande maioria8, que há uma maior incidência de crimes nos meses mais quentes.Quetelet (1842) sugere que a relação positiva entre crime e temperatura pode ser justificada por dois motivos: 1) Uma maior alienação mental dos indivíduos causada pelo calor; 2) O aumento da circulação de indivíduos nas ruas. Entretanto, segundo McDowall, Loftin e Pate (2012) os impactos da sazonalidade nas taxas de crimes possuem componentes do meio ambiente e componentes sociais, de modo que há diferentes padrões para cada localidade, portanto, a sazonalidade deve ser examinada para cada região conforme sua composição social.

Em suma, a escolha do indivíduo pela criminalidade é complexa e envolve diversos fatores econômicos e sociais. A inflação, o nível salarial, a desigualdade de renda e o desemprego são alguns dos fatores econômicos que se mostram, frequentemente, uma relação significativa com a criminalidade. Porém, acredita-se que a taxa desemprego é um indicador eficiente do mercado de trabalho e da situação econômica, por isto, esta foi escolhida como a variável central deste estudo.


3 - O MODELO DE COMPONENTES NÃO OBSERVADOS E O FILTRO DE KALMAN

Apesar de vasta, a literatura de economia do crime ainda tem dificuldade em definir com maior precisão os determinantes da criminalidade. Desta maneira, uma regressão mal especificada pode levar a problemas de endogeneidade e viés de variável omitida. Em especial, variáveis de dissuasão criminal possuem um maior potencial de serem endógenas, haja vista que provavelmente há causalidade simultânea entre dissuasão criminal e incidência de crimes. Isto é, maiores esforços para conter o crime podem reduzir a quantidade de atividades ilícitas, assim como o maior contingente de crimes pode levar a uma elevação dos serviços de segurança pública.

Estudos recentes tentam lidar com estes problemas mediante estratégias de identificação ainda não utilizadas nessa área. Bun, Sarafidis e Kelaher (2016), por exemplo, via métodos generalizados dos momentos (GMM) estimam uma especificação com variáveis instrumentais para avaliar o impacto da justiça criminal sobre a incidência de crimes. Nunley et al. (2016) utilizam um modelo de componentes não observados para analisar o impacto da inflação sobre a criminalidade nos Estados Unidos.

Os modelos de componentes não observados (MCNO), também conhecidos como modelos estruturais de séries temporais, consideram as características de uma série de tempo como a soma de componentes estocásticos e determinísticos. Estes componentes podem ser cíclicos, de tendência, sazonais ou idiossincráticos. A vantagem da estimação mediante o MCNO está na possibilidade de contemplar variáveis que afetam a taxa de crime mas que são não mensuráveis ou não observáveis. Diante disso, os problemas de endogeneidade e omissão de variáveis relevantes podem ser contornados e as estimações não serão viesadas nem inconsistentes.

Uma forma útil de escrever o MCNO é representá-lo em formato de estado-espaço. O modelo Gaussiano geral de estado-espaço pode ser escrito como:

\[\alpha_{t} = A\alpha_{t-1} + B\times_{t} + C\varepsilon_{t}\qquad(1)\]

Onde \(\varepsilon \sin N(0, Q)\).

\[y_{t} = D\alpha_{t} + Fw_{t} + GV_{t}\qquad(2)\]

Onde \(V_{t} \sim N(0, R)\)

Em que \(y_{t}\) é conhecido como o vetor de observações e \(\alpha_{t}\) é denominado vetor de estados, \(x_{t}\) e \(W_{t}\) são vetores de variáveis exógenas. Assume-se que A, B,C, D, F e G são matrizes de parâmetros conhecidos e que os erros são tais que: \(E \left [ \varepsilon_{t} \varepsilon_{s}T \right ] = 0\) para todo \(s = t\) e \(E \left [ \varepsilon_{t}vTs \right ] = 0\) para todo \(s\) e \(t\). A intuição do modelo de estado-espaço é que a equação (1), denominada equação de transição, determina a dinâmica do sistema, mas como \(\alpha_{t}\) não é observável, utiliza-se a equação de medida (2) para fazer o elo entre variáveis observáveis e não observáveis. Desta maneira, os componentes não observados de tendência, cíclicos e sazonais do MCNO formam o vetor de estados (\(\alpha_{t}\)) nos modelos de estado-espaço.

Seja \(\mu_{t}\) a tendência da série temporal, \(\nu_{t}\) a sua inclinação local e \(\gamma_{t}\) o componente sazonal. Assumindo que essas variáveis possuem variância constante e média zero, pode-se expressar um MCNO que apresenta tendência linear local com sazonalidade estocástica, quando A; αt ;C; εt e D possuem a seguinte estrutura:

\(A = \begin{bmatrix}1&1&0&0&0\\0&1&0&0&0\\0&0&-1&-1&-1\\0&0&1&0&0\\0&0&0&1&0 \end{bmatrix}\) \(\alpha_{t} = \begin{bmatrix} \mu_{t}\\ \upsilon_{t}\\ \gamma_{t}\\ \gamma_{t-1}\\ \gamma_{t-2} \end{bmatrix}\) \(C = \begin{bmatrix} 1&0&0\\ 0&1&0\\0&0&1\\0&0&0\\0&0&0 \end{bmatrix}\) \(\varepsilon_{t} = \begin{bmatrix} \xi_{t}\\ \eta_{t} \\ \sigma_{t} \end{bmatrix}\) \(D^{T} = \begin{bmatrix}1\\0\\1\\0\\0 \end{bmatrix}\)

A vantagem de determinar o MCNO no formato de estado-espaço está na possibilidade de utilizar métodos recursivos já bem estabelecidos na literatura para obter o estimador do vetor de estados, \(\alpha_{t}\), baseado nas variáveis observáveis. Dentre as alternativas disponíveis, destaca-se o filtro de Kalman. Introduzido por Kalman (1960), o procedimento consiste na previsão do vetor de estados dadas todas as informações passadas e conseguinte atualização das estimativas de \(\alpha_{t}\) quando uma nova observação está disponível.

Diante disso, a modelagem do filtro de Kalman segrega equações que contribuem para a previsão, constituindo a primeira etapa da filtragem e equações que promovem a atualização do filtro, segunda etapa. Defina \(\alpha_{t|t−1} = E(\alpha_{t} | Y_{t−1})\), desta maneira, dada equação (1) tem-se:

\[\alpha_{t|t} = \alpha_{t|t-1} + Bx_{t}\qquad(3)\]

Cuja matriz de covariância é:

\[\Omega_{t|t-1} = A\Omega_{t-1|t-1} A^{T} + CQC^{t}\qquad(4)\]

As equações (3) e (4) constituem a etapa de previsão, elas utilizam as informações passadas para estabelecer uma previsão do vetor de estados e de sua matriz de covariância. Uma vez que uma nova observação é disponibilizada, estima-se o erro de previsão da equação (3) e em seguida atualiza-se a previsão de tal forma a considerar o erro cometido na etapa anterior. Defina \(K_{t} = \omega_{t|t−1}D^{T} \left [ D\omega_{t|t−1}D^{T} + GRG^{T} \right ]^{−1}\) como o ganho do filtro, pode ser mostrado que, dado o erro de previsão anterior, a equação atualizada para o período \(t\) será:

\[\alpha_{t|t} = \alpha_{t/t-1} + K_{t}e_{t}\qquad(5)\]

Com variância igual a

\[\omega_{t|t} = (1 - K_{t}D)\omega_{t|t-1}\qquad(6)\]

Uma vez definidas as equações recursivas (3), (4), (5) e (6), o próximo passo é escolher o ponto de partida, isto é: os valores iniciais para o vetor de estados e da matriz de covariância, do processo de filtragem. Hamilton (1994) discute as alternativas possíveis, este trabalho segue o método de Drukker, Gates et al. (2011). O benefício de utilizar o filtro de Kalman provém do fato que ele fornece o estimador ótimo da classe dos estimadores lineares, de tal maneira que o Erro Quadrático Médio (EQM) é minimizado.

Diante da ampla abrangência de estimações que o MCNO possui, opta-se, na seção subsequente, por uma estratégia de identificação cautelosa: a princípio utiliza-se uma formulação mais geral, um modelo de tendência linear local com sazonalidade estocástica. Caso o componente estocástico não seja significante, utiliza-se uma sazonalidade determinística. Se o componente determinístico também não for significante, opta-se por uma especificação de tendência linear local sem sazonalidade. Por fim, caso a inclinação da especificação de tendência linear local não seja significante, ajusta-se um modelo de nível local e repete-se os mesmos passos seguidos anteriormente.


4 - DADOS E RESULTADOS

O objetivo do presente trabalho é analisar a relação da criminalidade e a taxa de desemprego através da inferência temporal utilizando o modelo de componentes não observados e o filtro de Kalman. As ocorrências criminais são divididas em três seguimentos distintos, sendo eles: contra a propriedade (furto e roubo)9; violentos (homicídio); relacionados a drogas (entorpecentes). Do mesmo modo, analisaremos a relação com o desemprego segundo grupos de gênero e de faixa etária.

Os dados dos indicadores criminais dos anos de 2002 a 2017 foram coletados junto a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS). Este órgão disponibiliza dados criminais para cada município, porém entre o período de 2002 a 2010 estes dados são anuais e somente após este período que as taxas criminais são contabilizadas mensalmente, deste modo, o número de observações para análise seria muito pequeno, inviabilizando a aplicação eficiente do modelo. Por esta razão, optou-se por coletar os dados mensais por 100.000 habitantes do estado como um todo, de tal forma que teremos 192 observações disponíveis.

O comportamento dos indicadores criminais ao longo do tempo está descrito na figura 1. Pela análise da figura, percebe-se que nos 16 anos de análise não há uma coincidência no comportamento criminal ao decorrer do tempo, o que é um fator recorrente na literatura (LODHI; TILLY, 1973; RAPHAEL; WINTER-EBMER, 2001). Entretanto, apesar da presença ou ausência de sazonalidade não ser visualmente clara, podemos considerar esta hipótese pois este é um fator recorrente na literatura da economia do crime.

FIGURA 1: EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRIME MENSAL POR CATEGORIA.

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP/RS)

A disponibilidade de dados é um dos grandes entraves dos estudos empíricos, tal problema também é enfrentado no presente trabalho. Para que a inferência do modelo não seja viesada necessitamos de um grande montante de observações, por isso optamos pelos dados mensais, porém, a taxa de desemprego mensal esta disponível somente para a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Com o intuito de contornar este problema, comparamos o comportamento anual das ocorrências de furto e roubo entre a RMPA e todo o RS, descrito na figura 2. Pela análise visual, percebe-se que o comportamento de ambas as taxas de crimes são semelhantes, o que motiva a utilização de dados criminais do estado como proxy para dados da Região Metropolitana de Porto Alegre.

FIGURA 2: EVOLUÇÃO MENSAL DA TAXA DE DESEMPREGO DA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE DESAGREGADA POR SUBGRUPO

Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre – IPEA

Os dados sobre desemprego utilizados no presente trabalho são provenientes da Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre (PED-RMPA), disponibilizados pela Fundação de Economia e Estatística (FEE). A PED-RMPA possui dados de desemprego em uma periodicidade mensal para vários subgrupos, tais como desemprego por gênero e por faixa etária. Esta diferenciação será relevante para a análise, pois espera-se que existam diferente magnitudes na relação desemprego-crime. Tal hipótese pode ser apoiada pela diferença no nível de desemprego entre os subgrupos, figura 3, apesar da semelhança na dinâmica ao longo do tempo.

FIGURA 3: EVOLUÇÃO DA TAXA DE CRIME ANUAL DE QUATRO TIPOS DE CRIMES PARA O RIO GRANDE DO SUL (RS) E PARA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE (RMPA)

Fonte: Pesquisa de Emprego e Desemprego da Região Metropolitana de Porto Alegre – IPEA

Além da análise visual dos gráficos, a hipótese de diferença do nível de correlação entre as taxas de desemprego e a criminalidade é sustentada e comprovada na literatura. Por exemplo, Nunley, Jr e Zietz (2011) evidenciaram que há alta correlação positiva entre a população de 15 a 29 anos e a taxa de homicídio nos Estados Unidos. Ademais, de modo geral, os crimes são mais frequentemente praticados por homens jovens, portanto analisar o impacto conforme o subgrupo pode ser uma estratégia valiosa (FREEMAN, 1996; FOUGÉRE; KRAMARZ; POUGET, 2009).

A tabela 1 representa as estatísticas descritivas tanto das variáveis relacionadas ao crime como para variáveis de desemprego. A variável taxa de entorpecentes representa a soma dos indicadores de posse e tráfico de entorpecentes. A interpretação das variáveis é simples, para a taxa de furtos, por exemplo, a média mensal de todo o período analisado do Rio Grande do Sul é de aproximadamente 162 furtos por 10.000 habitantes. Além disso, a figura 1 mostra que há uma tendência decrescente da taxa de furtos ao longo do tempo.

TABELA 1 - ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS DAS VARIÁVEIS UTILIZADAS NAS ESTIMAÇÕES. FONTES: SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO RIO GRANDE DO SUL (SSP/RS) E FUNDAÇÃO DE ECONOMIA ESTATÍSTICA (FEE).

Variável Média Desvio padrão Mínimo Máximo
Taxa de Furtos 162,16 30,77 102,49 225,98
Taxa de Roubos 57,43 11,67 36,21 88,77
Taxa de Homicídios 1,41 0,37 0,81 2,89
Taxa de Entorpecentes 11,72 4,62 4,79 22,22
Desemprego (%) 11,11 3,54 5,6 17,8
Desemprego Masculino (%) 9,44 2,89 5 14,8
Desemprego Feminino (%) 13,09 4,45 6,1 21,9
Desemprego 16 aos 24 anos (%) 22,27 5,38 13,1 32,9
Desemprego 25 aos 39 anos (%) 9,97 2,86 4,9 14,9

Fonte: Elaboração própria.

Apesar da taxa de desempregados seguir a tendência decrescente (figura 3) dos furtos ao longo do tempo, isto não significa que o menor número de desempregados promoveu uma redução dos furtos. Podem existir outros fatores, como o recrudescimento da segurança pública, que contribuíram para promover a redução dos crimes ao longo do tempo. Diante disso, para lidar com o problema de confusão dos efeitos observados, o presente trabalho utiliza o artifício de componentes não observados para tentar segregar o impacto do desemprego sobre o crime.

A tabela 2 exibe 12 especificações que analisam a relação entre o desemprego e a taxa de roubos. A construção de vários modelos e subsequente comparação é útil para fornecer robustez aos resultados. Metade dos modelos estimados pressupõe uma estrutura linear local, como a exemplificada na seção 3 e a outra metade pressupõe uma estrutura nível local10. Além disso, com o intuito de captar o impacto do desemprego passado no crime contemporâneo, seguiu-se o proposto por Nunley et al. (2016) e foi adicionada uma combinação linear de 3 defasagens do desemprego com o desemprego contemporâneo para metade das especificações. Para escolher o melhor ajuste, utiliza-se o Critério de Informação de Akaike (AIC) e o teste de portmanteau (teste Q). O AIC fornece uma medida relativa de qualidade do ajuste de cada especificação, escolhe-se o modelo com o menor AIC. Já o teste Q avalia se a autocorrelação dos resíduos é diferente de zero, a hipótese nula é de que a autocorrelação de k (neste caso 15) defasagens é igual a zero, indicando independência entre as defasagens dos resíduos.

Logo, ao analisar a tabela 2, percebe-se que especificações sem o componente sazonal (5, 6, 11 e 12) apresentam autocorrelação dos resíduos estatisticamente diferente de zero e são relativamente piores em termos de informação que as outras. O modelo selecionado possui a estrutura nível local com sazonalidade estocástica e considera as defasagens do desemprego. Esta especificação indica que um aumento de um ponto percentual no desemprego pode levar a um aumento de aproximadamente 2,3 roubos por 100.000 pessoas, o que representa um crescimento de 4,1% em relação à média. O mesmo procedimento de seleção de modelos foi executado nas regressões expostas a seguir, entretanto optou-se por omitir todas as especificações estimadas e apenas exibir a preferida.

Diante disso, a tabela 3 representa as especificações escolhidas dentre as 12 regredidas para cada variável dependente. É possível perceber que o desemprego possui efeito estatisticamente significante apenas sobre a taxa de roubos e a taxa de entorpecentes. Todavia, para a taxa de entorpecentes, a hipótese de ausência de autocorrelação dos resíduos não foi satisfeita para nenhuma especificação. Deste modo, a interpretação dos resultados para esta variável dependente é comprometida.

Além da análise para o desemprego geral, reportada pelas tabelas 2 e 3, o presente trabalho avalia o impacto do desemprego de subgrupos sobre a criminalidade. A relevância desta consideração é contemplar o fato de que existem subgrupos mais propícios a cometerem crimes. Freeman(1996) destaca que os homens jovens constituem a maior parcela dos indivíduos envolvidos em crimes: em 1993, 10% dos homens entre 25 e 34 anos estavam sob supervisão da justiça criminal nos Estados Unidos. Desta maneira, as tabelas 4 e 5 permitem analisar o efeito do desemprego por gênero e por faixa etária sobre o crime.

A tabela 4 representa regressões que possuem como variáveis regressoras o desemprego masculino e feminino e suas respectivas defasagens. As estruturas dos modelos ajustados para cada gênero foram muito similares às estruturas dos modelos para o desemprego geral (tabela 3): apenas a regressão para a taxa de roubos no subgrupo masculino foi diferente, desta vez apresentando uma estrutura linear local com sazonalidade estocástica. Novamente, não obstante a significância do coeficiente estimado, a estimação da taxa de entorpecentes não satisfez a condição de autocorrelação estatisticamente igual a zero para nenhum dos subgrupos de gênero.

Ainda assim resultados relevantes podem ser extraídos das regressões dos gêneros. O impacto do desemprego masculino sobre a taxa de roubos é superior ao impacto do desemprego geral, não obstante a média do desemprego masculino ser inferior à média o desemprego geral. Ademais, enquanto o aumento de um ponto percentual do desemprego feminino leve a uma elevação de 1,34 roubos por 100.000 pessoas, o mesmo incremento do desemprego masculino leva a uma elevação maior do que o dobro deste valor, 2,83, representando um crescimento de aproximadamente 5% em relação à média.

Para as regressões que contemplam o fator etário dos indivíduos as estruturas dos modelos são exatamente as mesmas das estruturas especificadas para o desemprego geral. Tais equivalências fornecem robustez às especificações e sugerem que os ajustes foram adequados. A regressão para o subgrupo mais jovem, dos 16 aos 24 anos, foi a única de todas as realizadas que apresentou relação estatisticamente significante entre desemprego e taxa de furto. Constata-se que o aumento de um ponto percentual no desemprego para essa faixa etária promove uma elevação de 1,45 furtos por 100.000 indivíduos, resultando em um crescimento equivalente a 0,9% em relação à média. O impacto do desemprego dos mais jovens sobre a taxa de roubos é inferior aos outros subgrupos analisados, embora ainda seja estatisticamente significante.

TABELA 2 – DIFERENTES ESPECIFICAÇÕES DOS MODELOS DE COMPONENTES NÃO OBSERVADOS.

Modelo Linear Local Nível Local
Variável: Taxa de Roubos (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11) (12)
Desemprego 1,06\(**\)
(0,51)
0,93\(*\)
(0,52)
1,84\(***\)
(0,49)
1,04\(**\)
(0,51)
0,92\(*\)
(0,51)
2,14\(***\)
(0,49)
Desemprego
(\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\))
1,37\(*\)
(0,88)
2,29\(***\)
(0,87)
2,00\(**\)
(0,95)
2,33\(***\)
(0,88)
2,24\(***\)
(0,87)
1,98\(**\)
(0,94)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não Não Não Sim Sim Não Não Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim Não Não Não Não Sim Sim Não Não
AIC 975,39 958,29 987,79 969,77 1081,96 1067,28 272,22 955,24 984,54 966,61 1077,80 1063,99
P-Valor: Teste Q 0,10 0,08 0,13 0,06 0,00 0,00 0,09 0,05 0,11 0,06 0,00 0,00

Erros-padrão entre parêntesis. “\(*\)”representa significante a 10%, “\(**\)”5%, “\(***\)”1%.
Fonte: Elaboração própria.

TABELA 3 – ESTIMAÇÕES DOS MODELOS DE COMPONENTES NÃO OBSERVADOS, ANÁLISE PARA O DESEMPREGO.

Modelo Nível local Nível local Nível local Nível local
Variável dependente Taxa de Furtos Taxa de Roubos Taxa de homicídios Taxa de entorpecentes
Desemprego 0,002
(0,02)
Desemprego (\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\)) 2,08
(1,69)
2,33\(***\)
(0,88)
-0,91\(***\)
(0,34)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim
P-Valor: Teste Q 0,10 0,05 0,41 0,00

Erros-padrão entre parêntesis. “\(*\)”representa significante a 10%, “\(**\)”5%, “\(***\)” 1%.
Fonte: Elaboração própria.

TABELA 4 – ESTIMAÇÕES DOS MCNO, ANÁLISE PARA O DESEMPREGO POR GÊNERO.

Variável dependente Taxa de Furtos Taxa de Roubos Taxa de homicídios Taxa de entorpecentes
Subgrupo: Homens
Desemprego 0,01
(0,02)
Desemprego (\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\)) 0,42
(1,58)
2,83\(***\)
(0,80)
-1,02\(***\)
(0,32)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim
Modelo Nível Local Nível Local Nível Local Nível Local
P-Valor: Teste Q 0,11 0,05 0,36 0,00
Subgrupo: Mulheres
Desemprego 0,02
(0,02)
Desemprego (\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\)) 2,09
(1,33)
1,34\(**\)
(0,71)
-0,53\(***\)
(1,58)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim
Modelo Nível Local Nível Local Nível Local Nível Local
P-Valor: Teste Q 0,06 0,11 0,47 0,00

Erros-padrão entre parêntesis. “\(*\)”representa significante a 10%, “\(**\)”5%, “\(***\)”1%. Fonte: Elaboração própria.

TABELA 5 – ESTIMAÇÕES DOS MCNO, ANÁLISE PARA O DESEMPREGO POR FAIXA ETÁRIA.

Variável dependente Taxa de Furtos Taxa de Roubos Taxa de homicídios Taxa de entorpecentes
Subgrupo: 16 a 24 anos
Desemprego 0,01
(0,01)
Desemprego (\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\)) 1,45\(**\)
(0,67)
0,91**
(0,36)
-0,22
(0,15)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim
Modelo Nível Local Nível Local Nível Local Nível Local
P-Valor: Teste Q 0,08 0,09 0,37 0,00
Subgrupo: 25 a 39 anos
Desemprego 0,01
(0,02)
Desemprego (\(t\), \(t-1\), \(t-2\), \(t-3\)) 0,75
(1,55)
1,08
(0,80)
-0,59
(0,32)
Sazonalidade Estocástica Sim Sim Não Não
Sazonalidade Determinística Não Não Sim Sim
Modelo Nível Local Nível Local Nível Local Nível Local
P-Valor: Teste Q 0,06 0,32 0,39 0,00

Erros- padrão entre parêntesis. “\(*\)”representa significante a 10%, “\(**\)” 5%, “\(***\)” 1%.
Fonte: Elaboração própria.

Não obstante à importância do desemprego para determinar indicadores criminais dos indivíduos entre 16 e 24 anos, esta variável não parece ter relação no crime para indivíduos mais velhos. As regressões para a faixa etária dos 25 aos 39 anos não possuem efeitos estatisticamente significantes para nenhum tipo de crime. A literatura sugere que a justificativa para essas evidências provém do fato que o crime é a alternativa para jovens sem experiência e sem sucesso no mercado de trabalho (FREEMAN, 1996; NUNLEY; JR; ZIETZ,2011).

Um fator a se considerar é a coincidência de termos não significantes em todas as regressões estabelecidas para a taxa de homicídios. Conforme DiIulio (1996), todos os tipos de crime, exceto homicídios, provavelmente são subreportados, de tal modo que a quantidade de crimes observados é diferente dos crimes realizados. Portanto, a não significância do desemprego para explicar a taxa de homicídios pode sugerir que, para uma mensuração precisa, não há relação entre desemprego e crime. Por outro lado, para Mesters, Geest e Bijleveld (2016), a não significância desta variável pode ser explicada pela menor frequência deste tipo de crime.


5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo analisa o impacto que o desemprego provoca na taxa de criminalidade de quatro tipos diferentes de crimes: furtos, roubos, homicídios e envolvimento com entorpecentes. A escolha da taxa de desemprego como variável explicativa se dá pela possibilidade desta variável contemplar as duas vertentes de motivação para escolha do indivíduo pela atividade criminosa, ou seja, o desem- prego pode abranger tanto incentivos para o indivíduo praticar crimes quanto compreende fatores macroeconômicos.

A análise empírica é realizada através do Modelo de Componentes Não Observados para a Região Metropolitana de Porto Alegre utilizando dados mensais de 2002 a 2017. Este modelo foi escolhido para evitar os potenciais erros de especificação: variável omitida e inclusão de variáveis endógenas. Optou-se por realizar as estimações utilizando a estrutura linear local e nível local, com e sem a inclusão de sazonalidade (estocástica ou determinística), em vista de escolher o melhor ajuste. Além de analisar quatro tipos de crimes diferentes, avaliou-se o impacto do desemprego de subgrupos relacionados a gênero e faixa etária.

Os resultados para a taxa de desemprego geral mostra-se estatisticamente significante e robusta somente para a taxa de roubos, indicando que o aumento de um ponto percentual aumentaria 4,1% os roubos. Este resultado é semelhante ao encontrado para as regressões que utilizam os subgrupo de gênero, mostrando-se diferente somente na amplitude do impacto. Isto é, o impacto da taxa de desemprego dos homens é maior que o das mulheres, de forma que, o aumento de um ponto percentual da taxa de desemprego provoca um crescimento de 5% e aproximadamente 2,5% sobre os roubos, respectivamente.

Utilizando os subgrupos referentes a faixa etária, somente o desemprego dos indivíduos mais jovens (16 a 24 anos) mostrou efeito estatisticamente significante sobre a taxa de furtos e de roubos. Os resultados mostraram que a elevação do desemprego destes indivíduos provoca o crescimento de 0,9% dos furtos e aproximadamente 0,6% dos roubos. Por outro lado, a taxa de desemprego dos indivíduos entre 24 e 39 anos não se mostrou significante para nenhum tipo de crime. Isto pode ser explicado pelo fato do crime ser uma alternativa para os jovens que não têm experiência ou que não obtiveram sucesso no mercado de trabalho.

Nota-se que a taxa de desemprego é estatisticamente significante em relação aos crimes contra a propriedade para todos as subamostras estudadas neste artigo. Isto ocorre porque o incentivo para a atividade criminosa provocado pelo aumento do desemprego é associado, principalmente, ao ganho econômico. Assim sendo, os resultados encontrados neste trabalho podem ser utilizados pelos responsáveis pelo planejamento de políticas públicas, pois indicam que há grupos que impactam mais a taxa de criminalidade através do aumento do desemprego, os homens e os jovens.

Não obstante aos resultados sugerirem um impacto significante do desemprego no aumento dos crimes contra a propriedade, existem algumas limitações do presente trabalho que devem ser abordadas em futuras pesquisas. Dentre elas, destaca-se a necessidade de identificar o motivo do crescimento dos outros segmentos de crime, isto é: determinar quais são as variáveis responsáveis pelo crescimento dos homicídios e crimes relacionados às drogas ilícitas. Além disso, uma análise que pondere os principais determinantes da criminalidade, de maneira a determinar quais são os mecanismos mais relevantes para o aumento dos crimes, seria capaz de facilitar a intervenção estatal para a redução dos mesmos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  1. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é mestranda de Economia Aplicada e estudante de graduação de Matemática Pura, ambos os cursos na UFRGS.
  2. Graduado em ciências econômicas pelo IBMEC-MG e atualmente cursa mestrado em Economia Aplicada na UFRGS.
  3. Os segmentos de crime estudados são: roubo, furto, homicídio e crimes relacionados às drogas ilícitas.
  4. A teoria econômica do crime supõe que os indivíduos que recebem baixos retornos por suas atividades do mercado, num contexto de grande desigualdade, tendem a aumentar seus retornos através da alocação de seu tempo na atividade criminal
  5. A teoria da tensão engloba fatores psicológicos, pois o indivíduo mal sucedido pode se sentir frustrado diante de um relativo sucesso dos outros que estão a sua volta, esta desigualdade comparativa gera uma tensão que induz os indivíduos de baixo status a cometerem crimes.
  6. Segundo a teoria da desorganização social, a elevação da taxa de criminalidade ocorre quando os mecanismos de controle social são enfraquecidos.
  7. Thornberry e Christenson (1984), Reilly e Witt (1996), Levitt (2001), Edmark (2003), Mustard (2010), Fougére, Kramarz e Pouget (2009), Kleck e Jackson (2016) são alguns exemplos da literatura internacional e Carvalho et al. (2017a), Carvalho et al. (2017b), Moura e Cerqueira (2016) são alguns dos estudos brasileiros.
  8. Farrell e Pease (1994) e Field (1992) são algumas das exceções.
  9. Os tipos de crime disponibilizados pela SSP/RS são: Homicídio doloso, furto, furto de veículos, roubo, roubo de veículos, latrocínio, extorsão, estelionato, delitos relacionados à corrupção, delitos relacionados à armas e munições, posse de entorpecentes.
  10. A estrutura nível local desconsidera o termo de inclinação da equação (2), ou seja \(\upsilon_{t} = \upsilon_{t−1} = \upsilon_{t−2} = \dots = 0\).