Análise de viabilidade de irrigação na pecuária leiteira: alternativas para a agricultura familiar na Amazônia

Alexandre Recanati de Oliveira Silva1; Marcos Rodrigues2; David Costa Correia Silva3.
1 - Graduado em Zootecnia pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
2 - Professor na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Doutor em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
3 - Professor na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Doutorando em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará (UFPA).


Resumo

A atividade leiteira na Amazônia possui grande potencial para expansão devido a existência de vastas áreas de pastagem e o contingente de rebanho bovino. Para beneficiar a agricultura familiar, requer-se o aperfeiçoamento técnico da atividade para a geração de resultados financeiros satisfatórios. O objetivo deste artigo foi analisar a viabilidade econômica do investimento em irrigação em pecuária leiteira na agricultura familiar do sudeste da Amazônia. Foram coletados dados de investimento e custos com produtores rurais familiares beneficiados com a instalação de sistemas de irrigação no município de Parauapebas. Utilizando metodologias de análise financeira (VPL, TIR, IL) foi possível verificar os diferentes retornos financeiros caso o projeto fosse inteiramente à custo do produtor rural. Os resultados demonstraram que o projeto é viável quando o trabalho na propriedade é totalmente familiar, reduzindo custos de produção. A existência de mecanismos de financiamento, como o Pronaf, permite que o projeto se torne ainda mais viável para ser implantado em pequenas propriedades, entretanto requer-se o aperfeiçoamento de tais políticas de crédito.

Palavras-chaves: Gado Leiteiro; Valor Presente Líquido; Desenvolvimento Rural.


Abstract

Dairy sector in the Amazon has great potential to increase production due to the existence of vast areas of pasture and the livestock. To benefit family farmers, technical improvements are required to increase the income generation satisfactorily. This study aimed to analyze the economic viability of irrigation investments in small dairy farmers in Southeast Amazon. Primary data of investment and costs were collected with family farmers benefited with irrigation systems in the municipality of Parauapebas. Through financial analysis methodologies (NPV, IRR, LI) it was possible to compare the different financial returns considering that the entirely project as cost of rural producer. The results demonstrated that the project is feasible when the labor on the property are just from family members, reducing production costs. The existence of funding mechanisms, such as Pronaf, allowed the project to become even more feasible to be implemented on small farms, however, it is necessary to improve such credit policies.

Keywords: Dairy Cattle; Net Present Value; Rural Development.

JEL: Q12; D24; Q14.


1 - Introdução

O leite é um alimento importante para a nutrição população da população, além de ser uma alternativa econômica para muitos produtores rurais. Mundialmente a produção de leite foi de 659 milhões de toneladas em 2016 (FAO, 2018). O desenvolvimento de tecnologias é uma das principais formas de ampliar a produtividade da pecuária leiteira, entretanto requer-se analisar economicamente o impacto de tal tecnologia.

Atualmente a produção de leite nacional chegou a uma das mais altas taxa de desenvolvimento de todo espaço do agronegócio brasileiro. Cerca de 85,5% da produção do país está concentrada em dez estados (Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Santa Catarina, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Rondônia e Mato Grosso), que tiveram produção média no ano de 2009 de 25 bilhões de litros de leite (EMBRAPA, 2018). O Estado do Pará ocupa atualmente a 11ª posição no ranking dos estados que produzem leite no Brasil. Em 2008, a quantidade de animais ordenhados no Estado do Pará foi de 951.362 cabeças o que gerou uma produção de leite de 603,06 milhões de litros, sendo uma média de produtividade de 633,89 litros/vaca/ano (SENA et al, 2010).

Alguns estudos já compararam a atividade leiteira com outras atividades rurais e identificaram o seu potencial para geração de renda (KRUGER et al., 2017). Para a agricultura familiar, a concentração em uma única atividade pode comprometer a geração de renda pois estas normalmente requerem uma alta escala de produção. Desta forma a pluriatividade e multifuncionalidade surgem como alternativas para promover o desenvolvimento rural (CAMARGO; OLIVEIRA, 2012; PLOEG; JINGZHONG; SCHNEIDER, 2012). Entretanto, algumas estratégias tecnológicas podem ser utilizadas para intensificar o rendimento do trabalho em pequenas áreas com reflexos na geração de renda, que será objeto de análise deste estudo.

Diante de tais condições, o objetivo deste trabalho foi determinar a viabilidade econômica do investimento em irrigação em pecuária leiteira na agricultura familiar do sudeste da Amazônia. A hipótese estabelecida é que a irrigação permite ampliar a produção de leiteira em pequenas propriedades, pois mantém a disponibilidade de alimentos durante todo ano, sendo economicamente viável como alternativa para o desenvolvimento rural.


2 - Produção de leite e desenvolvimento rural

A produção de leite no Brasil vem se mostrando crescente a cada ano que passa, em 1996 a produção nacional foi de 18.515,39 milhões de litros, subindo para 33.624,65 milhões de litros em 2016, um incremento de cerca de 82% (IBGE, 2018). O crescimento da produção também ocorre no estado do Pará, mas, embora detenha o quinto maior rebanho bovino nacional, é apenas o 12º na produção de leite. A vocação da produção pecuária de corte no estado se reflete no município de Parauapebas, o qual houve queda na produção leiteira (Tabela 1). Desenvolver arranjos institucionais e tecnologias produtivas para a agricultura familiar podem contribuir para a viabilização da produção leiteira no estado e fomentar alternativas para a agricultura familiar.

Tabela 1 - Evolução da produção leiteira - Brasil, Pará e Parauapebas.

Região Produção de Leite (em mil litros) Variação % (1996 a 2016)
1996 2006 2016
Brasil 18.515.391 25.398.219 33.624.653 81,6%
Pará 237.899 691.099 577.522 142,8%
Parauapebas 8.640 6.156 3.990 -53,8%

Fonte: IBGE (2018).

A importância do leite na alimentação humana decorre da série de nutrientes que esse alimento dispõe como: proteínas, carboidratos, cálcio entre outros elementos relevantes e que são fontes de inúmeros estudos científicos (GUERREIRO et al., 2005). Assim, além de alimento e fornecedor de nutrientes a produção de leite oferece uma oportunidade de negócio aos criadores de gado. A pecuária leiteira apresenta uma grande importância social, pois grande parte das propriedades leiteiras utilizam da mão de obra familiar para realizarem suas tarefas diárias (SILVA; SILVA, 2016).

Uma característica relevante dentro da produção leiteira nacional é a predominância de pequenas e médias propriedades e que se utilizam de mão-de-obra estritamente familiar, onde a sua principal fonte de renda é a produção leiteira. A carência de assistência técnica, falta de conhecimentos técnicos e investimentos na produção leiteira acarretam em baixa produtividades e qualidade inferior do produto (GONÇALVES et al., 2014). A predominância de melhor qualidade na produção leiteira pode ser observada em propriedades com grandes produções se comparadas propriedades com produção relativamente menor (TKAEZ et al., 2004). A mão de obra é um fator importante na produção de leite, porém os seus custos têm uma considerável influência na lucratividade da propriedade. Segundo Costa (2006), para ser considerado produtivo a mão de obra na pecuária leiteira deve ter valores que seja maiores que 200 litros-homem dia.

Por se tratar de uma commodity, o preço é uma variável determinada pelo mercado, isto é, depende da relação entre a oferta e a demanda. Dessa forma, o produtor rural tem pouca margem para negociação. Assim, a ampliação da lucratividade dos empreendimentos leiteiros possui como estratégias principais a redução de custo, o aumento da produtividade e a diversificação das fontes de receita da atividade.

Sobre a criação de animais, Lopes, Santos e Carvalho (2012) sinalizam a existência de dois sistemas: confinamento total e semiconfinamento. Os autores identificaram que no primeiro, a dedicação quase total à produção de leite e o elevado custo resultam em uma margem líquida negativa, enquanto que no sistema de semiconfinamento as receitas de venda de matrizes e subprodutos são mais elevadas em comparação ao confinamento total, ampliando a receita total e tornando a atividade lucrativa.

A produtividade possui relação direta com a alimentação e material genético dos animais. Já a produção diária, além das variáveis já citadas, também possui relação com a quantidade de ordenhas realizadas. Barbosa et al (2013) analisaram a viabilidade de sistemas de produção com três ordenhas. O mesmo se mostrou inviável devido aos custos com alimentação, mão de obra e operação além outros problemas relacionados a saúde animal.

Fatores como preços, custos de produção, produtividade impactam diretamente na produção total dos fatores e consequentemente na renda familiar. As diversas possibilidades de manejo da produção por sua vez levam a diferentes resultados possíveis, que necessitam ser valorados para auxiliar na tomada de decisões (GIORDANO et al., 2011), incluindo seleção genética e nutrição animal (ZHANG; WHITE; COLOSI, 2013). Dentre as técnicas financeiras destaca-se o Valor Presente Líquido, a Taxa Interna de Retorno, o Índice de Lucratividade e o período de Payback.

Ndambi et al (2008) identificaram que em Uganda as propriedades pequenas com reduzido número de animais em lactação utilizam quase a mesma quantidade de trabalho que propriedades maiores com mais animais. Tal situação torna a atividade leiteira inviável em propriedades muito pequenas pois rendas não agrícolas podem ser mais elevadas que a atividade leiteira. Já García, Dorward e Rehman (2012) realizaram uma análise de cluster para classificar os produtores e perceberam existir uma forte heterogeneidade em seus sistemas de produção e características socioeconômicas. Isto reforça que políticas públicas podem promover melhores transferências de tecnologia, preço e suporte aos agricultores, reduzindo as diferenças de produtividade, rendimento do trabalho e de renda.

A produção leiteira pode ser uma alternativa para a pequena produção. Entretanto a dependência de variáveis tecnológicas para ampliação da produtividade e de mercado para ampliação de renda, podem levar a riscos em determinados momentos. Algumas estratégias necessitam ser desenvolvidas por meio de mecanismos de cooperação para produzir uma escala satisfatória, como a agregação de valor ao produto (MENEGHATTI; FARIÑA; BERTOLINI, 2017) através de uso de marcas ou mesmo o processamento próprio e comercialização local do produto (COLETTI; PERONDI, 2015).


3 - Metodologia

3.1 Área de estudo e coleta dos dados

O presente trabalho foi desenvolvido na comunidade Palmares II, do município de Parauapebas - PA, situada na região norte do país. Para obter dados sobre a viabilidade de produção de leite em sistema de pasto irrigado foi aplicado um questionário, no período de 04 de novembro de 2017 a 10 de janeiro de 2018, com 10 agricultores familiares que foram beneficiados com um projeto local (Leite a Pasto) que implantou gratuitamente o sistema de irrigação nestas propriedades dados ocorreu. Embora foram diversas as famílias beneficiadas pelo projeto, apenas os entrevistados mantêm o projeto de forma efetiva com produção voltada para a venda. A rotatividade no campo e abandono do meio rural pelas famílias, baixo conhecimento ou comprometimento com a atividade proposta e reduzida assistência contribuem para a redução do número de famílias que permanecem com o projeto de forma efetiva.

O questionário continha 21 questões divididas em três blocos: i) características do agricultor, contendo questões sobre as condições socioeconômicas (idade, escolaridade, experiência na atividade); ii) características da propriedade (área total, área utilizada economicamente, empregados familiares e não familiares, forma de posse da terra) e; iii) características da produção, contendo questões sobre a estrutura de custo e produção da atividade leiteira irrigada.


3.2 Análise da viabilidade da produção

Os indicadores viabilidade calculados foram o Valor Presente Líquido (VPL), a Taxa Interna de Retorno (TIR) e o Índice de Lucratividade (IL). O VPL corresponde ao somatório dos fluxos de rendimentos esperados para cada período descontados pela taxa mínima de atratividade (TMA) ao presente. A TMA pode ser considerada como a melhor taxa disponível no mercado para a aplicação, com o menor risco. O VPL é expresso matematicamente conforme a Equação 1.

\[VPL = \sum^{n}_{t = 1} \frac{FC_{t}}{\left( 1 + TMA \right) ^{t}} - I\qquad(1)\]

Onde:

A interpretação para o VPL depende do sinal obtido, se for igual a zero significa que o fluxo de caixa descontado foi igual o valor do investimento; se o VPL for menor que zero significa que o fluxo descontado foi menor que o valor investido. Nestas duas possibilidades o investimento se torna inviável. Para o projeto ser considerado viável é necessário que o VPL seja maior que zero, sendo o fluxo descontado maior que o valor investido. Para o cálculo deste trabalho, o horizonte (n) utilizado foi de 8 anos e a TMA de 20%.

O outro indicador econômico utilizado foi a Taxa Interna de Retorno (TIR). Esta taxa demonstra a taxa de desconto que iguala a soma dos fluxos de caixa do investimento. Ou seja, é a taxa de desconto que iguala o VPL do investimento à zero (WOILER; MATHIAS, 1996). A taxa interna de retorno significa o valor do custo de capital que faz com o que o VPL se torne nulo, sendo então uma taxa que remunera o valor investido no projeto. Quando superior ao custo de capital do projeto, deve ser aceito (BRUNI; FAMÁ, 2012). A TIR é a taxa que irá devolver equivalente o valor presente dos lucros futuros aos dos gastos realizados do projeto, caracterizando, assim, a taxa de remuneração do capital investido (PONCIANO et al., 2004). Um projeto será viável se tiver a TIR superior à TMA.

De acordo com Assaf Neto e Lima (2009) e Kassai et al. (2000), o índice de lucratividade (IL) se refere ao valor presente do fluxo de caixa dividido pelo valor do investimento usando com taxa a ser descontada, a TMA que é representada na Equação 2. O resultado do índice indica quanto vai ser o retorno oferecido pelo projeto para cada unidade monetária, em matéria de valor presente. Quando resultado for acima de 1 o investimento é considerado rentável, quando menor que 1 é inviável realizar o investimento.

\[IL = \frac{\text{PRetornos}}{I}\qquad(2)\]

Sendo:

O fluxo de caixa líquido de cada agricultor familiar foi obtido subtraindo a receita total com a venda do leite menos os custos totais de produção no sistema irrigado. A receita total foi obtida multiplicando o preço médio de venda do litro de leite pela quantidade anual produzida. O custo total de produção anual contemplou os itens: ração, sal mineral, adubo, combustível, medicamentos, energia elétrica e salários (quando existente empregados). Para o horizonte de 08 anos foi estimado uma taxa de crescimento anual de 5% no fluxo de caixa líquido.

O valor do investimento para a implantação da irrigação foi estimado em R$ 8.032,00 com base nos orçamentos obtidos do projeto de implantação de irrigação na Palmares II, em Parauapebas. Esse recuso equivale a compra dos seguintes materiais: 01 Moto-bomba, 01 Chave partida direta 2 CV monofásica; 220 volts,1 Tubulação de sucção completa, 1 Tubulação de saída da bomba completa, Tubo PVC PN 60 75 mm, Tubo PVC PN 80 75 mm, Tubo PVC PN 60 50 mm, Tubo PVC PN 60 25 mm, Mini aspersor 650 l/h P.S.: 30 mca, Conjuntos conexões + acessórios, Válvula de pé 1 1/2”, Válvula Retenção de 1 1/2”, Válvula Ventosa cinética ø 1”, Filtro 2” 55 mesh e timer digital. Esses são essenciais para garantir a perfeita funcionalidade da irrigação, garantir que a água seja sugada de sua fonte e distribuída pelos aspersores no intervalo de terra reservado para ser irrigada.

Ao valor da irrigação foi adicionado R$2.000,00 para cada animal em produção como custo de aquisição do mesmo, variando para cada agricultor com base na quantidade de animais em cada propriedade. Duas simulações foram realizadas, a primeira considerando apenas o uso de recursos próprios do agriculto e a segunda considerando a obtenção de recursos para instalação da irrigação pelo Pronaf A, linha de crédito para assentados da reforma agrária.


4 - Resultados e Discussão

Os agricultores familiares neste estudo foram contemplados com a implantação (sem custo aos agricultores) de um sistema de irrigação pelo projeto “Leite a Pasto”, promovido por uma empresa local com a finalidade social do desenvolvimento produtivo. Tal projeto visa utilizar a irrigação como uma alternativa para o período seco, onde a principal fonte de alimento volumoso para os animais (plantas forrageiras) se encontra em escassez, fazendo com que se tenha disponibilidade de forragem adequada para manter a produção no período de estiagem.

O projeto de irrigação para pasto pode ser um mecanismo para a promoção do desenvolvimento rural se os resultados financeiros forem satisfatórios. Portanto este trabalho deseja verificar qual seria o resultado financeiro de tal projeto se implantado como investimento pelos agricultores familiares.

Foram beneficiados pelo projeto inicialmente 50 agricultores, porém apenas 10, os quais foram entrevistados, ainda trabalham com o sistema de irrigação por aspersão de forma efetiva. Todos perceberam ganhos de produção após a implantação da irrigação na sua propriedade. É um desejo comum entre eles a vontade de expandir a área irrigada, devido os benefícios trazidos pela irrigação é um sistema viável, por isso muito recomendado por todos os usuários entrevistados.

Segundo o resultado da entrevista realizadas com os produtores, os mesmos não apresentaram um sistema de policulturas, ou seja, utilizam-se de apenas uma fonte de renda principal em suas propriedades, assim seus ganhos se concentram apenas da pecuária leiteira. O fato de existir apenas uma cultura na propriedade torna-se uma vantagem, no ponto de vista de dedicação do produtor, pois assim o mesmo poderá dispor de mais atenção ao seu sistema de produção, melhorando a qualidade do produto produzido.

Por outro lado, também pode ser uma desvantagem. Essa concentração em apenas um produto pode acarretar em prejuízos em face de algum problema, como por exemplo, uma crise, queda do preço, doença nos animais e principalmente o período de seca onde a produção de leite reduz significativamente, isso se torna um problema já que não existe outra fonte de renda capaz de sustentar as despesas da família e da propriedade.

Se comparado com outras propriedades o tamanho da terra dos agricultores familiares é relativamente pequeno para a região (módulo fiscal do município é de 70 hectares) com média de 27,8 hectares no grupo entrevistado, este valor reduzido ocorre devido a todos estarem localizados em um assentamento. A área média irrigada nas propriedades é de 1,43 hectares, embora pequena ela possui uma grande capacidade de produção devido a sua intensificação, pois a área irrigada favorece a rebrota da forragem, com isso se torna possível colocar mais animais por área, aumentando assim a taxa de lotação naquele hectare e comprovando teoricamente sua eficácia.

A produtividade média de leite ordenhado nas propriedades entrevistadas é de aproximadamente 109,7 litros diários, sendo cerca de 92,5 litros para venda e 17,2 para propriedade com consumo familiar e dos bezerros, resultando uma média mensal por animal de aproximadamente 344,9 litros de leite. A venda do leite é feita para um laticínio da região, dois dos produtores entrevistados possuem tanque resfriador no qual recebem leite dos demais produtores e possuem uma remuneração diferenciada na venda do seu produto, devido a responsabilidade em realizar a manutenção do tanque e garantir a qualidade do produto de outros produtores. No trabalho realizado por Borges, Guedes e Assis (2011), cujo os produtores apresentavam características de produção semelhantes a este trabalho, obtiveram média de produção diária de 386 litros de leite, uma diferença de aproximadamente 50 litros.

A renda das propriedades depende da quantidade de leite que será produzido pelas vacas. Ao agricultor familiar é necessário o uso de técnicas de manejo adequadas para que seus animais possam expressar seu potencial genético, e um dos principais manejos é o alimentar. Sem uma alimentação adequada as vacas não produzem a quantidade desejada para que a produção possa obter lucratividade.

O leite produzido pelos produtores entrevistados é vendido com preços semelhantes, sendo em média de R$0,94 por litro. O preço é determinado pelo mercado local, portanto para alcançar melhores ganhos para a renda familiar os produtores devem ampliar a produtividade (função do sistema irrigado) ou reduzir custos de produção.

Analisando este último aspecto, o custo médio de produção mensal é de R$1659,07. Os dois maiores componentes identificados que compõe o custo médio foram a mão-de-obra contratada e a aquisição de alimentos (ração), conforme Figura 1.

Figura 1 - Distribuição percentual dos custos médios dos produtores familiares em sistema irrigado.

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos resultados da pesquisa.

O maior gargalo encontrado pela pesquisa realizada com produtores da Palmares II são os funcionários, pois alguns dos produtores que possuem mão-de-obra não familiar. O salário pago pelos produtores entrevistados aos seus funcionários é em média de R$1000,00 mensal. Devido a alguns membros da família desempenharem atividades econômicas não agrícolas isto reduz a disponibilidade de mão-de-obra e requer a contratação de funcionários externos, elevando o custo nestas propriedades.

Com a finalidade de verificar a viabilidade financeira do investimento em sistemas de irrigação foi realizado um levantamento dos equipamentos com os orçamentos de implantação. Ressalta-se que os produtores no projeto foram beneficiados com tal sistema, portanto sem custo. Para cada animal em lactação na propriedade foi considerado um custo de aquisição de R$2000,00. Os principais resultados estão disponíveis na tabela 2.

Tabela 2: Resultados da análise financeira dos produtores familiares entrevistados.

Agricultor Familiar Animais em Lactação Investimento Inicial (R$ ) Utilizando recursos próprios Contratando Pronaf
VPL (R$ ) IL TIR VPL (R$ ) IL TIR
1 10 28.032,00 -24.202,48 0,14 -20,35% -13.420,45 0,33 -6,58%
2 11 30.032,00 16.725,49 1,56 36,12% 27.507,52 2,25 54,05%
3 10 28.032,00 36.999,42 2,32 55,75% 47.781,45 3,39 81,52%
4 15 38.032,00 1.583,96 1,04 21,30% 12.365,99 1,41 32,15%
5 11 30.032,00 45.501,68 2,52 60,55% 56.283,71 3,56 85,50%
6 8 24.032,00 32.072,50 2,33 56,12% 42.854,53 3,68 88,33%
7 7 22.032,00 63.478,82 3,88 93,01% 74.260,85 6,30 149,00%
8 6 20.032,00 -17.226,45 0,14 -20,01% -6.444,42 0,46 0,14%
9 6 20.032,00 44.999,42 3,25 78,10% 55.781,45 5,65 133,95%
10 14 36.032,00 25.848,74 1,72 40,41% 36.630,77 2,31 55,49%

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos resultados da pesquisa.

Analisando os resultados do VPL percebe-se em ambas as simulações que apenas 2 agricultores apresentam valor negativo, que tornaria o investimento inviável. O VPL negativo é acarretado pelo pagamento anual de salários, que poderia ser substituído por trabalho familiar, mantendo a essência da agricultura familiar. A dificuldade em desenvolver uma atividade produtiva levou alguns membros familiares a buscarem trabalho fora da propriedade rural, e, com a implantação do projeto, apenas alguns membros se dedicam à atividade, levando à necessidade de contratação de trabalho não-familiar.

O VPL positivo em 80% dos agricultores indica que o investimento em irrigação pode ser uma alternativa viável para a agricultura familiar, mas são necessárias melhores técnicas de gestão para estes agricultores. O investimento inicial pode ser financiado por meio do acesso a linhas de crédito subsidiadas, como o Pronaf. O VPL médio da atividade sem contratação de Pronaf (R$ 22.578,11) ficou 32,3% menor que o mesmo projeto havendo o financiamento apenas do sistema de irrigação pelo Pronaf (R$ 33.360,14).

A vantagem inicial da contratação do crédito pelo Pronaf A é o abatimento em 40% do valor do principal com o pagamento em dia das parcelas (caso simulado), além da reduzida taxa de juros vigente (0,5% ao ano). Outra vantagem é redução das necessidades de capital de longo prazo, pois parte do projeto é financiado, requerendo recursos próprios para a aquisição e manutenção dos animais. Considerando a agricultura familiar, a baixa disponibilidade de recursos financeiros, principalmente em assentamentos, torna a linha de crédito de suma importância como mecanismo de desenvolvimento. Entretanto, o baixo conhecimento dos agricultores e dificuldades de assistência técnica ainda limitam a capacidade de contratação de crédito pelo Programa, requerendo mais atuação do setor público no fomento.

Quanto a TIR, percebe-se valores elevados (podendo chegar até a 149%). O investimento inicial não é tão elevado, ainda, o desafio para os agricultores é gerar renda familiar anual satisfatória em uma parcela reduzida de área (porção irrigada). Esses motivos ocasionam a elevação da TIR. O mesmo ocorre para o IL, que se apresenta elevado em alguns casos (chegando à R$ 6,30 de retorno para cada real investido).

No caso analisado, todo o projeto foi financiado por meio de uma política local de desenvolvimento. Portanto os produtores rurais beneficiados não tiveram custos de aquisição e instalação do sistema de irrigação, portanto perceberam retornos positivos. Entretanto através dos dados fornecidos, foi possível verificar que a mão-de-obra é determinante na replicação do modelo em outras unidades familiares. A produção familiar de leite pode ser ainda mais viável em sistemas irrigados em pequenas áreas se o trabalho for exclusivamente da família, reduzindo o custo com mão-de-obra externa e produzindo maiores benefícios em termos de resultados econômicos, mesmo se o projeto for inteiramente adquirido com recursos próprios (ou mesmo financiados).

Promover alternativas para a geração de renda na agricultura familiar é essencial para o desenvolvimento rural, principalmente quando estas estão ligadas a um mercado produtivo. Em regiões de elevada pobreza rural, as políticas de renda devem ser complementadas com soluções que permitam dar uso econômico à terra, com o desenvolvimento de atividades produtivas com estímulos ao mercado, como o caso do mercado de biodiesel e o selo combustível social (STATTMAN; MOL, 2014). A longo prazo tais iniciativas podem reduzir da evasão rural pela busca por empregos rurais não agrícolas (NUNES; MARIANO, 2015), além de promover o desenvolvimento sustentável.


5 - Conclusão

A irrigação é uma estratégia de utilização mais eficiente do espaço produtivo de gado leiteiro em unidades familiares que detém uma parcela pequena de área. Fomentar o desenvolvimento rural através deste mecanismo pode ser promissor. Os resultados deste trabalho demonstraram que a atividade é viável em diversas propriedades, sendo o principal gargalo a contratação de mão-de-obra externa à propriedade em detrimento da mão-de-obra familiar. Este problema pode ser resolvido com melhor gestão dos recursos da propriedade e maior interesse dos agricultores pela atividade.

Comparando opções de investimento, demonstrou-se que o Pronaf pode auxiliar a aquisição dos materiais para irrigação. A elevação do VPL neste caso demonstrou que a atividade pode ser ainda mais promissora como estratégia de desenvolvimento rural. Entretanto as dificuldades de acesso ao crédito ainda precisam ser superadas com mais atuação do setor público e melhor informação dos agricultores familiares. Recomenda-se ainda que estudos futuros verifiquem além da viabilidade de sistemas de irrigação, a melhoria da produtividade com alteração dos padrões genéticos, que podem elevar ainda mais a renda familiar.


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