A “saga” político-ecológica da algaroba no semiárido brasileiro

Annahid Burnett1
1 - Pós-doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Doutorado em Ciências Sociais; Mestrado em Sociologia; Licenciatura em Sociologia. Autora do Livro VOZES DA SULANCA, Ed. NEA, 2016. Tradutora do Livro SOCIOLOGIA AMBIENTAL, do Profº John Hannigan da Universidade de Toronto, Ed. VOZES, 2009.


Resumo

A “saga” da algaroba (Prosopis juliflora) no semiárido envolveu uma grande diversidade de atores sociais, dentro do cenário desenvolvimentista, quando se pregava a introdução desta espécie como “salvação” socioeconômica para a região. O objetivo deste artigo é de analisar a construção do discurso salvacionista que deu suporte à implantação da tecnologia da algaroba. Investigar que atores sociais participaram dessa construção e quais eram suas estratégias e interesses. Como metodologia usamos o levantamento bibliográfico pertinente ao objeto de estudo na referida época, como também da documentação dos registros da imprensa escrita nos jornais da região.

Palavras-chave: Algaroba; Ecologia; Semiárido; Desenvolvimento; Tecnologia.


The political-ecological “saga” of mesquite tree in the Brazilian hinterlands


Abstract

The mesquite tree “saga” (Prosopis juliflora) in the Brazilian hinterlands involved a huge diversity of social actors during the post war developmental scenery when they preached the introduction of this species as a socioeconomics “salvation” for the region. The aim of this paper is the analysis of the construction of this “salvation” speech which supported the mesquite tree technology implementation. Research the social actors who participated on that construction and which were their strategies and interests. As methodological strategy we traced the pertinent bibliography to the object at that time, as well as the written press documentation from the regional papers.

Keywords: Mesquite Tree; Ecology; Hinterlands; Development, Technology.


1 - INTRODUÇÃO

A algaroba – algarrobo/algarroba em espanhol, mesquite em inglês e taco em quéchua, língua dos nativos dos Andes, e quer dizer “árvore” – é uma leguminosa representada por diversas espécies do gênero Prosopis. É uma planta xerófila (plantas adaptadas a ambientes secos ou com pouca água) nativa de regiões áridas que vão do sudoeste americano até a Patagônia, na Argentina. Quando chegaram ao Novo Mundo, os conquistadores deram-lhe o nome da algarrobo, por causa da semelhança de seus frutos com as vagens de alfarroba (Ceratonia siliqua), abundante na região do Mediterrâneo. Cronistas da era colonial relatam os muitos usos das vagens de algaroba, inclusive alimentando homens e cavalos das tropas conquistadoras (GOMES, 1961).

Mais de quarenta espécies de Prosopis já foram descritas. As informações disponíveis mais abrangentes sobre esta planta foram publicadas por Burkart (1976). Uma das espécies descritas por Burkart, a Prosopis juliflora, foi usada para reflorestar e recuperar regiões áridas e semiáridas no Brasil, Peru, Sudão, Índia, África do Sul e Cabo Verde. A introdução desta espécie causou polêmica em alguns destes países. Opositores argumentavam tratar-se de espécie invasora que poderia acarretar problemas para o ecossistema local. Já os defensores mostravam o quanto a algarobeira seria útil para as regiões inóspitas que nada produziam, abrindo alternativas de aproveitamento de solos pobres, produção de frutos, desenvolvimento da apicultura, alimentação de animais e utilização de suas partes lenhosas (DOMINGUES, 1982).

Para compreender melhor a associação da algaroba a um discurso de “salvação” para o Nordeste, nos propomos a seguir sua trajetória desde a introdução na região na década de 1940 até os dias atuais e o envolvimento que diversos atores e grupos sociais estabeleceram com ela. Partimos da premissa, seguindo Ribeiro (2004), que o discurso não é autoexplicativo, sendo necessário, portanto, conhecer as condições de constituição do grupo (no caso da algaroba, dos grupos), no qual o discurso funciona para poder explicá-lo. O discurso deve sempre uma parte muito importante de seu valor ao valor daquele que o domina. O discurso é, portanto, reflexo dos grupos que são responsáveis por sua elaboração, recepção e reprodução e, dessa forma, reflete o tempo e espaço em que atuam. Então, devemos investigar no discurso, as ideias, símbolos e mensagens que ele veicula para entender como determinados grupos legitimam sua dominação e popularizam seu discurso. Através do desenrolar da introdução da algaroba no Nordeste, vamos tentar entender como esse discurso da “salvação” foi se construindo e quem foram os atores sociais construtores desse discurso.

De acordo com Silva (2000)2, a “saga” da algaroba no Brasil pode ser dividida em três fases bem distintas: a primeira fase, que vai da introdução na década de 1940 até 1960 quando a espécie despertou a curiosidade dos técnicos e produtores rurais nordestinos; a segunda fase, que vai de 1961 e termina em 1965, caracterizada por uma série de ações governamentais voltadas para a expansão da cultura; e a terceira fase, iniciada em 1966, que se caracterizou por investimentos na pesquisa, incentivo para o desenvolvimento da cultura nos estados nordestinos, mas que foi marcada pela descontinuidade dos vários programas, de âmbito federal, estadual e municipal. Sugerimos ainda uma quarta fase, a construção de outros discursos que tem marcado os últimos anos.


A primeira fase: a introdução da espécie

A algarobeira chegou à região semiárida brasileira em 1942. Seu primeiro plantio, que ficou a cargo do engenheiro agrônomo Lauro Ramos Bezerra, ocorreu no município pernambucano de Serra Talhada, com sementes supostamente originárias do Novo México, Estados Unidos, enviadas pelo Professor J. B. Griffing, da Escola Superior de Agricultura de Viçosa, Minas Gerais, ao engenheiro agrônomo Clodomiro Albuquerque, então Diretor da Estação Experimental de Serra Talhada. Os professores Lauro Xavier Emmanuel Barreto Campelo e Antônio Corrêa dão seu testemunho de que esse plantio não deu certo, pois, ao observar que as mudinhas apresentavam grande quantidade de espinhos, o pesquisador Lauro Bezerra eliminou o plantio, porque achava ele não ser necessário introduzir mais uma árvore com espinhos no semiárido (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982).

Apesar dessa afirmativa, o engenheiro agrônomo Inácio Antonino Gonçalves, do Ministério da Agricultura, informa que, em 1952, o deputado Tertuliano Correia da Costa Brito, natural do município de São João do Cariri e representante da região na Assembleia Legislativa paraibana, havia lhe entregue algumas vagens que trouxera de Serra Talhada, informando ser uma planta que vegeta em região em que chove pouco, razão pela qual ele iria cuidar de sua reprodução. Seu plantio foi feito na fazenda Ligeiro, no município paraibano de Serra Branca, que pertence à família do Dr. Antonino, onde ainda vegetam algarobeiras com mais de 50 anos de idade e que deram origem as algarobeiras existentes no Cariri, em torno de 90%, por meios de mudas distribuídas e sementes para fazer mudas em outros lugares (SILVA, 2000). Informação confirmada pelo próprio Dr. Inácio Antonino, no Ligeiro, sua propriedade em Serra Branca, no ano de 2005. Já podemos, então, registrar desde sua introdução, o envolvimento político na área técnica.

Outra introdução ocorreu em 1946, no Rio Grande do Norte, por indicação do botânico inglês S. C. Harland quando em visita aos trabalhos experimentais de algodão mocó na então Companhia Brasileira de Linhas para Coser, na fazenda São Miguel, no município potiguar de Angicos, hoje, Fernando Pedrosa. O botânico inglês, em seu relatório sobre a fazenda São Miguel, aconselha o plantio da algarobeira como planta forrageira, afirmando que a algarobeira é uma árvore preciosa, do tipo da leguminosa Acácia, e que vegeta nas regiões áridas no norte do Peru. Os frutos constituem uma valiosa e nutritiva forragem e é aconselhável experimentá-la em larga escala para confirmação. As sementes seriam obtidas e enviadas para a fazenda (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Podemos verificar neste texto que os cientistas da época não tinham a preocupação sobre os impactos que poderiam causar a introdução de uma espécie exótica no bioma caatinga como foi confirmado em conversa com Dr. Antônio Quirino Alves, engenheiro agrônomo do DNOCS. Segundo ele, não se cogitava na época os riscos ao meio ambiente. Aliás, a questão ambiental era reduzida a sua dimensão de base de recursos naturais e eventual obstáculo ao crescimento econômico.

Ao chegar ao Rio Grande do Norte, o engenheiro agrônomo Guilherme de Azevedo, do Ministério da Agricultura, procurou conhecer a realidade da pecuária potiguar, visando traçar um programa de ação para o Estado, no que concerne à alimentação dos rebanhos. Era sabido que naquela Unidade da Federação e, no semiárido em geral, eles viviam uma alternância de engorda e emagrecimento, trazendo sensíveis prejuízos àqueles que se dedicavam à pecuária e, sobretudo, à economia regional. Procurou, também, conhecer os trabalhos na área de fomento animal feitos por profissionais que o antecederam, concluindo que os esforços dos mesmos para solucionar os problemas da alimentação dos rebanhos, no período seco, não tiveram êxito. Por outro lado, espécies forrageiras das diversas regiões do mundo foram introduzidas, mas nenhuma delas resistiu às condições climáticas do semiárido norteriograndense, e mesmo a palma forrageira (Opuntia sp.) tinha sua área ecológica muito limitada, não vegetando nem no Seridó nem no Oeste, regiões de maior concentração dos rebanhos no Estado, exceto em algumas serras e chapadões. Como a maior parte das regiões ecológicas do sertão nordestino e, especialmente do Rio Grande do Norte, era quase impraticável a formação de pastagens herbáceas, Guilherme de Azevedo iniciou, em 1951, estudos e observações sobre o comportamento de diversas plantas consideradas forrageiras, nativas e exóticas, para a formação de pastagens arbóreas.

Como resultado dessas experiências o pesquisador conclui que somente a algarobeira apresentava características desejáveis para a formação de um pasto arbóreo porque, segundo ele, algumas plantas como o juazeiro, planta nativa da região, apresentaram uma resistência excepcional à seca, mas eram de crescimento muito lento, outras, como a canafístula, também nativa, possuíam crescimento rápido, mas exigiam terrenos de aluvião. A algarobeira, de todas, foi a que reuniu melhores qualidades, ou seja, resistência à seca, crescimento rápido, pouca exigência quanto aos solos e boa palatabilidade dos frutos e folhas (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Podemos observar neste relatório a preocupação principalmente com a parte comercial da atividade, a planta ideal teria que ter um crescimento rápido para dar um retorno financeiro rápido, refletindo o modelo de desenvolvimento econômico do país.

Guilherme de Azevedo, portanto, não hesitou, então, em dar início a um trabalho de fomento com dupla utilidade: pasto arbóreo e essência florestal, quando procurou introduzir a algarobeira em larga escala nas fazendas de criação. Cada vez mais se convencia os criadores do valor dessa leguminosa como forrageira e como planta para florestar o sertão nordestino (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Foi então, nos anos 50 do século XX que se começou a difundir que a algaroba iria “salvar” o Nordeste.

O apoio oficial a essa iniciativa era, então, muito discreto, para não dizer inexistente e, por isso, incapaz de promover a expansão da cultura. Isto justificou plenamente um trabalho intensivo de distribuição de sementes e mudas entre técnicos, prefeitos e produtores rurais do semiárido nordestino, visando proporcionar alimentação para os rebanhos, florestamento, reflorestamento e arborização das cidades interioranas e capitais da região (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Confirmamos assim a participação de grande diversidade de atores sociais na “saga” da algaroba.

Guilherme de Azevedo usou a arborização das cidades com algaroba como “estratégia” para divulgação e expansão da cultura. Sabia ele que o homem do campo tinha o hábito de amarrar seus animais aos troncos das árvores que arborizavam as cidades do interior enquanto fazia a feira. Este ato lhe permitiria verificar, então, de um modo direto, o valor da algarobeira como forrageira: os animais amarrados às árvores certamente ingeririam os frutos que caíssem, matando a sua fome, fato que aguçaria a curiosidade do sertanejo. Este, naturalmente, despertado pela curiosidade e, vendo que as vagens serviriam de alimento para os animais, iria querer não só conhecer a planta, mas, também, levar sementes para as suas propriedades e assim, a algarobeira penetraria nas fazendas de criação nordestina, no sentido da cidade para o campo (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982).

Deste modo, a arborização das cidades com algarobeiras dava início à expansão da cultura na Região Nordeste, que começou no distrito de Sítio Novo, município de São Tomé, e se estendeu, posteriormente, às cidades de São Paulo do Potengi, Nova Cruz, Santo Antônio e Mossoró, no Rio Grande do Norte, São João do Piauí, no Piauí, e Sobral, no Ceará (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Azevedo também escreveu artigos para jornais do Rio Grande do Norte sobre as qualidades da algarobeira e seu uso pelos produtores rurais. Assim, na Tribuna do Norte, de 18.12.52, escreveu A fazenda São Miguel e os pastos arbóreos; no Diário de Natal, de 22.2.53, A algaroba e a criação de abelhas; e no Diário de Natal, de 08.03.53, Notas sobre a algaroba (SILVA, 2000).

O professor paraibano Lauro Xavier, no Diário de Natal, de 05/03/54, ao escrever um artigo intitulado: Recuperação da Pecuária nordestina pela algaroba, afirma que quem vive em zonas de criação como as do Nordeste seco, deve pensar em modificar o sistema de pastagem em voga, se quiser garantir a forragem para o gado bovino, ovino e caprino durante todo o ano. Acrescenta dizendo que a “solução” seria a formação de pastagens arbóreas com a algarobeira – a árvore “providencial” para a recuperação da pecuária na região da seca – árvore que possui as finalidades seguintes:

O Serviço de Acordo do Fomento de Produção Animal do Ministério da Agricultura, no Rio Grande do Norte, edita, em 1953, o folheto Valor Forrageiro da Algarobeira e, em 1954, o primeiro trabalho escrito na língua portuguesa sobre a algarobeira, A Algaroba, de autoria do pesquisador Azevedo. Essa breve publicação foi logo esgotada e a pedido do então Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, o autor foi convidado a publicar outra edição atualizada em 1960 (SILVA, 2000).

Face ao intenso trabalho de expansão e difusão da algarobeira no Nordeste, Azevedo manifestara, em carta datada de 3 de novembro de 1954, ao Diretor da Divisão de Fomento da Produção Animal, do Ministério da Agricultura, o desejo de verificar se a algarobeira era de fato, no seu habitat, a planta que pudesse ser realmente difundida e propagada nos estados componentes do Polígono das Secas, solicitando que lhe fosse concedido uma viagem de estudos ao Peru, Chile e Argentina, onde vários trabalhos experimentais estavam sendo conduzidos por técnicos daqueles países, além de observar a sua utilização na alimentação animal e humana. Como não obtivera resposta da sua solicitação, procurou outros meios capazes de viabilizar a sua ideia. Assim, graças ao interesse da, então, Machine Cotton pela pesquisa, o seu Diretor, Mr. J. Nisbet, em 1955, o convidou para fazer a tão desejada viagem que só foi acontecer em 1957 (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Observamos nesse episódio que dentro da grande diversidade dos atores sociais, a iniciativa privada multinacional também estava presente e participou ativamente não só da implantação, mas, nos investimentos na pesquisa da nova tecnologia.

Opiniões contrárias a algaroba já se faziam ouvir na década de 1950. O agrônomo Renato de Farias, do então Instituto Agronômico do Nordeste, em 1955, baseado em experiência americana com outra espécie de algaroba, mais arbustiva e com mais espinhos, publicou um artigo na revista do Serviço de Informação Agrícola, do Ministério da Agricultura, acusando tal espécie de ser invasora. Azevedo rebateu prontamente em defesa da planta e com a mesma veemência, os presidentes das associações rurais de Campina Grande, São João do Cariri, Serra Branca, Cabaceiras, Aroeiras, Soledade, Cubati, Taperoá, Sumé, Monteiro e Juazeirinho, todos municípios paraibanos, enviaram às autoridades brasileiras um memorial abaixo assinado, afirmando que nenhuma planta é mais resistente à seca, a salinidade, desenvolve mais rápido nem produz em período de seca como a algaroba, baseados nestes itens afirmaram ser a algaroba a “salvação” do Cariri e Sertão da Paraíba (SILVA, 2000). Reafirmando, assim, o discurso salvacionista.

Outro ator social importante na “saga” da algaroba foi a Igreja. O comportamento da algarobeira no Nordeste, especialmente, no Rio Grande do Norte, entusiasmou D. Eugênio Sales, o então bispo auxiliar de Natal, que então foi ao Peru, em 1958, para ver de perto o que lá ocorria com a algarobeira. Como resultado, no II Encontro dos Bispos do Nordeste, realizado em Recife, Pernambuco, em 1959, Guilherme de Azevedo, a pedido de D. Eugênio Sales, levou a ideia da criação de um serviço de forrageiras no Nordeste, tendo a algarobeira como principal objetivo, o que culminou com recomendações para um amplo “desenvolvimento” da cultura da algarobeira no Nordeste (SILVA, 2000).

Com base nessas recomendações, ainda em 1959, o Serviço de Acordo de Fomento da Produção Animal e o Serviço Florestal do Ministério da Agricultura, no Rio Grande do Norte, e a Secretaria de Estado da Agricultura, a Associação Nordestina de Crédito e a Assistência Rural da Arquidiocese de Natal empenharam-se numa intensa campanha de fomento dessa espécie, que culminou com a edição de Decreto Federal nº 43.363, de 7 de julho de 1959, que dispunha sobre as medidas necessárias ao desenvolvimento do cultivo de forrageiras no Nordeste, especialmente a algarobeira (SILVA, 2000).

Para o cumprimento do referido Decreto, foi criado o Grupo de Trabalho de Forrageiras do Nordeste, com sede em Natal, Rio Grande do Norte, representado pelo Banco do Brasil S, Banco do Nordeste do Brasil S, Departamento Nacional de Produção Animal, Departamento Nacional da Produção Vegetal, Departamento Nacional de Obras contra a Seca e Serviço Florestal (SILVA, 2000).

Em 05/01/1960 o Jornal do Commercio, abria a manchete: A algaroba refloresta região semiárida e alimenta o gado, para noticiar que o Diretor do Serviço Florestal do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, engenheiro agrônomo Bastos Tigre, dava entrevista sobre o trabalho de reflorestamento no Nordeste, informando que a algarobeira estava sendo empregada com pleno êxito na alimentação animal, reflorestamento e arborização de cidades. No mesmo dia, o referido jornal noticiava que o engenheiro agrônomo Pimentel Gomes, em artigo publicado pelo Correio da Manhã, no Rio de Janeiro, informava que o Presidente da República liberava a verba de Cr$ 1.900.000,00 para o plantio de novos e grandes algarobais, mas que a Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil S.A. estava criando as maiores dificuldades para atender ao desejo do Chefe do Governo (Fonte: arquivos do Jornal do Commercio, Recife, PE).

Ainda em Pernambuco, o Diário de Pernambuco, de 06.01.60, noticiava que o diretor do serviço Florestal do Ministério da Agricultura, prestava à imprensa interessantes declarações sobre o desenvolvimento da algarobeira em alguns estados do Nordeste, sobretudo, no Rio Grande do Norte, destacando: quem tinha algarobal não perdeu gado de fome na última seca; para a região nordestina, a algaroba se apresenta como “fórmula ideal”, resolvendo do mesmo modo, o problema do reflorestamento e o da forragem; ao lado da açudagem, para assegurar a bebida, palma e algaroba deveriam ser o binômio de qualquer plano tendente à recuperação do pastoreio nordestino; a algaroba resistiu ao teste de experiência, de sorte que o que resta, agora, é somente cuidar de desenvolver-lhe o plantio nas terras semiáridas das nossas caatingas e tabuleiros (Fonte: arquivos do Diário de Pernambuco, Recife, PE).

Assim, segundo Silva (2000) e Azevedo (1982), o final da primeira fase, foi caracterizado pela difusão de conhecimentos sobre a algarobeira e sua utilização, e pela distribuição e promoção do plantio de 8 a 10 milhões de mudas, em boa parte do semiárido, especialmente nos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, estabelecendo o então discurso que a algaroba enfim seria a “redenção” do Nordeste.


A segunda fase: a expansão da cultura

Segundo Silva (2000), essa fase tem início em 1961 e término em 1965, caracterizada por uma série de ações governamentais voltadas para a expansão da cultura, mas que foi marcada pela falta de continuidade dos dirigentes nacionais responsáveis pela política agrícola no país e maior abrangência dessas ações, embora não faltasse o esforço de dezenas de técnicos vinculados a órgãos públicos e privados e entidades de ensino, pesquisa e extensão, além de milhares de produtores rurais nordestinos que viam na algarobeira uma “esperança” para a região.

No governo de Jânio Quadros, assumiria a direção do Ministério da Agricultura, o Dr. Romero Cabral Costa, agricultor e industrial em Pernambuco, entusiasta da algarobeira. Na sua primeira entrevista à imprensa declarou que pretendia fazer o reflorestamento de todo o sertão e agreste do Nordeste com algaroba, uma árvore forrageira resistente às secas. Para isso escolheu o agrônomo Guilherme de Azevedo, tido como “o maior entendido em algaroba”. Segundo o Ministro, as folhas dessa planta servirão para “salvar” o gado, uma vez que, são comestíveis e, ótimo alimento (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982). Portanto, vemos aí, que o discurso da “salvação” para o Nordeste foi referendado pelas autoridades executivas federais.

Deste modo, com base no Decreto nº 43.636/59, que dispunha sobre medidas necessárias ao desenvolvimento do cultivo da algarobeira, fruto das recomendações da II Reunião dos Bispos do Nordeste, e entendimentos com estudiosos da espécie, o titular da Pasta da Agricultura decidiu lançar uma campanha para o plantio da leguminosa, em larga escala, escolhendo Guilherme de Azevedo para sua coordenação geral que, Campanha da algarobeira no Nordeste, que previa o plantio de 100 milhões de mudas nos Estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco no quinquênio 1961/65, sendo 25 milhões delas no primeiro ano da referida campanha (SILVA, 2000).

Já no mês de março, o Ministro visitava os estados envolvidos para o lançamento da campanha, contando com o apoio de órgãos e entidades públicas e privadas e produtores rurais. Ampla divulgação foi dada ao fato, por intermédio da imprensa falada e escrita, local e regional. Porém, com a renúncia do presidente Jânio Quadros a campanha parou (SILVA, 2000; AZEVEDO, 1982).

Relatórios da campanha apontaram vários fatores que limitaram as suas atividades:

No período de 1962 a 1964 observou-se uma considerável redução no ritmo das plantações e ausência de ações governamentais direcionadas para a cultura da algarobeira. No entanto, logo no início de 1965, as ações governamentais foram retomadas, quando o então Ministro da Agricultura, Hugo de Almeida Leme, baixou a Portaria nº 43, de 14 de janeiro de 1965, instituindo um Grupo de Trabalho, constituído pelos engenheiros agrônomos Guilherme Fernandes de Azevedo – presidente, Raimundo Martins da Silva, Walter Xavier de Andrade, Euclides Franco Filho, Diniz Xavier de Andrade e Timótheo Franklin, para estabelecer diretrizes básicas objetivando a pesquisa e o fomento da algarabeira no Nordeste do país, tendo em vista principalmente sua utilização como planta forrageira e florestal (SILVA, 2000).

O Grupo de Trabalho apresentaria no mês de maio do mesmo ano o Plano de Expansão da Algaroba do Nordeste, que tinha como objetivos básicos os de proporcionar alimentação para os rebanhos nordestinos, reflorestar as terras ressequidas e desnudas, conservar os solos e conhecer melhor a espécie pela experimentação e pesquisa (SILVA, 2000).

Pela primeira vez o governo se preocupava com a pesquisa sobre a espécie visando responder várias indagações técnicas, abrangendo, entre outros, os seguintes aspectos:

No seu desenvolvimento, o Plano previa o plantio de 62,5 milhões de algarobeiras no semiárido e deveria ser executado no período de 1965/69, envolvendo órgãos e entidades públicas e privadas ligados à pecuária nordestina, como o Ministério da Agricultura, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, a Comissão do Vale do são Francisco, a Associação Nordestina de Crédito e Assistência Rural – ANCAR, os Conselhos Estaduais de Planejamento, o Banco do Brasil S.A. e o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (SILVA, 2000).

No entanto, mais uma vez, o incentivo à expansão da espécie falhou, apesar do interesse do governo, técnicos e produtores rurais. É que simplesmente o Plano não foi posto em execução, face às mudanças da direção da Pasta da Agricultura. Apesar do pouco investimento oficial na cultura, técnicos e produtores rurais lançaram-se à sua divulgação. Portanto, nesta fase as tentativas do Governo em investir na cultura não deram resultados práticos na sua expansão, mas contribuíram para a sua divulgação. A imprensa teve um papel muito importante na divulgação desse discurso de “salvação”. Por exemplo, o Ministro Romero Costa, em sua primeira entrevista à imprensa, disse ao Jornal do Brasil, de 9.2.61, que pretendia fazer o reflorestamento de todo o sertão agreste do Nordeste com algaroba, uma árvore resistente às secas (SILVA, 2000).

Os jornais norte-riograndenses, pernambucanos e cearenses destacaram a visita do ministro a vários municípios do Nordeste, sempre com apoio local da Igreja, para dar início ao plantio de 100 milhões de mudas, quando lançou a Campanha da Algarobeira no Nordeste em março de 1961. A Missão Rural do Agreste contribuiu com texto de Maria Bezerra, para uma cartilha intitulada, Conheça-me, por favor, editado pelo Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, em 1961, para a Campanha da Algarobeira no Nordeste. Essa publicação visava atingir o jovem rural que por meio de cantigas de roda conhecidas em todo Nordeste, procurava divulgar a algarobeira (SILVA, 2000).


A terceira fase: incentivos e políticas públicas

Começando em 1966, seguindo Silva (2000), essa fase se caracterizou por investimentos na pesquisa, incentivo para o desenvolvimento da cultura nos estados nordestinos, publicação de trabalhos técnicos sobre a espécie e promoção de uma série de eventos sobre a algarobeira, mas que foi marcada pela descontinuidade dos vários programas de âmbito federal, estadual e municipal que visavam, sob várias formas, estimular o seu cultivo, tanto no meio rural quanto no urbano, principalmente no semiárido.

No período entre 1966 e 1976 não houve um efetivo apoio técnico e creditício à cultura que visasse a expansão de área plantada. Fora necessário uma grande seca na região nordestina entre 1979 e 1984, para que, tanto o poder público quanto a iniciativa privada retomassem o interesse pela algarobeira, pondo em execução alguns programas por intermédio do então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, hoje, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis – IBAMA, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e das Secretarias Estaduais de Agricultura (SILVA, 2000).

Portanto, no período de 1966/76, sem incentivo algum, a expansão da algarobeira se deu graças aos produtores rurais que acreditavam nela e no discurso que ela iria “salvar” o Nordeste.


A participação do IBDF

O pesquisador Ramon Peña CASTRO, no seu trabalho intitulado A Política de Reflorestamento no Semiárido Paraibano de 1985, analisa a organização institucional da política de reflorestamento. Ele verificou que o quadro legal que embasava a política de reflorestamento, o novo Código Florestal, instituído pela Lei nº 4771, de 15/9/1965, cuja filosofia era garantir a utilização racional, a proteção e a conservação dos recursos naturais renováveis e o desenvolvimento florestal do país. O Código Florestal atribui à interferência estatal um caráter auxiliar para o caso de omissão dos proprietários privados: “Nas terras de propriedade privada, onde seja necessário o florestamento ou reflorestamento, o Poder Público Federal poderá fazê-lo sem desapropriá-las, se não o fizer o proprietário” (Art. 18). Os incentivos fiscais e financeiros são o principal instrumento utilizado pelo Governo para estimular a preservação e renovação florestal por parte do setor privado: “As florestas plantadas ou naturais ficam isentas de qualquer tributação” (Art. 38). Igualmente, “se exime de tributação a renda da produção florestal” (Art. 38, I) e, “as importâncias empregadas em florestamento e reflorestamento serão deduzidas integralmente do imposto de renda” (Art. 38, II).

Castro (1985) constata que, para instrumentalizar a filosofia preservacionista e desenvolvimentista dos recursos naturais foi criado, em 28/2/67, o IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal. Sua missão era “formular a política florestal, bem como a de orientar, coordenar e executar, ou fazer executar, as medidas necessárias à utilização racional, à proteção e à conservação de recursos naturais renováveis e o desenvolvimento florestal do país” (Decreto-Lei nº 289).

Nesta perspectiva, Castro (1985), também argumenta que além das Florestas e Parques Nacionais geridos pelo IBDF, este organismo federal promoveu o reflorestamento em terras de propriedade privada, exclusivamente através de subvenções que objetivavam minimizar os custos de produção da empresa agrícola e capitalizar a grande propriedade fundiária. Uma série de Decretos-Lei e Portarias Normativas do IBDF regulamentava a tal política de reflorestamento. Assim, o Decreto-Lei nº 1134, de 16/11/70, estabelecia uma dedução de até 50% do Imposto de Renda para aplicação em projetos de reflorestamento. O Decreto-Lei nº 1376, de 12/12/74, que instituiu o Fundo de Investimento do Nordeste – FINOR, Fundo para o Desenvolvimento da Amazônia – FINAM, e, o Fundo de Investimento Setorial – FISET tem especial importância para o Nordeste. Este Decreto foi complementado pelo Decreto-Lei 1.419, de 11/9/75, Decreto-Lei 1.478, de 26/8/76, e Decreto-Lei 1.563, de 29/7/77.

O FISET, instituído por esses Decretos, constava de três contas separadas para incentivo do turismo, da pesca e do reflorestamento. O FISET – reflorestamento tinha um orçamento anual centralizado que era proposto pelo IBDF ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e aprovado pelo Presidente da República. O montante do FISET – reflorestamento, assim como o volume e número de projetos aprovados, dependiam da disponibilidade de recursos financeiros do Governo Federal, que proviam dos incentivos fiscais; das subscrições pela União de quotas conversíveis em ações; e, de subscrições voluntárias por pessoas físicas de quotas do FINOR. Até 50% dos recursos globais do FISET eram destinados à área da atuação da SUDENE. O Decreto nº 88.207, de 30/03/83, e a Portaria-Normativa nº 195 IBDF/DR, de 09/06/83, fixaram em 100 hectares a superfície mínima para projetos incentivados de algaroba e a máxima era de 500 hectares.

Dessa maneira, Castro (1985) observou também que os projetos aprovados na região raramente ultrapassavam 200 hectares, limite em que a empresa não estava obrigada a investir recursos próprios. Para projetos de mais de 200 a 1.000 hectares, a participação da empresa deveria ser de 5% entre mais de 1.000 e 3.000 ha, 10% e, de mais de 3.000 ha, a parte dos recursos próprios deveria ser de 15% - artigo 8 do Decreto 88.207/83. O mesmo Decreto definia as prioridades como marcadas pela “necessidade de compatibilizar as exigências crescentes de florestamento e reflorestamento com um volume decrescente de recursos disponíveis”. O objetivo era consolidar os empreendimentos já aprovados – em especial os do Nordeste – para garantir “o mais rápido retorno dos recursos investidos”. Na prática, salienta Castro, isto implicava num bloqueio da expansão florestal.

A concessão dos incentivos fiscais pelo IBDF para empreendimentos florestais estava sujeita ao seguinte processo:

  1. Constituição da empresa de reflorestamento e registro da mesma perante o IBDF;
  2. Apresentação de um projeto-tipo, preparado por escritórios especializados (o principal dos quais com sede em Brasília), a um custo relativamente elevado – 3% do valor do projeto – acompanhado de uma série de comprovantes e de uma carta-consulta. Todos devendo ser protocolados na delegacia do IBDF do Estado correspondente, no caso, em João Pessoa;
  3. O IBDF realizava as vistorias necessárias para verificar a consistência dos projetos e das áreas em que se pretendiam implantar;
  4. A carta-consulta era examinada por uma Comissão especialmente designada pelo Presidente do IBDF – Art. 22 da Portaria Normativa nº 195IBDF/DF;
  5. Para receber o financiamento, a empresa devia ter concluído a primeira fase de implantação, que incluía os trabalhos de desmatamento e limpeza do terreno. A segunda fase de implantação incluía o plantio das mudas. Ao concluir as duas fases de implantação, a empresa recebia aproximadamente 2/3 da subvenção total, recebendo o restante na fase das manutenções.

No entender de Castro (1985), a política de reflorestamento refletia a principal linha de desenvolvimento agrícola: a capitalização das grandes propriedades, consequência lógica de uma correlação social e política definida. Essa estratégia não se propunha alterar a estrutura fundiária concentradora, porque considerava que a grande unidade fundiária era superior, no sentido técnico-econômico, à pequena exploração de base essencialmente familiar. Daí a prioridade outorgada às grandes propriedades e a subsequente discriminação das pequenas, na distribuição dos incentivos e benefícios econômicos oficiais. Os principais instrumentos de política agrícola – visavam desenvolver a base técnica para capitalizar as grandes explorações, desse modo, torna-las rentáveis e concorrenciais. Ao mesmo tempo, omitiam qualquer preocupação com a mudança das estruturas de propriedade da terra e dos outros meios de produção. Assim, se explica o fato de que um enorme volume de recursos financeiros públicos fosse transferido para as grandes propriedades, contribuindo para a concentração fundiária e das rendas agrícolas, tanto em termos individuais como setoriais.

Desse modo, Castro (1985) conclui que na prática do reflorestamento com a algaroba no Cariri, a grande propriedade funcionava como pré-condição para receber os favores financeiros do Governo. Isto porque as camadas superiores de proprietários e os grupos econômicos que controlavam os circuitos agro-industriais dispunham de poder decisório na distribuição dos recursos alocados pelo governo, através dos organismos de desenvolvimento do Nordeste. O bom relacionamento das elites rural-urbanas da região em estudo com os organismos que executavam as políticas agrícolas no Nordeste – SUDENE, DNOCS, IBDF, etc. – tinha um peso decisivo na distribuição das subvenções, como mostra a presença de tantos nomes da classe política regional entre os titulares das empresas de reflorestamento, as quais erma criadas especialmente para receber esses benefícios.

Esses fatos referendam a Teoria de Schwarz & Thompson (1990), que alega que tudo é tendencioso e parcial e mostra que os atores institucionais da “saga” da algaroba tinham suas preferências que influenciavam na hora das decisões sobre as escolhas tecnológicas para garantir a reprodução dos seus valores e criar vantagens em benefício próprio.


A participação da EMBRAPA

A EMBRAPA e o IBDF desenvolveram um intenso trabalho experimental entre os anos d 1979 e 1986, abrangendo ensaio de competição de espécie e progênie, propagação vegetativa, pragas e doenças, produção de vagens, inoculação, fertilização e ciclagem de nutrientes, produtividade madeireira, agrossilvicultura, manejo de bacias hidrográficas e utilização de solos salinos, por intermédio do Programa Nacional de Pesquisa Florestal – PNPF, fruto do convênio firmado entre a EMBRAPA e o IBDF. Sua atuação no Nordeste começou a partir do Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido – CPATSA – em 1979, e alcançou alguns estados da Região, incluindo instituições oficiais de pesquisa e empresas particulares (SILVA, 2000).

Os projetos de pesquisa foram distribuídos nos Estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, sendo gestores o Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido e as empresas de pesquisa desses Estados. EPABA, IPA, EMEPA, EMPARN e EPACE, respectivamente. Empresas particulares de reflorestamento da região também participaram das pesquisas. As pesquisas com Prosopis foram intensificadas a partir de 1987, face ao convênio celebrado entre a EMBRAPA/PNPF com o International Development Research Center – IDRC, do Canadá, com a introdução de 15 novas espécies de algarobeira, estudos da variabilidade genética da Prosopis juliflora no Nordeste e métodos de propagação assexuada (SILVA, 2000).


A participação da SUDENE

A SUDENE elaborou o Projeto Algaroba que teria a sua implantação prevista para o período de 1984/88, beneficiando 1,5 milhões de propriedades com o plantio de 454,4 milhões de mudas em 4,5 milhões de hectares, cujos investimentos seriam da ordem de Cr$ 77,6 bilhões, a preço de 1984. A informação era do então superintendente da SUDENE, Valfrido Salmito Filho, acrescentando que beneficiaria todos estados do Nordeste, bem como o norte de Minas Gerais e, que iria criar milhares de empregos no semiárido nordestino (Fonte: arquivos da SUDENE, Recife, PE).

O Ministério da Agricultura, por seus órgãos competentes, elaborou o Projeto Algaroba, com o intuito de iniciar a sua implementação imediata. Sua formulação foi calcada em dois projetos técnicos antes elaborados pela SUDENE e pela Secretaria Especial para Assuntos da Agricultura do Nordeste – SEANE, dirigida pelo pecuarista José Inácio da Silva, bem como em experiências bem sucedidas do empresariado da região. O projeto teria a duração de cinco anos, de 1984 a 1988, durante os quais seriam implantados 1,5 milhões de hectares de algarobeiras, beneficiando no mínimo 287,8 mil produtores rurais, com a aplicação de recursos da ordem de Cr$ 150 milhões que seriam financiados pelo PIN/PROTERRA, o FINSOCIAL, recursos consignados no Orçamento Monetário e outras fontes que viessem a ser definidas. Submetido à Presidência da República para aprovação, com fundamentos na Exposição de Motivos nº 853/84, de 22.10.84, o ministro de Estado da Agricultura, Antônio Delfin Netto, foi aprovado pelo Presidente da República, general João Baptista de Figueiredo, na mesma data, mas com suas metas reduzidas.

Pelo projeto esperava-se no primeiro ano da execução – 1985, que 20 mil pequenos produtores rurais implantassem 60 mil hectares de reflorestamento com algaroba fossem distribuídos milhões de mudas, com aplicação de recursos financeiros da ordem de Cr$ 6 bilhões a fundo pedido, provenientes do Fundo de Investimento Social – FINSOCIAL, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social – BNDES, para a sua implantação.


A participação do Ministério da Agricultura

O Projeto Algaroba se desenvolveu sob a coordenação do Ministério da Agricultura por intermédio da Secretaria Nacional de Produção Agropecuária – SNAP, a quem competia:

  1. Aplicar os recursos financeiros concedidos pelo BNDES exclusivamente nas atividades de produção e distribuição de mudas aos pequenos produtores rurais;
  2. Prestar assistência técnica aos órgãos executores, mediante articulação com autoridades federais que atuavam na área de sementes e mudas visando definir os estoques de sementes emudas em condições de serem mobilizados para atender os produtores;
  3. Fiscalizar em todas as fases, a execução do projeto, em conjunto com as Delegacias Federais de Agricultura – DFA’s (Fonte: arquivos da SUDENE, Recife, PE).

Em nível operacional, os governos estaduais assumiram a responsabilidade, por intermédio das Secretarias de Agricultura, de implantar o projeto nos imóveis rurais, contando com as prefeituras municipais, cooperativas e demais entidades técnico-administrativas que, com meios e recursos, repassados pelo Ministério da Agricultura, tiveram as seguintes responsabilidades.

A execução do Projeto Algaroba, entre os anos de 1985 e 1988, possibilitou a produção de 3.1 milhões de mudas de algarobeira e a distribuição de 2.1 milhão delas. Foram atendidos 2.3 mil pequenos produtores rurais na implantação de 18,8 mil hectares em 540 municípios de área considerada de influência da SUDENE, ou seja, 26% de todos os municípios circunscritos nessa área. Atuaram como coordenadores do Projeto Algaroba, em âmbito nacional, o médico veterinário Antônio Pessoa Nunes e o engenheiro agrônomo Sebastião Silva.

Entre 1988 e 1989, o Ministério da Agricultura e a Internacional Prosopis Association – IPAn, pretendendo obter uma progressiva melhoria da qualidade da espécie, com o consequente aumento de produção de vagens a serem utilizadas na alimentação animal e humana, e de madeira para a produção de peças para a indústria de móveis, construção civil e cercas, entre outros, iniciaram, no Estado da Paraíba, um programa de trabalho de multiplicação vegetativa da algarobeira, que objetivava a produção de mudas, por estaquia, visando a multiplicação de matrizes selecionadas, como posterior distribuição de mudas e sementes.

O programa previa a implantação de 20 campos com área de 2.500 m² cada, em diferentes propriedades de municípios do Cariri paraibano, os quais seriam compostos por matrizes identificadas e selecionadas por sua produção, tipo e conformação da vagem.


Divulgação

Entre 1966 e 1978 não se falou mais sobre a produção de mudas e reflorestamento com algarobeira. Porém, com a grande seca de 1978 a 1984, a imprensa recomeçou a dar destaque ao assunto.

Em 11/4/81, A Tribuna do Norte de natal, Rio Grande do Norte, noticia que o deputado Paulo de Tarso Fernandes está fazendo fé na pecuária. Mas para desenvolver o seu projeto primeiro cuidará de um suporte forrageiro adequado ao semiárido. Iniciou em sua fazenda de Santana de Matos, o plantio de 10 mil pés de algaroba, que seguindo a orientação de Guimarães Duque e Pimentel Gomes, ocuparão faixa de 10 hectares. Depois vai consorciá-las com palma. O mesmo jornal em 16.6.84 divulgou: Plantio de algaroba é solução para o Nordeste, onde o Secretário Especial para Assuntos do Nordeste – SEANE, do Ministério da Agricultura, José Inácio da Silva, informava de existência de um programa para o plantio de 5 milhões e 200 mil mudas de algarobeira, visando beneficiar pequenos e médios produtores rurais nordestinos (SILVA, 2000).

O Diário de Natal, 01/10/82, no Rio Grande do Norte, dava destaque à realização do I Simpósio Brasileiro sobre a algaroba, com a manchete: Algaroba será tema de simpósio que visa melhorar e divulgar. O jornal União, de 12.1.86, de João Pessoa, Paraíba, destaca que o Projeto Algaroba será lançado pelo secretário de agricultura, Francisco Gadelha, nos municípios de Souza, Cajazeiras e Condado, onde serão plantadas cerca de 800 mil mudas de algarobeira, cuja execução está a cargo da EMATER/PB, que, além de promover a distribuição das mudas e orientar o plantio, irá fazer as inscrições dos produtores e difundir o projeto. (SILVA, 2000).

O Correio da Paraíba, de 05.2.86, informa que o Projeto Algaroba chegou no último fim de semana ao município de Taperoá, distribuindo 58 mil mudas entre pequenos proprietários da região. A solenidade de entrega contou com a presença do prefeito João Pimenta que, ao se referir ao projeto, o considerou como a única chance do Cariri ter o solo revestido e resistente, com possibilidade de, no futuro, reaver a sua real capacidade de produção, e do diretor-presidente da EMATER/PB, Francisco Alderi Gonçalves, que destacou as qualidades da algarobeira, quando afirmou que ela é a redenção do solo maltratado do semiárido.

O Correio da Paraíba, de 26.2.86, noticia que as cidades paraibanas de Serra Branca e Monteiro foram contempladas com o lançamento do Projeto Algaroba. Contou com a presença do coordenador de produção da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Francisco Elias, que ao falar aos agricultores presentes, enumerou as vantagens que a algarobeira pode trazer aos que se destinam a plantá-la, pois além de ser um ótimo alimento para o gado serve para a produção de estacas e carvão, entre outras. Contou ainda com a presença do representante da EMATER/PB e do deputado Nilo Feitosa, que falou da importância do Projeto Algaroba para o sofrido povo sertanejo e parabenizou a ação da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Fonte: arquivos do Correio da Paraíba, João Pessoa, PB).

O Jornal da Paraíba de 26.8.86 dá destaque ao lançamento do Projeto Algaroba na região do Cariri: Com a entrega simbólica de algumas mudas a vários produtores, o governador Wilson Braga anunciou que mais de 20 mil mudas serão entregues aos produtores de todos os municípios do Cariri paraibano. Esta solenidade foi prestigiada pelo senador Milton Cabral, pelo deputado federal Antônio Gomes, pelos prefeitos de Boqueirão, Ernesto do Rego, de Queimadas, Sebastião de Paulo Rego e de Cabaceiras, Jorge Gilson Farias, além dos secretários Hermano Almeida, dos Transportes, Marcelo Lopes, do Planejamento, José Silvino, de Recursos Hídricos, e do ex-titular da pasta da Agricultura, Francisco Benevides Gadelha (Fonte: arquivos do Jornal da Paraíba, Campina Grande, PB).

A algaroba é um verdadeiro achado milagroso para o Nordeste, foi o destaque do Jornal do Commercio, de 26.8.86, sobre o comentário do ministro da agricultura, Lázaro Barbosa, na abertura, ontem, do II Encontro Internacional sobre Prosopis, no Centro de Convenções de Pernambuco, reunindo cientistas e técnicos de todo o mundo. Destacou também a fala do representante da FAO no Brasil, Pierre Bonnamaison, quando considerou a algarobeira como o Pelé dos arvoredos do semiárido nordestino (Fonte: arquivos do Jornal do Commercio, Recife, PE).

O Diário de Pernambuco, de 26/8/86, registra que ao abrir o encontro, o governador do Estado de Pernambuco, Gustavo Krause, disse que o Nordeste não suporta mais apenas o discurso de seus visitantes, e que as lágrimas do povo não é a força hidráulica capaz de impulsionar o desenvolvimento da região. Registra também o pronunciamento do secretário da agricultura, empresário e pecuarista, José Inácio da Silva, quando afirma que a redução da fome no Brasil carece de decisão política dos governos, frisando que um dos pontos que acha essencial, é a exploração das áreas segundo a vocação do seu solo. Para o semiárido temos a pecuária, como o suíno, o caprino, o ovino, o bovino e a psicultura e a algaroba. Algaroba é madeira, ração, mel, farelo, sombra, conservação do solo, café, álcool, bolo e biscoito.

O Diário de Pernambuco de 29/08/86 informa que mais de 150 participantes do II Encontro Internacional sobre Prosopis, entre técnicos e observadores, nacionais e estrangeiros, e jornalistas pernambucanos estarão visitando a fazenda Floresta no município de Camalaú, Estado da Paraíba, uma das pioneiras na exploração em escala da algaroba. Acrescenta que a referida fazenda, de propriedade de José Inácio da Silva, já produz ração animal em escala comercial, para o abastecimento do seu rebanho suíno e bovino, farelo de algaroba, mel de abelha, café e farinha (Fonte: arquivos do Diário de Pernambuco, Recife, PE).

Assim como estes, inúmeros outros artigos em jornais, revistas como também folhetos, folders, monografias, artigos científicos etc., foram publicados como o mesmo tipo de discurso.


Quarta fase: a construção de outros discursos

De acordo com a teoria de Schwarz & Thompson (2000), os cientistas que estudam ecossistemas, encontram em instituições diversas, estratégias diferentes, adotadas para lidar com o mesmo tipo de situação, baseados em diferentes interpretações da estabilidade do ecossistema. Existem basicamente quatro mitos da natureza que representam um pouco da essência. São eles: o mito da natureza que nos dá equilíbrio global – tal qual, a natureza sempre perdoa, não importa o que façamos com ela. O outro mito da natureza é que ela não perdoa e se continuarmos insistindo chegaremos a um colapso catastrófico, portanto, todo cuidado é pouco. O terceiro, é que ela perdoa muitos eventos, porém é vulnerável, portanto deve-se regular as ocorrências não habituais, o que chama atenção para a intervenção do governo nos menores riscos de desastre, porém fora disso, deve-se deixar ao livre arbítrio. E, finalmente, o mito da natureza que não precisa de nenhum planejamento ou cuidado, só necessitamos gerenciar alguns eventos incertos, nada mais. Cada uma dessas visões parece irracional do ponto de vista da outra. Uma outra maneira de ver essa realidade é de que cada ator social é perfeitamente racional dentro das suas convicções do que é a natureza. A situação é de pluralidade racional.

No caso da algaroba, foi construído inicialmente um discurso de que a algoraba seria a “salvação” do Nordeste, ou seja, o “mito salvacionista”. A partir de meados de 1990, iniciou-se a construção do “mito da vilã”, baseado num discurso que a algaroba seria uma vilã da água, secando o solo e mananciais ao seu redor.

Há indícios que as autoridades competentes do meio ambiente estejam usando esse mito como “estratégia” para proteger a jurema (Mimosa tenuiflora), (PEREIRA, 2005), espécie nativa também leguminosa como a algaroba e que também serve como forrageira, estaca e lenha, mas, com a diferença que, perde as folhas durante a estiagem. Tradicionalmente, o agricultor derruba a jurema, arranca seu “toco” ou o queima, matando, assim, a planta para que ela não rebrote e invada o roçado. Geralmente quando se faz a limpa do terreno, o agricultor vende a madeira da jurema para as padarias e olarias e estoca uma parte para seu próprio uso. Os caminhões com carga de madeira de jurema são apreendidos, pois se trata de uma espécie protegida e, os de algaroba são liberados, pois se trata de uma espécie exótica. Esta política tem incentivado o desmatamento da algaroba como controle à sua invasão pela falta de manejo e, ao mesmo tempo, não incentiva o replantio.

No Jornal da Paraíba de 15 de outubro de 2007, temos a seguinte manchete: A algaroba destrói espécies da caatinga. A população da algaroba tem se disseminado com grande rapidez nas regiões do semiárido nordestino e está destruindo as plantas nativas que servem de alimento para bovinos e equinos. De acordo com pesquisas realizadas no Laboratório de Ecologia Vegetal da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus de Areia, 95% das espécies locais foram dizimadas por causa da invasão da algaroba. De acordo com o coordenador e fundador do Laboratório de Ecologia Vegetal – LEV, do Centro de Ciências Agrárias da UFPB, Campus de Areia, Leonaldo Alves de Andrade, responsável pela orientação dos estudos, quando acabaram os estímulos do governo federal para o manejo da algaroba, a espécie foi se alastrando rapidamente e destruindo os outros tipos de plantação. O pesquisador informou que as pesquisas realizadas pelo Laboratório de Ecologia Vegetal da UFPB também tem o objetivo de motivar a proposição de políticas voltadas para o controle da algaroba como espécie invasora do bioma caatinga.


Considerações finais

Como podemos observar no transcorrer do histórico da “saga” da algaroba, os principais atores sociais na construção desse discurso da “salvação”, foram sem dúvida os engenheiros agrônomos da rede oficial de pesquisa e extensão agrícola e os pecuaristas nordestinos que são geralmente também agrônomos e/ou políticos. Dessa forma, o conhecimento tecnológico é usado politicamente para apoiar políticas públicas que justificam progresso e desenvolvimento econômico refletindo interesses de uma classe dominante. Portanto, as questões ambientais e as questões sociais não mais estão separadas em campos diferentes, ao contrário, a ecologia está carregada de política, do social e do econômico e o meio ambiente criado reflete os valores da sociedade. Verificamos que o discurso da “salvação”, o qual foi construído por seus defensores e divulgadores refletiu os valores “desenvolvimentistas” da sociedade daquela época.

No pensamento de Latour (2004 p. 14), a produção científica é a primeira sutileza que encontramos em nosso caminho. A ecologia política leva a natureza em suas relações com a sociedade, mas, “a natureza torna-se reconhecível por intermédio das ciências, ela é formada através das redes de instrumentos; ela se define pela interpretação das profissões, de disciplinas, de protocolos; ela é distribuída em bases de dados; ela é argumentada por intermédio das sociedades de sábios”.

Nas últimas décadas outros discursos se construíram – o outro lado da moeda, o discurso da algaroba vilã, arrebatadora de água, justificando o corte irrestrito da espécie para servir de lenha, por ser exótica e invasora e para conservar as espécies nativas do semiárido. Os administradores públicos do IBAMA e SUDEMA liberaram o corte da algaroba, por ela ser exótica e invasora, alegando, dessa forma, a proteção da flora nativa do corte para fins energéticos. Por outro lado, o corte da madeira das espécies nativas passou a ser taxado pecuniariamente por metro cúbico. Dessa forma, as mesmas instituições técnicas e políticas que outrora divulgaram o discurso da algaroba como “salvadora” para o semiárido, hoje propagam um discurso de planta “invasora”.


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