O Investimento em Keynes: elo entre o curto e o longo prazos e crítica à neutralidade da moeda

Renato Nataniel Wasques
Economista. Doutorando em Economia na Universidade Federal de Uberlândia. Professor Assistente II da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Rondonópolis.


Resumo

Este artigo tem como objetivo mostrar, seguindo as ideias do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que a volatilidade do nível de produção e do volume de emprego numa economia monetária da produção decorre principalmente da instabilidade das expectativas em torno das decisões de investimento. Para tanto, apresenta-se inicialmente o princípio da demanda efetiva. Na sequência, exploram-se os principais determinantes da decisão de investir, como aparecem na Teoria Geral. Em conclusão, ressalta-se a natureza volátil do investimento como causa da instabilidade do nível de produto e do volume de emprego.

Palavras-chave: Investimento; Instabilidade; Capitalismo.


The Investment in Keynes: link between the short term and the long run and criticism to neutrality of money


Abstract

This paper aims to show that the inherently unstable nature of Capitalism is due to the volatility of investment decisions according to the ideas of British economist John Maynard Keynes. Firstly, it presents the principle of effective demand. Secondly, it highlights the main determinants of investment decisions according to The General Theory. Summing up it emphasizes the volatile nature of the investment as causa causans of instability of the level of production and the amount of employment.

Keywords: Investment; Instability; Capitalism.

JEL: E12.



1 - INTRODUÇÃO

Ao publicar A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda – doravante Teoria Geral – em fevereiro de 1936, endereçando-a aos “colegas economistas”, John Maynard Keynes (1883-1946) inaugurou uma série de debates e polêmicas que culminaram no que se convencionou chamar de ‘revolução’ keynesiana. A mensagem de Keynes assumiu um tom revolucionário devido ao objetivo declarado de formular uma teoria da economia monetária da produção como um todo1, enfatizando elementos desprezados pelo pensamento econômico convencional, tais como: incerteza, o tempo histórico, expectativas e a moeda como reserva de valor ou a não neutralidade da moeda.

Em um artigo publicado em 1937, intitulado “A Teoria Geral do Emprego”, Keynes explica que oferece um arcabouço teórico cujo objetivo consiste em evidenciar as causas das flutuações do nível de produção e do volume de emprego, isto é, um arcabouço que entende o sistema econômico capitalista como sujeito a flutuações permanentes. Por conseguinte, uma visão teórica que tem como objeto de investigação “a sociedade econômica em que realmente vivemos” (KEYNES, 2012, p. 2).

Nesta perspectiva, esse artigo pretende mostrar que a instabilidade do nível de produto e do volume de emprego decorre principalmente da volatilidade das decisões de investimento. Para tanto, parte-se da análise do princípio da demanda efetiva, apresentado explicitamente no Capítulo 3 da Teoria Geral. A exposição desse princípio visa evidenciar o papel estratégico desempenhado pelo investimento como variável determinante par excelente da dinâmica do sistema.

O presente ensaio possui duas seções, além dessa introdução e da conclusão. Na primeira seção, apresenta-se o princípio da demanda efetiva. Ao fazê-lo, busca-se explorar o verdadeiro sentido desse princípio, como formulado originalmente por Keynes. A segunda seção, por sua vez, explicita os determinantes das decisões de investimento. Nesta seção, procura-se mostrar que tais decisões estão sujeitas a repentinas e amplas flutuações e que, portanto, a instabilidade que caracteriza o sistema econômico capitalista, do ponto de vista do produto e do emprego, pode ser explicada a partir dessas flutuações.


2 - O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA

As ideias apresentadas na Teoria Geral constituem um contraponto fundamental ao paradigma clássico2. Essa afirmação fica evidente quando o autor explica a razão pela qual adotou o epíteto “geral” ao intitular sua obra: “O objetivo deste título é contrastar a natureza de meus argumentos e conclusões com os da teoria ‘clássica’, na qual me formei, que domina o pensamento econômico, tanto prático quanto teórico, […], tal como vem acontecendo nos últimos cem anos” (KEYNES, 1983, p. 15). A revolução3 keynesiana, portanto, “forneceu os fundamentos lógicos de um modelo que negava a lei de Say e se relacionava mais de perto com o mundo real em que vivemos” (DAVIDSON, 2003, p. 4, grifos nossos).

A negação explícita da lei de Say4 é realizada, entre outras passagens, no Capítulo 3, Livro I, da Teoria Geral. Neste capítulo, Keynes (1983) apresenta o que denominou de princípio da demanda efetiva, ou seja, a ideia de que os gastos agregados determinam o volume de emprego e o nível de renda da economia como um todo. O enunciado desse princípio, considerado pelo autor a substância da teoria geral do emprego, é apresentado nos seguintes termos:

Seja \(Z\) o preço de oferta agregada da produção resultante de se empregarem \(N\) homens e seja a relação entre \(Z\) e \(N\), que chamaremos função da oferta agregada, representada por \(Z = \phi (N)\). Da mesma forma, seja \(D\) o produto que os empresários esperam receber do emprego de \(N\) homens, sendo a relação entre \(D\) e \(N\), a que chamaremos função da demanda agregada, representada por \(D = Ϝ (N)\) (KEYNES, 1983, p. 30, grifo do autor).

Dessa maneira, se para determinado valor de \(N\) o produto esperado for maior que o preço da oferta agregada, isto é, se D for superior a \(Z\), haverá um incentivo que leva os empresários a aumentar o emprego acima de \(N\) e, se for necessário, a elevar os custos disputando os fatores de produção, entre si, até chegar ao valor de \(N\) para o qual \(Z\) é igual a \(D\). Assim, o volume de emprego é determinado pelo ponto de interseção da função da demanda agregada e da função da oferta agregada, pois é neste ponto que as expectativas de lucro dos empresários serão maximizadas. Chamaremos demanda efetiva o valor de \(D\) no ponto de interseção da função da demanda agregada com o da oferta agregada (KEYNES, 1983, p. 30, grifo do autor).

Em torno dessa passagem se estabeleceram as maiores confusões interpretativas. Para Chick (1993), a forma expositiva que Keynes adotou para apresentar seu princípio da demanda efetiva configura uma “armadilha semântica” ou “problema semântico”5. “A escolha dos termos de Keynes é muito confusa, e ele próprio não se utiliza deles de maneira coerente” (CHICK, 1993, p. 71). Sobre essa “armadilha semântica”, a autora esclarece que:

Há dois conceitos com nomes muito semelhantes: demanda efetiva e demanda agregada. E mesmo a demanda agregada tem dois aspectos, sobre os quais Keynes não fez muita cerimônia. Demanda agregada é uma relação que representa o volume de despesa de acordo com o nível de renda e a atividade econômica associada a cada nível de emprego. Ela pode se referir tanto aos planos de gastos dos consumidores agregados quanto aos das empresas inversoras, ou pode se referir ao agregado de estimativas de gastos que as empresas fazem ao determinar o volume apropriado de produção. Na determinação dos níveis reais de produção e emprego é claramente o último conceito que é importante, os planos de investimento e consumo tornam-se importantes somente quando a produção, que já deve ter sido realizada, é posta à venda (CHICK, 1993, p. 71, grifos da autora).

O que se segue, portanto, procura resgatar o verdadeiro sentido do conceito de demanda efetiva6 formulado por Lord Keynes. Demonstrar-se-á que somente é legítimo tratá-lo em sua dimensão ex-ante, isto é, em termos de valores esperados. Para tanto, algumas reflexões devem ser empreendidas, tais como: O que é a função de demanda agregada? O que é a função de oferta agregada? O que é o ponto de demanda efetiva? Qual o sentido da condição de equilíbrio em Keynes?

Os conceitos de oferta, demanda e equilíbrio assumem uma conotação específica na Teoria Geral de Keynes e, portanto, diametralmente distinta da análise teórica neoclássica. Sobre essa questão, Possas (2003) observa que as noções de demanda e oferta em Keynes não denotam valores individuais, como apregoa a microeconomia neoclássica. Ao contrário, expressam valores agregados ou globais.

Nesta mesma linha de raciocínio, Dillard (1976), ao analisar o conceito de procura agregada, esclarece alguns aspectos relacionados aos procedimentos de agregação em Keynes.

O preço da procura agregada ou global de produção de qualquer quantidade dada de emprego é a soma total de dinheiro, ou receita, que se espera da venda do volume da produção alcançado quando se empregou essa quantidade de trabalho. A curva de procura agregada, ou função da procura agregada, […], é uma curva dos rendimentos esperados da venda da produção resultante de diversas quantidades de emprego (DILLARD, 1976, p. 28-29, grifo do autor).

Ademais, Chick (1993) e Possas (2003) ressaltam que as funções de demanda e oferta agregadas são obtidas isentas de custo de uso[7]. Assim, “[…] a curva de oferta, […], pode (e deve) ser crescente com o nível de produção e emprego, sem que isso implique qualquer hipótese de rendimentos decrescentes” (POSSAS, 2003, p. 431).

Com relação à função de demanda agregada, \(D = F (N)\), Keynes (1973) mostra que “\(D\) is the proceeds which entrepreneurs expect to receive from employing \(N\) men” (KEYNES, 1973, p. 179). Em outros termos, “A função da procura agregada (D) de Keynes indica o total que todos os compradores de produtos industriais planejam gastar em bens produzíveis em qualquer nível possível alternativo de emprego (N)” (DAVIDSON, 2011, p. 82, grifo nosso).

As ideias expostas até este ponto já indicam que o conceito da demanda efetiva deve ser concebido em sua dimensão ex-ante, isto é, em termos de valores esperados e não em termos de resultados realizados. “The expected results are not on a par with the realised results in a theory of employment. The realised results are only relevant in so far as they influence the ensuing expectations in the next production period” (KEYNES, 1973, p. 179). “Para Keynes, em suma, ele [o conceito de demanda efetiva] é um conceito pertinente ao confronto entre a ocupação dos recursos – por meio da produção – e sua alocação, e não ao confronto entre produção e realização” (POSSAS, 2003, p. 433).

Com relação à função de oferta agregada, Dillard (1976) mostra que, em uma economia empresarial, onde o objetivo dos agentes é o lucro[8], os empresários são levados a empregar um volume de trabalhadores que lhes permita obter o maior rendimento esperado. Conforme o autor, para estimular os capitalistas a oferecer uma determinada quantidade de emprego torna-se necessário um montante mínimo de receita. “Esse […] rendimento mínimo, […], se chama o preço da oferta agregada da dita quantidade de emprego. A função da oferta agregada é um esquema que representa as quantidades mínimas de rendimentos requeridos para induzir as diversas quantidades de emprego” (DILLARD, 1976, p. 29).

Davidson (2011) reitera que a oferta agregada \((Z)\) é uma função crescente do emprego (N). A propósito, escreveu:

A função de oferta agregada de Keynes relaciona o número agregado de trabalhadores (N) que os empresários […] iriam querer empregar, para todos os níveis alternativos possíveis de receitas das vendas agregadas antecipadas (Z), com a taxa salarial, tecnologia e grau médio de competição (ou de monopólio) na economia. (DAVIDSON, 2011, p. 79).

Quando os empresários tomam a decisão de produzir e empregam “fatores de produção”, deflagra-se um processo gerador de renda, produto e emprego. Os rendimentos que os empresários esperam receber são aqueles estimados no momento em que a referida decisão é tomada. Para “estimar” esses rendimentos, os empresários levam em consideração o consumo esperado, ou seja, consideram um determinado comportamento da demanda. Assim sendo, tomam suas decisões com base nestas expectativas. Por fim, cabe ressaltar que, em Keynes, não existe nenhum mecanismo que garanta que aquilo que projetaram se verificará. Mas, ao tomarem a decisão levando em conta esse elemento de cálculo e não outro, essa decisão será irreversível.

Ao decidirem produzir e oferecer emprego, decisões estas ligadas às expectativas de curto prazo, os empresários, em conjunto, constroem sua curva de oferta agregada associada a determinado nível de emprego que seja compatível com a maximização do lucro esperado em face da projeção que os mesmos fazem do comportamento da função de demanda agregada (ANDRADE, 1987, p. 87, grifo nosso).

Possas (2003) também observa que oferta e demanda, no âmbito do princípio da demanda efetiva, devem ser entendidas na dimensão ex-ante9. Da mesma forma, o nível de demanda efetiva, determinado pela interseção das funções de demanda e oferta agregadas10, “[…] também é obviamente ex-ante, isto é, independe da realização da produção e, portanto, do valor das vendas a ser verificado ex-post” (POSSAS, 2003, p. 431). Nesta interseção “os empresários obtêm o máximo dos lucros esperados” (DILLARD, 1976, p. 30, grifo nosso).

“[…] o mesmo [Keynes] trabalha essencialmente em termos de valores esperados (e não atuais ou correntes), o que pode ser espelhado com o conceito de demanda efetiva, que é o ponto na curva de demanda agregada que expressa as expectativas de curto prazo dos capitalistas quanto ao comportamento futuro da demanda agregada do sistema […]” (ANDRADE, 1987, p. 91).

A observação de Chick (1993) também é esclarecedora:

Diferentemente da demanda agregada, a demanda efetiva não é uma relação – é o ponto na relação de antecipação da demanda agregada das empresas que se ‘torna efetivo’ pelas decisões de produção das empresas. É o volume de produção que decidem gerar, avaliado ao prelo demandado; é o valor das vendas antecipadas (CHICK, 1993, p. 72, grifos da autora).

[…] demanda efetiva é aquele valor de produto agregado, ou aquele volume de vendas que as empresas, consideradas em conjunto, acreditam que produzirá lucros máximos, dada sua expectativa da posição da função de demanda agregada” (CHICK, 1993, p. 72, grifo da autora).

Em suma, o princípio da demanda efetiva deve ser interpretado na esfera da tomada de decisão quanto à alocação de recursos e não na esfera de realização da produção. Ou seja, Keynes (1983) está discutindo demanda esperada/estimada e não demanda realizada. Esta constatação está estreitamente relacionada com o objetivo do autor ao escrever o Capítulo 3 da Teoria Geral, qual seja, apresentar o princípio da demanda efetiva. O interesse principal do autor, neste capítulo, não é discutir explicitamente o problema da demanda efetiva11, embora estabeleça as bases teóricas para a sua discussão, que se dará com maior profundidade nas partes subsequentes da Teoria Geral.

O próximo passo rumo à compreensão do verdadeiro sentido do princípio da demanda efetiva consiste em explicitar o conceito de equilíbrio em Keynes. O ponto de demanda efetiva configura uma posição de equilíbrio no sentido neoclássico?12 Nesse particular, Possas (2003) defende que “[…] Keynes parece ter cometido aqui um excesso de linguagem: o ponto de demanda efetiva não configura, a rigor, uma posição de equilíbrio, pois é determinado estritamente ex-ante” (POSSAS, 2003, p. 432, grifo do autor).

Para Andrade (1987), a noção de equilíbrio empregada por Keynes tem uma conotação substancialmente distinta do conceito de equilíbrio neoclássico. “É um equilíbrio contingente, casual, na medida em que nada garante que as expectativas construídas pelos empresários serão satisfeitas […]. […] para Keynes o equilíbrio está relacionado à possibilidade ou não de que o mesmo venha a ocorrer” (ANDRADE, 1987, p. 87, grifo do autor).

“O equilíbrio entre oferta e demanda é, de todo modo, na Teoria geral, uma referência ancilar, meramente expositiva. Keynes não espera que entre em operação qualquer mecanismo automático de ajustamento ao ‘equilíbrio’ sempre que as expectativas deixem de realizar-se” (POSSAS, 2003, p. 435, grifo do autor).

Em síntese, o equilíbrio entre oferta agregada e demanda agregada em Keynes é nocional, elemento de cálculo. O ponto de equilíbrio nocional é o ponto em que o lucro esperado é definido com base no comportamento da demanda que o empresário projetou. “O equilíbrio de preços, de produto e de emprego a curto prazo é definido em termos das expectativas de lucro a ser ganho pela produção: demanda e custos esperados” (CHICK, 1993, p. 24, grifos nossos).

Assim, a formulação do princípio da demanda efetiva, vale dizer, de que o gasto determina a renda, é feita no contexto das decisões capitalistas de produzir (de curto prazo), cuja referência ao equilíbrio se faz de uma maneira especial, ex ante, nada tendencial e de maneira alguma o resultado fatal de um ‘processo de ajustamento automático’” (ANDRADE, 1987, p. 87, grifo nosso).

Após ter explicitado o verdadeiro sentido das noções de oferta, demanda e equilíbrio em Keynes13, apresentam-se os componentes da demanda agregada respeitando o modo de exposição do Capítulo 3 da Teoria Geral. Deste modo, ressalta-se que a demanda agregada (D) sempre será o somatório dos gastos em consumo (D1) com os gastos em investimento14 (D2): D = D1 + D2. Em outros termos, afirma-se que a expressão da demanda agregada se dá pelo gasto de consumo e de investimento15.

A categoria \(D_{1}\) representa “o montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo” (KEYNES, 1983, p. 32). Esse montante “dependerá das características psicológicas da comunidade, a que chamaremos de sua propensão a consumir. Isso quer dizer que o consumo depende do montante da renda agregada e da propensão a consumir e, portanto, do volume de emprego N” (KEYNES, 1983, p.32, grifo nosso).

Os determinantes da propensão a consumir são evidenciados nos capítulos 8, 9 e 10 da Teoria Geral, nos quais são elencados os fatores objetivos e subjetivos, respectivamente. “A propensão das pessoas a gastar (como eu a denomino) é influenciada por muitos fatores, tais como a distribuição da renda, a atitude que normalmente adotam diante do futuro e – embora provavelmente em menor grau – pela taxa de juros” (KEYNES, 1984, p. 176). Em síntese, “[…] a propensão a consumir seria determinada pela renda corrente, por fatores objetivos e fatores subjetivos” (ROSA, 2016, p. 133, grifos do autor).

No capítulo 8 da Teoria Geral, a propensão a consumir é definida explicitamente “como a relação funcional \(X\) entre \(Y_{w}\) (determinado nível de renda medida em unidades de salário) e \(C_{w}\) (o gasto que, para o consumo, se toma do dito nível de rendimento)” (KEYNES, 1983, p. 72). Matematicamente:

\[C_{w} = X(Y_{w}) \text{ ou } C = W.X(Y_{w})\qquad(1)\]

Keynes (1983) tratou essa relação funcional como estável e conhecida e apresentou a “forma normal” dessa função nos seguintes termos:

A lei psicológica fundamental em que podemos basear-nos com inteira confiança, tanto a priori, partindo do nosso conhecimento da natureza humana, como a partir dos detalhes dos ensinamentos da experiência, consiste em que os homens estão dispostos, de modo geral e em média, a aumentar o seu consumo à medida que a sua renda cresce, embora não em quantia igual ao aumento de sua renda. Isto quer dizer que, se \(C_{w}\) é o montante do consumo e \(Y_{w}\) o da renda (ambos medidos em unidades de salário), \(\Delta C_{w}\) tem o mesmo sinal que \(\Delta Y_{w}\), porém é de grandeza menor, isto é, \(\frac{dC_{w}}{dY_{w}}\) é positivo e inferior à unidade (KEYNES, 1983, p. 75).

Vê-se que, ao formular o princípio da demanda efetiva, Keynes considera a propensão a consumir como estável e conhecida. É importante advertir o leitor de que, ao lançar mão dessa hipótese simplificadora, o economista inglês tinha como objetivo “[…] explicar a função-investimento, a causa causans das flutuações do sistema, em uma perspectiva de curto prazo e de determinação da renda e emprego correntes” (ROSA, 2016, p. 133). No entanto, essa hipótese não é um elemento ubíquo ao longo da Teoria Geral. No capítulo 22, por exemplo, que trata do ciclo econômico, Keynes abre mão de tal hipótese, advertindo o leitor de que a propensão a consumir pode variar. A propósito disso, escrevera: “Se examinarmos em pormenor um caso real de ciclo econômico, constatamos que é altamente complexo e que serão necessários todos os elementos da nossa análise para explicá-lo cabalmente. Verifica-se, em especial, que as flutuações da propensão ao consumo, do estado da preferência pela liquidez e da eficiência marginal do capital desempenham todos um papel no ciclo” (KEYNES, 2012, p. 285, grifos nossos).

Conclui-se daí que, ao adotar16 a hipótese de estabilidade da propensão a consumir, “O investimento produtivo [apresenta-se como a] variável estratégica do gasto agregado numa economia capitalista” (ANDRADE, 1987, p. 92). Nas palavras do próprio Keynes:

A teoria pode ser resumida pela afirmação de que, dada a psicologia do público, o nível da produção e do emprego como um todo depende do montante do investimento. Eu a proponho desta maneira, não porque este seja o único fator de que depende a produção agregada, mas porque, num sistema complexo, é habitual considerar como causa causans o fator mais sujeito a repentinas e amplas flutuações. De um modo mais geral, a produção agregada depende da propensão ao entesouramento, da política das autoridades monetárias em relação à quantidade da moeda, do estado de confiança referente à rentabilidade futura dos ativos de capital, da propensão a gastar, e dos fatores sociais que influenciam o nível dos salários nominais. Mas, entre esses vários fatores, os que determinam a taxa de investimento são os menos confiáveis, pois são eles que são influenciados por nossas visões do futuro, sobre o qual sabemos tão pouco (KEYNES, 1984, p. 178, grifos nossos).

Tendo em vista o papel-chave desempenhado pelo gasto em investimento nas economias capitalistas e, além disso, a observação de que o arcabouço teórico de Keynes evidencia que “as alterações no investimento são uma causa importante de perturbação (para melhor ou pior) da economia” Chick (1993, p. 5, grifos nossos), apresentam-se, na próxima seção, os determinantes das decisões de investimento.



3 - AS DECISÕES DE INVESTIMENTO E A VOLATILIDADE DO NÍVEL DE PRODUÇÃO E DO VOLUME DE EMPREGO

A seção anterior permitiu mostrar que, dada a propensão a consumir, o investimento exerce um papel estratégico na determinação do nível de renda e do volume de emprego em uma economia monetária da produção como um todo. A presente seção, por sua vez, busca responder as seguintes questões: O que determina o investimento? Quais elementos influem sobre as decisões de investir? Por que essas decisões estão sujeitas a repentinas e amplas flutuações?17

Keynes, na Teoria Geral, desenvolve sua teoria de determinação do investimento enfatizando a relação entre a escala de eficiência marginal do capital e o complexo de taxa de juros sobre empréstimos de vários prazos e riscos. Nesse sentido, “[…] o incentivo para investir depende, em parte da curva de demanda por investimento [ou curva de eficiência marginal do capital] e, em parte, da taxa de juros” (KEYNES, 1983, p. 102).

A decisão de investir produtivamente, […], decorre de prospecções de rentabilidade calcadas em um amplo leque de alternativas para aplicação em diversos ativos (tanto produtivos como meramente financeiro). A demanda por bens de investimento é determinada, em Keynes, por dois fatores: a [eficiência marginal do capital] \(EMg_{K}\) e a taxa de juros (i) (ANDRADE, 1987, p. 89).

Observa-se que, em Keynes, a eficiência marginal do capital constitui um elemento central na explicação da determinação dos investimentos. Esta eficiência18 “é definida aqui em termos de expectativa da renda e do preço de oferta corrente do bem de capital. Ela depende da taxa de retorno que se espera obter do dinheiro investido num bem recentemente produzido […]” (KEYNES, 1983, p. 101, grifos do autor). Segue-se que a eficiência marginal do capital é a medida da “eficácia” da riqueza sob a forma ilíquida19. Segundo Garlipp (2001), essa eficiência reflete a capacidade que o ativo de capital tem de reproduzir-se a si mesmo e, além disso, gerar um excedente.

Ademais, a eficiência marginal do capital “depende das previsões subjetivas dos capitalistas quanto ao fluxo de rendimentos futuros de um ativo de capital, descontado o preço de oferta deste mesmo ativo […]” (ANDRADE, 1987, p. 89). É, portanto, uma medida que mostra os rendimentos prováveis em relação ao custo de produção ou de reposição de um ativo de capital durante sua vida útil.

Aqui, mais uma vez, verifica-se que a dimensão relevante para a análise é a ex-ante, ou seja, o que se leva em conta para a tomada de decisão sem conhecimento do futuro. Para Keynes (1983), as confusões em torno do conceito de eficiência marginal do capital decorrem da não compreensão de que esse conceito depende dos rendimentos esperados do capital ou, em outros termos, da lucratividade esperada e não dos rendimentos atuais ou correntes20. Esse erro de interpretação, que somente estaria “correto numa economia estática onde nenhuma mudança futura pudesse influir sobre o presente, teve como resultado a ruptura do elo teórico entre o hoje e o amanhã” (KEYNES, 1983, p. 106-107, grifo nosso).

Outro elemento de que depende o incentivo a investir é a taxa de juros. Esta, por sua vez, “depende da preferência pela liquidez ou propensão a entesourar […] e do estoque ou disponibilidade de moeda regulamentada pelas autoridades monetárias” (ANDRADE, 1987, p. 89). Nesse sentido, a taxa de juros é um fenômeno puramente monetário. A taxa de juros, observa Keynes (2012, p. 149-150), “é a recompensa da renúncia à liquidez por um prazo determinado”. Desta forma, temos que a taxa de juros “não é o ‘preço’ que estabelece o equilíbrio entre a demanda de recursos para investir e a propensão para dispensar o consumo imediato” (KEYNES, 2012, p. 150). Na verdade, “É o ‘preço’ que estabelece o equilíbrio entre o desejo de manter a riqueza em forma líquida e a quantidade de moeda disponível” (KEYNES, 2012, p. 150). Ou seja, Keynes refuta a teoria clássica da taxa de juros21.

“[…] a taxa de juros não surge aí trivialmente como um item de custo – seja como um ‘custo de empréstimo’ ou de financiamento, seja mesmo como um ‘custo de oportunidade’, correspondente à taxa de retorno, alternativa ao investimento produtivo, oferecida pelo mercado financeiro. […] a taxa de juros como limite ao investimento produtivo apenas representa, de forma condensada, o trade-off do investidor, enquanto aplicador de capital numa ampla carteira de ativos (real ou hipotética, não importa), entre o investimento (ativos de capital produtivo) e a liquidez (ativo de capital monetário). É, na verdade, uma versão muito compacta e simplificada de uma teoria de aplicação financeira […], em que um ativo de capital fixo de grande durabilidade é apenas a extremidade ilíquida de um espectro de ativos que contêm, no extremo oposto, saldos monetários” (POSSAS, 2003, p. 438-439, grifo do autor).

Esclarecidas algumas questões relativas aos conceitos de eficiência marginal do capital e de taxa de juros, ressalta-se que “é a comparação entre estas duas taxas que servirá de ‘farol’ para o comportamento subsequente dos capitalistas no sentido de decidirem ou não investir no setor produtor de ativos físicos” (ANDRADE, 1987, p. 89). Isso significa que a eficiência marginal do capital é um elemento de “cálculo”, ou seja, uma estimativa de retorno afetada por subjetividade, que indica apenas a rentabilidade esperada dos ativos instrumentais, mas nada diz se esses rendimentos são os melhores, ou os mais promissores rendimentos. Por isso, são contrastados com o custo de oportunidade representado pela taxa de juros, o retorno do dinheiro, para a tomada de decisão.

Assim, somente haveria “‘incentivo a investir’ quando o retorno esperado do investimento é maior do que o custo de tomar empréstimo: quando aquilo que Keynes chamou de ‘eficiência marginal do capital’ é positiva” (SKIDELSKY, 1999, p. 99). Seguindo Keynes (1983), as decisões de investimento somente serão tomadas se, e enquanto, a eficiência marginal do capital manter-se acima ou for igual a taxa de juros. Nas palavras do próprio autor:

Torna-se, portanto, evidente que a taxa efetiva de investimento corrente tende a aumentar até o ponto em que não haja mais nenhuma classe de bem de capital cuja eficiência marginal exceda a taxa de juros corrente. Em outras palavras o investimento vai variar até aquele ponto da curva de demanda de investimento em que a eficiência marginal do capital em geral é igual à taxa de juros do mercado (KEYNES, 1983, p. 102).

Em suma, a teoria da determinação do nível de investimento postula que o investimento é uma função da relação entre a taxa de juros e a escala da eficiência marginal do capital22. Isto posto, resta reunir os elementos necessários para responder a seguinte questão: por que as decisões de investimento estão sujeitas a repentinas e amplas flutuações? “A razão apontada é a volatilidade característica das expectativas do rendimento do investimento” (SKIDELSKY, 1999, p. 99).

Keynes (1983), ao analisar o ‘estado da expectativa de longo prazo’, constata que as estimativas dos rendimentos futuros ou esperados de um investimento se fundamentam em uma base precária de conhecimento. Sobre esse aspecto, o autor defende que “[…] nosso conhecimento dos fatores que regularão a renda de um investimento alguns anos mais tarde é, em geral, muito limitado e, com frequência, desprezível” (KEYNES, 1983, p. 110, grifos nossos). “É a base precária de conhecimento, que torna a função investimento peculiarmente dependente dos ‘espíritos animais’” (SKIDELSKY, 1999, p. 99).

A constatação anterior sugere que, em uma economia monetária da produção como um todo, os empresários tomam decisões de investimento sob condições de incerteza. Nesse sentido, é legítimo afirmar que os empresários “jogam um jogo que é um misto de habilidade e de sorte e cujos resultados médios são desconhecidos pelos jogadores que nele participam” (KEYNES, 2012, p. 134). Em outras palavras, os empresários tomam decisões com base em um conhecimento sobre o futuro que é “oscilante, vago e incerto” (KEYNES, 1984, p. 171). Neste ponto, torna-se necessário evidenciar o significado do termo incerteza, como empregado por Keynes. Nas palavras do próprio autor:

Desejo explicar que por conhecimento ‘incerto’ não pretendo apenas distinguir o que é conhecido como certo, do que apenas é provável. […]. O sentido em que estou usando o termo é aquele segundo o qual a perspectiva de uma guerra europeia é incerta, o mesmo ocorrendo com o preço do cobre e a taxa de juros daqui a vinte anos, ou a obsolescência de uma nova invenção, ou a posição dos proprietários particulares de riqueza no sistema social de 197023. Sobre estes problemas não existe qualquer base científica para um cálculo probabilístico. Simplesmente, nada sabemos a respeito (KEYNES, 1984, p. 171, grifo nosso).

Na Teoria Geral, Keynes expressou essas ideias nos seguintes termos:

Se falarmos com franqueza, temos que admitir que as bases do nosso conhecimento para calcular a renda provável dentro de dez anos de uma estrada de ferro, uma mina de cobre, uma fábrica de tecidos, a aceitação de um produto farmacêutico, um navio transatlântico ou um imóvel no centro comercial de Londres pouco significam e, às vezes, a nada levam. De fato, aqueles que tentam, com seriedade, fazer um cálculo desta natureza constituem uma pequena minoria, cuja conduta não chega a influenciar o mercado (KEYNES, 1983, p. 110-111).

Fica evidente, portanto, que o significado de incerteza em Keynes não se resume à noção de risco24. Isso implica que a incerteza não pode “ser eliminada a um custo finito: a incalculabilidade objetiva, ainda que probabilística, dos eventos econômicos torna a incerteza qualitativamente distinta do risco e, desse modo, incapaz de ser coberta por um prêmio de seguro” (POSSAS, 2003, p. 443).

Como os empresários se comportam diante da incerteza? Os empresários, em vez de eliminar, tentam contornar a incerteza25. Ao fazê-lo, seguem o que Keynes denomina de convenção. “A essência desta convenção […] reside em se supor que a situação existente dos negócios continuará por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança” (KEYNES, 1983, p. 112). Em outros termos, os empresários tomam suas decisões ignorando “em grande parte a perspectiva de mudanças futuras” (KEYNES, 1984, p. 172). Nesta perspectiva, a situação corrente apresenta-se como “guia” para os homens de negócios. Além disso,

Por saber que a opinião individual carece de valor, procuramos voltar-nos para a opinião do resto do mundo, que talvez esteja melhor informado. Isto é, procuramos conformar-nos ao comportamento da maioria ou da média. A psicologia de uma sociedade de indivíduos, cada um dos quais procurando copiar os outros, leva ao que podemos denominar rigorosamente de opinião convencional (KEYNES, 1984, p. 172).

Como observado por Keynes, as expectativas formadas a partir de uma convenção têm um alicerce frágil, justamente porque apoia-se em opiniões, e não em conhecimento perfeito dos eventos futuros. Ou seja, “[…] as expectativas assim formadas, por mais ‘convencionais’, apoiam-se no que Keynes chama um ‘estado de confiança’ frágil, função inversa da incerteza presente nas expectativas formuladas” (POSSAS, 2003, p. 444, grifo do autor). Segue-se, portanto, que “A prática de calma e imobilidade, de certeza e segurança rompe-se de repente. Sem aviso prévio, a conduta humana passa a ser dominada por novos temores e esperanças” (KEYNES, 1984, p. 172).

Deste modo, as decisões de investimento “assumem um forte e ineliminável potencial de instabilidade, sujeitas que são a alterações súbitas e violentas no estado de confiança, precário, em que baseiam as expectativas de longo prazo” (POSSAS, 2003, p. 444, grifo do autor). Porque o futuro é desconhecido e o investimento é uma decisão que envolve o longo prazo, além de valores monetários e, eventualmente, dinheiro emprestado, tal processo envolve incerteza e está sujeito à grande instabilidade. Essa natureza instável do volume de investimento foi apreendida por Keynes nos seguintes termos:

Não é surpreendente que o volume de investimento, […], flutue muito através do tempo. Isto porque ele depende de dois conjuntos de opiniões sobre o futuro – nenhum dos quais se apóia num fundamento adequado ou seguro –, sobre a propensão a entesourar e sobre a futura rentabilidade dos ativos de capital (KEYNES, 1984, p. 175).

Assim, a hipótese de que o investimento constitui a variável determinante par excellence no sistema teórico de Keynes, permite deduzir que o sistema econômico capitalista é intrinsecamente instável e esse caráter instável do sistema se deve à volatilidade das expectativas26 em torno das decisões de investimento. Em síntese, a instabilidade do nível de produção e do volume de emprego, para Keynes, decorre

do fato de que as decisões de investir assentam-se em expectativas que necessariamente têm de se reportar a um futuro longínquo e cercado de incerteza. E como o investimento é a variável estratégica do gasto agregado, ou da demanda efetiva que determina a renda e o nível de emprego, as flutuações súbitas e amplas do investimento, a partir da instabilização das expectativas, conduzirão a flutuações na renda e no emprego e, ipso facto, darão feição à instabilidade do próprio capitalismo (ANDRADE, 1987, p. 90).

Afirma-se, com base nas hipóteses que Keynes lança mão para elaborar o princípio da demanda efetiva, apresentado no Capítulo 3 da Teoria Geral, que a volatilidade do investimento se apresenta como causa causans da instabilidade que caracteriza o nível de produção e o volume de emprego nas economias capitalistas. Para finalizar essa reflexão, vale a observação de Minsky (2011, p. 119) de que a teoria de Keynes “é uma teoria em que o investimento é a força motriz e atuante, causando as flutuações”.



4 - CONCLUSÃO

O objetivo deste artigo consistiu em mostrar que a instabilidade do nível de produção e do volume de emprego numa economia monetária da produção é resultado principalmente da volatilidade das expectativas em torno das decisões de investimento. Buscou-se explorar o verdadeiro sentido do princípio da demanda efetiva, como formulado originalmente por John Maynard Keynes. Em outros termos, pretendeu-se demonstrar que os conceitos de oferta, demanda e equilíbrio assumem uma conotação específica na Teoria Geral de Keynes e, portanto, diametralmente distinta da análise teórica neoclássica.

Após revisar alguns dos principais textos de Keynes, bem como alguns de seus principais intérpretes, chegou-se à conclusão de que, dada a propensão a consumir do público, a volatilidade das expectativas em torno das decisões de investimento constitui a causa causans da instabilidade do nível de produção e do volume de emprego em uma economia monetária da produção como um todo. Isso se explica pela seguinte constatação: as decisões de investimento estão sujeitas a repentinas e amplas flutuações.

Essas repentinas e amplas oscilações, como demonstrado na seção 3, decorrem principalmente da volatilidade característica das expectativas do rendimento do investimento. Verificou-se que as estimativas dos rendimentos esperados de um investimento se fundamentam em uma base precária de conhecimento, o que, em uma economia monetária da produção, leva o empresário a tomar decisões de investimento sob condições de incerteza. Assim, as expectativas em torno das decisões de investir assumem um forte potencial de instabilidade. Em outros termos: sendo o futuro desconhecido e o investimento uma decisão que envolve o longo prazo, esta decisão se dá sob incerteza e está sujeita à instabilidade.

Por fim, enfatiza-se que, ao longo desta pesquisa, abordou-se a volatilidade do investimento apenas do ponto de vista do princípio da demanda efetiva, isto é, em uma perspectiva de determinação da renda e emprego correntes. Ou seja, não constituiu objeto deste artigo as conexões entre as esferas real e monetária do sistema econômico. Como pesquisa futura, portanto, sugere-se uma investigação que priorize os efeitos da instabilidade do sistema financeiro sobre a atividade econômica.



5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Rogério Pereira de. Expectativas, Incerteza e Instabilidade no Capitalismo: uma abordagem a partir de Keynes. Revista de Economia Política, v. 7, n. 2, abril-junho de 1987.

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DAVIDSON, Paul. Resgatando a Revolução Keynesiana. In: LIMA, G. T.; SICSÚ, J. (Coords). Macroeconomia do Emprego e da Renda: Keynes e o Keynesianismo. Barueri – SP: Manole, 2003, Cap. 1, p. 3-28.

DAVIDSON, Paul. John Maynard Keynes. São Paulo: Actual Editora, 2011.

DILLARD, Dudley. A Teoria Econômica de John Maynard Keynes: teoria de uma economia monetária. São Paulo: Pioneira, 3ª Ed., 1976.

GARLIPP, José Rubens Damas. A Economia Monetária em Keynes e Pós-Keynesianos. Revista Economia Ensaios, Uberlândia, v. 5, n. 2, jul. 1991, p. 29-44.

GARLIPP, José Rubens Damas. Economia Desregrada – Marx, Keynes e Polanyi e a Riqueza no Capitalismo Contemporâneo. (Tese de Doutorado). Campinas: IE-Unicamp, 2001.

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KEYNES, John Maynard. The Distinction Between a Co-operative Economy anda na Entrepreneur Economy. Cf. MOGGRIDGE, D. ed. CW, v. XXIX, p. 76-111, Londres: Macmillan Press, 1978.

KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego. In: SZMRECSÁNYI, Tamás. Keynes. São Paulo: Ática, 1984.

KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Saraiva, 2012.

MINSKY, Hyman P. John Maynard Keynes. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.

POSSAS, Mario Luiz. Para uma Releitura Teórica da Teoria Geral. In: LIMA, Gilberto Tadeu; SICSÚ, João. (Organizadores). Macroeconomia do Emprego e da Renda: Keynes e o Keynesianismo. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 429-449.

ROSA, Everton S. T. As Famílias na Abordagem Minskyana: aspectos e desdobramentos do endividamento das famílias americanas no século XX e início do XXI. Revista de Economia Política, Campinas, v. 36, n. 1 (142), jan./mar. 2016, p. 130-149.

SKIDELSKY, Robert. Keynes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 1999.


  1. “O conceito de economia monetária, […], denota uma particular concepção do modo de operação e funcionamento de um sistema econômico capitalista moderno. Um importante traço distintivo de uma economia monetária está não apenas na presença do dinheiro, mas no seu caráter ativo. Destacar esse caráter não neutro do dinheiro, tanto no curto como no longo períodos, adquire duplo significado: contrariar uma das falácias da teoria econômica clássica, qual seja, a circulação financeira é mero reflexo da circulação subjacente de bens; e, mais importante, ‘revolucionar’ a forma dominante do pensamento econômico” (GARLIPP, 1991, p. 30-31, grifo nosso).
  2. Keynes utiliza o termo “economistas clássicos” para se referir aos seguidores do economista inglês David Ricardo (1772-1823). “[…] compreendendo (por exemplo) J. S. Mill, Marshall, Edgeworth e o Prof. Pigou” (KEYNES, 1983, p. 15).
  3. “O objetivo primordial da Teoria Geral, e a principal justificativa para se classificar a sua mensagem como uma Revolução, foi a sua destruição da Lei de Say, a ideia de não haver nenhuma razão para a produção não atingir o nível do pleno emprego e, por conseguinte, o desemprego ser apenas um fenômeno transitório” (CHICK, 1993, p. 12, grifo nosso).
  4. “A Lei de Say evoluiu a partir da obra de um economista francês, Jean Baptiste Say, que, em 1803, afirmou que os ‘produtos trocam-se sempre por produtos’. Em 1808, o economista inglês James Mill traduziu a máxima francesa de Say para ‘a oferta cria a sua própria procura’. Desde então, a formulação de Mill ficou estabelecida em economia como a Lei de Say” (DAVIDSON, 2011, p. 74-75).
  5. Esses “problemas semânticos” foram reconhecidos pelo autor da Teoria Geral. Em uma tentativa de esclarecer algumas questões sobre as condições ex post e ex ante (resultados realizados e resultados esperados, respectivamente), Keynes escreve: “It is evident that I have failed sufficiently to emphasise this” (KEYNES, 1973, p. 179).
  6. "Demanda efetiva é um conceito de demanda – no caso, igualada à oferta – tal como prevista pelos agentes econômicos (empresários) que, detendo o comando sobre a produção, e tendo resolvido o que e como produzir, decidem a cada período o quanto produzir – e, dessa forma, o quanto empregar – dos recursos existentes (POSSAS, 2003, p. 433, grifo do autor).
  7. No Capítulo 3 da Teoria Geral, o custo de uso é definido como “os montantes que [o empresário] paga a outros empresários pelo que lhes compra, juntamente com o sacrifício que faz utilizando o seu equipamento em vez de o deixar ocioso” (KEYNES, 1983, p. 29). No Capítulo 6, o autor se propõe a apresentar uma definição mais precisa do termo custo de uso: “[…] redução de valor sofrida pelo equipamento em virtude de sua utilização, comparada com a que teria sofrido se não tivesse havido tal utilização, levando em conta o custo de manutenção e das melhorias que conviesse realizar, além das compras a outros empresários” (KEYNES, 1983, p. 58). O autor argumenta que “O custo de uso é um dos elos que ligam o presente e o futuro, pois, quando um empresário fixa a sua escala de produção, tem de escolher entre utilizar imediatamente o seu equipamento ou conservá-lo para o utilizar mais tarde. O que determina o montante do custo de uso é o sacrifício esperado de lucros futuros decorrente da utilização imediata […]” (KEYNES, 1983, p. 58).
  8. Garlipp (1991; 2001) apresenta o que denomina de “características distintivas de uma economia monetária e empresarial: o objetivo dos agentes; o caráter das suas decisões; a suscetibilidade à flutuações; a importância do tempo e da incerteza e as propriedades do dinheiro” (GARLIPP, 1991, p. 33). Sobre o objetivo dos agentes, o autor argumenta, seguindo Keynes, que o capitalista não tem outro objetivo, ao terminar o período de produção, do que obter mais dinheiro. Sobre essa questão, Keynes, em rara referência à Marx, aceita que “the nature of production in the actual world is not, as economists seem often to suppose, a case of C – M – C’, i. e. of exchanging commodity (or effort). That may be the standpoint of the private consumer. But it is not the atitude of businnes, which is a case of M – C – M’, i. e. of parting with money for commodity (or effort) in order to obtain more money” (KEYNES, 1978, p. 81).
  9. Vale ressaltar, porém, com base em Possas (2003), que a dimensão ex-post da demanda efetiva não tem sua importância reduzida em Keynes. “A cada passo as expectativas são confrontadas com os resultados realizados, que as confirmam ou não, induzindo eventual alteração corretiva nas decisões de produção subsequentes e, desse modo, na própria demanda efetiva futura” (POSSAS, 2003, p. 433).
  10. “[…] a demanda efetiva é o ponto da função da demanda agregada que se torna efetiva porque, em conjunção com as condições da oferta, corresponde ao nível de emprego que maximiza as expectativas de lucro do empresário.” (KEYNES, 2012, p. 49, grifo nosso).
  11. O problema da demanda efetiva, por exemplo, é “[…] discutido, […], em Keynes quando trata das expectativas de ‘curto prazo’, isto é, associadas à decisão capitalista de produzir” (POSSAS, 2003, p. 433-434).
  12. “O conceito de equilíbrio esposado pelo neoclassicismo diz respeito à tendência indefectível, inerente ao próprio funcionamento do sistema econômico, que possui toda economia capitalista de, tangida pelas forças que operam livremente no mercado, atingir o pleno-emprego de todos os recursos econômicos disponíveis na sociedade” (ANDRADE, 1987, p. 86).
  13. Espera-se ter contribuído para demonstrar que o conceito de demanda efetiva em Keynes relaciona-se exclusivamente à dimensão ex-ante. Isso se torna evidente ao observarmos expressões como: demanda esperada, custos esperados, lucro esperado.
  14. Seguindo Davidson (2011), isso é verdadeiro somente para o caso de uma economia fechada e sem governo. Somente neste caso “D2 representa as despesas de investimento do setor privado” (DAVIDSON, 2011, p. 101). Essa observação é necessária para ressaltar que “Inicialmente Keynes trabalhou com o modelo mais simples da economia, em que não existem impostos, despesas do governo nem comércio com o estrangeiro, de forma que tanto G [gastos do governo] como X [exportações] são iguais a zero” (DAVIDSON, 2011, p. 100). “Na teoria ‘pura’, em que são ignorados governo e demanda externa, o emprego depende da demanda por consumo e por investimento” (MINSKY, 2011, p. 119).
  15. Essa taxonomia adotada por Keynes (1983) contrasta significativamente com a categorização clássica. “Segundo a Lei de Say, a procura agregada do mercado para todos os produtos industriais pode ser agrupada numa categoria única denominada D1. Este consumo D1 representa todas as despesas com bens produzíveis em que a quantia gasta se relaciona como rendimento ganho (oferta agregada). (…) D1 não é só uma função do rendimento ganho, é também exatamente igual ao rendimento ganho (oferta agregada) em qualquer nível de emprego” (DAVIDSON, 2011, p. 99).
  16. Ressalta-se, mais uma vez, que tal hipótese limita “[…] o potencial de perturbação das famílias sobre o sistema econômico […]” (ROSA, 2016, p. 134).
  17. Essas questões foram abordadas por Keynes no Livro IV da Teoria Geral. Nesta parte do livro, o autor apresenta sua teoria acerca da primazia dos investimentos para explicar a dinâmica econômica capitalista.
  18. “A relação entre a renda de um bem de capital e seu preço de oferta ou custo de reposição, […], dá-nos a eficiência marginal do capital desse tipo. Mais precisamente, defino a eficiência marginal do capital como sendo a taxa de retorno que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas desse capital, durante toda a sua existência, exatamente igual ao seu preço de oferta” (KEYNES, 1983, p. 101).
  19. É importante ressaltar, para evitar equívocos, que essa eficiência é do “capital” e não da máquina ou do equipamento. Ou seja, refere-se à eficiência do capital quando este está sob a forma de máquinas e equipamentos. Não se trata de coeficiente técnico da máquina, se trata de expectativa de retorno monetário, ou seja, que conecta o lado real e monetário, derrubando mais uma vez a ideia de moeda neutra.
  20. Esse ponto evidencia que a decisão de investimento depende das avaliações que os capitalistas fazem acerca do próprio valor do capital.
  21. A teoria clássica da taxa de juros “considera que a taxa de juros é o fator que leva ao equilíbrio entre a demanda de investimentos e a disponibilidade para poupar. O investimento representa a demanda de recursos para investir, a poupança representa a oferta, e a taxa de juros é o ‘preço’ dos recursos investíveis que torna essas duas quantidades iguais. […] a taxa de juros, sob a ação das forças do mercado, vai necessariamente fixar-se no ponto em que o montante de investimento a essa taxa seja igual ao montante de poupança à mesma taxa” (KEYNES, 2012, p. 157-158).
  22. “A teoria do investimento de Keynes liga o ritmo flutuante do investimento, que é um conceito de produção (do setor real), a variáveis que são determinadas nos mercados financeiros” (MINSKY, 2011, p. 120). Esse autor argumenta que a complexidade do processo de determinação do investimento contemplado por Keynes foi desconsiderada pela síntese neoclássica, especialmente pelo arcabouço ou modelo Hicks-Hansen, também conhecido como modelo IS-LM. Em seu modo de ver, “Na literatura, os quebra-cabeças relacionados à determinação do investimento apresentados por Keynes foram deixados de lado em vez de resolvidos” (MINSKY, 2011, p. 53-54).
  23. Essa passagem foi extraída do artigo “A Teoria Geral do Emprego”, publicado originalmente em 1937. Portanto, o ano de 1970 se referia a um futuro distante.
  24. Essa noção de incerteza se opõe de forma radical àquela empregada pelos economistas “clássicos”. A abordagem convencional admitia “que o cálculo de probabilidade, embora se omitisse sua menção, fosse capaz de reduzir a incerteza à mesma posição calculável da certeza; exatamente como no cálculo das dores e prazeres de Bentham […]” (KEYNES, 1984, p. 170). Baseando-se nos ‘fatos da experiência’, Keynes defenderá que, “na verdade, temos apenas, via de regra, a mais vaga das ideias de quaisquer consequências de nossos atos que não sejam as mais diretas” (KEYNES, 1984, p. 170).
  25. Ou seja, não sendo possível eliminá-la, criam-se alternativas para se proteger: seguir convenções, definir contratos, possuir liquidez.
  26. Ressalta-se que as expectativas em torno das decisões de investimento que são voláteis, a decisão em si não é. Uma vez tomada, ela tem que ser carregada até a conclusão do investimento. Por isso, ela é fundamental, arriscada, e torna o empresário vulnerável, exigindo dele confiança para levar em frente o empreendimento.