Avaliando a (Des)igualdade de Gênero e a Vitimização

Cristiane Silva1; Márcia Regina Godoy2.
1 - Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS.
2 - Pesquisadora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.


Resumo

A questão da desigualdade de gênero no Brasil é um tema relevante, ainda que se tenha observado progresso em sua minimização ao longo dos anos. Este estudo tem por objetivo investigar as desigualdades entre os sexos sob um aspecto diferente, a vitimização em três tipos de crime: furto, roubo e agressão física de forma a identificar os seus determinantes. Para tanto, serão discutidas formas de violência contra mulheres com o intuito de encontrar alternativas para reduzi-las. Estimaram-se modelos de regressão Probit a partir de microdados da PNAD 2008 e 2009, trata-se de dados de pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Entre os resultados encontrados, observou-se que as mulheres têm maior probabilidade de denunciar as autoridades a ocorrência de vitimização. No que diz respeito ao indivíduo vítima de violência 3,10% dos homens e 2,71% das mulheres sofreram algum tipo de vitimização, conforme dados da PNAD 2008. Além disso, o fato de não ser da cor/raça branca aumenta a probabilidade de vitimização feminina e masculina.

Palavras-chave: Mulheres; Homens; Vitimização; Probit; PNAD.


Assessing the (Un) equal gender and Victimization


Abstract

The issue of gender inequality in Brazil is a relevant issue, although progress has been observed in its minimization over the years. This study aims to investigate the inequalities between the sexes in a different aspect, victimization in three types of crime: theft, robbery and physical aggression in order to identify their determinants. To do so, we will discuss ways of violence against women with the aim of finding alternatives to reduce them. Probit regression models were estimated from PNAD 2008 and 2009 microdata, which are data from research carried out by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). Among the results found, it was observed that women are more likely to report to the authorities the occurrence of victimization. Regarding the individual victim of violence, 3.10% of the men and 2.71% of the women suffered some type of victimization, according to data from PNAD 2008. In addition, the fact that it is not white / race increases the probability of female and male victimization.

Keywords: Women; Men; Victimization; Probit; PNAD.

JEL Classification: K36; K32; I14; Z13.


1 - INTRODUÇÃO

A literatura sobre igualdade de gênero é ampla e em constante discussão, estudos como, por exemplo: Tadeu (2008), Monteiro e Zaluar (2012), Oliveira (2005), Portella (2005), Aquino (2013), fornecem referências importantes para pesquisa, com investigações em vários países. A questão da desigualdade de gênero tem sido motivo de reflexão mundialmente. Grande parte da literatura sobre desigualdades de gênero se foca na questão sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres e a menor participação das mulheres em cargos de chefias e participação na vida política. O presente estudo investiga as desigualdades entre os sexos sob um aspecto diferente. Neste estudo serão discutidas formas de violência contra mulheres com o intuito de encontrar alternativas para reduzi-las. Outro aspecto importante a ser analisado é a vitimização de homens e mulheres em três tipos de crime: furto, roubo e agressão física de forma a identificar os seus determinantes.

A violência contra a mulher tem sido amplamente discutida, pois tem implicações de curto e longo prazo pelas consequências que geram, como por exemplo, gravidez indesejada, aborto inseguro, aborto espontâneo pela violência física sofrida, infecções por doenças sexualmente transmissíveis, entre tantas outras (MONTEIRO; ZALUAR, 2012).

Neste contexto, de acordo com Oliveira (2005, p. 234-238), o número de mulheres que sofre algum tipo de violência é expressivo, uma em cada cinco brasileiras declara ter sido vítima de algum tipo de violência por parte de um homem. Oliveira (2005) estima que 2,1 milhões de mulheres são espancadas por ano no Brasil. Isso significa 175 mil mulheres espancadas por mês, 5.800 por dia, 243 por hora, quatro por minuto e uma a cada 15 segundos. Tamanha violência causa impacto no ambiente familiar e na sociedade como um todo.

Este artigo visa contribuir com o conhecimento sobre violência contra a mulher através da identificação dos determinantes individuais da vitimização no Brasil. Para tal, este artigo está organizado em mais quatro seções, além desta introdução. Na segunda, apresentam-se as evidências teóricas e empíricas a respeito da desigualdade de gênero e vitimização no Brasil; na terceira, descreve-se a metodologia, a base de dados, as variáveis que serão utilizadas no estudo e; na quarta parte, faz-se uma análise dos resultados e, por fim, na quinta seção, discutem-se os resultados encontrados.


2 - VITIMIZAÇÃO E A QUESTÃO DO GÊNERO

As diferenças existentes entre os sexos (masculino e feminino) ainda são evidentes no Brasil. Muito embora tenha havido progressos ao longo do tempo, as diferenças salariais entre homens e mulheres persistem, bem como outras formas de discriminação, que muitas vezes, desencadeiam agressões e violência contra elas. Há muitas formas de violência no Brasil, assim como em outros países, as desigualdades são percebidas não apenas no que diz respeito ao sexo, mas classe social, raça/cor, orientação sexual, entre outras. Entretanto, de acordo com Brasil (2013), a violência contra a mulher é uma das principais formas de violação dos direitos humanos, havendo a necessidade de trabalho conjunto no âmbito da saúde, segurança pública, trabalho, assistência social, justiça, entre outros, no combate a desigualdade de gênero e violência contra as mulheres.

É notória a necessidade de investigações que se preocupem com essa questão social e também de saúde pública, homicídios e suicídios são desencadeados a partir da violência sofrida pelas mulheres. Tanto o referencial teórico quanto os dados disponíveis para análise convergem para a importância de pensar políticas públicas de informação e proteção aos direitos das cidadãs.


2.1. REFERENCIAL TEÓRICO

A violência existe desde os primórdios da humanidade. Entretanto somente a partir da metade do século XX, pesquisadores começaram a se dedicar a sua investigação. A partir da década de 1970, pesquisadores americanos passaram a coletar e analisar dados de vítimas de violência, desviando o foco da atenção do criminoso para a vítima. Nesta mesma época, mulheres que eram assassinadas por seus parceiros, muitas vezes, acabavam ocupando o lugar de rés ao invés de vítimas da violência, pois na época havia um preconceito muito grande em relação ao comportamento adotado pelas mulheres no que diz respeito, por exemplo, à fidelidade conjugal ou ainda, a independência que não estaria de acordo com um comportamento feminino adequado (AQUINO, 2013).

A partir de então, surgiram algumas teorias da vitimização. As principais delas são: teoria do estilo da exposição por estilo de vida, teoria da anomia, teoria da atividade rotineira e teoria da desorganização social.

Em 1978, Michael J. Hindelang, Michael R. Gottfredson, e James Garofalo publicaram o livro “Victims of Personal Crime: An Empirical Foundation for a Theory of Personal Victimization”. Nesse livro, eles delinearam características sociodemográficas das vítimas. Esse trabalho deu origem à teoria da exposição por estilo de vida. Resumidamente, nessa teoria, considera-se que características do estilo de vida geram oportunidades para que os indivíduos sejam prováveis vítimas de violência.

A teoria da atividade rotineira surgiu com o trabalho de Cohen e Felson (1979). Para os autores, os três ingredientes para o crime são muito simples: basta coexistir, no mesmo espaço e ao mesmo tempo, indivíduos motivados a cometê-lo, alvos atraentes e mal protegidos. Essa teoria serviu de base para a elaboração de políticas públicas de prevenção voltadas para a proteção dos locais e alvos vulneráveis de forma a dissuadir os autores potenciais.

Durkheim (2002) são os percursores da teoria da anomia. Anomia é uma palavra que tem origem etimológica no grego (a = ausência; nomos = lei) e significa sem lei, conotando também a ideia de situação em que prevalece a ausência ou confusão de normas e de regras, falta de referências morais, injustiça e desordem.

Com a maior disponibilidade de dados e facilidades computacionais, desde a década de 1990 ocorreu, no Brasil e no exterior, um aumento de estudos empíricos sobre vitimização. Muitos deles enfatizam o impacto da violência sobre a qualidade de vida, como argumenta Macmillan (2001). Estudos como de Macmillan (2001) estimam os muitos custos e consequências da vitimização. Estimar os custos do crime em termos de perda de bens, contas hospitalares e salários perdidos, para outros, ela também envolve uma preocupação com os danos que o crime e a violência causam por lesão e sofrimento mental aos indivíduos. De forma geral, Eide (2004), Madalozzo e Furtado (2011), mostram em primeiro lugar, que a vitimização está fortemente concentrada no início do ciclo de vida. Em segundo lugar, vitimização, pelo menos em curto prazo, tem consequências psicológicas profundas. Como os eventos marcantes que ocorrem durante as fases cruciais do curso de vida desempenham um papel significativo na trajetória de formação dos indivíduos, a vitimização deve ter implicações importantes para o desenvolvimento pessoal e social.


2.2. ESTUDOS EMPÍRICOS NO BRASIL

Aquino (2013), em um estudo sobre as políticas públicas de prevenção e combate à violência contra as mulheres no Brasil, enfatiza que essas políticas tiveram início na chamada Segunda Onda do Movimento Feminista ocorrida em meados da década de 1970. O envolvimento político na época era evidente, e foi neste momento que as mulheres iniciaram uma organização em grupos para pesquisa e reflexão de determinadas situações que ocorriam com elas através de denúncias e mobilização para pôr um fim às formas de violência sofridas.

Houve então uma proposta de criação de um espaço para atendimento às mulheres em situação de violência no início da década de 1980. A partir daí reivindicações tiveram início e delegacias especializadas no atendimento às mulheres foram criadas como forma de atender àquelas que viviam em situação de violência (AQUINO, 2013).

Na década de 1980, a criação das Delegacias da Mulher mostrou-se importante para apoio às vítimas de violência, no entanto, nesta época as decisões do Poder Judiciário brasileiro pareciam não convergir com a ideia de erradicação desse tipo de violência, pois a violência contra a mulher não chegava a ser criminalizada. Em 2006, quando sancionada a Lei Maria da Penha (LMP), a situação melhora, pois é a partir dela, que qualquer ato violento contra a mulher passa a ser crime e considerado violação dos direitos humanos (SILVEIRA; NARDI; SPINDLER, 2014).

Para combater e minimizar a violência contra as mulheres existem programas federais e legislação específica, entre eles: a) Lei Maria da Penha, um instrumento legal que assegura as mulheres seus direitos e incentiva a aplicação da lei; b) Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher (atualmente chamado disque-denúncia), um canal de atendimento que fornece orientações sobre a própria Lei Maria da Penha, direitos e serviços públicos disponíveis para as mulheres; c) Pacto Nacional, um programa que integra governo federal, estadual e municipal para a formulação de políticas públicas que visem à redução da violência contra as mulheres; d) Programa Mulher – Viver sem Violência, que integra serviços públicos de segurança, justiça, saúde, assistência social, acolhimento, e orientação para o trabalho, emprego e renda às mulheres. Todos estes programas são meios que visam reduzir a proporção de violências cometidas contra as mulheres.

Recentemente, Cerqueira et al. (2015) avaliaram a efetividade da Lei Maria da Penha analisando as ocorrências de homicídios contra mulheres dentro das residências. Os resultados apontaram que, embora a LMP não tenha apresentado o mesmo impacto em todo o país, teve fundamental importância no combate à violência de gênero. A implementação da LMP contribuiu para a diminuição dos homicídios por questões de gênero no Brasil. Para os autores, esta diminuição está relacionada ao aumento do custo da pena para o agressor; melhoria do sistema jurídico que proporciona melhores condições de segurança para que as mulheres vítimas pudessem denunciar, bem como a maior agilidade na resolução dos casos de violência doméstica.

Monteiro e Zaluar (2012) desenvolvem um estudo sobre a violência contra mulher. Os autores estimaram e analisaram as diferenças microrregionais das taxas de mortalidade por agressão a mulheres de 15 a 29 anos de 2002 a 2006. Das 558 microrregiões, 69 tiveram uma taxa média anual acima de 9/100.000 (mais de nove óbitos por agressão por 100.000 mulheres), o que corresponde a 12,4% das microrregiões. Essas 69 microrregiões distribuem-se nas grandes regiões sendo: 12 microrregiões na Região Norte, 10 na Região Nordeste, 19 na Região Sudeste, 7 na Região Sul e 21 na Região Centro-Oeste. Constataram registros de 8.665 óbitos de mulheres nessa faixa etária em consequência de agressões. De acordo com os autores as mulheres são vítimas de morte violenta direta (por meio dos homicídios, assassinatos) ou indiretamente (em razão do suicídio e outras formas de violência).

Meneghel (2013) discute femicídios, ou seja, assassinato de mulheres baseado na questão do gênero. Ou ainda, assassinato de mulheres somente pelo fato de serem mulheres. De acordo com a autora, entre 60% e 70% dos homicídios contra mulheres em diversos países são caracterizados femicídios. As taxas de femicídios mais elevadas do mundo foram observadas na América Central. As vítimas desse tipo de crime são, em sua maioria, adolescentes e adultas jovens pertencentes às classes mais pobres da sociedade.

A morte por agressão de mais de 20.000 brasileiras no período de 1999 à 2005 retratou que a maior parte delas era jovem, solteira e negra. Outra pesquisa realizada em São Paulo, a respeito dos homicídios de mulheres revelou que, elas possuem as seguintes características: são jovens, brancas, solteiras, possuem baixo nível educacional, profissões não qualificadas e, além disso, observou-se que muitos dos agressores já possuíam antecedentes criminais (MENEGHEL, 2013).

Madalozzo e Furtado (2011) utilizaram dados de uma pesquisa realizada pelo Instituto Futuro Brasil (IFB), em 2003, para estudarem os determinantes de notificação de forma qualitativa e quantitativa. Através de um modelo Probit, os autores estimam o risco individual de vitimização nas modalidades de crimes, tais como roubo ou furto em residência, roubo ou furto de carro ou moto e agressão física. Com o estudo, os autores mostram que as teorias de “estilo de vida” e “atividades rotineiras” possuem validação empírica. Os autores mostraram que os hábitos pessoais, as variáveis demográficas e as condições econômicas dos indivíduos são as características que mais impactam na probabilidade de vitimização. Quanto maior a exposição e atratividade da possível vítima, maiores as chances do crime se consumar, ao mesmo tempo que, quanto mais o indivíduo se protege, menor a probabilidade de ele vir a ser vítima de um crime. Entre as características que se mostraram relevantes, de acordo com o estudo estão: sexo, idade, etnia, religião, indicador de migração, classe social, escolaridade, status no mercado de trabalho, condições de moradia e hábitos relacionados aos lugares que frequenta e consumo de bebidas alcoólicas.

Os trabalhos de Souza e Cunha (2011), Xavier e Oliveira (2012) utilizaram dados de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 para estimar, através de modelos Logit e Probit, os determinantes da vitimização para os crimes de furto, roubo, tentativa de furto e/ou roubo e agressão. Os resultados mostraram que a exposição dos indivíduos a situações de risco e atratividade material de possíveis vítimas, assim como mencionado nas teorias do “Estilo de Vida” e das “Atividades Rotineiras”, são elementos estatisticamente significantes na probabilidade de vitimização. O presente artigo se diferencia dos trabalhos de Souza e Cunha (2011), Xavier e Oliveira (2012), pois além de utilizar a PNAD 2009 e a PNAD 2008, faz uma análise dos determinantes da vitimização para o caso brasileiro sob a perspectiva de gênero.

Em se tratando de violência sexual contra mulher, Souza et al. (2013) afirmam que são diversas as consequências causadas para às vítimas, podem ser médicas, psicológicas e sociais a medida em que geram depressão, ansiedade, transtornos alimentares, suicídio, uso de álcool e drogas, entre tantos outros problemas de saúde. De acordo com os autores a própria autoestima é afetada assim como as relações sociais o que reduz a qualidade de vida. Os autores afirmam ainda que no Brasil, 70% deste tipo de crime contra a mulher são cometidos por seus parceiros e ocorrem no lar.

Oliveira (2005, p. 234-238) avalia o Programa de Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra a Mulher que foi criado pelo Governo Federal, em 2003, com a finalidade de minimizar a violência sofrida pelas mulheres oferecendo abrigos, serviços especializados à mulheres em situação de risco. As delegacias especializadas no atendimento às mulheres mostraram-se positivas na redução da violência e, ao longo do tempo, o número de denúncias foi crescendo. Este programa teve como finalidade oferecer às mulheres, além das delegacias, Defensorias Públicas, Juizados Especiais, atenção à violência doméstica, sexual e intra-familiar.

Os resultados encontrados por Silveira, Nardi e Spindler (2014), apontaram que o maior percentual das mulheres negras possui níveis mais baixos de escolarização do que as mulheres brancas, além disso, as mulheres brancas apresentam um percentual muito superior no que diz respeito a passagem do nível médio para o superior, isso indica que, elas têm maiores condições de atingir um nível mais alto de escolarização do que as mulheres negras. Outro ponto importante do estudo foi que, da amostra entrevistada em Porto Alegre, a maior prevalência da violência de gênero em relações de intimidade (com o parceiro) é constatada para mulheres negras. Os autores verificaram ainda que o número de condenações é baixo em relação a quantidade processos abertos, fato que de acordo com o Juizado é explicado por solicitação das vítimas em não dar andamento ao processo criminal por essa razão a denúncia do crime nem mesmo chega a ser encaminhada pelo Ministério Público e logo é arquivada.

Silveira, Nardi e Spindler (2014) desenvolvem um estudo sobre articulações entre a questão do gênero e raça/cor em situações de violência, a partir de entrevistas e análise de processos judiciais do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e na Delegacia da Mulher em Porto Alegre no período de maio/2010 a outubro/2011. De acordo com os autores, a violência contra a mulher foi experimentada durante séculos de forma silenciosa e tratada como natural.


2.3 VIOLÊNCIA NO BRASIL EM NÚMEROS

Para Brasil (2013) e Oliveira (2005, p. 234-238), a violência, se apresenta de forma diferente para homens e mulheres. Para as mulheres, a morte e/ou violência sofrida estão relacionadas à vida privada e, em geral, são cometidas por pessoas próximas, inclusive por parceiros íntimos. Já no caso dos homens, a morte e/ou violência acontecem nas ruas, nos espaços públicos, e estão relacionadas à violência urbana, e são cometidas por pessoas com as quais não possuem vínculos.

Essa diferença na forma de violência por sexo pode ser observada ao analisar os dados da Vigilância de Violências e Acidentes - VIVA (Inquérito) – 2011, disponível no DATASUS (BRASIL, 2013). Os dados evidenciam a proporção de atendimentos realizados por agressão, na residência, por Estados brasileiros. As informações foram compostas a partir do número de pacientes atendidos devido à agressão e/ou maus-tratos ou intervenção por agente legal público ocorrido na residência, dividido pelo número total de atendimentos por violências.

Diante desses dados pode-se observar a expressividade das ocorrências de violência por agressões que tiveram como autor da agressão/maus-tratos um indivíduo do sexo masculino. A menor proporção de violência, 13% é constatada na Bahia. Paraná e Piauí seguem com 18,6% e 18,9% respectivamente. Estados como Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins apresentam uma proporção extremamente alta 40,1%, 40,3% e 41,8% respectivamente das violências por agressão cometidas por indivíduos do sexo masculino dentro das residências.

A violência contra as mulheres deixa clara a situação desigual entre os sexos. Além disso, a recuperação da autonomia por parte das mulheres ao buscar igualdade no que diz respeito ao mercado de trabalho, responsabilidades que historicamente eram incumbência masculina e exigir que seus direitos sejam respeitados pode contribuir com a redução da vitimização de mulheres. Obviamente que, ao encontro do que diz a literatura, existem outros fatores de fundamental importância como a mobilização da sociedade e do governo para que se alcancem os objetivos esperados.

Organização Mundial de Saúde realizou entre os anos 2000 e 2003, uma pesquisa sobre violência contra as mulheres em oito países, incluindo o Brasil. Aproximadamente 4.000 mulheres entre 15 e 49 anos foram entrevistadas nas cidades de São Paulo e Pernambuco. A pesquisa evidenciou diferenças entre a situação de mulheres paulistas e pernambucanas, como por exemplo, a prevalência de violência: 24% em São Paulo e 36% em Pernambuco. As características da violência também são diferentes nas duas cidades brasileiras, o que pode ser explicado pela pobreza e precariedade dos serviços e poder público em Pernambuco que apresenta violência mais severa. Há maior uso de armas de fogo, homicídios e suicídios em Pernambuco do que em São Paulo, além disso, as mulheres pernambucanas procuram menos auxílio do que as paulistas em relação à violência sofrida. Esse contexto sugere que sociedades mais democráticas e igualitárias são menos tolerantes a violência, estimulando as mulheres a procurar os serviços de assistência, oferecendo amparo e garantindo seus direitos (PORTELLA, 2005, p. 93-99).

De acordo com os dados da Vigilância de Violência e Acidentes – VIVA Inquérito 2011, a maioria das mulheres vítimas de violência, que foram atendidas em unidades de saúde, foram agredidas por homens. Analisando especificamente a proporção de violência por agressão através de força corporal/espancamento em que um homem é o possível agressor na residência, nota-se que mais de 50% desse tipo de agressão é cometida em Rondônia, 45% no Amapá e 44% em Tocantins. A menor proporção de vítimas desse tipo de violência foi relatada no Paraná por 16% das vítimas (BRASIL, 2013).

As várias perspectivas levantadas nos estudos citados, nesta seção, evidenciam a necessidade de ampliar as investigações e buscar meios para minimizar os casos de criminalidade e vitimização. No que se refere à questão do sexo, há implicações graves para as mulheres que são agredidas, geralmente por seus parceiros íntimos, podem não ser claramente perceptíveis em um primeiro momento, mas podem causar transtornos psicológicos, depressão, gerar inclusive outros agravos à saúde como dependência de algum tipo de droga seja medicamento ou não. Investigações nessa área contribuem não somente para o crescimento socioeconômico do país como também para a melhoria da qualidade de vida da população, visando a seu amplo desenvolvimento pessoal, social e a redução da desigualdade.


3 - METODOLOGIA ECONOMÉTRICA

Considerando as características dos dados e variáveis disponíveis, utilizou-se o modelo Probit. Neste estudo, além de explorar as características dos vitimados, são estimados os determinantes da vitimização no Brasil.

A variável dependente binária (vitimização) é construída da seguinte forma:

\[Pr(y_{i} = 1) = \varnothing (X_{i} \beta) = \int^{X_{i}}_{-\infty} \frac{1}{\sqrt{2\pi}}exp \left( \frac{-Z^{2}}{2} \right) dz\qquad(1)\]

Onde \(Pr(y_{i} = 1)\) indica a probabilidade de o indivíduo ter sido vítima de violência, X é o vetor de variáveis explicativas, \(\beta\) os coeficientes das variáveis independentes, z as variáveis normais padronizadas.

Pode-se então expressar as probabilidades de “ter sido vitimado” considerando que:

\[E (\gamma | X_{i}) = 0 [1 - F(X_{i} \beta)] + 1 [F(X_{i} \beta)] = F(X_{i}\beta)\qquad(2)\]

De acordo com Greene (2003) as equações assim estimadas provêm um conjunto de probabilidades de acordo com suas características \(X_{i}\) observadas dos entrevistados, que no caso desse estudo foram raça/cor, escolaridade, e renda per capita familiar, participação no mercado de trabalho, estado civil.

A variável dependente indica se o entrevistado na PNAD relatou ter sido ou não vítima de violência. Ela assume valor 1 caso tenha sido vítima e zero caso contrário. A questão utilizada pelo IBGE foi: Nos últimos 12 meses sofreu algum tipo de violência? As variáveis explicativas foram: sexo do indivíduo (1 representa as mulheres e 0 representa os homens), idade, nível de renda, anos de estudo, cor/raça (1 ser branco, 0 não ser da cor branca), estado civil (1 representada entrevistado com cônjuge e 0 caso contrário), se possui uma participação/ocupação no mercado de trabalho (1 representa o entrevistado que declarou ter exercido alguma atividade laboral na semana de referência, e 0 caso contrário), e, a variável dependente, vitimização.

A equação (1) também foi utilizada para estimar os determinantes da prática de denúncia da ocorrência de violência. Neste caso, foram utilizados dados da PNAD 2009. A variável dependente foi dicotômica e assumiu valor 1 caso o indivíduo tenha denunciado ter sido vítima de violência e 0 caso contrário.

A matriz de correlação entre as variáveis revelou uma baixa correlação entre as variáveis em questão com destaque para a relação renda per capita e anos de estudo, tal como apontado na literatura da área.

Os sinais e significância dos coeficientes obtidos no modelo de regressão Probit podem ser avaliados de forma semelhante às análises em relação à regressão linear de mínimos quadrados ordinários. Entretanto a interpretação dos resultados deste tipo de modelo é diferente, uma vez que os coeficientes das variáveis explicativas indicam a probabilidade de ocorrência de um evento. Os sinais positivos ou negativos são determinados pelos coeficientes (\(\beta 's\)) associados aos \(X's\) e indicam a direção do impacto da variável.

Como os coeficientes do modelo probit não são de fácil interpretação, as análises sobre os impactos das variáveis explicativas sobre a probabilidade de ocorrência de vitimização são realizadas considerando os seus efeitos marginais, conforme Greene (2003, p.665-668). Nesse estudo, utilizou-se o comando dprobit no software Stata para obter os efeitos marginais.

O efeito marginal de \(X\) sobre a probabilidade de \(Y = 1\) é dada pela derivada primeira da função de probabilidade acumulativa normal para cada observação no modelo probit. Ela representa uma mudança na probabilidade de ocorrência do evento quando o valor de uma variável \(X\) se altera. Para valores de efeito marginal positivo, um acréscimo em \(X\) aumenta a probabilidade de ocorrência de vitimização; para valores negativos, um acréscimo em \(X\) representa uma redução na probabilidade de ocorrência do evento.


3.1 Bases de dados e variáveis

Na condução deste estudo foram utilizados os microdados de duas bases de dados. A primeira delas é a pela Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (PNAD) de 2008 e a segunda é a PNAD de 2009. As duas pesquisas foram realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2008, o IBGE realizou a PNAD 2008, que foi a primeira pesquisa realizada pelo instituto para coletar dados sobre violência e vitimização no Brasil (BRASIL, 2013). Na PNAD 2008, foram entrevistadas 391.868 pessoas e 150.591 unidades domiciliares, distribuídas por todas as Unidades da Federação. Diante da complexidade desta temática, no ano seguinte, o IBGE realizou a PNAD 2009, que possui maior número de questões sobre violência do que a PNAD 2008. Na PNAD 2009 foram entrevistadas 399.387 pessoas e 153.837 unidades domiciliares.

Na PNAD 2008, infelizmente, não é possível identificar o tipo de violência sofrida pelo indivíduo, entretanto, nela pode-se analisar se foi necessário ou não cuidados médicos em função de sua ocorrência. A PNAD 2009 difere da anterior pela ausência de informações sobre saúde dos vitimados e pelo maior aprofundamento na caracterização da vitimização e o envolvimento das autoridades judiciárias para notificação e elucidação do crime. Na PNAD 2009 os entrevistados foram inqueridos sobre a ocorrência de furtos, os roubos e a agressão física.

Nessas duas pesquisas, há, além de informações sobre vitimização, dados socioeconômicos, demográficos, de saúde e das condições dos domicílios dos entrevistados. As variáveis explicativas usadas nessa investigação foram: a) anos de estudo, b) idade, c) cor ou raça, d) sexo, e) participação no mercado de trabalho, f) renda familiar per capita e g) estado civil.

As variáveis utilizadas neste estudo buscam apontar os determinantes da probabilidade de um indivíduo ser vitimado dado seu sexo, escolaridade, renda, idade, cor/raça, estado civil e o fato de estar trabalhando. A amostra é composta pela população economicamente ativa do Brasil, em um total de 108.938 observados com idades entre 18 e 60 anos. As estimativas apresentadas foram realizadas por sexo, de modo a oferecer mais elementos para a compreensão da vitimização entre mulheres e homens.


3.2 ANÁLISE DESCRITIVA DAS VARIÁVEIS

Analisando estatisticamente as variáveis que serão utilizadas na investigação têm-se as variáveis contínuas: renda, idade e anos de estudo e as variáveis categóricas: sexo, Estado da Federação, estado civil, cor/raça. Ao analisar a média e desvio padrão das variáveis contínuas, considerando o número de observações da amostra de 108.938, observou-se que a idade média da população em análise é de 36,44 anos, em relação aos anos de estudo a média é de 8,87 anos, e analisando a renda per capita é em média de R$ 598,19 por mês. Além disso, partindo desta amostra, analisou-se o percentual de indivíduos vítimas de violência por sexo e tipo de vitimização. Os resultados encontrados no que diz respeito ao indivíduo vítima de violência (não especificada), apontam que 3,10% dos homens e 2,71% das mulheres sofreram algum tipo de vitimização, de acordo com dados da PNAD 2008.

Com base em entrevistas realizadas de 27 de setembro de 2008 a 26 de setembro de 2009 na PNAD 2009, verifica-se que 4,82% dos homens e 3,77% das mulheres foi vítima de roubo, no caso do furto encontrou-se que 4,64% dos homens e 3,59% das mulheres foram vítimas e, para agressão física 1,97% e 1,34% dos homens e mulheres, respectivamente, foram vitimadas.

Em relação à frequência da vitimização, em todas as regiões 76% dos vitimados relatam terem sofrido somente um episódio de roubo, furto e agressão física. A modalidade mais frequente de violência foi o roubo que foi relatado por 13.965 indivíduos.

Os homens são mais propensos a se tornarem vítimas de violência do que as mulheres. Observando a relação entre a vitimização e o sexo, tem-se que 3,10% dos indivíduos, quando questionados sobre ter sido vítimas, são do sexo masculino e 2,71% do sexo feminino, essa análise corrobora os resultados apontados pela literatura no que diz respeito à criminalidade e à vitimização e sua relação entre o sexo do vitimado, resultados que podem ser explicados pela teoria do estilo de vida pela maior exposição à ambientes de risco. Outra questão importante para reflexão é o fato de que os dados abordam as vítimas de violência de uma forma geral, ou seja, se considerássemos algum tipo específico de violência, como evidenciaram os dados da Vigilância de Violências e Acidentes - VIVA (Inquérito) – 2011 ao analisar a proporção de violência por agressão na residência tendo como autor do ato o sexo masculino, disponíveis no DATASUS e discutidos anteriormente, poderíamos encontrar um resultado complementar a este.

Analisando as estatísticas descritivas, como média e desvio padrão, para o sexo feminino e masculino respectivamente, nota-se que não há grande variação na média e desvio padrão entre os sexos. No entanto, a variável anos de estudo apresenta-se superior para o sexo feminino, entretanto, a renda maior é atribuída ao sexo masculino, o que converge com estudos relacionados à desigualdade de renda entre os sexos. Em relação ao número médio de consultas médicas realizadas, a população do sexo feminino relatou ter realizado 4,48 consultas/ano enquanto os indivíduos do sexo masculino consultaram 3,37 vezes. A proporção de indivíduos vitimados também sofre variação entre regiões e estados.

A tabulação dos microdados da PNAD 2008 mostra que, dentre os estados da federação, o percentual de indivíduos vitimados é maior no Pará (4,47%) e Amapá (4,04%). Por outro lado, observa-se que os Estados com menor, são Rondônia com 0,73%, Santa Catarina com 1,11%, Alagoas 1,16%, Tocantins 1,33%, Mato Grosso do Sul 1,35% e Maranhão com 1,37%. A figura 1 apresenta a o percentual de vitimados por anos de estudo, sexo e tipo de crime sofrido.

Figura 1 - Percentual de Vitimados, segundo anos de estudo, sexo e tipo de vitimização – Brasil, 2008/2009.

Vítimas de Violência
Vítimas de Roubo

Fonte: Elaborada pelas autoras – PNAD (2008) e elaborada pelas autoras – PNAD (2009), respectivamente.

Vítimas de Furto
Vítimas de Agressão Física

Fonte: Elaborada pelas autoras – PNAD (2009) e elaborada pelas autoras – PNAD (2009), respectivamente.

Outro aspecto muito interessante que se observa ao analisar os dados são os anos de estudo no Brasil, no período de 2008. Os dados apresentados na primeira figura (vítimas de violência) sugerem que quanto maior o nível de escolaridade, maior é a prevalência de indivíduos vítimas da violência. A exploração dos microdados da PNAD 2008 e PNAD 2009 revelam que a prevalência de vitimização aumenta consoante os anos de estudo dos vitimados. Enquanto, entre os indivíduos analfabetos ou com menos de um ano de instrução representam 1,98% dos vitimados do sexo feminino e 2,54% do sexo masculino, aqueles que possuem 15 anos ou mais de estudo, representam 3,31% no caso feminino e 2,88% para o sexo masculino.

De acordo com a literatura da área (MACHIN; MARIE; VUJIć, 2011; SABATES, 2008), uma explicação para estes resultados está na atratividade proporcionada ao criminoso, ou seja, indivíduos com maior escolaridade, em geral, possuem renda superior e oferecem maiores vantagens aos criminosos. Em geral, pessoas com baixa escolaridade possuem renda inferior e poucos benefícios/bens materiais, logo, tornam-se vítimas da criminalidade com maior frequência os indivíduos com maior escolaridade.

A PNAD 2009 permite observar, as características das de vítimas para cada tipo de crime, foco deste estudo. Para os homens, a maior prevalência de roubo ocorreu na faixa etária de 18 a 24 anos, na qual 7,043% dos entrevistados relataram terem sido vitimas deste tipo de crime. Para o furto, o pico ocorre na faixa etária de 40 a 49 anos, com 5,74%. A agressão tem seu ápice na faixa etária de 18 a 24 anos, com 2,75%. Para as mulheres, a maior ocorrência de vitimização dos três tipos de crime ocorre na faixa etária de 18 a 24 anos, sendo 5,95% para roubo, 4,15% para furto e 1,91% para agressão física.

Avaliou-se também a existência de correlação entre todas as variáveis, essa análise é útil sempre que se deseja determinar se há qualquer relação entre duas ou mais variáveis quantitativas. A correlação entre duas variáveis é positiva se valores mais altos de uma variável estiverem associados a valores mais altos da outra variável, e é negativa se os valores de uma variável crescem enquanto os da outra diminuem. Quando o coeficiente de correlação está próximo do zero indica que não existe uma relação linear entre as variáreis. Portanto, nota-se baixa correlação entre as variáveis em questão.


4 - ANÁLISE DOS RESULTADOS

Visando um maior detalhamento dos determinantes da vitimização no Brasil, os dados foram analisados por sexo. Os resultados obtidos pelo modelo Probit de vitimização são apresentados nas tabelas 1 e 2.

Tabela 1 – Resultados do Modelo Para Determinantes da Probabilidade de Ocorrência da Vitimização no Brasil (sexo feminino) - coeficientes marginais.

Nº de observações = 55130 Pseudo \(R^{2}\) = 0.0044
LR \(chi^{2}\)(5) = 59.4 Log likelihood = -6791.5599
Prob > chi2 = 0
Vítima da Violência Coef. Erro Z P>|z| 95% Interv. Conf.
Idade 0.0003163 0.0010592 0.30 0.765 -0.0017597 0.0023922
Anos de Estudo 0.0154751 0.0031802 4.87 0.000 0.0092421 0.0217081
Renda per capita (log) -0.0142553 0.0134707 -1.06 0.290 -0.0406573 0.0121467
Cor/raça 0.0108724 0.0040025 2.72 0.007 0.0030276 0.0187171
Trabalhou na semana da entrevista 0.0995542 0.0236962 4.2 0.000 0.0531105 0.1459979

Fonte: Elaborada pelas autoras com Dados da PNAD (2008).

Tabela 2 – Resultados do Modelo Para Determinantes da Probabilidade de Ocorrência da Vitimização no Brasil – (sexo masculino) – coeficientes marginais.

Nº de observações = 51947 Pseudo \(R^{2}\) = 0.0013
LR \(chi^{2}\)(5) = 18.72 Log likelihood = -7123.7438
Prob > chi2 = 0.0022
Vítima da Violência Coef. Erro Z P>|z| 95% Interv. Conf.
Idade -0.0016177 0.0010009 -1.62 0.106 -0.0035794 0.0003441
Anos de Estudo 0.0045388 0.0030201 1.50 0.133 -0.0013805 0.0104581
Renda per capita (log) 0.0118554 0.0131729 0.90 0.368 -0.0139631 0.0376739
Cor/raça 0.0088937 0.0039392 2.26 0.024 0.0011731 0.0166143
Trabalhou na semana da entrevista -0.0727473 0.0294267 -2.47 0.013 -0.1304226 -0.015072

Fonte: Elaborada pelas autoras com Dados da PNAD (2008).

De acordo com o modelo resultado da regressão para o sexo feminino, observa-se que, com 95% de confiança, os anos de estudo estão positivamente relacionados com a vitimização, ou seja, é possível mostrar, assim como proposto pela teoria, que a educação é positivamente relacionada à vitimização. Nessa perspectiva, tem-se que os anos de estudo, para ambos os sexos, aumentam sua probabilidade de ser vítima da violência. Este resultado que vai ao encontro da teoria da exposição por estilo de vida já que indivíduos com maior escolaridade em geral possuem ganhos superiores tornando-se atrativos aos criminosos e prováveis vítimas de violência. O fato de não ser da cor/raça branca aumenta a probabilidade de vitimização tanto para homens quanto para mulheres. Maiores rendas implicam em maior probabilidade de um indivíduo ser vítima de violência/crime. Observa-se que a renda não é estatisticamente significativa no modelo aplicado tanto para o sexo feminino quanto para o masculino.

A participação no mercado de trabalho apresenta sinais diferentes para homens e mulheres. No caso feminino, ela aumenta em 0,42% a probabilidade de uma mulher ser vítima de violência. Entretanto, no caso masculino a participação do mercado de trabalho reduz em 0,61% esta probabilidade. Estes dois achados podem ser explicados através da teoria da atividade rotineira especialmente para o caso feminino pela falta de proteção e/ou por em geral serem alvos atraentes e mal protegidos. Esta mesma teoria pode ser utilizada para explicar que a probabilidade de vitimização é menor para mulheres casadas. Hindelang, Gottfredson, Garofalo (1978), em seu trabalho seminal, mostrou que após o maior ingresso de mulheres no mercado de trabalho, elas começaram a se tornar mais vítimas de violência por estarem menos protegidas nas ruas do que em suas casas.

O p-valor aponta que os resultados encontrados são estatisticamente significativos para a maioria das variáveis utilizadas nas regressões.


4.1 RESULTADOS: Determinantes da prática de denúncia de violência

Os resultados obtidos em relação à probabilidade de um indivíduo vitimado denunciar às autoridades a violência sofrida são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 – Modelo Probit – PNAD 2009.

Nº de observações = 5231 Pseudo \(R^{2}\) = 0.0427
LR \(chi^{2}\)(6) = 306.03 Log likelihood = -3432.4746
Prob > chi2 = 0
Procurou polícia vit_agressão Coef. Erro Z P>|z| 95% Interv. Conf.
Idade 0.0145871 0.0012422 11.74 0.000 0.0121524 0.0170218
Anos de Estudo 0.0301035 0.0049225 6.12 0.000 0.0204557 0.0397514
Sexo 0.3087325 0.0365328 8.45 0.000 0.2371295 0.3803355
Cor/raça -0.1059449 0.0377959 -2.80 0.005 -0.1800235 -0.0318663
Renda per capita (log) 0.0040404 0.0202204 0.20 0.842 -0.035591 0.0436717
Nº vezes que foi vítima agres. -0.0160723 0.0077209 -2.08 0.037 -0.0312051 -0.0009395

Fonte: Elaborada pelas autoras com Dados da PNAD (2009).

Os resultados das regressões apresentadas na Tabela 3 indicam que a escolaridade assim como a idade, contribuem positivamente para que os vitimados reportem a ocorrência de violência/crime. Os resultados também indicam menor probabilidade de denunciar a violência para mulheres e indivíduos que não tenham a cor de pele branca. Nos modelos de regressões aqui aplicados também foi explorado se o sentimento de segurança no domicílio afetava ou não a probabilidade de denunciar a violência/crime. Entretanto, os resultados demonstraram que, estatisticamente, isto não afeta esta probabilidade.

Outra questão interessante abordada pela PNAD 2009 é em relação aos motivos pelos quais os indivíduos vitimados não procuram a polícia. A análise dos microdados mostra que 18,55% dos indivíduos vitimados afirmam terem resolvido sozinhos a situação de violência/crime; 16,69% não quiseram envolver a polícia; 16,59% afirmaram ter medo de represália; 14,21% não acreditavam na polícia. Estes resultados indicam a grande subnotificação dos crimes ocorridos no Brasil e a descrença da população em relação à eficiência do sistema judiciário.

Ao analisar quem foi o agressor no último ato de violência tem-se que, na maioria das vezes, as mulheres sofrem agressões por pessoas conhecidas, desconhecidas e cônjuge/ex-cônjuge. Enquanto no caso dos homens, a maioria sofre agressão por pessoas desconhecidas, mas a minoria deles por segurança privada e cônjuge/ex-cônjuge. Em termos proporcionais, do total das mulheres vitimadas pelas formas de violência observadas, 26,76% delas são agredidas por cônjuge/ex-cônjuge enquanto do total de homens vitimados apenas 1,93% deles são agredidos por cônjuges/ex-cônjuges. Os resultados encontrados corroboram com as teorias de desigualdade de gênero.


5 - CONCLUSÃO

O artigo teve como propósito identificar os determinantes individuais da vitimização, por sexo, no Brasil. Os resultados econométricos mostraram que as mulheres têm maior probabilidade de denunciar as autoridades a ocorrência de vitimização.

A análise descritiva dos dados permitiu avaliar estatisticamente as variáveis de interesse: anos de estudo, sexo, idade, renda, cor/raça, estado civil, participação no mercado de trabalho e a variável dependente, vitimização. No que diz respeito ao indivíduo vítima de violência observou-se que 3,10% dos homens e 2,71% das mulheres sofreram algum tipo de vitimização, conforme dados da PNAD 2008. Outro fator importante apontado pela PNAD 2009 refere-se à frequência da vitimização, em todas as regiões brasileiras, 76% dos vitimados relatam terem sofrido um episódio de roubo, furto e agressão física, sendo a modalidade mais frequente de violência o roubo.

Os resultados encontrados permitem concluir que para os tipos de crimes foco deste artigo, ou seja, furto, roubo e agressão física, os anos de estudo do indivíduo aumentam sua probabilidade de ser vítima da violência tanto para o caso feminino quanto para o caso masculino, e o fato de não ser da cor/raça branca aumenta a probabilidade de vitimização feminina e masculina.

Dessa forma, é possível concluir que o aporte teórico utilizado nessa pesquisa, tanto no que tange à literatura nacional quanto internacional, corroboram os resultados observados nas estatísticas descritivas e no modelo aplicado.

Os resultados da pesquisa e o aparato teórico sugerem que investimento em políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero, educação e formação de capital humano podem reduzir o índice de criminalidade e vitimização observados no Brasil. Além disto, os resultados mostram que apesar da descrença da população no sistema judiciário brasileiro, os indivíduos mais escolarizados são aqueles que têm maior probabilidade de procurar as autoridades para denunciar a violência/crime.

O relato frequente de violência contra as mulheres praticadas pelos seus companheiros mostra a necessidade e importância de políticas de acolhimento às mulheres que vivem em situação de violência e/ou risco visando garantir seus direitos e melhor qualidade de vida para ela e sua família. Sabe-se que para além das desigualdades de gênero existem desigualdades raciais e este estudo sugere pesquisas que possam ampliar o que aqui foi discutido abordando as questões raciais tão claramente percebidas e sentidas pela sociedade.


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