MUDANÇAS CLIMÁTICAS E O IMPACTO NA PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA NO RIO GRANDE DO NORTE

Thales Augusto Medeiros Penha1; Bruno César Brito Miyamoto2; Alexandre Gori Maia3.
1 - Professor Adjunto do Departamento de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
2 - Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
3 - Professor associado da UNICAMP.


Resumo

No último quarto do século a discussão sobre as mudanças climáticas ganharam destaque na ciência, tanto do ponto de vista da sua real ocorrência, como também de seus impactos. A região Nordeste do Brasil se coloca numa situação peculiar sobre este tema, pois esta é acometida por um fenômeno histórico que são as secas periódicas que ocorre na região. Diante disso, entender a extensão e os impactos das mudanças climáticas sobre a região é uma questão central. Portanto, o objetivo deste artigo é analisar os impactos das secas na produção agropecuária do Rio Grande do Norte numa perspectiva ampliada englobando as mudanças climáticas. Foram coletados dados das estações climáticas do INMET, entre os anos de 1970 à 2015. Esses dados foram analisados através de procedimentos estatísticos para mensurar o fenômeno das secas e qual o impacto das mudanças climáticas nas variáveis meteorológicas do Rio Grande do Norte. Além disso, foram elaborados clusters com as variáveis climáticas para serem imputadas no modelo de dados em painel com o objetivo de mensurar o impacto na produção agropecuária do estado.

Palavras-Chave: Mudanças Climáticas; Produção Agropecuária; Semiárido; Dados em Painel.


CLIMATE CHANGE AND THE IMPACT ON AGRICULTURAL PRODUCTION IN THE RIO GRANDE DO NORTE STATE


Abstract

In the last quarter of the past century, the discussion about the climate change has gained prominence in science, both from the point of view of its actual occurrence, as well as its impacts. The Northeastern region of Brazil places itself in a peculiar situation on this topic, as this is affected by a historical phenomenon that is the periodic droughts that occurs in the region. Hence, understanding the extent and impacts of climate change on the region is a central issue. Therefore, the objective of this paper is to analyze the impacts of droughts on the agricultural production of Rio Grande do Norte state in an extended perspective encompassing the climate change phenomena. For this purpose, data were collected from INMET climatic stations between 1970 and 2015. These data were analyzed through statistical procedures to measure drought phenomena and the impact of climate change on the meteorological variables of Rio Grande do Norte. In addition, clusters with climatic variables were elaborated to be imputed in the panel data model with the objective of measuring the impact on the agricultural production of the state of Rio Grande do Norte.

Keywords: Climate Change; Agricultural Production; Brazilian Semiarid; Panel Data.

JEL: Q15; Q54; Q56.


1. INTRODUÇÃO

Na última década o debate sobre mudanças climáticas ganhou grande destaque na medida em que diversas evidências científicas passaram consolidar um consenso sobre os impactos negativos das ações antropogênicas no planeta. No entanto, nota-se que a respeito da agricultura o conhecimento sobre as consequências das mudanças climáticas não é tão claro, ou pelo menos não são tão enfáticas como em outros temas, como aponta Hassan (2010). De acordo com o IPCC (2007) isto se dá devido a dois motivos: i) Ganhos positivos no hemisfério Norte devido ao aumento da temperatura que permite tanto avanço de áreas agricultáveis para zonas dantes inférteis, bem como, prolongamento do tempo de cultivo devido ao aumento da temperatura média; ii) Ganhos de produtividade por inovações tecnológicas que fizeram crescer a produtividade, diminuindo assim a sensação de risco ao setor agrícola. Diante disso, os efeitos sobre a agricultura são positivos e negativos dependendo da região (ASHRAF VAGHEFI, 2014).

Deste modo, alguns autores têm analisado os impactos nas regiões semiáridas, pois estas regiões concentram uma parcela importante da população vulnerável dependente da agricultura, como também, estas regiões estão em áreas em que há uma tendência de maiores efeitos negativos das mudanças climáticas sobre a produção agrícola, renda e inclusive segurança alimentar (BROTTEM & BROOKS, 2018; HASSAN, 2010; SIVAKUMAR, DAS & BRUNINI, 2005).

Neste contexto é significativa a condição da região semiárida brasileira localizada majoritariamente no Nordeste do país. O semiárido nordestino é caracterizado por uma alta densidade demográfica, cerca de 20 hab/km², marcando-o como o semiárido mais populoso do mundo. A região é marcada pela forte irregularidade pluviométrica, caracterizando um traço histórico dos regimes de secas. A situação hídrica do semiárido nordestino é agravada pela pobreza do solo, maioria areno-argiloso com o cristalino como substrato dominante (SUDENE, 2016). Além do mais, concentra-se na região grande parcela da pobreza rural do país, o que indica que alterações climáticas que tenham impacto negativo na produção agropecuária podem implicar em maior vulnerabilidade desta população.

Dentre os estados da região Nordeste o Rio Grande do Norte é aquele que possui maior porcentagem de municípios na região semiárida, 88%, totalizando 147 cidades que comportam 1.764.735 habitantes. Entretanto, é interessante salientar que no estado potiguar apenas 31,34% da população se localiza no meio rural. Por mais que a definição de o que é ou não rural seja controversa, este fato mostra um contraponto interessante, pois comparado com os demais estados nordestinos, o Rio Grande do Norte é aquele que apresenta o menor percentual de cidadãos morando no campo, de acordo com os dados do Censo de 2010 (INSA, 2016). De certo modo pode-se supor a evidência de uma correlação entre o percentual de pessoas no campo no estado e dinâmica econômica da agricultura do Rio Grande do Norte. Pois, observa-se que a participação do PIB da agropecuária no PIB total do estado foi reduzida drasticamente nas últimas décadas, saindo de cerca de 50% em 1960 para 20% já em 1970. Apesar de uma pequena recuperação nos meados dos anos 1980, o PIB agrícola se estabilizou em torno de apenas 5% do PIB (MARTINS, 2015).

Diante desse cenário emerge a seguinte questão de pesquisa que guiou este trabalho: em que medida as intempéries climáticas afetam a dinâmica da produção agropecuária do estado do Rio Grande do Norte? A partir desta problematização este artigo tem o objetivo analisar a dinâmica das variáveis climáticas entre 1970 e 2015, bem como, o impacto destas na produção agropecuária dos municípios.

É comum na análise dos impactos climáticos sobre a região do Nordeste o fenômeno das secas ganhar importante dimensão. Isto se dá pelo fato da óbvia relevância histórica que este fenômeno tem na trajetória políticas, econômica e social da região Nordeste. Todavia, neste trabalho optou-se por um caminho diferente em que se buscou contextualizar o debate sobre o âmbito das mudanças climáticas em regiões semiáridas de maneira geral. Esta escolha se dá pela necessidade de se colocar em análise o consenso sobre as mudanças climáticas formatado nas últimas décadas e como se comportou a dinâmica das variáveis climáticas nas diferentes regiões, bem como, suas consequências na produção agropecuária. Pois, como já mencionado acima, há resultados controversos dos impactos das mudanças climáticas na agricultura, dependendo da localidade.

Para atingir o objetivo deste trabalho foram utilizados dados de variáveis climáticas coletadas por estações meteorológicas disponibilizadas pelo INMET. A partir destes dados foram utilizados procedimentos estatísticos para analisar o comportamento destas variáveis e poder debater com base empírica o processo de mudanças climáticas no Rio Grande do Norte. Por sua vez, para analisar a relação da produção agropecuárias do estado com as variáveis climáticas, foi utilizado um modelo de dados em painel analisando os municípios como agentes ao longo do tempo, e como os aspectos climáticos incidem sobre algumas culturas destacadas: feijão, milho, mandioca, algodão, melão e castanha. Além destas culturas foi analisado o efeito do clima na produção animal, mais especificamente: efetivo de bovinos, caprinos e ovinos, como também as produções de leite e mel. Os procedimentos utilizados serão detalhados na seção de procedimentos metodológicos.


2. MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AGRICULTURA EM REGIÕES SEMIÁRIDAS

Como referido na introdução acima, este trabalho não se debruçará sobre o debate do fenômeno das secas em si. Isto se dá devido a opção de recuperar uma literatura que analise as mudanças climáticas de forma ampla e suas repercussões nas regiões semiáridas, incluindo os efeitos na economia destas áreas que de acordo com o relatório do IPCC (2007) tem sido pouco analisado. Portanto, esta seção busca sintetizar algumas evidências sobre os efeitos das mudanças climáticas em regiões áridas e semiáridas e seus impactos na produção agropecuária.

O fenômeno das mudanças climáticas tem apresentado uma aceleração considerável a partir da era industrial. Tal processo segundo o IPCC (2014) tem como causa direta a intensificação das ações antropogênicas, pois de acordo com dados apresentado neste estudo, cerca de metade das emissões de CO2 associadas a ações antropogênicas entre 1750 e 2011 foram realizadas nas últimas quatro décadas. Assim, a continuidade das emissões de gases do efeito estufa na atmosfera tende a agravar os fenômenos climáticos associados a estes. Uma das consequências mais dramáticas vinculada às mudanças climáticas é o aumento da incerteza quanto a intensidade, a duração e a frequência de eventos climáticos extremos (secas, ondas de calor etc.) (MIYAMOTO, 2017; IPCC, 2014).

De maneira geral a literatura sobre o tema das mudanças climáticas aponta que a atividade agropecuária poderá ser afetada de forma direta, por meio do aumento da variabilidade da produção e através de alterações no ciclo de doenças, pragas e ervas daninhas decorrentes de mudanças nas condições de precipitação (WREFORD et al., 2010; MAHARJAN; JOSHI, 2013). Além disso, a atividade agropecuária também é vulnerável aos efeitos indiretos das mudanças climáticas como alterações na disponibilidade de recursos hídricos e nas propriedades do solo. Assim, a oferta de alimentos pode sofrer bruscas alterações não somente em quantidades, mais via preço, devido ao aumento dos custos com insumos ou diminuição da produtividade. Em uma perspectiva econômica ampla o trabalho de Kurukulasuriya & Rosenthal (2013) estima uma queda da ordem de 10% no PIB global em função das mudanças climáticas.

Todavia, é importante destacar que as consequências das mudanças climáticas apesar de impactar indiferentemente países desenvolvidos e países em desenvolvimento tendem a ter seus efeitos mais agudos nestes últimos. Tal fato se dá devido a quatro aspectos: i) Estes países apresentam maior dependência econômica da atividade agropecuária; ii) Concentram maior parte da população pobre no meio rural; iii) Estão em sua maioria localizados próximo aos trópicos que são regiões mais vulneráveis aos impactos climáticos; iv) Possuem fortes limites à adoção de medidas adaptativas às mudanças climáticas, condição decorrente de uma maior vulnerabilidade socioeconômica geral (MIYAMOTO, 2017; KURUKULASURIYA & ROSENTHAL, 2013; HASSAN, 2010; WREFORD et al., 2010; MENDELSOHN & DINAR, 2009; MENDELSOHN, 2000; ROSENZWEING ET AL. 1993). Como resume Adams et al (1998) o nível de renda da população, condições macroeconômicas, alterações nas relações de comércio internacional, bem como, as condições sociais e políticas das populações também pode exacerbar os efeitos das mudanças climáticas. Todavia, estes efeitos podem ser agravados em regiões sujeitas a eventos climáticos extremos, tais como as regiões áridas e semiáridas, e assim, essa vulnerabilidade de populações pobres que vivem nessas regiões se acentuam.

As regiões áridas e semiáridas concentram cerca de 20% da população mundial e ocupa 30% da área do globo, se localizando em grande parte em países de menor renda. Sivakumar; Das & Brunini (2005) analisaram de maneira extensa os impactos das mudanças climáticas nas regiões áridas e semiáridas dos continentes. De maneira geral os autores acharam resultados diversos em cada região. Em termos de precipitação o trabalho aponta para não alteração dos índices na região semiárida brasileira e na Ásia, em contrapartida foi identificada reduções nas regiões semiáridas da África, com uma queda na precipitação de 15% a 40%. Todavia Hassan (2010) aponta que não há uma tendência de queda da pluviometria na África, o que ocorre é uma maior variabilidade a partir dos anos 1970 em decorrência de maior frequência de eventos extremos. No caso da região semiárida brasileira alguns trabalhos têm corroboram com os achados dos autores supracitados e têm identificado que não há tendência de alteração no volume médio da precipitação, (SILVA et al. 1991; DATSENKO et al. 1996). Todavia, isto não significa que as mudanças climáticas não têm alterado as condições de clima do Nordeste brasileiro. Pelo contrário, conforme aponta Silva et al. (1991) observa-se ao longo do tempo um aumento na temperatura média da região, isto leva ao que Wilhite & Glantz (1985) classificaram como seca hidrológica, na qual segundo os autores observa-se um impacto nos estoques de água devido a um déficit no balanço hídrico. Este fenômeno pode se dar devido ao aumento da temperatura que eleva a evapotranspiração diminuindo a umidade do solo. Tal fato tem sérias implicações nas fontes de água e assim pode afetar drasticamente a agropecuária, e mesmo culturas agrícolas com sistema de irrigação tendem a sofrer devido à dificuldade de ter reservatórios que mantenham o nível adequado de recursos hídricos (MEDINA & MAIA NETO, 1991). Kurukulasuriya & Rosenthal (2013) acrescentam que a intensificação da seca gera pressão sobre os estoques hídricos que pode acentuar o conflito da produção agropecuária com o consumo humano. Mas, além disso, os autores também apontam para outra consequência importante que a elevação da temperatura pode desencadear que é a modificação nas zonas agroecológicas, em baixas latitudes as temperaturas mais altas irá afetar a época de colheita. Por fim, Rosenzweig & Hillel (1998) apontam para um aumento da frequência de secas e suas consequências na disponibilidade de água em populações que já tem baixas reservas e estão situadas em áreas com baixos índices de precipitação.

Em termos de impactos econômicos das mudanças climáticas Sivakumar; Das & Brunini (2005) argumentam que as mudanças climáticas têm sido fonte de flutuação na produção agropecuária que em conjunto com outros fatores (físicos, políticos e econômicos) contribuem para vulnerabilidade da região. Ao analisar a seca de 1992 os autores apontam para uma retração do PIB de cerca de 9%. Além disso, em relação ao continente africano, o relatório do IPCC alerta para uma tendência de crescimento da insegurança alimentar, uma vez que o continente é muito dependente da agricultura e boa parte da produção está em áreas vulneráveis a oscilações climáticas, sendo que apenas 4% da área cultivada são irrigadas (HASSAN, 2010). Tal fato é corroborado pelo estudo de Brottem & Brooks (2018) que estima a partir de um painel de 10 anos para região leste do Senegal que a ocorrência de uma seca aumenta a chance em 30% de haver pelo menos 1 mês de insegurança alimentar. Ainda sobre os efeitos das mudanças climáticas nas regiões áridas e semiáridas da África Hassan (2010) indica que de maneira geral o aumento da temperatura tem impacto negativo, a cada aumento de 1° na temperatura em média gera uma perda de 39 US$ por hectare. Por outro lado, aumento da precipitação tem impacto positivo, de modo que a cada aumento de 1 mm gera um ganho de 2 US$ por hectare.

Mendelsohn et al. (2007) por sua vez comparou os efeitos das mudanças climáticas na renda da população de distritos rurais dos Estados Unidos e Brasil. Apesar da alta heterogeneidade interna dos agricultores nos dois países, em especial no Brasil, o estudo conclui que o aumento da temperatura reduz a renda em ambas as nações. Além disso, os autores indicam que as alterações na temperatura tendem a acentuar a desigualdade, mediante o impacto sobre a renda per capta líquida, valor da terra e dimensão da área agricultável. Em relação especificamente ao semiárido brasileiro, Medina & Maia Neto (1991) alertam para a situação dramática da rentabilidade da agricultura devido a seca. Os autores destacam que mesmo culturas com sistema de irrigação tendem a sofrer devido à dificuldade de ter reservatórios que mantenham o nível adequado de recursos hídricos.

Diante desse contexto medidas de enfrentamento das mudanças climáticas são urgentes. Neste sentido, Ayers & Huq (2009) argumentam que as repostas do mundo para mudanças climáticas foram: mitigação e adaptação. Todavia, se avançou mais na mitigação em busca de reduzir os gases do efeito estufa, construção de acordos internacionais, tais como: Protocolo de Kyoto, Acordo de Paris etc. Inclusive os autores destacam que o conhecimento técnico e científico e as políticas públicas são mais avançadas neste campo. Por outro lado, políticas de adaptação não foram desenvolvidas tão amplamente, isto gerou um gap de conhecimento, especialmente, para ações voltadas para países em desenvolvimento e em populações vulneráveis. Vale salientar ainda que excessivo foco em medidas de mitigação dado o nível de poluição que se tem hoje levará décadas para se dissipar o que pode torná-las inócuas. Portanto, medidas de adaptação se fazem necessária para suavizar os impactos socioeconômicos em comunidades vulneráveis. Diante disso, alguns estudos têm apontado para algumas medias.

Na África, Brottem & Brooks (2009) apontam que pecuária apresenta melhores resultados. O trabalho mostra que pecuária e regimes mistos (agropecuária) têm dado melhor resposta para mudanças climáticas. Além disso, outro ponto chave levantado pelos autores é diversificação da renda, a partir de atividades não agrícolas. No entanto, apesar de mais vantajosa a adoção da pecuária tem sido um desafio cada vez maior, devido aos cada vez maiores custos de implementação, em função da diminuição da pastagem natural, e assim, a necessidade de complementação alimentar na estação seca. Deste modo, somente os produtores mais capitalizados conseguem adotar a pecuária (BROTTEM & BROOKS, 2009). Em outro trabalho Hassan (2010) corrobora que a produção conjunta de plantação e pecuária mitiga os impactos de eventos extremos derivados das mudanças climáticas na África. Além disso, o autor aponta para melhores resultados na adoção de rebanhos de menor porte, tais como ovelhas e cabras. Por fim, o autor acrescenta para um resultado interessante que é o melhor desempenho dos pequenos produtores em relação ao aumento de temperatura. A hipótese do autor é que os grandes produtores são especializados na produção de carne de grandes animais, que por sua vez são menos resistentes.

Assim, nesta seção buscou trazer algumas evidências de trabalhos que abordaram o fenômeno das mudanças climáticas de forma ampla em regiões semiáridas. Para que a partir destas possa-se embasar a análise dos dados que serão apresentados nas próximas seções.


3. METODOLOGIA

Para atingir os objetivos foram seguidas três etapas. Num primeiro momento os dados coletados foram analisados através de técnicas de estatísticas descritivas para observar a evolução das séries históricas das variáveis climáticas no Rio Grande do Norte. O segundo procedimento adotado foi a construção de clusters climáticos que serviram, posteriormente, para construção das variáveis explicativas que integraram o modelo de dados em painel com o objetivo de estabelecer relações não lineares entre o clima e a produção agrícola. Por fim, foi realizada a estimação de um painel para analisar os impactos das variações climáticas na produção agrícola dos municípios ao longo do tempo.

A técnica de dados em painel permite analisar distintos indivíduos ao longo do tempo levando em consideração sua heterogeneidade individual, o que não é permitido utilizando métodos de séries temporais e cross-section. Além do mais, um modelo econométrico de dados em painel é mais informativo, possui maior variabilidade, e atenua o efeito da colinearidade entre as variáveis, permitindo trabalhar com maior grau de liberdade e mais eficiência. Os dados em painel são ideais para trabalhos que estudam ajustes dinâmicos (BALTAGI, 2002).


3.1 Coleta de Dados

3.1.1 Transformando municípios em áreas comparáveis

A análise do trabalho foi conduzida do ponto de vista da menor unidade territorial do Brasil, os municípios. No entanto, devido às transformações na divisão territorial dos municípios do estado do Rio Grande do Norte ao longo dos anos foi utilizado o procedimento desenvolvido por REIS et. al. (2011) em que a partir dos dados censitários municipais do IBGE é possível estabelecer áreas mínimas comparáveis (AMC’s). Portanto, os indivíduos considerados nas análises foram as AMCs do estado do Rio Grande do Norte que podem englobar até mais de um município, mas que corresponde a atual divisão política municipal.


3.1.2 Dados do Clima

Os dados sobre o clima das AMC’s do Rio Grande do Norte foram obtidos das estações climáticas do INMET. Estas estações coletam dados diários sobre temperatura, precipitação, umidade do ar e evaporação. Porém, não existem estações climáticas em todos os municípios do Rio Grande do Norte. Desta forma, conforme realizado por Maia et al. (2016) utilizou-se o método de interpolação de dados pela técnica do inverso da distância ponderada. Este método é bastante utilizado para interpolar dados espaciais (Jakob & Young, 2006; Amorin et al. 2011). O método parte do pressuposto que as áreas mais próximas são mais semelhantes entre si, assim o IDW atribui maior peso para os valores a sua volta, conforme demonstra a fórmula a seguir:

\[\begin{equation} \hat{Z} (s_{0}) = \sum^{N}_{i = 1} \lambda_{i}Z(s_{1}) \tag{1} \end{equation}\]

Onde \(\hat{Z} (s_{0})\) é o valor a ser predito para o local; \(N\) é o número de pontos observados a serem usados como valores que rodeiam o valor a ser predito; \(\lambda_{i}\) são os pesos atribuídos a cada um dos pontos; \(Z(s_{i})\) é o valor observado do local. A determinação dos pesos segue a seguinte fórmula:

\[\begin{equation} \lambda_{i} = \frac{d^{-p}_{i0}}{\sum^{N}_{i = 1} d^{-p}_{i0}} \tag{2} \end{equation}\]

Onde \(\sum^{N}_{i = 1} \lambda_{i} = 1\); \(d_{i0}\) é a distância do local predito, \(s_{0}\), e cada um dos locais observados, \(s_{i}\).
\(-p\) representa que na medida em que a distância aumenta o peso é reduzido por um fator \(p\), que por sua vez é determinado minimizando o erro médio quadrático da predição (RMSPE) obtido através do processo de validação cruzada (Jakob & Young, 2006).

Assim, foram coletados os dados das 7 estações climáticas do INMET dispostas em municípios do Rio Grande do Norte, assim como também foram coletados dados de estações de estados vizinhos próximos ao Rio Grande do Norte (Ceará e Paraíba). A partir dos dados destas estações foi realizada a técnica de interpolação e estimados os valores das variáveis climáticas para os 167 municípios do Rio Grande do Norte entre 1970 e 2015.


3.1.3 Dados agropecuários do Rio Grande do Norte

Os dados sobre a produção agropecuária do Rio Grande do Norte foram obtidos nos sites do IPEADATA e IBGE das séries de Produção Agrícola Municipal (PAM) e Produção Pecuária Municipal (PPM). No entanto, as séries não possuem a mesma extensão temporal para todos os produtos analisados. Deste modo, foram retiradas as seguintes séries:

Esta diferença na extensão dos dados não causou problemas de estimação do painel, pois cada painel foi estimado individualmente, levando em conta a extensão temporal de suas variáveis disponíveis.


3.2 Análise dos Dados

3.2.1 Construção dos clusters de clima

A criação dos clusters climáticos tem o objetivo de estabelecer uma relação não linear com a produção agropecuária. Portanto, foram constituídos clusters climáticos considerando todas as AMC’s do estado do Rio Grande do Norte que utilizando dados interpolados das estações meteorológicas do INMET através do método IDW.

As variáveis utilizadas para estimar os clusters foram:

Portanto, foram observadas estas variáveis para cada ano das AMC’s do Rio Grande do Norte ao longo do período de 1974 a 2015. Deste modo, uma AMC pode pertencer a clusters diferentes de um ano para outro dependendo da incidência destas variáveis em cada ano em questão.

O método utilizado será foi o de análise de clusters a partir do método de K-means, conforme desenvolvido por MacQueen (1967) que permite encontrar clusters espaciais comparáveis. A partir da implementação para a série histórica das variáveis climáticas estimadas para o Rio Grande do Norte foram obtidos 5 cluster climáticos possíveis para o estado, em que o cluster 1 é cenário menos adverso das variáveis climáticas e o 5º cluster representa o pior panorama climático para um município do estado. Os clusters foram estimados para cada ano individualizado por AMC, isto é, uma AMC poderia pertencer ao cluster 5 num ano e no ano seguinte poderia estar classificada no cluster 1, dependendo do comportamento das variáveis climáticas ano a ano.


3.2.2 Análise de Dados em Painel

A análise dos impactos das mudanças climáticas no setor agrícola tem sido alvo de estudo de diversos cientistas, e a partir destes estudos percebe-se que existem três técnicas principais consolidadas até então. A primeira é utilizando a função de produção, a segunda forma é utilizando modelos Ricardianos e a terceira é utilizando dados em painel a partir de dados anuais para localidades (DESCHENES & GREENSTONE, 2011). De acordo com Deschenes e Greenstone (2011) uma das vantagens da utilização dos dados em painel é que esta permite a utilização de observações de dados climáticos anuais para uma dada localidade específica ao longo do tempo e que isto permite compreender melhor os choques climáticos. Este modelo minimiza com o problema com viés de variáveis não observadas, uma vez que na análise de corte temporal o impacto do clima sobre a agricultura pode ser contaminado por variáveis não especificadas dentro do modelo, como por exemplo, qualidade do solo, nível de renda e condições sociais.

Deste modo, para analisar a relação dos clusters climáticos na produção agropecuária do Rio Grande do Norte foi utilizada a técnica de dados em painel. Como já referido, este método permite analisar distintos indivíduos ao longo do tempo levando em consideração sua heterogeneidade individual. Deste modo a variável dependente foi a produção agrícola de cada um dos produtos analisados, já referidos na seção anterior, e as variáveis explicativas foram os clusters climáticos e a população rural e de cada AMC’s. Assim, o modelo especificado econometricamente foi o seguinte:

\[\begin{equation} lnY_{it} = \alpha + \sum^{n}_{i = 1} \beta_{k}X_{ki} + \delta_{t} + c_{i} + e_{it} \tag{3} \end{equation}\]

Em que, \(lnY_{it}\) = representa o logaritmo natural da variável dependente (feijão, milho, mandioca, leite, castanha, mel, melão, caprinos, bovinos e ovinos); \(X_{ki}\) = o regressor de interesse que representa a covariadas do logaritmo natural da população rural, obtido a partir dos dados do IBGE; variáveis binárias que identificam os clusters a que pertencem cada observação. \(\alpha\) = o intercepto / \(\beta\) = é o impacto de cada \(X_{i}\) no \(ln\) de \(Y\). \(\delta_{t}\) = heterogeneidade temporal, controlada por efeitos fixos (variáveis binárias), que capta as mudanças estruturais ao longo do tempo que afetam a variável dependente. \(c_{i}\) – heterogeneidade municipal, controlada por efeitos fixos (transformação within), que capta diferenças não observáveis entre os municípios que são constantes no tempo e \(e_{it}\) = é o erro aleatório.

Assim, foram estimadas 10 regressões em painel, uma para cada produto e a partir de então foi observado o impacto das variáveis climáticas na produção.


4. ANÁLISE DOS DADOS

4.1 Estatística descritiva dos dados climáticos

Analisando os dados disponíveis das estações climáticas do Inmet, observou-se um interessante panorama. A precipitação apesar de oscilante ao longo do tempo e com um aumento da amplitude entre os municípios apresentou uma levíssima tendência linear de crescimento na quantidade de milímetros de chuva entre 1970 e 2015, saindo de uma média de aproximadamente 910 mm na década de 1970 para cerca de 1.040 mm nos anos 2000.

No entanto, ao testar individualmente se existe tendência de aumento ou queda nos índices pluviométricos de cada município, utilizando o método de teste de tendência de Mann-Kendall, verificou-se que poucos municípios mostraram tendências com nível de significância abaixo de 5%, precisamente 58 municípios. Em relação aos demais municípios não foi possível estabelecer alguma tendência sobre a intensidade de precipitação pluviométrica.

A partir do teste de Mann-Kendall dois pontos interessantes se destacam. Primeiro observa-se que destes 58 municípios com tendência significantes todos têm valor positivo, ou seja, ao longo da série analisada, estes municípios têm apresentado tendência de aumento de precipitação. Este ponto permite afirmar que as mudanças climáticas não têm causado impacto negativo na tendência de precipitação pluviométrica. O segundo ponto pertinente é representado na figura 1, em que fica ilustrado que destes 58 municípios que apresentaram tendência de aumento de precipitação pluviométrica se concentram na microrregião do leste potiguar e do agreste potiguar.

Figura 1 – Mapa de Tendência Monotônica Mann-Kendall de Chuvas no Rio Grande do Norte.

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.

Deste modo, o que de fato percebe-se é que a assimetria de distribuição de chuva entre as regiões tem aumentado como ilustra o box plot no gráfico 1. Percebe-se que o limite superior da distribuição apresentou uma tendência de crescimento. Enquanto isso, de maneira oposta o limite inferior apresentou uma leve tendência de declínio. Observa-se também que grande parte dos municípios ao longo do período analisado ficou abaixo da média de chuvas do ano, isto caracteriza não só uma distribuição irregular em anos com menor média, mas também em anos com precipitações acima da média histórica há uma assimetria distributiva entre os municípios.

Gráfico 1 - Distribuição da precipitação em mm dos Municípios do RN 1970 – 2015.

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet

Solomon et al. (2007) analisaram os impactos das mudanças climáticas em algumas variáveis meteorológicas de maneira global. Os autores identificaram queda da precipitação em algumas regiões do globo e um aumento da temperatura, sendo que estas alterações se deram com maior intensidade no hemisfério norte. Esta análise é um contraponto dos dados evidenciados acima sobre a tendência de precipitação do Rio Grande do Norte. Todavia em relação a alterações nas médias das temperaturas os dados corroboram com os achados dos autores citados anteriormente.

Em relação a evolução da temperatura do Rio Grande do Norte tanto a temperatura máxima quanto a mínima apresentaram tendência de crescimento, consequentemente nas últimas décadas a temperatura média se elevou, saindo de cerca de 26,7 em 1970 para 27,4 em 2015. Observando a variação da temperatura entre os municípios do Rio Grande do Norte pode-se afirmar que este aumento incide de maneira geral, pois ao logo do período analisado observaram-se apenas suaves alterações no desvio padrão. Isto é o fenômeno do aquecimento global incidiu de maneira muito semelhante os municípios, não criando grande discrepância entre municípios.

Gráfico 2 – Evolução das Temperaturas Máxima, Mínima e Média do RN 1970-2015.

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.

Deste modo, delineia-se uma situação complexa, pois apesar da tendência do aumento das chuvas, estas estão espacialmente concentradas, e com o aumento da temperatura as reservas de água das cidades com menores índices pluviométricos podem sofrer maiores consequências, aumentado ainda mais a assimetria em relação a disponibilidade de recursos hídricos. Tal fato pode ser observado ao analisar o balanço hídrico calculado a partir de dados de precipitação e evapotranspiração potencial ilustrado no Gráfico 3.

Gráfico 3 - Balanço Hídrico dos Municípios do Rio Grande do Norte (1974 – 2014).

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.

Portanto, percebe-se a partir dos dados de balanço hídrico do Rio Grande do Norte que nos últimos 40 anos este é historicamente negativo para todos os municípios, com raríssimas exceções. As altas temperaturas aliadas a pouca intensidade pluviométrica e a grande quantidade de dias sem chuvas faz com que haja uma perda significativa da água acumulada nos reservatórios do Rio Grande do Norte via evapotranspiração.

Mediante a conjugação desta assimetria de chuvas com elevação das temperaturas algumas regiões têm apresentado uma tendência de piora no Balanço Hídrico, conforme ilustra a figura 2. Observa-se que a partir dos municípios de Mossoró e Baraúna descendo paras as microrregiões da Chapada do Apodi, Médio Oeste, Pau dos Ferros, Umarizal e Serra de São Miguel, assim como, a microrregião do Seridó Oriental apresenta tendência de piora estatisticamente significativa no balanço hídrico. Destoa deste movimento a microrregião do Litoral Sul que apresentou tendência positiva do balanço hídrico.

Figura 2 - Mapa de Tendência Monotônica Mann-Kendall do Balanço Hídrico no Rio Grande do Norte.

Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.


4.2 – Análise dos Clusters

Foram identificados 5 clusters climáticos representativos no estado do Rio Grande do Norte nos últimos 45 anos. Como ilustra a tabela 1 os clusters apresentaram uma tendência de ordenamento em que os 1 e 2 são os aqueles apresentam as melhores condições de clima com temperaturas menores, umidade relativa do ar menor, maior média de precipitação, menor evaporação e menor quantidade de dias sem chuva em relação aos clusters mais extremos, os cluster 4 e 5. O cluster 3 por sua vez apresentou aspecto intermediário, como por exemplo a temperatura máxima tem uma média inferior à dos clusters 1 e 2, mas em contraposição a temperatura mínima é maior.

Tabela 1 – Estatísticas Descritivas dos Clusters Estimados.

Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5
Temperatura Máxima (ºC) 31.41 31.07 30.40 33.08 33.92
Temperatura Mínima (ºC) 22.29 22.13 22.40 22.36 22.60
Temperatura Média (ºC) 26.44 26.16 26.18 27.09 27.53
Umidade (%) 72.20 74.77 77.73 65.56 61.92
Precipitação (mm) 1152.13 916.59 1806.86 705.03 526.12
Evaporação (mm) 2164.81 1530.53 1829.77 2606.92 3347.52
Dias sem chuva 245.09 237.42 221.28 281.50 306.49

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.

Vale destacar como os clusters 4 e 5 apresentam em médias características bem mais adversa que os grupos 1 e 2. A temperatura média é cerca de 5% maior, sendo quase 10% mais seco em termos de umidade do ar. No entanto é no aspecto de precipitação que a condição do cluster 5 é mais extrema, pois em a precipitação pluviométrica é pouco mais da metade em comparação ao grupo 1, além do mais a evaporação é mais de 50% maior, assim como, os dias sem chuvas são 25% maior, chegando em média a ficar 10 meses sem chover.

Um dado alarmante quanto ao cenário do Rio Grande do Norte, é que analisando a partir das inferências destes clusters, percebe-se que alguns municípios recorrentemente ficaram no pior cenário, conforme ilustra a figura 3. Observa-se que a grande maioria dos municípios do Rio Grande do Norte se caracterizam por na maior parte dos anos estarem nos dois piores clusters climáticos, com exceção dos municípios do Agreste Potiguar e a área da microrregião de Macau que ficaram na maior parte dos anos nos clusters de melhor situação climática, 1 e 2. Além da região do Leste Potiguar que ficou na maioria dos anos no cluster 3, intermediário. Os demais municípios ficaram nos dois clusters de situações mais extremas, ressaltando alguns municípios da microrregião do Seridó Oriental que ficaram na maior parte das vezes no pior cenário possível.

Figura 3 – Mapa da Moda da Ocorrência dos Clusters por Município.

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.

Do ponto de vista do período, alguns anos se caracterizam por apresentar uma grande quantidade de municípios nos piores clusters climáticos. O gráfico 4 ilustra como os municípios podem ser classificados ao longo dos anos dentro dos clusters climáticos criados. Observa-se que há uma forte predominância dos dois principais clusters ao longo dos anos, o pior ano foi 1981, com todos os 167 municípios nos dois piores cluster (4 e 5), sendo 160 destes no mais adverso.

Gráfico 4 - Número de municípios segundo clusters climáticos por ano (1974-2015).

Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados no Inmet.


4.3 - Análise de dados em painel

Nesta seção analisou-se o impacto dos eventos climáticos sobre a produção agrícola do Rio Grande do Norte. Utilizou-se a técnica de dados em painel, conforme descrito na seção de metodologia. De maneira geral, observou-se que o clima tem um impacto significativo em grande parte das culturas. Apesar das equações não apresentarem um valor muito alto do \(R^{2}\), este fato deve ser relativizado, pois foram inseridos apenas as variáveis de clima nas equações e o logaritmo natural da população rural. Portanto, diversos outros fatores que impactam na produção como assistência técnica, crédito entre outros não foram introduzidos como variáveis explicativas do modelo. Todavia, apesar desta ponderação percebeu-se que os aspectos climáticos tiveram considerável relevância nas principais culturas do Rio Grande do Norte ao longo dos anos. Como demonstram as tabelas 2 e 3, todas as estimações realizadas para cada cultura apresentaram a estatística F significante, o que confere um caráter explicativo das variáveis observados pelo modelo. Além do mais, observou-se que a principalmente para o efetivo bovino, leite, algodão e melão as variáveis climáticas respondem por uma parcela importante das variações, respondendo por cerca de 30%. De maneira a análise concentrou-se sobre os resultados dos clusters 2, 3, 4 e 5 e sua influência na produção quando comparado ao resultado obtido no cluster mais favorável, o cluster 1.

A Tabela 2 abaixo sintetiza os resultados para a produção animal do estado. Observa-se de maneira geral no efetivo de animais o cluster 5 que representa o pior cenário climático possível no estado é predominantemente negativo e estatisticamente significante, implicando na queda da criação de bovinos, caprinos e ovinos da ordem de 7,5% (\(e^{-0,0776}-1\)), 7,9% (\(e^{-0,0822}-1\)) e 9,7% (\(e^{-0,1023}-1\)), respectivamente. Interessante notar que o rebanho de caprino e principalmente ovinos tendem a se reduzir com maior intensidade que o de bovino, mesmo sendo animais menores com maior facilidade de dissipar calor. O cluster 4, segundo pior na representação doas aspectos climáticos, também apresenta impacto negativo e significante para os rebanhos, com quedas de 4,2% (\(e^{-0,0427}-1\)) para bovinos, 3,7(\(e^{-0,038}-1\)) para caprinos e 4,7% (\(e^{-0,4659}-1\)) para os ovinos. O cluster 2 que representa o segundo melhor cenário tem impacto negativo também em todos os rebanhos analisados, destaca a relação na criação de bovinos e ovinos em que este cluster tem uma intensidade na queda no efetivo destes rebanhos maior que nos dois piores cenários, para este rebanho a ocorrência do cluster 2 representa uma queda de cerca de 13,7% (\(e^{-0,1472}-1\)) para a criação de bovinos e de 13,1% (\(e^{-0,1406}-1\)), este resultado indica que mesmo num cenário regular estas criações tem se apresentado muito sensíveis, sugerindo assim uma fragilidade dos produtores do Rio Grande do Norte ante as condições de clima da região.

Na produção de produtos de origem animal, o leite apresentou maior suscetibilidade, pois todos os cenários climáticos forma estatisticamente significantes, sendo que com exceção do cluster 4 todos os demais clusters estimados apresentaram impacto negativo. Por sua vez o mel apresentou estatisticamente significante os clusters 2, 3 e 5, sendo que os cluster 2 e 3 apresentaram sinal positivo, ou seja, e apenas no cenário do cluster 5 há uma queda esteticamente significante na produção de mel. Sendo assim a produção do mel aparenta apresentar maior adaptabilidade ao clima da região. Em relação ao pior cenário tanto o mel quanto o leite apresentaram a maior queda na produção sendo que no leite o impacto é bem mais profundo, uma redução de 56,2% (\(e^{-0,8266}-1\)) quando ocorre o cluster. Por sua vez o mel, apresenta uma queda da ordem de 32,8% (\(e^{-0,3973}-1\)).

Tabela 2 – Impactos dos fenômenos climáticos na produção animal do Rio Grande do Norte.

Regressores lnbov lncapr lnovi lnleite lnmel
Cluster_2 -0.1472*** -0.0389 -0.1406** -0.5801*** \(0.255^{+}\)
Cluster_3 -0.0076 0.0689** 0.1097*** \(-0.1099^{+}\) 0.4183***
Cluster_4 -0.0427** -0.038* -0.0479** 0.2097* -0.145
Cluster_5 -0.0776*** -0.0822*** -0.1023** -0.8266*** -0.3973***
lnpop 0.1472** -0.0047 0.1444 -0.3100 0.0582
t 0.007*** 0.0273*** 0.03801*** -0.1264*** 0.0466***
Intercepto 6.9691*** 6.1062*** 5.1388*** 17.059*** 5.002*
\(R^{2}\) within 0.0599 0.2937 0.4031 0.3521 0.1587
\(R^{2}\) between 0.3632 0.0032 0.0005 0.1275 0.0989
\(R^{2}\) overall 0.2764 0.0540 0.1110 0.2844 0.0672
n 6526 6505 6490 6526 2557
F 11.11*** 37.10*** 48.84*** 577.02*** 10.61***

*** Significante a 0.1%; ** Significante a 1%; * Significante a 5%; + Significante a 10%.

Em relação à produção agrícola o principal produto da pauta produtiva do estado atualmente, o melão, mostrou-se baixo grau de significância estatística aos fenômenos climáticos. Apenas os clusters 2 e 4 apresentaram significância quando considerado o nível a 10%. Em alguma medida isso pode ser explicado pelo fato de sua produção ser controlada com irrigação de águas provenientes de poços artesianos. Deste modo, os fenômenos climáticos não afetam de maneira significativa sua produção. No entanto, os demais produtos analisados apresentaram forte relação com o clima. Destaca-se o algodão, que foi o principal produto do estado até o início dos anos 1980. Além deste o feijão e o milho também tiveram sua produção bastante atrelada ao clima.

Na produção de algodão todos os cenários climáticos representados pelos clusters estimados foram estatisticamente significantes a 0,1%, sendo que os dois piores cenários (clusters 4 e 5) apresentaram efeito negativo na produção, e os dois cenários mais brandos (clusters 2 e 3) apresentaram sinal positivo. Os dois piores clusters, 4 e 5 respondem por uma queda de respectivamente 17,5% (\(e^{-0,1918}-1\)) e 38,2% (\(e^{-0,4805}-1\)).

No entanto, as produções que tiveram coeficientes significativos demonstrando maior variação foram as culturas do milho e feijão. Nestes cultivos a ocorrência dos dois piores casos (clusters 4 e 5) apresentam alto grau de significância estatística, como também, um profundo impacto na produção que indicam praticamente o desaparecimento da produção. No caso da ocorrência do cluster 5 as quedas representam diminuição de 80,7% (\(e^{-1,6440}-1\)) na produção do feijão e de 88,1% (\(e^{-2,1278}-1\)) para o milho. Por sua vez, o cluster 4 também apresenta quedas expressivas de 56,5% (\(e^{-0,8319}-1\)) no caso do feijão e 61,7% (\(e^{-0,9585}-1\)) para o milho. Portanto, estas duas culturas se mostram completamente insustentáveis diante de adversidades climáticas dada a atual estrutura produtiva do estado tornando-se inviáveis no atual cenário da agricultura do Rio Grande do Norte.

A produção de mandioca que assim como o milho e o feijão é uma cultura tradicional do estado apresentou uma reação negativa aos clusters 4 e 5, apesar de quedas significativas, respectivamente 21,2% (\(e^{-0,2382}-1\)) e 31,6% (\(e^{-0,3791}-1\)), estas são menos drásticas que na produção de milho e feijão. Além do mais, a cultura mostrou-se sensível a apenas estes dois cenários, os dois outros clusters mais favoráveis não apresentaram significância estatística.

Por fim, analisando a produção de castanha de caju que em determinado momento, por volta dos anos 1980, se configurou como uma cultura importante do estado, está apresentou cenário de queda na ocorrência dos dois piores clusters climáticos, chegando a reduzir a quase metade da produção no cluster 5, 42,2% (\(e^{-0,5485}-1\)).

Tabela 3 – Impactos dos fenômenos climáticos produção agrícola do Rio Grande do Norte.

Regressores lnalgodao lnfeijao lnmandioca lnmilho lnmelao lncastanha
ck2 0.4125*** -0.0306 -0.2678 \(-0.1291^{+}\) \(0.4936^{+}\) 0.2111**
ck3 0.7583*** 0.5081*** -0.0351 0.5656*** 0.2115 0.2887***
ck4 -0.1918*** -0.8319*** -0.2382*** -0.9585*** \(0.3828^{+}\) -0.3183***
ck5 -0.4805*** -1.6440*** -0.3791*** -2.1278*** -0.0470 -0.5485***
lnpop 0.4961* 0.0348 -0.0264 0.0727 \(0.7938^{+}\) -0.0252
t -0.1061*** -0.0287*** -0.0292*** -0.0112*** \(0.0510^{+}\) -0.0031
Intercepto 1.8212 5.2624*** 5.7335*** 4.5530*** -1.9112 3.2728
\(R^{2}\) within 0.4812 0.2420 0.1522 0.2173 0.0833 0.0529
\(R^{2}\) between 0.0873 0.0080 0.1045 0.0072 0.2477 0.0187
\(R^{2}\) overall 0.3535 0.1519 0.0097 0.0912 0.3204 0.0249
n 4014 5913 2373 5527 506 3762
F 186.91*** 188.01*** 11.98*** 153.79*** 2.36* 24.52***

*** Significante a 0.1%; ** Significante a 1%; * Significante a 5%; + Significante a 10%.

De maneira geral os painéis apontam para uma forte dependência da produção agropecuária do estado dos fenômenos climáticos, sendo que a ocorrência de eventos de extrema seca causam danos em culturas importantes do estado para a agricultura familiar, como o leite, mel, milho, feijão, mandioca. No entanto, a principal cultura do estado na atualidade o melão se mostrou inerte aos fenômenos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Observa-se que o cenário de mudanças climáticas tem afetado a trajetória do Rio Grande do Norte. Do ponto de vista do clima verifica-se um forte efeito sobre o aumento das temperaturas, o que implica numa piora da situação dos eventos de seca, pois apesar de não haver uma tendência de queda no índice pluviométrico, o aumento das temperaturas agrava o balanço hídrico levando um aumento de intensidade da seca, percebida via o índice de seca SPEI.

Deste modo, deve-se atentar-se para uma mudança de percepção da seca, pois não é o simples fato de ausência de precipitação que leva a uma situação adversa. No atual cenário a evaporação e evapotranspiração têm contribuído para aumentar a aridez. Assim as políticas públicas devem não só se ater a captação e distribuição de água, como principalmente ao armazenamento e manutenção da água estocada, uma vez que grande parte da água é desperdiçada pelo fato de ser estocada em açudes e barragens.

Essa piora nas condições climáticas dada por esta alteração climática tem causado a ocorrência de fenômenos de secas mais constantes, levando uma boa parte dos municípios do estado a apresentarem uma tendência de piora no índice de seca calculado. Diante disso, a produção agropecuária enfrenta sérios problemas, principalmente os produtos vinculados à agricultura familiar, uma vez que todos os produtos analisados neste trabalho apresentaram recuos consideráveis diante dos cenários desfavoráveis, com exceção do melão, o qual está fortemente ligado a produção empresarial e não apresentou nenhuma relação com as variáveis climáticas. Todavia, produtos extremamente vinculados a agricultura familiar como o feijão e o milho praticamente desaparecem em situações adversas, assim como, leite que apresenta uma forte queda.

Deste modo, a agropecuária do estado está estagnada na mesma encruzilhada histórica de dependência de fenômenos climáticos favoráveis, no entanto, com um agravante, estes estão cada vez mais constates e intenso devido ao processo de mudanças climáticas.


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