Desconcentração geográfica e científica do setor de construção naval e da Engenharia Naval: os Polos Navais das regiões Sul, Nordeste e Norte do Brasil

Lucas Rodrigo da Silva1; Leda Maria Caira Gitahy2.
1 - Doutor em Política Científica e Tecnológica pelo Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PPG-PCT) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisador Colaborador do PPG-PCT/UNICAMP.
2 - Doutora em Sociologia pela Universidade de Uppsala. Professora do Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica (PPG-PCT) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).


Resumo

O estudo apresenta o processo de desconcentração geográfica do setor de construção naval no Brasil acompanhada pela criação de novos programas de graduação de Engenharia Naval a partir dos anos 2000 e a formação de uma rede de inovação dedicada à interação entre o setor produtivo e acadêmico para dar sustentação aos interesses dessa expansão do segmento naval e oceânico nacional. O artigo observou que o setor de construção naval é sensível a fatores de localização, mas que sua desconcentração é possível desde que haja novas articulações entre os atores e instituições interessados. Assim, o artigo demonstra alguns resultados da interação universidade-empresa a partir do histórico de implementação dos Polos Navais nas regiões Sul, Nordeste e Norte do Brasil, destacando o papel das universidades nesse contexto. O artigo considera o período de 2000 a 2016 e está baseado em métodos profundamente empíricos, descritivos e historiográficos.

Palavras-chaves: Polo Naval; Engenharia Naval; Rede de Inovação.


Geographical and scientific deconcentration of the shipbuilding sector and Naval Engineering: the Naval Poles of the South, Northeast and North regions of Brazil


Abstract

The study presents the process of geographical deconcentration of the shipbuilding sector in Brazil accompanied by the creation of new Naval Engineering degree programs from the 2000s and the formation of an innovation network dedicated to the interaction between the productive and academic sectors to give support the interests of this expansion of the national naval and oceanic segment. The article noted that the shipbuilding sector is sensitive to localization factors, but that its deconcentration is possible as long as there are new links between interested actors and institutions. Thus, the article demonstrates some results of the university-company interaction based on the history of implementation of the Naval Poles in the South, Northeast and North regions of Brazil, highlighting the role of universities in this context. The article considers the period from 2000 to 2016 and is based on deeply empirical, descriptive and historiographic methods.

Keywords: Naval Pole; Naval Engineering; Innovation Network.

JEL: L7; L74; O1; O14.


1. INTRODUÇÃO

O estudo apresenta o processo de desconcentração geográfica dos estaleiros no Brasil, a decorrente criação de novos programas de graduação de Engenharia Naval a partir dos anos 2000, e a formação de uma rede de inovação dedicada à interação entre os setores produtivos e acadêmicos para dar sustentação aos interesses dessa expansão do segmento naval e oceânico nacional. Destacando a interação entre os atores dessa desconcentração e que responderiam às demandas científicas, tecnológicas e por mão de obra qualificada exigidas pelo setor produtivo, na primeira e segunda décadas do século XXI. Este artigo, entretanto, foi produzido de acordo com os resultados da tese de doutorado defendida por este mesmo autor, em 2018, pelo Programa de Pós-Graduação de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e intitulada “Evolução do campo acadêmico de Engenharia Naval e Oceânica no Brasil”. O presente artigo, ainda, considera por recorte temporal de análise o período de 2000 a 2016 e está baseado em métodos profundamente empíricos, descritivos e historiográficos.

Os primeiros registros históricos de atividade de construção naval no Brasil datam do período do Descobrimento, no século XVI, em 1503, quando os portugueses, utilizando a mão de obra indígena local, reparavam suas Caravelas (VARGAS, 1994). No entanto, apenas no final do século XVI que surge o primeiro estaleiro estruturalmente organizado no Brasil: o “Ribeira das Naus”, sediado em Salvador – Bahia, que posteriormente, em 1770, se tornaria o Arsenal da Marinha da Bahia (TELLES, 2001).

Até 1822 todo o desenvolvimento naval realizado no Brasil acontecia no Arsenal de Marinha — com poucos empreendimentos externos — e era proveniente da padronização e de projetos de origem portuguesa para a construção de embarcações. Essa normalização consistia num conjunto de compilações de proporções, dimensões e regras de montagem. A mão de obra, por sua vez, era constituída de carpinteiros navais, escravos e presidiários de poucas instruções ou com conhecimentos tradicionais adquiridos na experiência do trabalho e sem nenhum conhecimento científico (TELLES, 2001).

Com a vinda da Família Real ao Brasil, em 1822, o centro econômico nacional passou a ser a cidade do Rio de Janeiro e novos empreendimentos navais foram incorporados à economia da cidade, a saber, os estaleiros que tiveram algum ritmo de produção no século XIX foram os Estaleiros da Saúde (bairro da Saúde na cidade do Rio de Janeiro): Estaleiro John Maylor & Cia; Estaleiro Barata Ribeiro & Cia; Estaleiro Dominique Level; Estaleiro Hargreaves & Cia; e o Estaleiro José Ferreira Campos.

Muito embora, o desenvolvimento naval continuava atrelado à instituição militar de Marinha — a única demandante de serviços navais àquela época —, uma vez que, conforme Telles (2001, p.88), “esses estaleiros sempre foram todos de iniciativa privada e sem qualquer espécie de controle ou de incentivo por parte do governo”, evidenciando que ao longo desse período imperial e pré-republicano não houve interesse do Império na construção de navios mercantes.

Com o advento da República, em 1889, a Marinha do Brasil perde o prestígio que possuía ao longo do período Imperial e entra em profunda decadência tanto institucional quanto de capacidades tecnológicas, e o setor de construção naval — historicamente vinculado à Marinha e focado em atividades de reparos — acompanhou a decadência desta Instituição, condição esta que perdurou até meados do século XX. A saber, Bittencourt (2009, p.77) em referência ao processo de reconfiguração da Marinha do Brasil na primeira metade do século XX afirmou que os estaleiros continuavam “ultrapassados tecnologicamente e não havia uma indústria nacional para respaldá-los, pois o Brasil tinha uma economia quase totalmente agrícola nessa época”.

Foi então, a partir da segunda metade do século XX, que o setor de construção naval sofre profundas transformações técnicas e produtivas, induzidas, principalmente, pela criação da Petrobras, em 1953, e por todo o processo de reconfiguração e modernização da Marinha do Brasil. Ademais, políticas industriais, como as derivadas do Plano de Metas de Juscelino Kubistchek, em 1956, e a criação dos primeiros programas de graduação de Engenharia Naval no Brasil — na USP em 1956 e na UFRJ em 1959 —, deram suporte às inovações e redinamizaram o segmento industrial naval e oceânico nacional, que ampliaram a atividade produtiva passando a também construir embarcações, e não apenas a realização de reparos (SILVA, 2018).

Daquele momento até o final do século XX a indústria naval, bem como as atividades científicas e tecnológicas destinadas a este segmento, ficaram centralizadas na região Sudeste do Brasil — Rio de Janeiro e São Paulo — com algumas poucas atividades fora deste eixo.

Contudo, ainda durante o século XX, no período entre os anos 1980 a 2000, o segmento naval e oceânico vivenciou um novo declínio devido a um somatório de crises, tais como o custo elevado de produção causado pela proibição de importação de matérias-primas, navipeças e outros componentes sempre que houvessem similar no Brasil, o que deixou mais caro o produto nacional; os choques do petróleo da década de 1970, que no primeiro momento não havia afetado a carteira de produção nacional, fez com que armadores3 internacionais cancelassem demandas por novas embarcações; o fim de programas e políticas de incentivo à construção naval no país e; a mudança da trajetória tecnológica de navios mercantes nos países estrangeiros com a implantação maciça dos contentores (contêineres) que substituíram as embarcações de transporte geral de cargas — que eram amplamente construídas no Brasil —, tornando-as obsoletas (GEIPOT, 1999b; TELLES, 2001, SILVA, 2018).

A superação desta condição de declínio veio na passagem para o século XXI, um momento historicamente conhecido por “retomada do setor naval” (JESUS e GITAHY, 2009), a rebote de mudanças de políticas industriais como a que excluiu o monopólio da Petrobras para a exploração de petróleo e gás no território brasileiro, em 1997, permitindo a participação de novas empresas, a criação do armador Transpetro, em 1998, que elevou as encomendas para produção de embarcações navais fluviais e de apoio marítimo, além de programas de incentivo aos estaleiros, como o Programa Navega Brasil, em 2001, ampliando linhas de crédito aos segmentos industriais navais (SILVA, 2018).

Dentro desse novo panorama de retomada do setor, foi percebida a necessidade de ampliação e diversificação da capacidade produtiva do setor, a fim de dinamizar o segmento naval e explorar os potenciais regionais. E é a partir desse momento que ocorre a desconcentração geográfica do setor naval brasileiro acessando, estimulando e explorando recursos econômicos regionais, além de ampliar a base científica e tecnológica das regiões acessadas pelo segmento.

Além da presente introdução que demonstrou alguns fundamentos históricos do setor, o artigo está dividido em quatro partes, sendo: ii) na primeira, é analisado e conceituado o processo que leva à desconcentração do setor produtivo a partir dos anos 2000 e o impacto na empregabilidade deste mesmo, dando destaque aos programas capitaneados pela Petrobras no período conhecido por “retomada do setor naval”; também apresenta os, então, novos estaleiros; e as controvérsias entre a noção de concentração e desconcentração de um setor produtivo que é sensível aos fatores locacionais; iii) apresenta os Polos Navais das regiões Norte, Sul e Nordeste; e os novos programas de graduação de Engenharia Naval e o que estes representaram ao segmento implantado nessas regiões; iv) apresenta a Rede de Inovação para Competitividade da Indústria Naval e Offshore (RICINO) e o papel estruturado desta rede para essa ampliação e manutenção do setor produtivo e, finalmente; v) conclui o artigo destacando a relevância dessa desconcentração da indústria naval e da ciência naval, bem como os rearranjos estabelecidos para a evolução e manutenção dessa desconcentração; e apresenta temas futuros para ampliação e aprofundamento desta pesquisa.


2. DESCONCENTRAÇÃO GEOGRÁFICA DA INDÚSTRIA NAVAL

A desconcentração do setor produtivo da Indústria de Construção Naval e Offshore brasileiro ocorreu a partir de 2003 quando o então governo Lula percebeu a necessidade de ampliar a capacidade produtiva desse setor, até então concentrada na região Sudeste. As medidas que tornaram possíveis tal desconcentração partiram de programas promovidos pela Petrobras e foram sustentadas por outros programas federais ao longo da primeira década de 2000, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), aproveitando o contexto favorável propiciado pela retomada do setor.

Essa retomada ocorreu sobretudo a partir de programas federais promovidos pela Petrobras que objetivavam a maximização produtiva do setor do segmento de construção naval para também fornecer bens e serviços essenciais à expansão do segmento offshore, estratégico para esta empresa. Os programas que orientaram a expansão e contextualizaram a desconcentração do setor produtivo são: “Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo (PROREFAM)”, “Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP)” e “Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF)”.

O PROREFAM, lançado em 1999 pela Petrobras cujos objetivos visavam atender, em bases competitivas, a demanda crescente de embarcações de apoio offshore, respeitando os requisitos de conteúdos locais pré-estabelecidos. De acordo com Jesus (2013, pg. 58), o PROREFAM foi executado em três fases, a primeira foi lançada em 1999, chamado de 1º PROREFAM, em que a Petrobras licitou e contratou 22 embarcações. No final de 2003, foi anunciado o 2º PROREFAM, que consistiu na contratação de 30 novas embarcações e 21 modernizações e jumborizações4. E, mais recentemente, no âmbito do Programa do Aceleramento do Crescimento (PAC), a Petrobras lançou terceira etapa do PROREFAM, prevendo a contratação de 146 embarcações de apoio que deverão atender ao conteúdo local mínimo, no período 2008–2014.

O Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP), criado em 2003, para estimular o desenvolvimento da indústria parapetroleira local. O programa foi desenvolvido para buscar a maximização da participação da indústria nacional no fornecimento de bens e serviços, em bases competitivas e sustentáveis, atendendo demandas nacionais e internacionais. Trata-se de gerar emprego e renda no País, ao agregar valor na cadeia produtiva local (SILVA, 2009; PROMINP, 2013).

Já o Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF), da Transpetro – subsidiária da Petrobras –, lançado em 2004, e atualizado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. A proposta do PROMEF era renovar a frota da Transpetro com a compra de 49 novos petroleiros, objetivando garantir maior autonomia e controle no transporte da produção da Petrobras, bem como servir de alicerce para o renascimento da indústria naval brasileira. De acordo com Jesus (2013, pg. 60), o programa foi dividido, a princípio, em duas fases denominadas de PROMEF I e II. Na primeira fase, PROMEF I, com a proposta de construir 26 navios, e as determinações do programa eram de que os navios fossem construídos no Brasil, com a garantia de um índice de nacionalização de 65% e que os estaleiros sejam competitivos internacionalmente. Na segunda fase, PROMEF II, licitaria 23 novos navios, com a garantia de um índice de nacionalização de 70% e de que os estaleiros se tornassem competitivos internacionalmente.

Estes programas impulsionaram o setor naval. De acordo com SINAVAL (2013, pg. 4) entre 2003 a 2013 os estaleiros brasileiros tradicionais voltaram a operar construindo mais de 100 navios de apoio marítimo no Brasil, sete plataformas de produção de petróleo e quatro navios petroleiros de grande porte.

Frente às novas demandas dos Programas da Petrobras, o Fundo de Marinha Mercante (FMM) libera, a partir de 2003, investimentos na ordem de 16,2 bilhões de reais para a criação de novos estaleiros que foram distribuídos, inicialmente, em oito Estados brasileiros (CAMPOS NETO, 2014, p.134-135).

A desconcentração possibilitou novos arranjos produtivos em diferentes regiões do país conhecidos, como “Polos de Construção Naval” (ou apenas Polos Navais). SINAVAL (2014, p.21 e 23) compreende como polo naval “a existência de estaleiros e uma estrutura de serviços e fornecedores operando de forma contínua”. CEMBRA (2015) complementa essa definição afirmando que também seriam necessários os apoios dos governos estaduais e municipais, bem como a formação de recursos humanos qualificados para atender às demandas de cada Polo.

SINAVAL (2014) indica que inicialmente foram idealizados nove polos navais, sendo: Polos Navais do Pará e Amazonas5, Polo Naval de Pernambuco, Polo Naval da Bahia, Polo Naval do Espírito Santo, Polo Naval do Rio de Janeiro, Polo Naval de São Paulo, Polo Naval de Santa Catarina, Polo Naval do Rio Grande do Sul. E desses surgiram a necessidade da formação de competências para atender aos novos empreendimentos regionais (Figura 1).

Figura 1 - Polos de Construção Naval ativos no Brasil em 2018 (não considera os Polos Tradicionais).

Fonte: Silva (2018), adaptado de MDIC/IBITC (2018).

Jesus (2016) confirma que historicamente o setor produtivo sempre esteve concentrado na região Sudeste do país, com destaque ao Estado do Rio de Janeiro que detinha, entre as décadas de 1980 e 1990, mais de 90% da população empregada da área no Brasil. No final dos anos 1990 o volume total de empregos diretos em estaleiros era de 1.900 pessoas e a partir dos anos 2000 a indústria naval brasileira reagiu positivamente aos incentivos governamentais e de mercado e, os estaleiros do país passaram para cerca de 56.000 empregos no ano de 2010 (GARCIA, 2013, p.14), atingindo o pico em 2014 com 82.136 empregos diretos (SINAVAL, 2016, p.2), como demonstra o Gráfico 1.

Gráfico 1 - Empregos Diretos nos Estaleiros de 2000 a 2017.

Fonte: SINAVAL (2018).

Jesus (2016) observou que não apenas o volume de empregos aumentou ao longo dos anos 2000, como também houve a criação de novos estaleiros em diferentes regiões do país (Quadro 1) e, consequentemente, a distribuição da mão de obra naval e offshore (Tabela 1).

Quadro 1 - Principais estaleiros instalados no Brasil: comparação entre o ano de 2003 e 2014.

2003 (Estado) 2014 (Estado)
Estaleiros BrasFELS (RJ)
Mauá (RJ)
Inhaúma (RJ)
BrasFELS (RJ)
Inhaúma (RJ)
Brasa (RJ)
Rio Grande (RS)
Atlântico Sul (PE)
Honório Bicalho (RS)
Techint (PR)
Consórcio MGT (SC)
Tomé Ferrostall (AL)
Enseada Paraguaçu (BA)
OSX (RJ)
Jurong Aracruz (ES)
EBR (RS)
Mauá (RJ)

Fonte: Adaptado de Jesus (2016) e SINAVAL (2018).

Tabela 1 - Empregos diretos nos estaleiros por Estados da Federação, de 2005 a 2014.

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
RJ 10.636 12.385 17.052 24.003 20.403 23.654 25.987 25.020 29.967 30.506 30.085
ES 410 620
SP 661 781 795 1.578 1.065 1.414 781 721 1.604 1.782 1.862
SC 1.046 766 1.208 2.207 2.395 2.518 1.958 2.397 3.039 4.247 5.351
RS 820 5.500 5.500 6.174 19.954 9.762
PA 175 190 225 225 341 420 411 371 316 580 888
AM 2.500 2.637 9.244 11.987 13.372 11.902 11.576
CE 133 320 320 632 960 1.500 1.300 903 202 702 623
SE 350 345 38 38 50
BA 523 2.125 1.628 92 74
PE 480 5.613 7.014 10.581 9.798 5.696 7.923 21.581
Total 12.651 14.442 19.600 29.125 33.277 40.500 56.112 59.167 62.036 78.136 82.472

Fonte: SINAVAL (2018).

Entretanto, SINAVAL (2018) destaca que há mais de 50 estaleiros — vinculados ao Sindicato — instalados no Brasil e distribuídos nos polos navais. Aqueles atuam em mercados de equipamentos offshore de sondas e plataformas; embarcações de apoio marítimo, como PSVs e AHTS; de navios de grande porte como Suezmax, Aframax, Panamax, Gaseiros, VLCCs e Graneleiros; de embarcações fluviais e operações portuárias, como rebocadores, barcaças e empurradores; de reparo de navios; de navios militares e; de navios de cabotagem.

Contudo é importante salientar que existem muitos outros estaleiros espalhados pelo Brasil com menores dimensões de infraestrutura e menor participação no mercado, como os estaleiros das margens do Rio Amazonas. Segundo o NEAPL (2009, p.8)6 “a Amazônia tem a maior indústria naval autônoma do planeta. Só no Amazonas são mais de 300 estaleiros — a maioria de pequeno porte — espalhados por todos os municípios do Estado”.

A construção naval, no entanto, é uma indústria sensível a fatores relacionados à localização (CEMBRA7, 2015; JESUS, 2016). Nessa perspectiva, é possível entender o setor produtivo naval como sendo de economias de concentração, em que a concentração geográfica produz efeitos econômicos e logísticos benéficos às organizações da indústria marítima como um todo (Quadro 2).

Quadro 2 - Benefícios da concentração da indústria da construção naval e offshore.

Benefícios econômicos da concentração regional
Indústria de Construção Naval Concentrada Regionalmente Proximidade de fornecedores, além da redução de custos de transporte, favorece a articulação de planos de produção, de modo a viabilizar a eliminação ou, pelo menos, a redução de estoques intermediários;
Proximidade de outros estaleiros favorece a formação de parcerias estratégicas;
Concentração de atividades ligadas à indústria naval pode viabilizar o desenvolvimento de centros de formação de recursos humanos especializados, em todos os segmentos da força de trabalho específica do setor;
Investimentos compartilhados em programas de treinamento de mão de obra podem ser executados diretamente pelas empresas;
Investimentos em P&D podem ser compartilhados;
Instalação de estaleiros, em certos casos, demanda investimento público em obras de infraestrutura, cujo retorno é claramente reduzido pela pulverização;
Estímulo ao progresso tecnológico e gerencial realiza-se pelo intercâmbio das próprias empresas e destas com associações e instituições de ensino e pesquisa, bem como pela mobilidade dos recursos humanos. Os mecanismos de spill-over (ou contágio) são, em geral, alavancados pela existência de empresas líderes na região. Nesse caso, uma empresa (ou instituição) líder seria a que apresentasse inserção internacional e atuação relevante em P&D;
Formação de parcerias no sentido de estabelecer programas de procurement comuns, visando a ampliar o poder de mercado e promover ganhos logísticos na aquisição de insumos;
Empresas de prestação de serviços podem ser subcontratadas por diversos estaleiros, nos casos de picos de demanda individuais de mão de obra. Assim, variações localizadas de demanda podem ser absorvidas sem deseconomia para os estaleiros individuais.

Fonte: adaptado de CEMBRA (2015, p.28).

CEMBRA (2015) observa que no Brasil, o processo de desconcentração também tem suas vantagens, pois permite a criação de novos polos de desenvolvimento — casos do Nordeste e do Sul —, promovendo o surgimento de novos empregos e desenvolvendo tecnologicamente essas regiões. No cenário de expansão dos estaleiros e de real modernização dos processos construtivos, isto é, no cenário em que se aproximem as práticas nacionais daquelas dos estaleiros líderes de mercado, um novo perfil de trabalhador será requerido.

Ainda, CEMBRA (2015) afirma que os processos praticados nos estaleiros mais avançados demandam um tipo de trabalhador com perfil multifuncional e de formação longa. Ou seja, as políticas de recursos humanos operacionais deverão conciliar dois objetivos: atender à demanda emergencial para manter os estaleiros em operação e garantir os recursos humanos para os estágios mais avançados, que deverão (como pré-requisito da sustentabilidade) ser alcançados em alguns anos.

Outro segmento é o da formação de engenheiros e gestores especializados nas várias áreas de conhecimento envolvidas com a construção naval. CEMBRA (2015), afirma que as “políticas setoriais deverão estimular a disseminação do ensino especializado de nível superior e, ao mesmo tempo, promover a consolidação de centros de excelência, de elevado padrão e inserção internacional”.


3. POLOS NAVAIS E OS NOVOS CURSOS DE ENGENHARIA NAVAL

O surgimento dos polos navais induziram a formação de novos arranjos no local onde os mesmos foram idealizados. Um desses arranjos é a criação de instituições ou reformulações daquelas já existentes para a formação de mão de obra qualificada. De acordo com CEMBRA (2015) e SINAVAL (2014), o recurso humano é um dos principais fatores para competitividade e manutenção do polo. Nesse contexto, um novo conjunto de universidades criaram programas de graduação de Engenharia Naval para dar sustentação aos novos empreendimentos e são elas: na região Norte, a Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA); na região Sul, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e; na região Nordeste, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Uma importante característica que permeia todos os novos cursos é a atenção às necessidades regionais. Diferentes dos cursos tradicionais (USP e UFRJ) que lidam com temas de grande variabilidade e especialmente aqueles voltados às tecnologias offshore8, os novos cursos possuem matrizes curriculares e projetos de pesquisa que vão ao encontro de especificidades da região/estado em que se encontram.


3.1 – Região Norte

A implantação do polo naval da região Norte exigiu dos governos estaduais e municipais um planejamento transversal que relacionava a identificação dos atores que poderiam contribuir com o mesmo e com o foco no setor de transporte fluvial. Segundo NEAPL (2009, p.8), a frota da região Norte gira em torno de cinco mil barcos, sendo que cerca de 90% são feitos de madeira, mas há uma tendência de substituição desse material para o aço, sendo esta condição “irreversível, dada a questão crítica da segurança, da classificação e do financiamento”. Além disso, NEAPL (2009) destaca que 95% do abastecimento dos municípios amazonenses - incluindo toda sorte de produtos - são feitas por via fluvial. As mesmas características valem para o transporte de passageiros entre os municípios.

CEMBRA (2015) destaca que a bacia hidroviária do Amazonas oferece a oportunidade para o desenvolvimento de construção naval com características próprias, incorporando tecnologias e inovação.

A região Norte conta com dois programas de graduação de Engenharia Naval: a da UFPA, criada em 2005 — sendo a primeira graduação criada nesse contexto da desconcentração do setor produtivo — e a da UEA, formada em 2013 – a última graduação de Engenharia Naval criada até 2018 no Brasil.

A Universidade Federal do Pará (UFPA), por sua vez, foi criada em 1957 pelo Presidente Juscelino Kubistchek com o objetivo de centralizar o ensino superior da Amazônia oriental. A UFPA possui graduação e um Programa de Pós-graduação (modalidade de Mestrado Acadêmico) para Engenharia Naval, vinculados à Faculdade de Engenharia Naval (FENAV) e ao Instituto de Tecnologia (ITEC), situado no campus Belém, na cidade de Belém (Pará).

O docente do curso de Engenharia Naval da UFPA e vinculado ao Programa de Pós-Graduação de Engenharia Naval da mesma instituição, Professor Hito Braga (MONTEIRO, 2011) explica a especificidade dessa graduação em relação às outras graduações equivalentes no Brasil, afirmando que o foco da Engenharia Naval da UFPA é lidar com “estudos sobre os problemas da navegação da Amazônia, sem a perda da visão global da Engenharia Naval, o único que trata de águas fluviais” O docente justifica sua posição:

“Basta olhar o mapa ou ao nosso redor para ver a importância da Engenharia Naval na região [Norte]. Estamos cercados por rios e por um litoral extenso e, até a criação do curso, só havia pesquisa e ensino nesta área no sudeste brasileiro, o que significa que era improvável receber os profissionais formados lá, para lidar com as limitações da Amazônia. Precisávamos de profissionais e pensadores formados e voltados para lidar com os nossos problemas, que são específicos. O curso, porém, tem uma visão globalizada cujo sucesso pode ser mensurado na contratação dos alunos, que formamos recentemente, por empresas de outros países para atuar fora do Brasil” (MONTEIRO, 2011, s/p).

Os projetos de pesquisa vinculados a esta graduação da UFPA confirmam esse direcionamento para a busca de conhecimento e de soluções dos problemas e desafios fluviais disponíveis na Amazônia.

UFPA (2007) observa a condição generalista pela qual o egresso é preparado — em cumprimento das normas estabelecidas pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA)9 —, mas destaca que essa formação desse curso tem por si objetivos de gerar um profissional atento à “auto sustentabilidade regional da Amazônia, sem que isso implique nem perda de visão dos problemas ao nível mundial” (Quadro 3).

Quadro 3 - Qualificação do Egresso de Engenharia Naval da UFPA.

Competências da área da Engenharia Naval
Competências/Habilidades do profissional
Projeto de embarcações Elaboração de projetos de embarcações e sistemas navais, realizar testes de estabilidade, etc.
Estrutura e construção naval Projetar sistemas estruturais, fiscalização no desenvolvimento das construções navais, concepção de estaleiros, etc.
Área de materiais Inspeção e desenvolvimento de controle tecnológico dos materiais utilizados na indústria naval e em obras hidroviárias
Área de transporte e hidrovia Planejamento e racionalização de sistemas de transporte, controle ambiental de obras hidroviárias gerenciamento de empresas de navegação e elaboração de planilhas orçamentárias, planejamento operação e controle portuário, etc.
Área de hidrodinâmica Projetar e otimizar a forma do casco de embarcações, cálculo de resistências ao avanço de embarcações, etc.
Área de máquinas Especificações de motores para a propulsão naval e geração de energia, controle de manutenção, controle de vibrações e projeto de sistemas propulsivos de embarcações

Fonte: SILVA (2018), elaborado a partir de UFPA (2007).

Já a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), criada em 200110, é a instituição pública de ensino superior com maior número de campi, atingindo 57 municípios no Estado do Amazonas.

A UEA tem um Curso Tecnológico de Construção Naval fundado em 2009 e que oferece bases acadêmicas à recente graduação de Engenharia Naval, formada em 2013. O NEAPL (2009, p.15) entende o papel desta Universidade como condição para superar os desafios de “democratizar o acesso dos amazonenses ao seu universo discente e pelejar para a superação das racionalidades impermeáveis ao reconhecimento de uma cultura da Região”.

De acordo com UEA.NAVAL (2018) o egresso dessa engenharia desta mesma Instituição é multifuncional e apto a desenvolver atividades que vão da construção e reparos navais até a logística e gestão de empresas de navegação (Quadro 4)

Quadro 4 - Qualificação do Egresso de Engenharia da UEA.

Competência da área da Engenharia Naval
Competências/Habilidades do profissional
Projeto de embarcações e sistemas navais Empresas de concepção, construção e montagem de equipamentos e sistemas navais, empresas de projeto no âmbito da engenharia naval (inclusive departamentos de projeto de estaleiros), setores de projeto de Organizações Militares, etc.
Construção, Reparo e Demolição de embarcações Atuação nas atividades ao longo do ciclo de vida de uma embarcação, desde o planejamento e controle da construção, passando por atividades de manutenção e reparo, e finalmente incluindo também atividades de demolição e reciclagem de embarcações;
Pesquisa Atuação em universidades, instituições públicas ou empresas, na área de desenvolvimento de novas tecnologias associadas ao setor naval, seja no âmbito de produtos ou de serviços. Há demanda para a produção tanto de ciência básica como em inovação tecnológica;
Transportes e Logística Atuação dentro de empresas de navegação (armadores) e de logística integrada, incluindo também órgãos públicos e privados associados à inteligência de mercado e a atividades de regulação e consultoria, tanto na navegação interior como na cabotagem e na navegação de longo curso;
Certificadoras e Classificadoras Atuação dentro de empresas de navegação (armadores) e de logística integrada, incluindo também órgãos públicos e privados associados à inteligência de mercado e a atividades de regulação e consultoria, tanto na navegação interior como na cabotagem e na navegação de longo curso;
Energia Atuação em empresas públicas e privadas associadas à exploração e produção de energia em alto mar, incluindo as renováveis (energia eólica, de ondas e de marés) e as não renováveis (petróleo e gás);
Serviços diversos Atuação em diversos outros segmentos de mercado associados ao Setor Naval, como seguros e financiamentos marítimos, serviços de batimetria e dragagem, ensaios não destrutivos, assessoria e consultoria técnico-econômica a estaleiros e armadores, serviços portuários, etc.

Fonte: adaptado de UEA.NAVAL (2018).


3.2 – Região Sul

Na região Sul existem dois Polos Navais distribuídos em dois Estados, sendo: o de Santa Catarina e o do Rio Grande do Sul. E não coincidentemente há um curso de Engenharia Naval em cada um desses Estados.

CEMBRA (2015) afirma que o Polo Naval da Região Sul era caracterizado — até 2015 — pelos estaleiros em operação e em implantação nos municípios de Rio Grande, São José do Norte e Jacuí. No município de Rio Grande haviam os estaleiros “RG Estaleiros”, “Quip” e, em implantação, o “Wilson Sons”; já em São José do Norte, estava em implantação o “EBR – Estaleiros do Brasil”; e, em Jacuí, em implantação a unidade construtiva da “Inepar-Iesa Óleo e Gás”, para a construção de módulos; a “Engecampo”; a “UTC”; a “Tomé Engenharia” e a “Metasa”.

Ainda de acordo com CEMBRA (2015), outros municípios ao longo da bacia do Rio Jacuí, banhados pelo Rio Taquari, também dispunham de áreas voltadas para o desenvolvimento da indústria oceânica. Existe, de acordo com CEMBRA (2015), um importante polo naval em Santa Catarina11, voltado à construção de navios de apoio marítimo, rebocadores, empurradores, barcaças e chatas.

Pereira et. al. (2016, p.5-6) afirmam que o “Polo Naval de Santa Catarina é o segundo maior do Brasil” – “o primeiro é o Polo do Rio de Janeiro12”. Para os autores, as regiões de Itajaí e Navegantes se destacam neste segmento e despontam no cenário nacional pelo fato de estaleiros e empresas especializadas na construção de embarcações de apoio às plataformas de produção de petróleo e gás estarem se instalando nesses municípios. Ainda, os autores identificam um crescimento de mais de 50% no PIB dessas cidades entre os anos de 2009 e 2011. Às margens do rio Itajaí-Açu, se concentra a maior parte das 70 empresas de construção naval de Santa Catarina. Esse crescimento se reflete na oferta de trabalho.

De acordo com UFSC (2015), dentro do cenário de crescimento e expansão do setor naval verificado nos últimos anos, a formação de recursos com elevada competência é considerada fundamental e estratégica para o desenvolvimento do setor e do país, para tanto, foi criado o curso de Engenharia Naval, em 2009, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Joinville.

A UFSC foi criada em 1960 no momento de expansão da indústria no Brasil e, especialmente no Estado de Santa Catarina, foi um momento de consolidação de setores industriais como o da cerâmica, o do papel e o de metalomecânica. No decorrer da década de 2000, momento de desconcentração do setor produtivo naval, a UFSC foi pioneira na formação do curso de Engenharia Naval na região Sul. Os objetivos desse eram formar um profissional capaz de atuar no planejamento, projeto e construção de sistemas navais e oceânicos, assim como no planejamento do transporte marítimo e em atividades relacionadas à administração e organização portuária.

UFSC (2015) afirma que o curso de Engenharia Naval da UFSC pode contribuir de maneira efetiva, através da geração de recursos humanos qualificados e do desenvolvimento de novas tecnologias, para a consolidação de uma indústria naval nacional eficiente, apta a competir em condições de igualdade no mercado internacional, bem como alavancar o desenvolvimento cientifico do setor; buscando sempre a pesquisa em nível de excelência e com reconhecimento internacional.

O segundo Polo Naval da região Sul é o do município de Rio Grande (que até 2018 continuava ativo), no estado do Rio Grande do Sul. Este estado tem uma relação história com o setor naval devido ao complexo portuário-industrial (CARVALHO et. al., 2013). Olinto et. al. (2012) observam que até o ano de 2012 a cidade de Rio Grande possuía o segundo porto com maior movimentação de contêineres do Brasil e o principal polo exportador de maquinário agrícola. Entre as principais mercadorias embarcadas no porto estão os produtos agrícolas, óleo e farelo de soja, tratores, colheitadeiras e automóveis. O porto também movimenta produtos da indústria do petróleo, em função da presença da Refinaria de Petróleo Riograndense S. A. e da distribuidora da PETROBRAS no município.

Devido a esta característica regional de relevância portuária, pela adoção de uma filosofia de ensino voltado ao ecossistema costeiro e pela experiência adquirida, desde 1995, com a criação do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Oceânica, a Universidade Federal do Rio Grande (FURG), cria em 2010 dois cursos de graduação ligados à área naval: a graduação de Engenharia de Mecânica Naval e a de Engenharia Civil Costeira e Portuária.

A FURG foi criada em 1969. De acordo com FURG.SNPG (1998, p.3), esta Universidade nasceu através da união cinco faculdades existentes na cidade do Rio Grande. “Sendo a cidade do Rio Grande um polo pesqueiro, portuário e industrial e localizada em um ambiente peculiar, à FURG estava destinado um papel importante no estudo de temas ligados ao mar e ao ecossistema costeiro e estuarino”.

Além da vocação aos estudos do ecossistema assumida pela FURG, Olinto et. al. (2012, p.2-3) observam que a implantação dos cursos foi também motivada pela política de instalação de um polo naval na cidade de Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul, cujas obras mostraram a necessidade de mão de obra especializada e qualificada quer nas obras de construção, quer na manutenção, apoio e operação deste empreendimento.

De acordo com Olinto (2012) e FURG.OCEÂNICA (2018), os objetivos do curso de graduação em Engenharia Civil Costeira e Portuária era de formar profissionais habilitados ao exercício da Engenharia Civil e interessados nos ambientes costeiros e estuarinos e na solução de problemas que envolvam as interações obra-costa, mar-obra, ou seja: como uma obra pode afetar o ambiente costeiro e por outro lado, como as ações do mar podem influenciar no comportamento da obra. Já os objetivos do programa de graduação em Engenharia Mecânica Naval era de formar um engenheiro mecânico que possua todas as competências e habilidades exigidas por um engenheiro mecânico tradicional e, adicionalmente, conhecimentos relacionados com a construção naval, especialmente no que tange ao trabalho do engenheiro mecânico atuando em estaleiros.

Entretanto, diferente de todos os outros cursos de Engenharia Naval (novos ou tradicionais), o egresso da FURG recebe o título de graduado em Engenharia Mecânica, porém é habilitado a exercer funções que exigem competências de engenharia naval. FURG (2018) elenca:


3.3 – Região Nordeste

O Polo Naval de Pernambuco é o único da região Nordeste e é o maior motivador para a formação do curso de Engenharia Naval da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). CEMBRA (2015) considera que este Polo é formado pelo “Complexo Industrial Portuário de Suape” que é formado pelos Estaleiros Atlântico Sul (EAS), VARD Promar e Construção e Montagem Offshore (CMO).

O que caracteriza este polo naval é o apoio do governo estadual e dos governos municipais, a formação de recursos humanos de nível superior pela Universidade Federal de Pernambuco, com seu curso de Engenharia Naval, bem como a formação de recursos humanos de nível técnico, através do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em convênios firmados entre a Secretaria de Trabalho, Qualificação e Empreendedorismo, Secretaria de Educação e as prefeituras das cidades do Recife, Moreno, Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Escada e Cabo de Santo Agostinho (CEMBRA 2015).

Michima et. al. (2015) contam essa história da motivação que gerou a criação de um curso de graduação em engenharia naval e as parcerias criadas entre os estaleiros e o referido curso no Estado de Pernambuco. Para os autores, os principais objetivos dessa formação são, por um lado, suprir a necessidade profissionais de nível na área de construção naval para os estaleiros e, por outro lado, criar habilidades para a formação de profissionais de boa qualidade em uma região sem tradição.

Michima et. al. (2015) e UFPE (2014) atribuem aos estaleiros VARD Promar e Atlântico Sul, bem como a implantação do polo naval do Nordeste, a origem do curso de Engenharia Naval da UFPE. Segundo os autores, a criação dos polos – de uma maneira geral – redistribuiu as atividades econômicas para regiões com potenciais de crescimento.

Além do mais, afirma UFPE (2014), a Petrobras passou a ter maior interesse na região Nordeste a partir dos anos 2000 e, especialmente em Pernambuco, passando a investir em empreendimentos industriais. Dado o contexto favorável da indústria naval foram criados no munícipio de Ipojuca (Pernambuco) dois estaleiros: o Estaleiro Atlântico Sul (EAS), voltado principalmente para a construção de grandes navios e plataformas offshore, e do estaleiro VARD Promar, menor, mais concentrado na produção de embarcações de apoio (MICHIMA et. al, 2015).

Ambos foram construídos em terrenos vazios, desde a planta e em ambos os casos as pressões sobre os prazos contratuais exigiram a construção do estaleiro durante a construção de seus primeiros navios. Da mesma forma, ambos passaram pela dificuldade de obtenção de mão de obra qualificada, pois a região Nordeste ainda não “produzia” profissionais qualificados para o setor.

Para suprir essa demanda de mão de obra os estaleiros, inicialmente, importaram mão de obra de outras regiões do Brasil e mesmo do exterior. O estaleiro VARD Promar absorveu funcionários de outros estaleiros da empresa (o estaleiro tem origem norueguesa) e o EAS, que era um empreendimento único, recorreu à importação maciça mão de obra. Frente aos altos custos dessa estratégia, partiram desses estaleiros incentivar a criação de cursos técnicos, cursos de especialização e até mesmo treinamentos de alto nível para atender a demanda no médio e longo prazo.

Assim, partiu da Universidade Federal do Pernambuco a criação do curso de graduação em Engenharia Naval, tomando a decisão estratégica de avançar um pouco mais no conhecimento de construção naval, dando mais disciplinas voltadas à tecnologia de fabricação, além das disciplinas tradicionais de arquitetura naval, fazendo com que o profissional formado por este curso pudesse atuar mais diretamente na construção naval e apoiar os estaleiros em suas necessidades de profissionais de nível superior com visão abrangente sobre a construção naval. No entanto, uma das primeiras dificuldades em criar o curso foi a falta de profissionais disponíveis para ensinar e formar futuros graduados. Assim, o curso foi desenvolvido inicialmente por uma equipe conjunta de professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) – ligados à Engenharia Mecânica –, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de São Paulo (USP) – ambos ligados aos respectivos cursos de Engenharia Naval e Oceânica – entre 2008 e 2010, e o curso da UFPE iniciou suas atividades em 2011.

O então recém-criado curso da UFPE traçou uma estratégia de curto prazo para atrair professores que atendessem aos seus rigorosos requisitos, a fim de formar profissionais para atender às necessidades da região.

Para aproximar os estaleiros e a Universidade foram assinados acordos com o EAS e o VARD Promar. Estes convênios se destinam a complementar a técnica específica dos estaleiros iniciais e incluem projetos de pesquisa e desenvolvimento, bem como estágios. O acordo com o EAS também inclui a possibilidade de estágio no estaleiro parceiro da Ishikawajima Heavy Industries (IHI) Corporation, no Japão (MICHIMA et. al., 2015).


4. Rede de Inovação para Competitividade da Indústria Naval e Offshore (RICINO)

Diante da implantação dos Polos Navais e para enfrentar as dificuldades enfrentadas, docentes e pesquisadores representados pela SOBENA, propuseram uma rede de colaboração e cooperação para pesquisas e desenvolvimento tecnológico denominada Rede de Inovação para Competitividade da Indústria Naval e Offshore (RICINO).

A rede RICINO (Rede de Inovação para Competitividade da Indústria Naval e Offshore) foi criada em 2010, durante o 23º Congresso da SOBENA (Sociedade Brasileira de Engenharia Naval) com o objetivo de integrar indústria, instituições de pesquisa e órgãos governamentais para promover o desenvolvimento tecnológico e de gestão do setor naval, com foco em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Para isso, a rede investe na formação de recursos humanos e na capacitação dos laboratórios de P&D de empresas do setor.

Ela é composta pela Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (SOBENA), pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (SINAVAL), pelo Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (SYNDARMA) e pelo Centro de Excelência em Engenharia Naval e Oceânica (CEENO) e pelas instituições e empresas que compõem as organizações acima citadas.

A RICINO está organizada em três núcleos temáticos e dois regionais: Núcleo de Tecnologia da Construção e Reparação Naval e Offshore (CRNO); Núcleo de Projeto de Embarcações e Sistemas Offshore (NPNO); Núcleo de Cadeia Produtiva da Indústria Naval e Offshore (NPC); Núcleo Regional Nordeste – Norte (NRN); e Núcleo Regional Sul (NRS), respectivamente.

A rede ainda se articula por meio da colaboração entre os atores, isso ocorre quando os parceiros trabalham juntos para planejar, implementar e avaliar os processos interorganizacionais que definem os princípios e métodos para compartilhar informações e recursos de modo a atingir objetivos comuns e, ao mesmo tempo, fortalecer as capacidades individuais de cada parceiro.

Silva (2012) mostra que a criação desta rede está vinculada, sobretudo, à identificação pelos participantes de um conjunto de deficiências da cadeia produtiva do setor naval (estaleiros, armadores e fornecedores de navipeças) que a rede se propõe a contribuir para superar, através de atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico em todos os seus segmentos, realizando desde pesquisas para aperfeiçoar matérias primas e melhorias na estrutura física da indústria naval até o desenvolvimento de mecanismos de gestão da indústria, avaliação de produtos e processos e monitoramento de mercado.

Abaixo seguem alguns projetos identificados na rede RICINO que orientaram os atores em relação as atividades que visavam solucionar gargalos e aproveitar oportunidades do setor naval e offshore nacional (Quadros 5, 6 e 7).

Quadro 5 - Núcleo de Tecnologia de Construção e Reparação Naval e Offshore (CRNO)

Participantes
Atividades
Objetivos
Empresas: USIMINAS; BRASFELS; EAS; Kromav; RBNA; DNV; Petrobras.

Instituições de pesquisas: USP; COPPE; IPT; EP/UFRJ; UFPE; CENPES.

Outras instituições: SINAVAL; BNDES; Governo RJ; PROMINP.
Centro de Tecnologia da Construção Naval e Offshore Integrar as ações nas principais áreas de P&D voltadas diretamente para construção naval; e consolidar um polo padrão internacional como referência para desenvolvimento de capacitação gerencial e tecnológica.
Centro Avançado de Formação de Técnicos em Construção Naval Criação de um centro avançado de formação de recursos humanos, de modo a atender demandas atuais e futuras da indústria naval. Visa a formação, em nível médio ou pós-médio, de técnicos especializados em construção naval.

Fonte: elaborado a partir de RICINO (2010; 2011).

De acordo com RICINO (2011), os objetivos gerais do Núcleo “CRNO”, levando em consideração as duas atividades apresentadas no Quadro 5, são de: desenvolver as bases de conhecimento necessárias para apoiar a elaboração e gestão de políticas de marinha mercante, construção naval e offshore, bem como o desenvolvimento e aplicação de tecnologias de gestão de operações requeridas para a retomada competitiva da indústria nacional; instalar um centro avançado de formação de recursos humanos, concentrando esforços e investimento, de modo a viabilizar uma estrutura capaz de atender às demandas atuais da nova indústria naval brasileira, mas, principalmente, às demandas futuras; de desenvolvimento de ferramentas de simulação de processos de construção naval e offshore, manufatura digital, e sistemas de apoio a decisão voltados para acompanhamento, planejamento e controle de operações e projetos; de agregar competências nas áreas de Estruturas Navais, Controle e Robótica, Técnicas de Soldagem e Ensaios Não–Destrutivos para o desenvolvimento de pesquisas experimentais e simulações numéricas que possibilitem a proposição de novos procedimentos de fabricação e montagem, que por sua vez propiciem o aumento da qualidade do produto e a redução do tempo de execução das respectivas tarefas.

Quadro 6 - Núcleo de Projetos de Embarcações e Sistemas Offshore (NPNO).

Participantes
Atividades
Objetivos
Empresas: Transpetro; ABS; Kromav; RBNA; Petrobras; DNV.

Instituições de pesquisa: COPPE; USP; IPT.

Outras instituições: ABIMAQ; SOBENA; ONIP; SINAVAL; ABDI; FIESP; ABINEE; IBP; SYNDARMA.
Pacote Nacional de Projetos e Maquinários de Embarcações de Apoio Offshore Realizar monitoramento de mercado sobre análises de demanda e desenvolver um projeto nacional de embarcação de apoio a plataformas de petróleo voltadas para a região do pré-sal.
Projeto de Embarcações para Aplicações nos Tráfegos da Cabotagem Brasileira e entre Portos do Mercosul Desenvolver projetos de embarcação para cabotagem brasileira13, mas, sobretudo, apontar oportunidades latentes para o uso mais eficiente do modelo aquaviário do litoral brasileiro, a partir de um estudo de caso (ainda não definido).
Projeto de embarcações com propulsão diesel-elétrica para transporte fluvial Desenvolver o projeto de embarcações com propulsão diesel-elétrica para transporte de cargas e passageiros na Região Amazônica, que inclui a análise do desempenho econômico e ambiental de uma planta diesel-elétrica comparada com a de uma unidade convencional.

Fonte: elaborado a partir de RICINO (2010; 2011).

O Núcleo de Projeto de Embarcações e Sistemas Offshore (NPNO) da RICINO foca suas atividades no setor de navipeças, desenvolvendo pesquisas em tecnologias competitivas que atendam a demanda nacional, mas sobretudo, que enfrente os desafios do pré-sal14.

Dentre suas atribuições, o Núcleo possui um projeto conhecido como Supply Boat15 Brasileiro (SBBR) cujo objetivo é desenvolver um projeto nacional de embarcação de apoio a plataformas de petróleo voltadas para a região do pré-sal, observando-se as necessidades logísticas de transporte de suprimentos e operações específicas, e também as condições ambientais da área de operação. O projeto busca garantir um elevado padrão de desempenho, focando em alternativas que privilegiem o emprego de componentes com viabilidade de fabricação no país, superando gargalos da pequena participação de fornecedores de navipeças nacionais (COPPE/UFRJ, 2015).

Quadro 7 - Núcleo Regional Sul (NRS).

Participantes
Atividade
Objetivos
Empresas: FIERGS; Estaleiro Wilson, Sons; Petrobras; Engevix; Consórcio QUIP; Porto do Rio Grande.

Instituições de pesquisa: FURG; IFRS; IFSul; UFRGS; UFPel; UCPel.

Outras instituições: Prefeitura Municipal do Rio Grande; Secretaria de Ciência e Tecnologia – RS; SEBRAE – RS; SIMECS; BNDES; ABDI.
Implantação do OCEANTEC (Parque Tecnológico em Ciência e Tecnologias do Mar) – localizado na cidade de Rio Grande/RS. Estabelecer novas relações entre a RICINO, empresas e instituições de ensino e pesquisa da Região Sul do Brasil, apoiando empresas que procurem atuar na promoção do desenvolvimento endógeno. Implantar três centros avançados, um de Tecnologia da Informação, outro de Processos Químicos e um terceiro de Soldagem, propiciando a capacitação de recursos humanos em cada área destes centros e, estimulando a produção competitiva de navios e estruturas offshore, buscando se tornar referência internacional no uso dessas tecnologias.

Fonte: elaborado a partir de RICINO (2010; 2011).

CEMBRA (2015) afirma que no Polo Naval Sul, a Rede de Inovação Tecnológica para Competitividade da Indústria Naval e Offshore (RICINO) via Núcleo Regional Sul, inclui, entre seus projetos, as implantações: da sede do Parque Tecnológico em Ciências e Tecnologias do Mar (OCEANTEC); do Centro Avançado em Gestão e Tecnologia da Informação e Automação para a indústria Naval e Offshore; e do Centro Avançado de Formação em Tecnologia de Solda.

De acordo com RICINO (2010, p.24) os empreendimentos do Núcleo Regional Sul visavam criar um elo entre a Universidade – a FURG – e o Polo Naval do Rio Grande (RS) e possuía o objetivo de desenvolver e potencializar a inovação tecnológica das empresas da região, o acesso às informações, os recursos físicos e financeiros e a capacitação técnica e estratégica das empresas com foco na construção naval e offshore.

A RICINO ainda contou com a idealização de dois outros núcleos: o Núcleo de Cadeia Produtiva da Indústria Naval e Offshore (NPC); Núcleo Regional Nordeste – Norte (NRN), que não foram devidamente organizados e implementados. Entretanto, CEMBRA (2015) lembra que o NRN teria o papel de integração dos esforços de desenvolvimento tecnológico entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e os estaleiros instalados na região.

Entre os objetivos oficialmente traçados pelos planejamentos da RICINO, a rede possuía um desejo latente de estabelecer uma agenda nacional de pesquisa em construção naval, auxiliando na gestão de recursos financeiros e humanos disponíveis para as pesquisas realizadas no setor.

A RICINO, entre 2010 e 2015, teve importante papel no processo de recuperação do setor naval, oferecendo planejamentos para a superação de gargalos e do aproveitamento do contexto de oportunidades da indústria naval brasileira e seu desenvolvimento sustentável e inserção competitiva no mercado internacional. Entre outros fatores críticos, a RICINO significou um grande esforço nesse processo de recuperação e desenvolvimento tecnológico do setor produtivo naval e offshore brasileiro, além de promover e fortalecer a interação universidade-indústria.

Vale destacar que esta rede passa a ser fortemente afetada pelas mudanças políticas no país a partir de 2016 e que fogem ao escopo deste artigo e que levaram a um processo de desmonte do setor. No entanto, é preciso mencionar que desde de meados de 2015, mas sobretudo a partir do início de 2016 a RICINO foi enfraquecida devido a processos que atingiram a Petrobras (“Operação Lava-Jato”) que afetaram diretamente o setor produtivo naval e offshore, paralisando os projetos, empreendimentos e contratações da Petrobras. Assim, as empresas (estaleiros, armadoras, classificadoras, etc) que prestavam serviços para a Petrobras e que até então compunham a rede, abandonaram os projetos estruturantes da rede.

Até 2015 a RICINO estava em fase avançada de implementação dos projetos e contava diretamente com o suporte financeiro dos estaleiros – o OCEANTEC16 que foi um dos empreendimentos em que a rede participou ativamente, por exemplo, já havia sido implantado no município de Rio Grande (RS) e os Núcleos de “Projeto” e o de “Construção” já estavam devidamente estruturados e com uma governança estabelecida. A saída desses estaleiros, em resposta ao desmonte do setor, tornou a RICINO inerte.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os impactos do ressurgimento do setor produtivo naval e offshore nos anos 2000 propiciaram o estabelecimento de novos estaleiros em regiões do país que até aquele momento não possuíam tradição na área naval. Ainda que a construção naval seja, no entanto, é uma indústria sensível a fatores relacionados à localização, o governo federal decidiu investir em regiões com potenciais industriais. Essa medida ficou conhecida como política dos Polos Navais.

As medidas que tornaram possíveis tal desconcentração do setor produtivo partiram de programas promovidos pela Petrobras e do Fundo da Marinha Mercante que financiou a criação desses novos estaleiros.

Os programas da Petrobras que sustentaram o reaquecimento do setor e que deram condições para novas demandas foram: o “Programa de Renovação da Frota de Apoio Marítimo (PROREFAM)” — criado para atender, em bases competitivas, a demanda crescente de embarcações de apoio offshore, respeitando os requisitos de conteúdos locais pré-estabelecidos —; o “Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (PROMINP)” — para estimular o desenvolvimento da indústria parapetroleira local —; e o “Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF)” – renovar a frota da Transpetro, objetivando garantir maior autonomia e controle no transporte da produção da Petrobras.

A falta de experiência e de tradição na área dos estados que receberam os novos estaleiros fez com que formassem novos arranjos no sentido de permitir o pleno desenvolvimento dessa economia. Uma das medidas adotadas foi instauração de novos cursos técnicos e superiores para formar mão de obra competente para ocupar os novos postos de trabalho.

Dos nove Polos inicialmente idealizados, em cinco deles geraram condições para o estabelecimento de novas graduações de Engenharia Naval nas seguintes regiões e instituições: na região Norte, a Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade do Estado do Amazonas (UEA); na região Sul, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e; na região Nordeste, a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Entretanto, em 2018, existem apenas 3 polos em funcionamento, mas todos os cursos criados naquele contexto permanecem ativos. Nos cursos de Engenharia Naval da região Norte percebe-se que há fortes relações com a demanda tecnológica para lidar com os problemas da Amazônia, sobretudo de navegação fluvial. Nos das regiões Sul e Nordeste, estão totalmente atrelados ao desenvolvimento industrial naval das mesmas regiões, dentre estes destacamos o curso da Universidade Federal de Pernambuco que foi criado a partir de um convênio estabelecido entre os estaleiros EAS e o VARD Promar, para formar mão de obra qualificada.

Em simultâneo à criação dos novos cursos, surge em 2010 uma nova rede de pesquisa e inovação, denominada Rede de Inovação para a Competitividade da Indústria Naval e Offshore (RICINO), para dar sustentação a essa desconcentração do setor produtivo. E aqui um ponto interessante: percebe-se que há entre o campo acadêmico e o setor produtivo uma via de mão dupla, ou seja, ainda que o campo acadêmico sofra – historicamente – grande influência do setor produtivo para formar a mão de obra necessária e competente e gerar conhecimentos específicos sobre determinadas tecnologias, como é o caso das tecnologias offshore que transformaram as matrizes curriculares dos cursos e a infraestrutura laboratorial dos mesmos, o mesmo campo acadêmico consegue estabelecer mecanismos próprios para transformar o setor produtivo.

O que o presente artigo demonstra é que o esforço em expandir e descentralizar o setor de construção naval só foi possível mediante a também descentralização do meio acadêmico fortalecendo, portanto, a relação universidade-empresa. E que a manutenção e evolução do segmento industrial depende do alinhamento e articulação dos atores externos do setor, ou seja, das políticas locais e industriais, e das universidades.

A saber, a RICINO — que desde 2016 não está mais ativa por razões que excedem o escopo deste trabalho — compôs um desses mecanismos de articulação. Foi o esforço que partiu dos atores acadêmicos, capitaneados pela SOBENA e pelas universidades e institutos de pesquisas tradicionais da área naval, para criar um espaço (um contexto) que articulasse a indústria e os centros de pesquisa a fim de construir e consolidar uma agenda nacional de pesquisa em construção naval, dando condições à criação e/ou manutenção dos novos cursos e promovendo os arranjos necessários entre os atores envolvidos.

Assim, como futuras pesquisas, observa-se a necessidade de expandir o entendimento dessa relação universidade-empresa voltado ao setor de construção naval, considerando compreender se os Polos Navais listados neste trabalho promoveram a devida coevolução entre os atores interessados ou se houve estagnação de alguma das partes.


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Notas de Rodapé

  1. Armadores são empresas que promovem a equipagem e a exploração de navios comerciais, independentemente de ser ou não proprietário da embarcação.
  2. Jumborização é a modernização e aumento de capacidade de carregamento de uma embarcação, através de um corte transversal vertical no navio, para inserção de um trecho de casco.
  3. Os Polos Navais da região Norte (Pará e Amazonas) ainda se encontravam em processo de implantação – à época deste estudo, em 2018 –, mas seus efeitos já eram considerados nas atividades das universidades como na Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
  4. O NEAPL é o Núcleo Estadual de Arranjos Produtivos Locais.
  5. O Centro de Excelência para o Mar Brasileiro (CEMBRA) é uma associação advinda do esforço cooperativo de setores da sociedade brasileira, dedicado à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias para fins não econômicos. O CEMBRA é regido pela metodologia de Organismos de Vanguarda desenvolvida pela Petrobras/Coppe.
  6. Tecnologias marítimas.
  7. Ver CONFEA (1973).
  8. UEA foi devidamente criada em 2001, mas esta universidade derivou do Instituto de Tecnologia da Amazônia (UTAM) criado em 1973.
  9. Vale ressaltar que em 2018 o Polo Naval Catarinense não constava mais no Observatório de APL do MDIC/IBICT (2018), sugerindo sua descontinuidade. No entanto, de acordo com Jesus (2016, p.699), historicamente o Estado de Santa Catarina possui uma Indústria de Construção Naval importante, sobretudo em termos de empregabilidade.
  10. Aqui há uma confusão dos autores. Não há devidamente um Polo Naval no Rio de Janeiro aos moldes do que preconiza SINAVAL (2014b). Há no Estado do Rio de Janeiro o maior parque tecnológico naval e offshore no Brasil, situado na Ilha do Fundão junto à COPPE/UFRJ.
  11. Cabotagem é a navegação entre portos marítimos de um mesmo país, sem perder a costa de vista (SOBENA, 2017).
  12. São alguns dos desafios do pré-sal: falta de mão de obra especializada; reservatórios com condições geológicas complexas (camada de pré-sal); riscos ambientais (incertezas tecnológicas); custos operacionais (tecnologias e processos locais mais custosos); conteúdo local (fornecedores nacionais incipientes); infraestrutura e gargalos logísticos (deficiências em novos padrões tecnológicos); e o marco regulatório (indefinição quanto à divisão dos royalties) (Informação verbal. In: Fórum “Os Desafios do Pré-Sal: Riscos e Oportunidades para o País”. Penses/UNICAMP, 04 de junho de 2014).
  13. Supply boat são embarcações de apoio às plataformas de petróleo (SOBENA, 2017).
  14. ANTEC é o Parque Tecnológico em Ciência e Tecnologias do Mar.