Vol. 3, n. 1, Abril/2019

 
 

 


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REDES SOCIAIS E PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO EM PEQUENOS E MÉDIOS ESTABELECIMENTOS RURAIS NA REGIÃO SUDESTE DE MATO GROSSO


Raimundo Moriman Goes Junior

Universidade Federal de Mato Grosso

https://orcid.org/0000-0002-0715-3320

André Luis Ribeiro Lacerda

Universidade Federal de Mato Grosso

https://orcid.org/0000-0002-6145-4810

 

RESUMO

O tema da pesquisa localiza-se na interseção entre a Sociologia Econômica e Sociologia das Organizações e tem como objetivo investigar o processo social de modernização, a partir da teoria das redes, em estabelecimentos rurais que produzem leite, grãos, peixe, com tamanho até 250 hectares, localizados na região sudeste do estado de Mato Grosso, basicamente nas cidades de Campo Verde e Juscimeira. Nos orientamos pela seguinte problemática de pesquisa: Por que alguns estabelecimentos rurais se modernizam e outros não? Partimos da sociologia econômica e a teoria dos laços sociais de Mark Granovetter para lançar a hipótese geral de que a estrutura social e as redes em que os responsáveis pelos estabelecimentos rurais estão inseridos explicam a modernização. Trata-se de estudo prévio desenvolvido na construção de dissertação de Mestrado do PPG em Sociologia da UFMT, portanto, esta pesquisa possui caráter exploratório, com intuito de familiarizarmos com nosso objeto de pesquisa. Como instrumento metodológico, utilizamos a observação estruturada, a fim de verificarmos o processo de modernização nos estabelecimentos rurais, bem como a existência de redes sociais.

 

Palavras-chave: Redes Sociais; Organizações; Estabelecimentos Rurais; Processo de Modernização.

 

SOCIAL NETWORKS AND MODERNIZATION PROCESSES IN SMALL AND MEDIUM SIZED RURAL ESTABLISHMENTS IN THE SOUTHEASTERN REGION OF MATO GROSSO

 

ABSTRACT

This paper theme is between two central areas, Economic Sociology and Sociology of Organizations and aims to investigate the social change and modernization processes in rural establishments which produce cow's milk, grains and fish and are up to 250 hectares, localized in the southeast of the state of Mato Grosso, basically in the cities of Campo Verde and Juscimeira. We are directed by the following problem: Why do some rural establishments modernize and others do not? In the light of this problem, we use Mark Granovetter's economic sociology and tie theory to investigate the general hypothesis that the modernization level of rural establishments may be explained by the social networks in which the ones responsible for them are involved. This research has the exploratory aim to get familiar with the study object. Structured observation was adopted in order to verify the existence of social networks in rural areas and whether these interactions between the agents may influence the modernization of their rural establishments.

Datas Editoriais

Submetido: 29/12/2018

Aceito: 14/04/2019

Publicado: 28/04/2019

 
Keywords: Social Networks; Rural Establishments; Modernization.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A modernidade propôs novos caminhos ao setor agropecuário, para pensarmos alguns desses caminhos olharemos para os estabelecimentos rurais como organizações, no sentido em que a concebe a sociologia das organizações. 

Da mesma forma, a sociologia econômica e a teoria das redes nos permite investigar um aspecto interessante no desenvolvimento rural, o processo de modernização das ocupações e dos estabelecimentos rurais através da estrutura, redes e interações sociais.

Os estabelecimentos rurais são partes integrantes do mercado, seja em relação ao mercado externo ou interno, o setor agrícola influencia diretamente na economia nacional.

Em estudo sobre o mercado leiteiro, Magalhães (2007) destaca como as habilidades sociais são importantes para que não só o grande, mas também o pequeno produtor subsista ante as inúmeras adversidades do mercado. Reforçando este conceito, Garcia-Parpet (2003 apud MAGALHÃES, 2007, p. 20) salienta que todos os mercados são regulados por estruturas sociais, a dinâmica de um mercado é permanentemente influenciada por agentes que se reorganizam, criam laços, fazem acordos, formam redes de comunicação, reduzem a transparência e reforçam vínculos com o objetivo de eliminar concorrência.

Hannan e Freeman (1977) em sua obra sobre a ecologia organizacional argumentam no sentido de que é o ambiente que determina quais organizações sobreviverão ou não, permanecendo aquelas mais adaptadas.

Nesse sentido, a revolução verde desencadeou mudanças no espaço rural, permitindo o aumento da produção agrícola nos moldes industriais. Criou-se um dualismo entre aqueles que produziam muito e obtiveram êxito da modernização e aqueles que não se enquadram nesse parâmetro, com ausência de insumos tecnológicos, maquinários, adubos e, por isso, produziam pouco.

Essas mudanças acarretaram alterações significativas na dinâmica produtiva não apenas em grandes estabelecimentos, mas também, em pequenos e médios estabelecimentos, possibilitando o potencial aumento da produtividade pela via do progresso tecnológico. À vista disso, parte do setor agrícola direcionou suas produções para exportações e àqueles que não seguiram nessa direção ficaram restritos à produção local.

Esse evento desencadeou o dilema da agroindustrialização, consistente na industrialização de seu estabelecimento rural a fim de direcionar suas produções ao mercado externo ou aproveitar vantagens comparativas da agricultura industrial e aprimorar os pequenos setores da agricultura. (SILVEIRA. 2014, p. 376).

Essas modificações ocorridas no espaço rural associadas à intensificação de capital e mudança nos processos produtivos na agricultura comercial, foi concebida por certas abordagens como “modernização dolorosa” (SILVA, 1982). Nesse sentido, Silva (1982) argumentou que a modernização não funcionaria da forma como esperado, por várias razões, o que tornará possível o fim de pequenas e médias propriedades rurais.

Helfand, Pereira e Soares (2014. p. 557) argumentam no sentido de que as diferenças entre estabelecimentos que produzem muito e pouco estavam mais relacionados a tomada de decisões sobre tecnologia e insumos e menos características observáveis dos produtores. Em seus estudos, os autores delimitaram o universo da pesquisa a estabelecimentos rurais acima de 5 ha e menor que 500, pois o foco de suas investigações eram os pequenos e médios estabelecimentos. Isso permitiu observar que mesmo os grandes estabelecimentos rurais, em relação ao tamanho, produzissem pouco e pequenos e médios estabelecimentos fossem capaz de produzir muito. 

O trabalho desenvolvido por Hannan e Freeman (1977) permite entender a variação desse crescimento ao argumentar que quando há o nascimento de grandes organizações, elas apresentam uma ameaça competitiva às organizações de médio porte, mas dificilmente para aquelas de pequeno porte.

Quanto a essa resistência podemos destacar o crescimento da produção de alimentos orgânicos, a produção desses alimentos cultivados sem a interferência de agrotóxicos e em pouca e média quantidade fez com que aumentassem consideravelmente o preço e valor desses produtos.

Helfand, Pereira e Soares (2014, p. 543) argumentam que “a análise entre classes de área dos estabelecimentos de grande escala mostra que 89% deles tinham menos de 500 ha de terra”. Esse resultado sugere que existe um grupo de pequenos e médios estabelecimentos que produzem muito e parecem ser altamente competitivos.

Os argumentos de Helfand, Pereira e Soares (2014, p. 557) demonstram que há muito mais por trás da “modernização” que não pode ser resumida apenas pelos aspectos da ascensão capitalista e isso nos permite concluir que pequenos e médios estabelecimentos em tamanho podem ascender ao invés de desaparecer.

No mesmo sentido, a sociologia das organizações nos fornece um suporte teórico significativo ao pensarmos nos estabelecimentos rurais como organizações, em razão dos padrões de atividade e ordem normativa, além de utilizar o sistema de análise delimitados pela geografia (estrutura), pelas fronteiras e pelo mercado. (HANNAN; FREEMAN. 1977)

A fim de verificarmos os aspectos teóricos que nos guiam, realizamos uma delimitação no universo da pesquisa em duas cidades da região sul do estado de Mato Grosso: Campo Verde e Juscimeira. Duas cidades próximas que convivem com um nível maior e menor de modernização. A partir disso, fomos orientados pela seguinte problemática: por que alguns estabelecimentos rurais se modernizam e outros não?

O objetivo geral é observar os processos sociais de modernização em estabelecimentos rurais que produzem grãos, leite e peixe, com tamanho até 250 hectares, localizados na região sudeste do estado de Mato Grosso, basicamente nas cidades de Campo Verde e Juscimeira.

Quanto aos objetivos específicos: a) apresentar o objeto de pesquisa aos produtores, a fim de que seja permitido a nossa entrada nos estabelecimentos, criando-se um laço de confiança; b) observar a dinâmica social e ocupacional dos produtores rurais; c) observar as redes sociais dos produtores; d) analisar dados e outros estudos sobre o tema que possam contribuir no desenvolvimento e conclusão das hipóteses sugeridas.

As cidades de Campo Verde e Juscimeira estão localizadas na região sudeste do Estado de Mato Grosso, separadas por 80 quilômetros de distância. Nas proximidades de Juscimeira há outras três cidades que compõe o Vale do São Lourenço, sendo elas: Dom Aquino, São Pedro da Cipa e Jaciara. Predomina na região do Vale do São Lourenço a produção leiteira e criação de gado, boa parte dos produtores são cooperados a Cooperativa Mista Agropecuária de Juscimeira, a COMAJUL.

Por outro lado, temos Campo Verde que produz um elevado número de grãos de soja, o Censo Agro 2017 constatou que Campo Verde produziu 643.513,564 toneladas de soja. É certo que a dinâmica social e econômica da cidade de Campo Verde dispõe de maior possibilidade de rentabilidade e maior abertura ao mercado, nas mais variadas áreas. Trata-se de uma característica do agronegócio, onde a riqueza é melhor distribuída, ante as inúmeras ocupações que sustentam esse mercado.

Diferentemente do que ocorre na produção de leite e agropecuária de corte, onde a renda é mais concentrada dificultando a expansão da riqueza para outras estruturas além daqueles que são proprietários e produtores diretos. Destaca-se, a baixa rentabilidade do mercado leiteiro em contraposição a soja e pecuária.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

 

O estudo desenvolvido por Helfand, Pereira e Soares (2014) sobre pequenos e médios produtores na agricultura brasileira nos proporciona um ótimo embasamento empírico para iniciarmos nossas investigações.

Os autores demonstraram que cerca de 75% dos produtores rurais possuem apenas o ensino fundamental completo ou incompleto como educação formal. Outro aspecto, demonstrado pelos autores é que tamanho da propriedade não é sinônimo de tamanho de produção e que mesmo pequenas propriedades podem produzir muito. (HELFAND; PEREIRA; SOARES. 2014, p. 555)

Nesse contexto, levando em consideração esses dois pressupostos basilares tamanho (ha) e escala (R$), apesar de relacionados, estão longe de serem perfeitas, partimos das redes e estrutura social para lançar a hipótese geral de que as redes sociais em que os responsáveis pelos estabelecimentos rurais estão inseridos explicam sua modernização.

A fim de estabelecermos um parâmetro à verificação do processo social de modernização nos estabelecimentos rurais, utilizamos os atributos do homem moderno, segundo o conceito de Inkeles e Smith (1981, p. 16).

Nos pautamos pelos conceitos de Inkeles e Smith (1981) para definirmos o que torna um estabelecimento rural moderno. Os atributos apresentados pelos autores possibilitam uma maior possibilidade de crescimento econômico, gerencial, de mercado e social. Consequentemente, o comportamento econômico do produtor ante as inúmeras adversidades de suas ocupações agrícolas irá determinar o sucesso de seu estabelecimento rural.

No mesmo contexto, a partir da sociologia econômica e teoria das redes pudemos pressupor se as ações econômicas tomadas dentro de um contexto produtivo irão proporcionar maior ou menor grau de modernização no estabelecimento rural.

Dessa forma, Mark Granovetter (1985) se empenha em identificar as formas de inserção social das ações econômicas e a influência destas relações sociais nos resultados econômicos. A teoria econômica neoclássica e neoinstitucionalista pressupõe que a ação econômica do agente é pautada pelos interesses do ator, resultando no que Granovetter denomina de ator subatomizado.

Por outro lado, a sociologia, de modo geral, atribui ao ator a concepção supersocializada, ou seja, trata-se de uma concepção dos atores serem sensíveis às opiniões dos outros e, portanto, “obedientes às diretrizes ditadas por sistemas desenvolvidos de normas e valores, interiorizados por meio da socialização de forma que a obediência não é percebida como um peso” (GRANOVETTER. 1985, p.483)

Nesse contexto, Granovetter propôs que todos os processos de mercado são passíveis de análise sociológica e que essas análises revelam elementos centrais, e não periféricos. Dessa forma, é possível, teoricamente, afirmarmos que as decisões que refletem na modernização de um estabelecimento rural, são passíveis de análise sociológica, a qual exploramos através da teoria das redes.

Em sua obra sobre a força dos laços fracos, Granovetter (1973) salienta que o tipo de especialistas empregados pela organização restringe tanto a natureza da informação provável de ser obtida, quanto o tipo de informação capaz de ser processada e utilizada.

Ao analisarmos os estabelecimentos rurais como organizações podemos restringir o tipo de informação a estrutura social e ao ambiente na qual essas organizações rurais estão inseridas, limitando-se, assim, o nível de modernização a ser concebido por um produtor rural, constituindo toda a dinâmica gerencial e produtiva de seu estabelecimento. Nesse contexto teórico, o nível de modernização de um estabelecimento rural pode ser compreendido e consolidado a partir da estrutura social e redes na qual o produtor está inserido.

Quanto à modernização, destacamos a obra de Everett Rogers (1983) difusão da inovação. Rogers (1983) analisa o processo da difusão da inovação nas estruturas sociais e, em seu primeiro capítulo nos apresenta os elementos da difusão.  O autor destaca que, mesmo que mais vantajoso e racional, ainda há resistência no implemento de técnicas modernas que otimizem as atividades e as tornem mais eficientes.

Nesse sentido, Rogers nos apresenta o exemplo do milho híbrido implementado na produção agrícola em Iowa, estudo realizado por Ryan e Gross (1943). O milho híbrido apresentava um percentual de 20%, por acre, de colheita superior ao milho normal, além da qualidade do produto ser melhor.

Em 1941, Bryce Ryan e Neal Gross entrevistaram 259 produtores vivendo em duas pequenas comunidades em Iowa, as entrevistas consistiram em responder quando e como eles tinham adotados o milho híbrido e fornecer certas informações sobre eles e as operações de sua produção.

Desse montante, apenas 02 produtores adotaram o milho híbrido entre 1928 e 1941. Após cinco anos, apenas 10% dos produtores de Iowa tinham adotado a técnica inovadora. Então, nos próximos três anos, houve um aumento de 40% de nível de adoção. Mesmo que o milho híbrido possuía evidente vantagem, houve um período considerável, cerca de 08 anos para que a técnica de cultivo inovadora fosse implementada na produção agrícola.

Rogers (1943, p. 33) destaca que o canal de comunicação ocorre de forma diferente em vários estágios no processo de inovação-decisão e que o agricultor comum ouviu primeiro, sobre o milho híbrido, de um vendedor, mas os vizinhos foram os canais mais frequente o que determinou a persuasão na tomada de decisão.

Os vendedores foram mais importantes para aqueles que adotaram a inovação primeiro e os vizinhos foram os mais importantes no processo de tomada de decisão para aqueles que aderiram o milho híbrido depois pois “não há dúvida que o comportamento de um individual em interação com a população afeta o comportamento de seus companheiros [...]” (ROGERS. 1943, p. 33). O fato é que a aceitação por um ou mais produtores ofereceu novos estímulos para aquisição e utilização do produto por outros.

A estrutura social, definida por Rogers (1943, p.25) “se trata de um processo padrão de uma unidade no sistema. Esta estrutura nos proporciona regularidade e estabilidade no comportamento humano e no sistema social”.

Nesse mesmo caminho, Granovetter nos apresenta a sua teoria dos laços (1973) onde propõe que atores sociais que possuem mais relações de laços fracos tendem a ter mais acesso à inovação que aqueles que estão restritos ao seu grupo de laços fortes.

Granovetter (1973) demonstrou que a informação circula melhor quando se recorre a “laços fracos”, isto é, no interior de redes pouco densas, mas com diversos contatos, como é o caso entre amigos não íntimos e conhecidos.

O recurso a “laços fortes”, caraterísticos de redes relacionais muito densas – como amigos íntimos e familiares, por exemplo, conduz a um “fechamento” que não favorece a propagação da informação. (PEIXOTO, EGREJA, 2012)

Nesse contexto, podemos sugerir que atores sociais responsáveis por estabelecimentos rurais em redes sociais em que há menor modernização caracteriza a dinâmica social e tenderão a se modernizar menos, enquanto o contrário ocorre com os atores sociais presentes em redes sociais em que há maiores índices de modernização.

A Figura 1 ilustra a teoria dos laços de Granovetter. Assim, E, C, F, A e D interagem entre si e, portanto, possuem laços fortes. Da mesma forma, I, J, B, G e H. Sendo que, E e I, A e B são as pontes entre os grupos o que possibilita uma fluência e difusão da informação entre os dois grupos.

Isso possibilita a interação de informações de atores sociais que não possuem contato direto, o que constitui um laço fraco. Este é o princípio da teoria dos laços de Granovetter e o que ele denomina de Força dos Laços Fracos.

 

Figura 1. Diagrama da teoria dos laços proposta por Granovetter

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Fonte: Kaufman (2012)

 

A Figura 1 representa o aspecto de uma estrutura social, essa estrutura se refere a uma rede de relações de atores que podem influenciar nas ações econômicas. Importante destacar que, com o advento da modernização e as mais variadas formas de comunicação, a possibilidade de manter um laço fraco à longa distância é mais fácil e possibilita uma maior interação e fluência das informações entre os grupos.

Por outro lado, a fim de constatar aspectos da modernidade nos atores sociais utilizamos como parâmetro os atributos do homem moderno descrito por Inkeles e Smith (1981, p. 16), quais sejam: a) manter-se informado sobre o mundo; b) ter parte ativa como cidadão; c) valorizar educação e capacitação técnica; d) ter aspirações a progredir economicamente; e) enfatizar responsabilidade individual e enxergar as virtudes do planejamento; f) aprovar as mudanças sociais e ser aberto a novas experiências; g) manifestar um sentido de eficiência pessoal; h) liberdade de submissão à autoridade da família, clã, liberdade de autonomia e de direitos para aqueles com situação social inferior à sua.

Mesmo que o procedimento metodológico utilizado nos proporcionou observar apenas alguns dos aspectos da modernização proposto por Inkeles e Smith (1981), a utilização desses pressupostos como parâmetros teóricos pôde nos sugerir uma maior ou menor adesão de insumos tecnológicos no desenvolvimento das atividades produtivas, a partir das características observáveis dos produtores.

Lacerda e Lima (2015) destacam as considerações sócio psicológico de Inkeles e Smith (1981) que considera a modernização basicamente como um processo de mudança "na maneira de perceber, expressar e avaliar. O moderno é definido como um modo de funcionamento individual, um conjunto de disposições para agir de determinada maneira". (INKELES; SMITH, 1981, p. 16)

Assim, um estabelecimento rural gerido por um ator inserido em redes sociais mais modernas e com mais interações devem ter mais acesso a conhecimentos e aceitação à inovação, já que compartilhado por seus pares, permitindo maior adequação à realidade social, maior produção, maiores chances de competitividade e, consequentemente, maiores chances de subsistência.

Da mesma forma, um estabelecimento rural gerido por um ator social onde não há, ou há pouca interação com as redes, deve ter mais dificuldade em adquirir inovações em seu estabelecimento, acesso a conhecimentos e isso permitirá uma maior tendência a estagnação e seu possível desaparecimento.

Quanto aos aspectos do homem moderno, consideremos que a ação econômica do produtor rural é influenciada pela estrutura social que ocasiona uma maior fluência nas informações. Dessa forma, os aspectos do homem moderno nos estabelecimentos rurais observados é resultado desse processo de modernização, que pode ser explicado através da teoria das redes, levando em conta a estrutura social e o contexto sociocultural dos produtores rurais.

Assim, os aspectos do homem moderno de Inkeles e Smith não é um fim em si mesmo, mas um norte que possibilitou observar o processo de modernização nos estabelecimentos rurais visitados. Além de estar relacionados a modernidade nos estabelecimentos rurais, alguns aspectos do homem moderno como valorização da educação, ser parte ativa como cidadão, aprovar mudanças sociais, liberdade de submissão às autoridades são características da imersão do ator social no aspecto sub e supersocializado destacado por Granovetter (1985).

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

Scott (2017), quanto à análise de redes, enumera alguns instrumentos metodológicos apresentando argumentos favoráveis e desfavoráveis a cada método, dando ênfase às observações. Em contraposição aos Surveys, que se torna trabalhoso onde a estrutura social é maior, além de ser um procedimento tedioso e cansativo listar toda rede de relacionamentos do ator. Uma alternativa aos surveys são as entrevistas abertas (SCOTT. 2017). Todavia, ao analisar as redes sociais, muitas vezes, o entrevistado não saberá precisar a frequência e densidade de suas relações, ou não será fidedigno à realidade ao responder as questões. Além de ser um problema metodológico, isso dificultaria a análise de redes na perspectiva da teoria dos laços sociais.

De volta à observação, o autor destaca que fazer observações permite que o pesquisador contextualize os dados relacionais do ator de tais formas que não são possíveis obter em pesquisas de survey. Participar de conversas e discussões por exemplo, possibilita ao pesquisador obter e compreender os significados culturais dos relacionamentos que são mais difíceis de obter em um questionário. (SCOTT, 2017, p.45)

Por essas razões, optamos pela observação estruturada. Bryman (2016, p. 270) destaca que a observação estruturada é um instrumento metodológico apto para obtenção de dados na pesquisa quantitativa. Conforme destaca o autor, a observação estruturada, também conhecida como observação sistemática, é um método para observar sistematicamente o comportamento dos indivíduos que possibilite catalogar categorias. Esse método é uma técnica na qual o pesquisador emprega explicitamente regras formuladas para a observação do comportamento.

Uma das vantagens é que permite observar diretamente o comportamento dos atores sociais, diferentemente da aplicação de questionário que permite apenas a inferência desses comportamentos. Nos questionários os entrevistados relatam seus comportamentos, mas há boas razões para crermos que esses relatos podem não estar inteiramente corretos.  (BRYMAN, 2016, p. 270)

As regras predeterminadas informam aos pesquisadores sobre o que eles deveriam procurar e como eles deveriam perceber o comportamento. Cada ator social que é parte da pesquisa (que chamam de participantes) é observado por um período predeterminado utilizando as mesmas regras. Essas regras são articuladas no que normalmente nos referimos como um planejamento de observação, o que suporta diversas similaridades com a entrevista estruturada e com questões fechadas. As regras que constituem a observação estruturada são as mais específicas possíveis a fim de direcionar os pesquisadores exatamente aos aspectos do comportamento que eles estão procurando.

As considerações na construção do planejamento da observação estruturada são similares aqueles envolvidos na produção das entrevistas estruturadas. Bryman (2016, p. 272) destaca algumas considerações valiosas que devem ser levadas em conta:

 

a)      O pesquisador deve ter um foco claro em quem e o que será observado;

b)      Como na construção de questionários de perguntas fechadas, a observação deve ser mutuamente exclusiva e inclusiva;

c)      O observador deve estar familiarizado com o objeto;

d)      A familiaridade com o objeto do estudo pode ajudar o pesquisador a interpretar melhor o que está acontecendo;

e)      Os passos a serem seguidos devem ser fáceis de operar;

 

Há várias formas de contextualizar a observação estruturada. Para o propósito deste estudo, achamos apropriado utilizar a observação por um período curto de tempo. Assim, determinamos os seguintes passos:

 

a)      Observar aspectos da modernidade, no exercício de suas ocupações, dos pequenos e médios produtores rurais das regiões de Campo Verde e Juscimeira;

b)      Quais ocupações são realizadas nesses estabelecimentos;

c)      Observar se os atributos do homem moderno descritos por Inkeles e Smith estavam presentes nos participantes;

d)      Observar se membros da família trabalhavam fora do estabelecimento;

e)      Observar as interações sociais dos participantes.

 

Para observarmos as redes sociais, levamos em consideração aspectos da rede e centralidade do agente, verificando se havia proximidade, no aspecto territorial, e através de comunicação entre os atores (MIZRUCHI, 1994, p. 74). Dessa forma, voltamos nossas observações a estrutura social dos produtores rurais e procuramos observar a presença de interação com outros produtores daquela e de outras regiões.

Além disso, verificarmos qual ocupação que os produtores exerciam foi importante porque há algumas ocupações rurais que possuem mais abrangência tecnológica que outras e isso deve ser levado em consideração na medição do nível de modernização produtiva. A agricultura, por exemplo, possui maior amplitude de implementos e insumos tecnológicos que a pecuária bovina.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

 

O Quadro 1 traz um resumo censitário das duas cidades objeto desta pesquisa e demonstra que o tamanho e número dos estabelecimentos, população ocupada de Campo Verde é maior em relação a Juscimeira. É claro que, em razão disso, a estrutura social e aspectos econômicos poderão ser consideradas maior e a dinâmica social mais abundante em comparação à Juscimeira. Levamos em consideração que Campo Verde é mais estruturada e desenvolvida, no sentido de infraestrutura e redistribuição de renda. As distinções são facilmente observáveis, mesmo se não levássemos em consideração o tamanho da extensão rural produtiva e números de produção local, destacados no Quadro 1. Já o Quadro 2 apresenta elementos dos estabelecimentos rurais pesquisados.

 

Quadro 1. Características das cidades visitadas

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Fonte: IBGE - Censo Agropecuário (2017)

 

 

Quadro 2. Quantidade e características dos estabelecimentos rurais:

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Fonte. Elaboração Própria

 

Na concepção de modernidade, consideramos os seguintes aspectos: a) estrutura social; b) atributos do homem moderno; c) presença de maquinários e insumos; d) forma que os produtores exerciam suas ocupações; e) estética do estabelecimento rural.

Uma vez estruturados os passos, realizamos as observações nos estabelecimentos rurais em dois períodos: manhã e tarde. Assim, as observações foram orientadas por ocupação, na região de Juscimeira, onde possuíamos um acesso maior aos produtores, há mais produção leiteira. Portanto, buscamos verificar o nível de modernização nessa área produtiva, na região das duas cidades Campo Verde e Juscimeira, a fim de verificarmos alguma diferença nítida entre os estabelecimentos de cada região.

Os estabelecimentos, em sua maioria, não possuíam atividade produtiva exclusiva, foi comum encontrarmos uma propriedade que realizasse mais de uma ocupação. A partir disso, havia certa prioridade em visitar os produtores do ramo leiteiro no período da manhã, em razão do horário da atividade. Oito estabelecimentos são produtores de leite e em algumas propriedades os produtores tiravam leite em mais de um período, em razão da quantidade de bovinos e leite produzida. Em sua maioria, os estabelecimentos rurais produziam leite, grãos, para uso próprio da família, peixes e outros cultivos para consumo, como mandioca e frutas.

Durante dois dias visitamos três estabelecimentos, nos demais visitamos um no período da manhã outro no período da tarde, resultando em doze estabelecimentos visitados no período de 24 a 28 de setembro de 2018.

O contato com os produtores rurais participantes ocorreu através de um intermediário. Os autores acompanharam um produtor conhecido que possui uma propriedade na região de Juscimeira. Na região, pequenos e médios produtores possuem familiares em todo Vale do São Lourenço, familiares diretos ou adquiridos através de união de famílias. Esse fator nos foi favorável para adquirir confiança para adentrarmos nos estabelecimentos com maior receptividade. Com isso, observamos as rotinas de doze produtores, seguindo os passos acima descrito, acompanhando-os em suas atividades diárias.

Quatro propriedades observadas encontravam-se nas proximidades de Campo Verde e oito na região de Juscimeira. O instrumento metodológico nos proporcionou verificar a dinâmica social das duas regiões que podiam ser observáveis, na forma em que a ocupação era exercida, aspectos do produtor e de seu estabelecimento, bem como em suas interações.

Na região de Juscimeira, há uma cooperativa de produção leiteira, verificamos que a ação dessa cooperativa é recorrente e isso pode influenciar no modo em que os produtores cooperados exercem suas ocupações.

 

Portanto, constatamos que:

a)      Em dez estabelecimentos rurais, as ocupações exercidas não eram exclusivas, por exemplo, onde havia produção leiteira, também havia plantação de grãos, criação de galinhas, frutas, peixes.

b)      Em nove estabelecimentos observamos tratores e maquinários agrícolas, insumos e etc, o que levamos em consideração ao considerar esses estabelecimentos como mais modernos.

c)      Três estabelecimentos geriam suas produções com certo rigor organizacional, pois, estavam preocupados com a alta produtividade e redução de custos. Essa característica também foi levada em consideração ao considerar esses estabelecimentos como mais modernos.

d)      Em oito estabelecimentos, familiares trabalhavam fora. Pois, diante do horário em que chegávamos aos estabelecimentos foi possível observar familiares saindo e, ao entardecer, familiares voltando a sua propriedade.

e)      Em nove estabelecimentos que acompanhamos, notamos uma maior interação social durante o período que estávamos presentes. É muito comum a interação entre vizinhos e familiares que também são produtores.

 

A partir dos pressupostos teóricos das redes e no que se refere à modernização é, razoável, supor que onde há mais interações, há mais fluência e troca de informações entre os grupos e, portanto, um potencial maior de aceitação à modernidade e à inovação tecnológica como um todo.

A questão reside não só nas interações, mas a qualidade das informações e se essas informações influenciaram nas ocupações agrícolas.

Para trazermos ao contexto investigado, destacamos o diagrama e o argumento de Granovetter, (1973) de que especialistas empregados pelas organizações restringem tanto a natureza da informação quanto o tipo de informação que será processada e utilizada. Dessa forma, as informações de determinada estrutura social no âmbito rural estão limitadas e orientadas pelos seus membros.

Durante a observação, percebemos que muitos produtores na região de Juscimeira começaram a trabalhar com peixe, em alguns estabelecimentos os tanques estavam sendo preparados ou haviam pouco tempo de perfuração, iniciando os processos de cultivo.

O desenvolvimento da piscicultura naquela região parece estar ocorrendo de forma conjunta em alguns dos estabelecimentos rurais visitados. Se levarmos em consideração a teoria, podemos supor que essa ocupação tem sido influenciada pelas redes.

Estudos temporais e delimitados podem definir com maior precisão sobre o início e como houve a difusão desse movimento da piscicultura naquela região, da mesma forma que foram realizados por Ryan e Gross, em seu estudo sobre a semente de milho híbrido.

Parece ser comum os estabelecimentos realizarem diversas atividades produtivas, como plantações e cultivo de aves para cultivo próprio, conforme mencionado no “item a” dos Resultados. Essa característica é observada em quase todos os estabelecimentos.

Da mesma forma, como foi visto, há muita interação entre os produtores naquela região, seja em razão da proximidade entre os estabelecimentos, ou seja, pela similaridade das ocupações exercidas, o ramo leiteiro é predominante na região de Juscimeira. Esse pode ser um fator que aproxime os produtores rurais que desenvolvem a mesma atividade produtiva.

Na maioria dos casos, a observação nos sugere a possibilidade de distinção entre as relações de laços fortes e fracos, seja pela maneira de se relacionar ou pela distância social que os atores estavam inseridos: produtor rural e contador, por exemplo, vivem em ambientes comuns, mas em universos distintos, o que constitui um laço fraco.

Observamos interações entre vizinhos, outros produtores, membros de cooperativa, familiares, independentemente de morarem próximo ou longe de seu estabelecimento.

O contato entre familiares parece mais frequente. Pois, parte desses familiares também são produtores rurais. Por meio do telefone e internet, a interação se torna mais recorrente. Alguns deles, utilizam de variadas redes sociais para manterem contato com outros produtores e familiares próximos ou de outras regiões.

Em onze dos doze estabelecimentos os produtores moravam nas propriedades.

Parece ser razoável considerar um estabelecimento rural como mais moderno diante de sua maior capacidade produtiva e ante instrumentos que facilitem o desenvolvimento de sua ocupação no exercício de suas atividades como tratores, maquinários agrícolas, insumos e etc, conforme destacado no “item b” dos Resultados.

Um aspecto que merece maior atenção foi verificado em estabelecimentos rurais que viviam apenas de uma produção agrícola específica e, possuíam alto grau de comprometimento com o estabelecimento e os gerenciavam com certo rigor organizacional. Esses estabelecimentos só exerciam uma atividade produtiva, conforme “item c” dos Resultados.

Na área produtiva leiteira, a quantidade de bovinos, qualidade e características do leite também pode ser caracterizado como um aspecto da modernização. A raça, alimentação, forma de retirada de leite, manual ou ordenha, fatores ambientais, podem fazer com que mesmo em quantidades pequenas, a produção de leite seja maior.

Outro aspecto, é que grande parte dos estabelecimentos rurais, pelo menos estabelecimentos da região sudeste do estado de Mato Grosso, estão situados próximos as cidades, o que também facilitaria a interação social dos produtores rurais com os centros urbanos e outras redes sociais.

Além disso, não só nessa região, mas em várias regiões do país, o espaço rural se funde ao espaço urbano, até mesmo nas metrópoles. É comum residentes rurais trabalharem na cidade e vice-versa. Essa divisão rural e urbano não é mais tão evidente e as vezes esses espaços se confundem. Esse fator pode ser observável tanto em Juscimeira quanto em Campo Verde.

Em oito estabelecimentos foi possível observar que familiares, além do produtor rural, contribuía com a renda familiar e trabalhava fora do estabelecimento, conforme destacado no “item d” dos Resultados.

Esse fator também pode ser uma variável importante ao estudarmos a modernização no ambiente rural, uma vez que o fluxo de informações das organizações formais, nas quais os membros familiares trabalham, e de outros grupos, por exemplo, podem adentrar no gerenciamento de um estabelecimento rural.

Investigações mais profundas que abordem em que ocupação os moradores do estabelecimento rural desenvolvem suas atividades laborativas podem contribuir para a compreensão da fluência de informações no espaço rural.

Em apenas um estabelecimento o filho exercia sua ocupação com os pais. Nos demais, a dificuldade de sucessão do gerenciamento dos estabelecimentos foi verificada já que os filhos não trabalhavam na ocupação rural. A sucessão também se mostra uma variável importante no processo de modernização.

A implementação de técnicas mais eficientes e modernas não faz sentido, mesmo que mais racional e viável financeiramente, se o produtor rural possua idade avançada e sem mais perspectivas de desempenhar sua ocupação por um longo período de tempo.

Um aspecto que é usualmente atrelado, talvez em razão da sua baixa escolaridade ou condição sociocultural, é que um produtor rural que exerce sua ocupação desde o início de sua vida jovem de determinada maneira não irá aceitar mudanças na forma de exercer sua ocupação, uma vez que tem o feito de determinado modo há anos.

Todavia, a difusão da inovação, bem como o processo de modernização pode possibilitar mudanças exponenciais não só nas ocupações, mas em toda a dinâmica de um estabelecimento rural.

Isso é verificável, em nosso objeto de pesquisa, no momento em que as residências rurais podem possuir as mesmas condições e acessibilidade que as residências urbanas. Acesso à internet local e móvel, energia elétrica, TV a cabo, que são meios de comunicação, estão facilmente à disposição no âmbito rural.

Os atributos do homem moderno (INKELES; SMITH, 1981), sobre manter-se informado sobre o mundo, valorizar a educação e capacitação técnica e aprovar mudanças sociais, pode fornecer abertura necessária para que um estabelecimento rural se adapte e modernize a nova realidade socioeconômica ao interagir com outros atores sociais que estão além da sua estrutura social.

Nesse sentido que Rogers (1943, p. 5) afirma que “a comunicação implica em múltiplas possibilidades de aceitar ou não a inovação”. Além disso, devemos considerar que a modernização nos estabelecimentos rurais ocorre de forma mais lenta em relação aos centros urbanos (ROGERS, 1943, p. 23)

Importante destacarmos a passagem de Rogers para concebermos que a modernização no campo ocorre, de uma forma ou de outra, no exercício de sua ocupação agrícola ou na forma de vida de seus habitantes.

Rogers (1943, p. 23) destaca ainda que “o nível de adoção da inovação é medido através da inovação em si ou de um sistema, não através do indivíduo”. Por essa razão, a importância de considerarmos os atributos do homem moderno de Inkeles e Smith, uma vez que iniciamos as nossas investigações a partir dos produtores rurais não de alguma inovação específica.

Por outro lado, mesmo que ocorra um fluxo maior de informação em uma estrutura social, a difusão da inovação e a modernidade como um todo só poderá ocorrer no momento em que o ator social, aqui compreendido como produtor rural, aceitar inferências do mundo externo no exercício de suas ocupações.

Podemos mencionar o exemplo de um filho que cursa graduação em Administração, Economia ou qualquer outra área e que esteja empenhado em auxiliar no desenvolvimento do estabelecimento rural dos pais.

Os laços sociais obtidos pelos filhos no exercício de sua profissão, na universidade, ou qualquer outra relação fora do estabelecimento rural possibilita maior abertura ao implemento de técnicas eficientes no gerenciamento de seu estabelecimento, seja implemento prático ou na maneira de gerir sua propriedade.

Estabelecimentos rurais que não possuíam maquinários ou utilizavam insumos agrícolas, bem como o aspecto estético de sua propriedade foram considerados como menos modernos.

Durante o período de observação, nove estabelecimentos foram visitados por outros produtores, familiares e membros de cooperativa, conforme mencionado no “item e” dos Resultados.

O comportamento e a forma como ocorria a interação entre os atores sociais pôde nos sugerir o grau do laço dessa relação. Alguns estabelecimentos dividiam o refrigerador de leite, dentre outros insumos agrícolas como o trator, até mesmo pastagem, isso pode ocasionar uma interação frequente e mais densa.

A frequência, densidade e proximidade entre os produtores da região de Juscimeira, especialmente entre os vizinhos parecem reforçar os aspectos de laços fortes. Uma investigação mais apurada com esses produtores que interagem mais pode confirmar a similaridade de suas ações ocupacionais e aspectos socioeconômicos e culturais, verificando os aspectos teóricos, na prática, de Granovetter.

Em apenas um estabelecimento o filho trabalhava com o pai. Nas demais propriedades os produtores trabalhavam sozinhos, ou contava com auxílio de trabalhadores contratados. Em apenas dois estabelecimentos haviam trabalhadores contratados.

Na região de Juscimeira muitos produtores são cooperados de uma cooperativa leiteira, isso também pode ser uma variável importante ao estudarmos as interações sociais e o papel dessa instituição não deve ser ignorado.

A hipótese geral de que os estabelecimentos rurais inseridos em estruturas sociais mais modernas tendem a caracterizar a dinâmica social e constituem o nível de modernização dos estabelecimentos restou imprecisa.

Destacamos algumas razões: há interação social e aspectos da modernização nas duas regiões observadas, o espaço rural não é tão distante do espaço urbano, as interações sociais ocorrem com frequência no âmbito rural.

Se levarmos em conta a estrutura social das duas cidades, Campo Verde e Juscimeira, poderíamos confirmar que os estabelecimentos rurais de Campo Verde tenderiam a ser mais modernos que os de Juscimeira. Todavia, a estrutura social não foi suficiente para justificar o nível de modernização dos estabelecimentos rurais.

Mesmo que a dinâmica social seja de maior modernização, há exceções e essas características são observáveis de forma antagônica nas duas regiões, ou seja, há estabelecimentos modernos em Juscimeira e Campo Verde, bem como estabelecimentos menos modernos em Juscimeira e Campo Verde.

As considerações feitas para enquadrarmos um estabelecimento como mais ou menos moderno foram suficientes para a proposta deste trabalho. Contudo, o desenvolvimento de estudos da modernidade no âmbito rural requer a necessidade de trabalhar com índices para medir com mais precisão o nível da modernização nos estabelecimentos rurais

Dois estabelecimentos com rigor organizacional que, inclusive, apresentavam mais características da modernidade, aqui delimitados, estavam presentes na região de Juscimeira e apenas um na cidade de Campo Verde.

Os parâmetros teóricos para concepção do homem moderno e, consequentemente, de um estabelecimento rural moderno, através da análise de redes, foram suficientes para atingirmos o objetivo proposto: realizar uma aproximação empírica ao nosso objeto de estudo e verificarmos a hipótese sugerida.

Por isso, uma vez presente os atributos do homem moderno, há maior possibilidade de abertura a modernização nos estabelecimentos rurais. Em que medida e de que forma isso tem ocorrido na prática é um fato a ser investigado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A modernidade tem direcionado o setor agrícola para a agroindustrialização, esse movimento consiste na industrialização do estabelecimento rural a fim de direcionar suas produções ao mercado externo ou aproveitar vantagens comparativas da agricultura industrial, a fim de aprimorar os pequenos setores da agricultura.

Constatou-se que a população rural no país possui, em sua maioria, baixa escolaridade o que dificulta a especialização de saberes técnicos no espaço rural. A partir desse e outros pressupostos, a interação entre os atores pode contribuir para compreendermos o fácil acesso e a aceitação e à inovação tecnológica.

Além das interações face a face, a interação possibilitada através da tecnologia, internet, telefone e outros meios de comunicação permite que produtores rurais da mesma e diferentes regiões se comuniquem com mais facilidade, permitindo maior interação entre os grupos e, consequentemente, uma maior fluência de informações que possibilitem mudanças nos aspectos ocupacionais e socioeconômicos de um estabelecimento rural.

De que maneira ocorrem essas mudanças foi o que denominamos de processo de modernização.

Este estudo nos permitiu reconhecer que alguns estabelecimentos rurais parecem ser geridos como verdadeiras organizações, o que possibilitou a difusão de princípios do agronegócio, atinentes ao gerenciamento organizacional, tecnologia e racionalidade econômica à “agricultura familiar”.

Esta pesquisa possibilitou a aproximação do nosso objeto de pesquisa e permitiu observarmos a realidade socioeconômica e perspectivas dos produtores rurais da região sudeste do Estado de Mato Grosso, o que possibilitará na construção futura de trabalhos mais próximos à realidade social daquela região.

Os resultados obtidos são importantes não só para o prosseguimento deste estudo, mas com estudos posteriores que visam desenvolver a teoria de redes aplicada aos produtores rurais e difusão da inovação no âmbito rural.

O desenvolvimento rural dos pequenos e médios produtores rurais são de grande importância socioeconômica local, regional e nacionalmente.

A compreensão sobre como se dá a implementação de tecnologias no campo e por que alguns estabelecimentos rurais se modernizam e outros não podem auxiliar na construção de políticas que visem o desenvolvimento rural a fim de facilitar a difusão tecnológica no campo para essa e futuras gerações.

Por fim, pesquisas posteriores poderão medir com maior propriedade o maior ou menor grau de modernização nesses estabelecimentos rurais, levando-se em conta aspectos individuais e relacionais.

Acredita-se que a abordagem adotada neste estudo, voltado aos processos de modernização nos estabelecimentos rurais, fornece um caminho promissor para futuras pesquisas. Algumas prioridades são evidentes: a) realizar uma categorização que possa facilitar a análise dos dados relacionais; b) relacionar as variáveis que possam influenciar no processo de modernização no âmbito rural; c) desenvolver estudos com indicadores, a fim de medir com precisão o nível da modernização.

 

REFERÊNCIAS

 

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