Vol. 3, n.
1, Abril/2019
RELAÇÕES
INTERGOVERNAMENTAIS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: Uma análise da implementação do
Programa Habitacional brasileiro Minha Casa Minha Vida (PMCMV)
Vera Sirlene Leonardo
http://orcid.org/0000-0002-0199-2561
Universidade Estadual de Maringá
Marco Antônio
Carvalho Teixeira
http://orcid.org/0000-0003-3298-8183
EAESP-FGV
RESUMO
O objetivo desse artigo é analisar a implementação da atual política habitacional brasileira de modo a demonstrar como são efetivadas as relações intergovernamentais numa política top down como é o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). A pesquisa é empírico-teórica, qualitativa, estudo de caso, com dados levantados por meio de entrevista e documentos, cuja unidade de análise é o município de Maringá-Pr. Os resultados mostram que foram produzidas no município apenas 26% de unidades habitacionais para a população de baixa renda, enquanto que o padrão nacional de produção para essa população gira em torno de 60%. Concluiu-se que as relações que se estabeleceram entre os entes federativos não foram suficientes de modo a contemplar o contingente da população que o governo central se propunha a atender de forma a contribuir para a redução o déficit habitacional local.
Palavras-chave: Relações Intergovernamentais; Políticas Públicas; Implementação; Programa Minha Casa Minha Vida
INTERGOVERNMENTAL RELATIONS IN PUBLIC POLICIES: An analysis of the implementation of my house my life program (MCMV)
ABSTRACT
The
objective of this paper is to analyze the implementation of the current
Brazilian housing policy in order to demonstrate how intergovernmental
relations are implemented in a top down policy such as My House My Life
Program. The research is empirical-theoretical, qualitative, case study, with data
collected through interviews and documents, whose unit of analysis is the
municipality of Maringá-Pr. The results show that only 26% of housing units
were produced in the municipality for the low-income population, while the
national production standard for this population is around 60%. It was
concluded that the relations established between the federative entities were
not sufficient to contemplate the contingent of the population that the central
government intended to attend in order to contribute to the reduction of the
local housing deficit.
Datas
Editoriais Submetido: 23/07/2018 Aceito: 06/10/2018 Publicado: 28/04/2019
Keywords: Intergovernmental Relations; Public Policies;
Implementation; My House My Life Program
INTRODUÇÃO
Para analisar a forma como a atual
política pública de habitação brasileira foi implementada no município
entende-se ser necessário realçar que o desenho da política é de iniciativa do
governo central. É relevante, portanto, inserir a discussão sobre a forma como
as relações intergovernamentais são estabelecidas no cotidiano da
implementação.
Com a promulgação da Constituição Federal
do Brasil de 1988 que sinaliza para a descentralização, o município torna-se a
peça-chave do ordenamento político e administrativo brasileiro ganhando o
status de ente federativo (ABRUCIO, 2015). Os municípios passaram a ter
autonomia tanto em termos de recursos e competência legal, como pela capacidade
decisória para definir as diretrizes da política local.
Ao ter o status de unidade política
autônoma os municípios têm capacidade para implementar, pelo menos, algumas de
suas próprias políticas (PIERSON; LEIBFRIED, 1995), independentemente do
governo federal. E podem, simplesmente, não aderir à implementação de programas
do governo federal. Além disso, o disposto no inciso I do artigo 30º da
Constituição de 1988 atribui aos municípios a competência para legislarem sobre
assunto de interesse local e no inciso II estabelece, ainda, que compete aos
municípios legislarem de maneira suplementar no que lhes couber (BRASIL, 1988).
Essa realidade mostra que nas federações
os municípios têm cada vez mais autonomia decisória no sentido de prover
serviços públicos e regular o cotidiano dos munícipes. Por outro lado, o
sucesso da gestão municipal está intimamente ligado à “dinâmica das relações
intergovernamentais, seja porque há a necessidade de ação conjunta entre os
níveis de governo, seja porque as municipalidades, por vezes, precisam do apoio
dos outros entes da federação para garantir a qualidade da sua governança”
(ABRUCIO, 2015, p. 60), tanto em termos de regulação como de financiamento das
políticas.
É nesse sentido que o governo federal deve
(1) exercer um forte papel na regulação e na coordenação das políticas públicas
nacionais de forma a colaborar com as necessidades das esferas locais,
diminuindo as desigualdades regionais (ARRETCHE, 2012) e (2) “melhorar a
dinâmica intergovernamental para aperfeiçoar a governança local” (ABRUCIO,
2015, p. 73), uma vez que, com o fortalecimento do poder de governança dos
municípios aumenta a complexidade do relacionamento entre as esferas de
governo.
Justifica-se a abordagem teórica adotada com base em Cardoso e Bercovici (2013) de que a literatura brasileira sobre o federalismo se preocupa com o tema da descentralização, deixando em segundo plano os problemas do relacionamento entre os níveis de governo. Essa é a lacuna de estudos no qual foi direcionado este trabalho, cujo objetivo é analisar o processo de implementação da atual política habitacional brasileira de modo a demonstrar como são efetivadas as relações intergovernamentais numa política top-down como é o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).
Ressalta-se que o desenho do PMCMV contempla diversas modalidades, agrega diversas operações de financiamento habitacional e possui estratégias diferenciadas de atendimento em relação às faixas de renda bruta familiar mensal. Este trabalho fica delimitado à análise do PMCM com o foco na população que recebe de zero a três salários mínimos, chamado de Faixa 1. Isto porque do déficit habitacional brasileiro calculado em 7,2 milhões de moradias, 80% está concentrado nas faixas de renda inferiores a três salários mínimos (AMORE, 2015).
As justificativas que particularizam o estudo em Maringá, estado do Paraná, podem ser sumarizadas: (1) pela baixa produção de moradias na Faixa 1 em relação ao padrão nacional (MCIDADES, 2015); (2) porque 70% do déficit habitacional do município está concentrado na Faixa 1; e (3) porque Maringá produziu 1.129 UH o que representa apenas 39% da capacidade de atendimento prevista pelo Ministério das Cidades com base no déficit habitacional local.
A pesquisa é empírico-teórica, qualitativa, estudo de caso quanto à estratégia de pesquisa, com dados levantados por meio de entrevista semiestrutura e documentos oficiais, cuja unidade de análise é o município de Maringá, Estado do Paraná. O recorte temporal foi de 2009, início do programa federal, até 31.12.2016, delimitando a análise a duas gestões municipais.
Após esta introdução, é apresentada a
revisão bibliográfica envolvendo uma abordagem sobre as relações
intergovernamentais e na sequência discute-se o desenho do PMCMV para
clarificar as atribuições dos entes da federação. Em seguida é descrita a
implementação do programa e os respectivos resultados. E por fim são
apresentadas as principais conclusões.
RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA POLÍTICA
PÚBLICA
Um dos principais difusores da terminologia relações intergovernamentais e que contextualizou a expressão foi Deil Wright que resgatou uma definição que tinha sido adotada por Anderson para relações intergovernamentais: “an importante body of activities or interactions occurring between governmental units of all types and levels within the [U.S.] federal system” (ANDERSON, 1960 apud ELAZAR, 1987, p. 14).
Anderson cristalizou a terminologia IGR na sua obra publicada em 1960, Intergovernmental Relations in Review. O autor discorre que as relações intergovernamentais estão presentes nas relações de trabalho que se estabelecem no cotidiano dos governos. Está presente no convívio diário, no relacionamento entre os diversos atores públicos e no cotidiano da execução das atividades administrativas (Anderson, 1960). São as relações que se estabelecem entre os funcionários dos diversos setores, dos departamentos ou de outras instituições, as quais foi delegada a função de coordenar a política pública complementa o autor.
Na concepção de Wright (1988) o
envolvimento dos diversos atores é importante, uma vez que as decisões são
pensadas por pessoas, tomadas por pessoas e para pessoas, que são o alvo dessas
deliberações. E que as relações intergovernamentais englobam os funcionários
públicos, as instituições governamentais de todos os portes, tipos e lugares e
está presente nos sistemas políticos e administrativos.
Elazar (1987) chama atenção para o fato de que as relações intergovernamentais são um fenômeno universal que sempre vai existir no momento em que duas ou mais unidades de governo interagem para o desenvolvimento ou execução de políticas públicas. Ao trazer novas contribuições ao estudo das relações entre as esferas de governo Agranoff (2001) explica que as relações intergovernamentais podem variar em um continuum desde uma relação informal até uma relação mais institucionalizada entre os governos (SEGATTO, 2015).
Para entender o cenário que envolve as relações intergovernamentais no contexto da implementação do PMCMV cabe ressaltar que a promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais estão previstos no artigo 23º da Constituição Federal como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico” (BRASIL, 1988).
Para Bercovici (2004), ao serem
implementadas as políticas públicas, a análise e decisão sobre setores que
necessitam de tratamento uniforme em escala nacional como em assuntos da ordem
social, como a saúde, educação e habitação requerem unidade no planejamento e direção
das tarefas sob a ação do governo federal. “Nas Federações é comum haver mais
de um nível governamental atuando num mesmo setor” (ABRUCIO; FRANZESE; SANO,
2010, p. 4).
De acordo com Souza (2006, p. 196), as
competências que são comuns aos três entes federativos como é o caso da
habitação, “são em princípio, as principais geradoras de relações
intergovernamentais”. Vale destacar, que as competências comuns não eliminam os
conflitos de competência ou as duplicações de atividades entre os entes da federação.
O movimento é para reduzir o alcance destes problemas por meio de acordos
políticos negociados.
O DESENHO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA
VIDA
O programa Minha Casa Minha Vida, lançado
em 2009, é uma política pública em que os recursos do governo federal são
disponibilizados via fundos nas instituições financeiras participantes para
serem utilizados pelas construtoras a partir da aprovação dos projetos nos
municípios e na Caixa Econômica Federal (CEF).
Como estratégia de alavancar o desenvolvimento, gerar empregos e investimentos no setor da construção civil e como forma de responder à crise dos mercados secundários de títulos lastreados em hipotecas, os subprimes de 2008, a o Governo Federal do Brasil entrou com forte subsídio direto à habitação para as famílias de menor renda e lançou o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) como uma política anticíclica em relação à crise.
Diante do contexto econômico e das
pressões do empresariado esse programa habitacional passou a fazer parte do
primeiro escalão de governo central e isso pode ser considerado como uma
vantagem significativa para a política habitacional (LOUREIRO, MACÁRIO; GUERRA,
2015).
A maior política habitacional, até então,
implementada no Brasil foi a do Banco Nacional de Habitação (BNH) e nos 22 anos
da sua existência foram produzidas em torno de 4,5 milhões de unidades
habitacionais, enquanto que em 8 anos do programa MCMV já foram contratadas 3
milhões de unidades e dessas aproximadamente 60% para a baixa renda.
O programa contempla quantitativamente a demanda habitacional da população das classes C e D, que tem historicamente sido desconsiderada pelas políticas habitacionais, e que o mercado por si só não alcança. Porque a história do subsídio habitacional no Brasil é conhecida pela constante captura da subvenção pelas classes médias e agentes privados da produção imobiliária, ao invés de atender, na escala necessária, os trabalhadores que mais precisam (ARANTES; FIX, 2009; LOUREIRO; MACÁRIO; GUERRA, 2015; MARQUES, 2016).
O desenho do programa apoiou-se nos dados quantitativos do déficit habitacional calculado em 7,2 milhões de moradias, 90% delas concentradas nas faixas de renda inferiores a três salários mínimos. Para isso, o programa MCMV alavancou o investimento em habitação no país que cresceu no período compreendido entre os anos de 2009 e 2014, uma vez que passou de R$ 5,25 bilhões em 2009, para R$ 16,8 bilhões em 2014 (KLINTOWITZ, 2015).
O programa
consistiu em uma forma inovadora de produzir habitações no Brasil diante da
escala produzida e do público atendido e, apesar da diversidade existente nos
5.570 municípios brasileiros, o programa formulado tem um desenho padrão para
todo o país.
O papel de cada um dos atores é fixado por vasta legislação expedida pelo governo central como leis, decretos, portarias e instruções normativas dada a complexidade de fatores presentes em um país de gritante diversidade como se presencia no federalismo brasileiro. Passa-se a apresentar as atribuições dos atores previstas no desenho do programa.
Cabe ao Ministério das Cidades, entre outras competências, a responsabilidade de regulamentar o programa para ser implementado em todo o território nacional. Por meio da Secretaria Nacional de Habitação, o Ministério das Cidades, na qualidade de gestor do PAR, passa a estabelecer as diretrizes[1], as regras e as condições de operacionalização do programa; fixar os parâmetros de enquadramento dos beneficiários do Programa; definir a tipologia e o padrão das moradias e da infraestrutura urbana (MCIDADES, 2016).
Já a CEF é a
presença do governo federal nos municípios brasileiros. É o órgão que normatiza
o que pode ou não ser feito nas unidades habitacionais do programa MCMV. Na
qualidade de agente operador do programa MCMV, cabe à CEF adquirir, em nome do
FAR, as unidades habitacionais, que passam a integrar o patrimônio desse fundo
até o momento de sua alienação aos beneficiários finais (TCU, 2013).
É de competência, também, da CEF[2] analisar a viabilidade técnica, jurídica, econômica e financeira dos projetos; firmar contrato com a empresa construtora para a execução das obras e serviços aprovados, acompanhando-os até a sua conclusão; responsabilizar-se pela estrita observância das normas aplicáveis, ao alienar e ceder aos beneficiários do programa os imóveis produzidos; observar se os critérios estabelecidos pelo Ministério das Cidades estão contemplados nas operações (MCIDADES, 2016).
No que tange à participação dos atores
privados no programa a literatura e os discursos do governo apontam que eles
estão presentes no programa Minha Casa Minha Vida desde as primeiras discussões
que levaram o tema a entrar na agenda pública. O setor empresarial, da
construção civil teve um papel protagonista na formulação do programa (ROYER,
2009; RUFINO, 2012; CARDOSO et al., 2013; KLINTOWITZ, 2015).
A participação dos atores do setor da
construção civil no processo de implementação se dá pela apresentação das
propostas às instituições financeiras oficiais federais projetos de produção
de empreendimentos para alienação dos imóveis; pela execução dos projetos
contratados pela instituição financeira oficial federal; e pela realização da
guarda dos imóveis pelo prazo de sessenta dias após a conclusão e legalização
das unidades habitacionais (MCIDADES, 2016). Para os formuladores da política
atribuir às construtoras esse papel daria celeridade ao processo (KLINTOWITZ,
2015).
Esses atores privados integrantes do setor
empresarial assumem importante papel no PMCMV e têm, também, “a vantagem de não
incorrer em gastos de incorporação imobiliária e comercialização, nem tampouco
de correr risco de inadimplência dos compradores ou vacância das unidades”
(CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 37).
Os municípios têm, igualmente, um
importante papel nesse processo, uma vez que é o ente federativo mais próximo
das demandas da sociedade. O governo municipal tem a responsabilidade de
mobilizar-se para participar do PMCMV, sendo de sua competência as atribuições
estabelecidas nas Portarias nº 465/2011 e nº 168/2013. Sobre essas atribuições
é que foi realizada a análise empírica deste estudo.
Assim, será apresentado a forma como o
município executou cada uma das atribuições presentes no desenho do programa e
firmadas no Termo de Adesão, conforme descritas no Quadro 1.
O governo federal não conseguiria
implementar o programa na faixa 1, nesse desenho estabelecido, sem a
participação dos municípios. Toda a regulamentação consiste na forma do governo
federal de coordenar os entes subnacionais estimulando-os a participar da
implementação da política, uma vez que a adesão ao programa é voluntária.
Quadro 1: Atribuições do Distrito Federal, estados e municípios ou respectivos órgãos das administrações direta ou indireta, que aderirem ao programa
ATRIBUIÇÕES DO MUNICÍPIO |
1.
Firmar
o Termo de Adesão ao programa. 2.
Responsabilizar-se
pelo processo de seleção de beneficiários do programa; manter atualizado
cadastro habitacional, contendo informações necessárias à aplicação dos
critérios nacionais e locais de seleção dos beneficiários e inserir as
famílias selecionadas no Programa Minha Casa, Minha Vida, no Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal. 3. Promover ações para facilitar a execução do projeto[3]. 4.
Responsabilizar-se
pelo Trabalho Técnico Social (TTS). 5.
Firmar,
a cada empreendimento, Instrumento de Compromisso de instalação ou de
ampliação dos equipamentos e serviços relacionados à educação, à saúde, ao
lazer e ao transporte público. 6.
Apresentar
proposta legislativa que disponha sobre os critérios e a forma de
reconhecimento do empreendimento a ser construído como Zonas Especiais de
Interesse Social (Zeis) que envolvam recursos do FAR. |
Fonte: MCidades (2016)
A
IMPLEMENTAÇÃO DA POLITICA DE HABITAÇÃO O PMCMV NO MUNICÍPIO DE MARINGÁ
Esse tópico foi elaborado a partir da análise de documentos, de legislações municipais, de entrevistas e das notícias divulgadas no portal da Prefeitura Municipal de Maringá e mídia local. Buscou-se captar e transcrever as atividades desenvolvidas pelos políticos, burocratas e designados politicamente no sentido de capacitar o município para a implementação do programa MCMV.
Apresenta-se, aqui, a forma com que a
regulamentação contida nas portarias emitidas pelo Ministério das Cidades, que
estabelece quais são as atribuições do Distrito Federal, estados e municípios,
foi implementada no município de Maringá. Um dos aspectos da descentralização
do programa é pela delegação de responsabilidade para os poderes subnacionais,
mais especificamente os municípios, da implementação programa MCMV.
Pode-se situar o
programa Minha Casa Minha Vida no contexto explicativo de Arretche (2012) de
que mesmo nos estados federativos é possível compatibilizar descentralização da
execução de políticas com a centralização da autoridade. Por ser detentor da
autoridade, o governo central define e estrutura as políticas públicas e os
programas, o que lhe dá suporte para coordenar as políticas públicas.
Inicialmente cabe
realçar que “A Prefeitura de Maringá criou uma secretaria exclusiva
para gerir na cidade o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, do
governo federal” (COLOMBO, 2009, p. 1), que atuou nas gestões analisadas também
no gerenciamento dos recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),
Orçamento Geral da União (OGU) e Fundo Municipal de Habitação (FMH). É na
Secretaria de Habitação e de Interesse Social (Sehabis), que se encontram os
principais atores responsáveis pela implementação dessa política pública no que
se refere às atribuições municipais.
Foi o programa Minha Casa Minha Vida que
favoreceu a implantação da secretaria e isso fortalece o município na área
habitacional. Ao se considerar o caráter federativo do Estado brasileiro, que
impõe constrangimentos e indica oportunidades para o desenvolvimento de
políticas pública nos governos subnacionais, entende-se que a
institucionalização dessa secretaria representa um dos resultados do esforço de
coordenação do governo federal que visa instrumentalizar os municípios para o
desempenho das suas funções na área habitacional.
A fase de implementação do programa tem início com a assinatura do Termo de Adesão, documento que sela a relação entre governo federal e governo municipal. Não foi demonstrado que houve sinais de resistência, por parte do município, à adesão ao programa, em decorrência de ter sido uma política desenhada no governo do Partido dos Trabalhadores. Embora, as duas gestões municipais, sob análise, eram do Partido Progressista, partido aliado do governo federal. Na decisão sobre a adesão, o município também leva em conta os custos políticos do não apoio à um programa que visa reduzir o progressivo déficit habitacional, sem esquecer da oportunidade de aquecer a economia local, alavancar o setor da construção e gerar empregos.
A assinatura do
termo de adesão, é um instrumento de coordenação que o governo federal criou
para conseguir o comprometimento dos prefeitos com a execução de determinadas
ações que são de prerrogativa do município. Essa é uma política em que o
governo federal não chama para si a total responsabilidade sobre as políticas
públicas, porque o interesse é implementar as diretrizes federais por meio da
ação subnacional (FRANZESE; ABRUCIO, 2009).
Na implementação do programa, um papel
primordial que é atribuído ao município é a seleção do beneficiário. Grande
parte da execução do programa, que consiste em identificar a demanda, é
realizada no nível municipal em que a prefeitura atendia em torno de mil pessoas
por mês entre orientações para o cadastramento, efetivação do cadastro e demais
dúvidas dos interessados.
Para dar conta dessa atribuição o
município criou a sua própria portaria contendo os critérios nacionais e os
critérios municipais em conformidade com as políticas locais para servir como
um guia de orientação para os atores da implementação. O cadastro do município
contém aproximadamente 30.000 inscritos e quando do lançamento de um
empreendimento realizava-se a triagem dos candidatos, que eram chamados para
atualizarem seus dados e, na sequência, essas informações eram ratificadas
pelos burocratas da linha de frente, a assistente social e os agentes
administrativos por meio de visitas na moradia da família. As visitas
auxiliavam na determinação das condições de habitabilidade da família e no
enquadramento dos quesitos de elegibilidade.
A análise do cadastro e a seleção do
candidato é de competência do município. Mas a aprovação final da demanda cabe
à CEF, que confere as informações para verificar inconsistências. São competências partilhadas entre município
e governo federal. Essas responsabilidades estão inseridas na dinâmica das
relações intergovernamentais. Conforme discorre Arretche (2012), a agenda dos
governos subnacionais é balizada por normas e supervisão federais e mesmo se
tratando de unidades politicamente autônomas, com responsabilidade na
arrecadação de tributos e na execução de políticas, as suas decisões tem os
condicionantes da legislação nacional.
No que tange ao terceiro quesito do quadro
01 destaca-se que o Decreto nº 7.499/2011 que foi expedido para regulamentar os
dispositivos da Lei nº 11.977/2009 que dispõe sobre o Programa Minha Casa,
Minha Vida estabelece no seu art. 4º que “Em áreas urbanas, deverão ser
respeitados os seguintes critérios de prioridade para projetos” do PMCMV:
I - a doação pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios de terrenos localizados em área urbana consolidada para implantação de empreendimentos vinculados ao programa;
II - a implementação pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios de medidas de desoneração tributária para as construções destinadas à habitação de interesse social; e
III - a implementação pelos municípios dos instrumentos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que visam ao controle da retenção das áreas urbanas em ociosidade (BRASIL, 2011).
Quando a normativa
do programa prevê que o município poderá doar terrenos para o programa,
verifica-se a instauração de mecanismos de cooperação e decisão previstos no
federalismo que sinalizam para a dinâmica intergovernamental e podem ser
acionados para otimizar os resultados das políticas públicas em países
federativos (ABRUCIO; SANO, 2013). Nessa atribuição, o governo federal chama o
município a participar do programa.
Para um município do porte de Maringá o
governo federal disponibiliza o valor de R$ 64.000,00 por unidade construída,
segundo a Portaria nº 168/2013. Neste valor estava incluso a execução da obra,
a infraestrutura e o terreno. Esse valor, segundo as entrevistas, era
insuficiente para produzir as moradias em virtude da dinâmica imobiliária
local, um dos fatores que eleva o custo da terra. E o município doou os
terrenos para o FAR para viabilizar sete empreendimentos do Faixa 1, conforme
mostra a Tabela 1. Apenas o Conjunto Habitacional Irajá com 108 unidades foi
produzido em terreno da construtora.
Tabela 1. Empreendimentos produzidos por meio do FAR, no âmbito do Programa PNHU, integrante do Programa MCMV
Fonte: Maringá (2016)
Quando do lançamento do programa MCMV, na fase 1, o Paraná teria direito a 44 mil unidades habitacionais de acordo com o déficit habitacional local para essa faixa de renda. Segundo a Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), Maringá ficaria com 2.893 unidades (LINJARD, 2010). No entanto, foram construídas 1.129 UH o que representa 39% da capacidade de atendimento diante do déficit habitacional de 7.378,24 domicílios para essa faixa de renda Fundação João Pinheiro (2013).
Outra ação que visa facilitar a execução do projeto junto aos municípios é a implementação de medidas de desoneração tributária para as construções. São orientações do governo central para induzir os municípios a reduzirem ou isentarem os tributos no âmbito do programa para baratear os custos relativos à construção dos imóveis. Os impostos contemplados pela isenção no município são: (a) o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) durante a fase de construção; (b) o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis Inter-vivos (ITBI) sobre as transmissões de propriedade imobiliária que vierem a integrar o programa MCMV; e (c) o Imposto Sobre Serviços (ISS), incidente sobre a construção dos empreendimentos (MARINGÁ, 2009).
A lei que
instituiu o PMCMV traz no seu texto a orientação para os municípios
disciplinarem os instrumentos do Estatuto da Cidade. Não é uma condicionalidade
para receber o programa. Mas ajuda o município a se planejar sobre a função
social da terra e a regulamentar os instrumentos sobre uso e a ocupação do solo
para instalar HIS. Entre os instrumentos instituídos no município cabe destacar
que: (1) As Zeis foram criadas obedecendo o trâmite legal, porém muito aquém do
previsto no Plhis de 2010 e a maioria localizada em áreas periféricas ou nos
distritos; (2) O Peuc, o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação como
Pagamento em Títulos da Dívida Pública são instrumentos previstos no Plano
Diretor de 2006 e regulamentados por legislações posteriores. A pesquisa
mostrou que o município tem uma trajetória consolidada de aplicação Peuc e do o
IPTU progressivo no tempo (DENALDI, 2015); (3) A outorga onerosa, segundo as
entrevistas é o instrumento que mais proporciona habitação de interesse social
no município, estando prevista no Plano Diretor e legislações complementares.
Vale ressaltar no que se refere aos empreendimentos são construídos nos
municípios, que o governo federal não tem competência constitucional para
interferir em determinados assuntos como a dinâmica do mercado de terras, o
conteúdo dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social (Plhis), as leis de
uso do solo e zoneamento urbano por serem prerrogativas do município. Nesse
sentido, os municípios que quiserem ser proativos devem ter a iniciativa de
normatizar os instrumentos do Estatuto das Cidades e utilizar das suas
prerrogativas de forma a contribuir para melhorar o programa. E a instituição
desses instrumentos corrobora as relações intergovernamentais.
Quanto ao quarto
quesito do Quadro 1, a pesquisa mostrou que nos últimos 3 empreendimentos
construídos, o município não executou essa atividade dentro do prazo. As
justificativas eram de que: (a) havia dúvidas sobre qual normativa utilizar em
virtude de o Ministério das Cidades estar mudando a legislação; (b) o Governo Federal
não estava repassando os recursos havendo, inclusive atraso de repasse para as
construtoras. A falta do TTC compromete a qualidade do serviço, e põem em risco
a sustentabilidade daqueles empreendimentos porque é um trabalho que ajuda as
famílias a se sentirem pertencentes àquele local.
A implementação de
“um programa é o resultado de uma combinação complexa de decisões dos diversos
atores” diz Arretche (2001, p. 46). Os atores da implementação “têm razoável
margem de autonomia para determinar a natureza, a quantidade e a qualidade de
bens e serviços a serem oferecidos”. Eles têm a prerrogativa de, de
fato, fazer a política. É esta autonomia que [...] lhes permite atuar
segundo seus próprios referenciais.
Nesse caso, o município optou por não
realizar o TTS naquele momento, bem como os burocratas da CEF optaram por não
cobrar essa atividade e também não reportar a não conformidade.
É, também,
atribuição dos municípios a apresentação do Instrumento de Compromisso de
Instalação ou de Ampliação dos Equipamentos e Serviços. Os oito empreendimentos
produzidos, apesar de terem sido construídos em áreas periféricas ou nos
distritos estão integrados na malha urbana ou lindeiro ao município. Segundo os
entrevistados todos os empreendimentos contavam com a infraestrutura básica e:
·
Quanto
aos equipamentos sociais, no município e no distrito de Floriano, a distância
média de 600 a 800 metros de creches, escolas, unidades de Saúde, centros de
esporte e campos de futebol. E eram atendidos pelos Centro de Referência da
Assistência Social (Cras).
·
No
distrito de Iguatemi alguns dos equipamentos ficavam mais distantes, entre
1.000 a 1.600 metros do empreendimento, como também dos estabelecimentos
comerciais. Entretanto, em Iguatemi foi construído um Cras ao lado dos condomínios,
uma quadra poliesportiva e uma Academia da Terceira Idade (ATI).
· Segundo as secretarias de Assistência Social, de Educação, de Saúde e de Esporte os equipamentos sociais atendem à demanda exceto para o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) que tem fila de espera para as crianças que buscam uma vaga. Foi relatado que houve a construção e reforma de escolas para atender a demanda, e construídos novos Cras e ATIs.
Vale ressaltar que
essa política de habitação é um programa que deixa um legado para o município.
São os empreendimentos que vão fazer parte da cidade, cujas famílias precisam
sentir que pertencem àquele local. E cabe ao município atuar na integração
dessas famílias na comunidade por meio do TTS, levar creches, Cmeis, escolas,
unidades de saúde, segurança e transporte, que é vital para a sustentabilidade
do empreendimento.
Segundo as
entrevistas, depois que a construtora produz e entrega o imóvel, depois que a
CEF aprova a seleção e ainda participa por uns dois anos e pouco do acompanhamento
do TTS, quem tem que tomar conta é o município. “O empreendimento é do
município” realça um entrevistado. Nesse sentido, a pesquisa conseguiu mostrar
o nítido compartilhamento de funções dos entes federativos na implementação do
programa.
E, por fim, o
município tem como atribuição apresentar proposta legislativa que disponha
sobre os critérios e a forma de reconhecimento do empreendimento a ser
construído como Zeis que envolvam recursos do FAR e elaborar levantamento das
áreas com vocação para a implantação dos empreendimentos do programa,
procedendo à criação de Zeis, e incentivando que as propostas de
empreendimentos sejam apresentadas nas áreas delimitadas.
As normativas que
instituíram as Zeis no município estudado foram estabelecidas a partir de 2005,
entretanto, depois de 2009, aumentou a quantidade de lotes transformados em
Zeis, conforme mostra o Quadro 2, apesar de estarem aquém do previsto no Plhis
de 2010.
Quadro 2. Relação das normativas que transformam os loteamentos em Zeis
ANO |
LEI N° |
ANO |
LEI N° |
2005 |
LC
565 |
2010 |
LC
825 |
2008 |
LC
717 |
LC
826 |
|
LC
750 |
LC849 |
||
LC
751 |
2011 |
LC
876 |
|
2009 |
LO
8.466 |
LC
883 |
|
LC
769/2009 |
LC
890 |
||
LC
788 |
2012 |
LC
915 |
|
2010 |
LC
812/LC 814 |
2016 |
LO
10.258 |
LC
820 |
Fonte. Organizado a partir do Portal de Georeferenciamento de Maringá (2016)
A iniciativa do
município de instituir as Zeis foi desencadeada, em grande parte para
viabilizar moradias com a utilização dos recursos transferidos pelo governo
federal como o PAC, OGU e Programa Minha Casa Minha Vida. Isso demonstra como a
ação dos governos locais é condicionada pela extensão e pela forma como as
decisões são normatizadas no nível central de governo.
Em virtude do elevado preço do
terreno no município as construtoras não mostraram interesse em produzir em
Maringá, nem mesmo o faixa 2. O município, como forma de estimular os
empreendimentos para essa faixa de renda autorizou a construção dos primeiros
dez empreendimentos do Faixa 2 em áreas de Zeis, conforme Quadro 3.
Quadro 3. Empreendimentos do Faixa 2 que foram produzidos em áreas de Zeis.
ANO |
Empreendimentos MCMV Faixa 3 a 6
Salários Mínimos |
UH |
2010 |
Conjunto
Atenas II |
74 |
Condomínio
Cristina Helena Barros I |
160 |
|
Condomínio
Cristina helena barros II |
160 |
|
2011 |
Conjunto
Dolores Duran I |
72 |
Conjunto
Dolores Duran II |
76 |
|
Conjunto
Dalva de Oliveira |
176 |
|
Conjunto
Ataulfo Alves |
192 |
|
Conjunto
Granvillas |
48 |
|
Jardim
Madrid |
99 |
|
Jardim
Alvorada |
72 |
Fonte. Relatório Interno Sehabis
Uma leitura que se pode fazer disto
é o empoderamento das empresas da construção civil que se negavam em produzir
no município na faixa 1 e faixa 2, sob a alegação de ser inviável
economicamente. Disto, extrai-se que: (1) houve articulação entre os atores
público e privados; (2) sem a participação do município, os atores da
construção civil não seriam capazes de dar conta de produzir o MCMV em Maringá;
(3) sem o subsídio e as regras de uma política de habitação que parte do Estado
pouco se produz em termos de habitação de interesse social no nível local.
O benefício do
empreendimento gravado como Zeis, além dos benefícios tributários previstos na
lei, permite ao empreendedor construir as moradias em lotes de tamanho menor
daquele previsto no plano diretor. A Lei nº 8556/2010 no seu artigo quinto que
diz que os lotes das Zeis destinados à Habitação de Interesse Social,
vinculados a unidades habitacionais prontas, apresentarão a área mínima de
200,00m² e quando em esquina área mínima de 275,00m² (MARINGÁ, 2010).
Essa decisão do governo local de
estimular a produção os empreendimentos do faixa 2, transformando os terrenos
em Zeis, não estava prevista como atribuição do município no desenho do
programa. No entanto, essa decisão está vinculada à autonomia dos municípios
conferida no federalismo brasileiro e ao compartilhamento das decisões no
âmbito das relações intergovernamentais.
OS RESULTADOS DA IMPLEMENTAÇÃO
Para compreender o processo de
implementação foi observado, seguindo Lotta (2010), as pequenas decisões que
podem influenciar e impactar diretamente nas escolhas que os atores da
implementação fazem, bem como os fatores que condicionam a maneira de se
enxergar as políticas e atuar sobre elas. E o caminho para essa compreensão
partiu da análise e descrição da trajetória das ações desencadeadas e das
condições e estruturas sob as quais tais ações se desdobram (AZEREDO; LUIZA;
BAPTISTA, 2014).
Assim, ao
identificar como os atores públicos locais se mobilizaram para implementar cada
uma das atribuições previstas no programa MCMV pode-se extrair da pesquisa
realizada que: (a) houve a iniciativa do executivo municipal de instituir a
Sehabis para coordenar os trabalhos de implementação do programa; MCMV; (b)
houve a instrumentalização dos burocratas que participaram de cursos/seminários
de capacitação profissional oferecidas pelo governo federal; (c) foi realizada
parceria com a Cohapar para a viabilização da infraestrutura de água, esgoto e
energia elétrica; (d) houve a articulação dos burocratas do município com a CEF
para a operacionalização dos procedimentos; (e) foram declaradas áreas para
Zeis; (f) foram criadas as medidas de desoneração tributária para os
empreendimentos; (g) houve a doação dos terrenos para viabilizar os
empreendimentos; (h) o programa propiciou a instituição de alguns instrumentos
do Estatuto das Cidades. Os atores locais se mobilizaram, também, para
estabelecer uma articulação entre as diversas secretarias municipais para
prover serviços de educação, saúde, assistência social e esporte.
Ao identificar as diretrizes que nortearam a ação dos atores da implementação pode-se verificar que a implementação dos empreendimentos é para um padrão de construção com poucas unidades habitacionais para alocar essa faixa de renda mais pobre da população. As diretrizes são pela não concentração de casas para evitar o adensamento, a criação de bolsões de pobreza e a geração de conflitos de toda ordem. O resultado dessas diretrizes, aliado às diretrizes do planejamento urbano local, eleva preço dos terrenos, cujo efeito foi uma tímida produção de oito empreendimentos para atender somente 1.129 famílias, diante do déficit habitacional para essa faixa de renda no município.
Além disso, Maringá tem 30 mil pessoas cadastradas no banco de espera de moradias segundo dados da pesquisa e 70% do déficit habitacional[4] concentra-se nessa faixa de renda (FJP, 2013). No entanto, foram produzidas na Faixa 1 de renda somente 39% de unidades habitacionais que poderiam ter sido construídas, tomando-se por base o cálculo realizado pelo Ministério das Cidades referente o déficit habitacional por região.
Pela análise do volume de empreendimentos
produzidas nas três faixas de renda em todo o território nacional foi
verificado que 61% das unidades habitacionais foram construídas na faixa 1 de renda.
Em 90% dos municípios brasileiros predominam construções da faixa 1 (MCIDADES,
2015), conforme mostra o Gráfico 1, apresentado na Figura 1.
Figura 1. Gráficos comparativos entre as UHs produzidas no programa MCMV
Fonte. Dados fornecidos pelo MCidades (2015)
Já no município de Maringá foram
contratadas para a Faixa 1 (renda de zero até 1.600,00) 26% de unidades habitacionais
e 74% para as faixas 2 e 3. Pode-se visualizar pelo Gráfico 2 da Figura 1.
Em apenas em dez capitais dos Estados brasileiros a produção de moradias na faixa 1 foi menor que as demais faixas. No entanto, mesmo não priorizando as moradias para a faixa 1, todas essas capitais tem uma percentagem de unidades habitacionais nesta faixa, maior do que Maringá (26,60%), exceto Aracajú (20,11%) e Recife (9,64%). Em São Paulo a faixa 1 representa 26,36%. Ou seja, Maringá, um município de médio porte do interior do Paraná, se assemelha com a maior cidade do país na opção por moradia na faixa 1.
Uma explicação que emerge desse cenário é
de que os municípios com muita dinâmica imobiliária têm maior dificuldade em
produzir habitações pelo programa MCMV. Quando se analisam os municípios polos
das respectivas Microrregiões do Estado do Paraná, foi constatado que na
contratação das Unidades Habitacionais prevalece o padrão nacional. Ou seja,
todos os municípios tiveram maior produção de moradias na Faixa 1. Inclusive
nas maiores cidades do Paraná, como Londrina, Ponta Grossa e Cascavel.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas relações intergovernamentais, supõe-se que os diversos atores, setores e níveis de governo tenham espaço para interagir para alcançar o complexo objetivo de enfrentamento do déficit habitacional e nesse aspecto, a despeito da ausência de espaços para discutir ou redefinir os objetivos do programa, isso estava presente no PMCMV. Enquanto o governo federal regulamenta, financia e tem a sua atribuição de fiscalizar o empreendimento, o município, no caso de Maringá, complementa o financiamento, garante a infraestrutura e os equipamentos sociais, providencia a demanda e assume a responsabilidade na resolução dos conflitos inerentes ao novo empreendimento que se produz.
Essa é uma das premissas das
relações intergovernamentais. O compartilhamento de competências entre os entes
da federação (ELAZAR, 1987; RADIN, 2010; ABRUCIO, 2010). Entre as
condicionalidades intergovernamentais pressupõe-se que cada ente federativo
participante da política invista parte dos recursos ou cooperação de modo a
atingir os objetivos almejados na política.
Quanto ao desenho do programa
pode-se concluir que é uma política federal bem amarrada e que apresenta
modalidades, formas de financiamento, valores limites, requisitos definidos,
que foram sendo aprimorados ao longo do tempo.
Quanto ao atendimento do objetivo da pesquisa, conclui-se que já na primeira atribuição do município, o Termo de Adesão, está inserido numa dinâmica intergovernamental de políticas públicas em que os municípios se comprometem a cumprir as suas atribuições prescritas no documento sem espaço para articulação, muito próxima do modelo top-down, em que se assume a implementação como um processo hierárquico, cujas decisões são tomadas pelos formuladores.
Foi mostrado, também, que existe a
possiblidade de diversos arranjos institucionais que abre espaço para a
participação em conjunto com os estados e formas de financiamento
compartilhado, como foi o caso da parceria com a Cohapar.
Os municípios podem encaminhar os
projetos à CEF, de forma que, os atores municipais podem inserir vários
elementos: como, quando e onde será construído, quantas unidades, com que
cronograma, para quais faixas e sob quais modalidades do programa.
Outro achado na pesquisa é que os
mecanismos de coordenação do governo federal não se apresentaram suficientes
para que o município de Maringá tivesse implementado a política acompanhando o
padrão nacional de produção das unidades habitacionais para a faixa 1. A
explicação está na produção de apenas 8 empreendimentos, de 2009 a 2016, com
1.129 UH para atender a população da Faixa 1 do programa o que representa
apenas 26% em relação às demais faixas, enquanto que o padrão nacional de produção
para o Faixa 1 tem oscilado em torno de 60%.
Além disso, os empreendimentos produzidos atendem apenas 15,3% do déficit habitacional municipal que é de 7.378,24 domicílios na Faixa 1, o que sinaliza para a fragilidade dos mecanismos de coordenação do governo federal para essa política.
A literatura produzida no Brasil sobre o formato do programa MCMV tem mostrado que o programa tem sido conduzido, em grande medida, pelo governo federal implementado pela CEF e pelas construtoras, destinando-se mínimo papel para os governos subnacionais (KLINTOWITZ, 2015) unicamente àquela atribuição de cadastrar e selecionar os beneficiários. Esta pesquisa, em uma releitura das normativas e fundamentada no estudo de caso apresentado, mostra que no desenho do programa existe espaço para o compartilhamento de competências entre o governo federal e o governo municipal, mesmo diante da frágil coordenação do governo federal dessa política top down como é o programa MCMV.
O parâmetro do governo federal de proporcionar uma quantidade de moradias para atender o déficit habitacional no município de Maringá não se efetiva. De um lado, perde o município que poderia prover moradias para número maior de famílias, mas de outro o programa representa um ganho por construir em locais onde existe um conjunto de serviços e bens coletivos disponíveis.
Como limitações da pesquisa destaca-se a análise da implementação em um único município, com enfoque na população de baixa renda (0-3 Salários Mínimos) e durante 2 gestões municipais de 2009 a 2016. Essa limitação pode não ter sido o suficiente para capturar toda a complexidade que envolve as relações intergovernamentais da política pública. Dessa forma, tendo como base as limitações apresentadas nesta pesquisa, sugere-se para pesquisas futuras a inclusão de outros municípios, em especial aqueles de maior déficit habitacional nessa faixa de renda. Outrossim, também se sugere que seja estudado a continuidade do programa a partir de 2017 em que o governo Federal, sob o comando de Michel Temer expediu novas regras, a fim de averiguar os avanços ou retrocessos advindos com a nova regulamentação e as implicações para a implementação.
Por fim, cabe
destacar que os métodos utilizados para compreender os meandros da
implementação da política analisada, ainda foram incipientes e tem-se a
convicção de que outras pesquisas serão conduzidas. A tese não pretendeu
esgotar a análise das relações intergovernamentais sobre a implementação do
programa MCMV, mas abrir novas possibilidades de estudo para essa abordagem,
mesmo para programas de governo apartados de um sistema de políticas públicas.
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[1] Anexo I da portaria nº 168/2013 (MCIDADES, 2013).
[2] Anexo I da portaria n. 168/ 2013. (MCIDADES, 2013)
[3] Previsto no Inciso III do Art. 23 do Decreto nº 7.499/11.
[4] O Déficit Habitacional total de Maringá é de 10.587,45, conforme sistematizado pela FJP (2013). E para os domicílios com rendimento até três salários mínimos, que são aqueles abrangidas pelo Programa MCMV 1, esse déficit é de 7.378,24 domicílios, o que representa 70% em relação ao déficit total.