v. 9, n. 1, Janeiro-Abril/2025

Uberização e controle algoritmo: uma revisão sistemática da literatura

 

Jéssica Moliterno Genú

jessi.genu22@hotmail.com

http://lattes.cnpq.br/7883718762724839

https://orcid.org/0000-0001-6207-5815

Universidade Federal de Pernambuco

Recife/PE

 

Leandro de Sousa Floriano

 leandroflosf@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/7630829275998096

https://orcid.org/0009-0000-2334-8681
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Recife/PE

 

 

 

RESUMO

Este artigo realizou uma revisão sistemática da literatura acerca da uberização e das suas formas de controle algoritmo. Para isso foram consideradas publicações realizadas a partir de 2018 que versam sobre a temática e seus termos equivalentes, buscando responder o seguinte questionamento: Como são retratadas as formas de controle utilizadas por plataformas digitais em um cenário de uberização do trabalho? A seleção inicial considerou 293 estudos em um universo de 362 encontrados em bancos de dados reconhecidos disponibilizados pelas bases do Web of Science, Spell, Scopus e Scielo. Um resultado relevante refere-se à incipiência do tema em pesquisas empíricas direcionadas a contextos periféricos, se caminha a passos lentos em direção a maior adequação à realidade dessas regiões. Conclui-se também a polissemia conceitual inerente a plataformização do trabalho e das suas diversas modalidades que apresentam influência no contexto relacional e nas percepções acerca das reações comportamentais dos trabalhadores.

PALAVRAS-CHAVE: Uberização; Controle Algoritmo; Economia Gig.

 

Uberization and algorithm control: a systematic literature review

 

ABSTRACT

This article conducted a systematic review of the literature on uberization and its forms of algorithmic control. For this purpose, publications published since 2018 that address the topic and its equivalent terms were considered, seeking to answer the following question: How are the forms of control used by digital platforms portrayed in a scenario of uberization of work? The initial selection considered 293 studies out of a universe of 362 found in recognized databases made available by the Web of Science, Spell, Scopus and Scielo databases. A relevant result refers to the incipience of the topic in empirical research directed at peripheral contexts, if it moves slowly towards greater adaptation to the reality of these regions. It is also concluded that the conceptual polysemy inherent to the platformization of work and its various modalities influence the relational context and perceptions about the behavioral reactions of workers.

KEYWORDS: Uberization; Algorithm Control; Gig Economy.

 

 

Submetido: 27/06/2024

Recomendações requeridas: 17/12/2024

Aceito: 01/02/2025

Publicado: 30/04/2025

 

1 INTRODUÇÃO

A uberização é uma temática recente no campo das ciências sociais que demanda maior atenção e contribuições para aprimoramento, pois abrange questões inéditas no contexto da gestão. Esse fenômeno tem gerado impactos significativos nas formas de controle do trabalho, exigindo análises mais profundas. Nesse sentido, estudos fundamentados em revisões sistemáticas tornam-se essenciais para compreender suas implicações e propor soluções que atendam aos desafios apresentados (SHANAHAN; STEWART; SMITH, 2020; MCDONALDS; WILLIAMS; MAYES, 2021).

Ratificando a importância da elaboração de revisões sistemáticas, Silva Junior, Fagundes e Figueiredo (2021) afirmam que há a geração de um alto valor acadêmico por requerer uma série de etapas e rigores metodológicos que revisões literárias convencionais não possuem. Compreendendo tal importância, esse estudo busca realizar um levantamento a partir das principais pesquisas disponibilizadas nas bases de dados Web of Cience, Scopus, Scielo e Spell.org sobre a temática da uberização. Para isso foi realizada uma revisão sistemática da literatura embasada nas orientações de Jesson, Matheson e Lacey (2011) entendendo a importância do rigor científico metodológico para o fomento de pesquisas desse tipo, a fim de permitir uma análise mais fidedigna do direcionamento tomado pelas comunidades acadêmicas no desenvolvimento das pesquisas e no tratamento do fenômeno da uberização e do seu hiato de controle dos indivíduos.

A temática da uberização foi selecionada pela compreensão do atual contexto do capitalismo de vigilância, conforme a psicóloga social, Shoshana Zuboff (2019) esclarece em sua obra “A Era do Capitalismo de Vigilância”. Esse capitalismo tem como base o paradigma tecnológico, sendo identificado como uma nova lógica econômica, a autora elucida que os dados ocupam um papel fundamental no estabelecimento da experiência humana como matéria-prima, pois por meio deles, foi possível a vigilância de comportamentos e a emergência de um novo poder “instrumentário”. Esse poder permite a naturalização do uso desses dados e da vigilância contínua pautada em uma lógica de acumulação, cuja orientação econômica é o mestre, enquanto a tecnologia é a marionete.

Parece evidente que a partir dessa naturalização, os modos de trabalho também sofreram modificações. Entre essas modificações permeadas por aparatos tecnológicos, surge o que se conhece por uberização do trabalho (NUNES, 2021; CRUZ, PENTEADO; ELIAS, 2022) ou “economia gig” (WOOD et al., 2019; HUANG, 2022). 

A uberização, cujo termo descende da empresa Uber, indica uma nova forma de trabalho intermediado por plataformas digitais que exime a empresa de encargos trabalhistas por meio do discurso de flexibilização (FIGUEIREDO, 2019; GROHMANN, 2019). Apesar de o termo fazer alusão à empresa que foi pioneira na prestação de serviços deste tipo, é importante salientar que engloba um fenômeno global de novo formato de trabalho e desnudo de direitos trabalhistas.

Deste modo, há o aumento em pesquisas sobre a temática considerando o seu impacto econômico e social. Considerando as múltiplas vertentes pelas quais o controle no contexto da uberização e suas consequências no âmbito do trabalho podem ser analisadas, esta pesquisa propõe um processo crítico-reflexivo. O objetivo é compreender os impactos desse fenômeno, especialmente diante de uma nova dinâmica laboral que se apresenta sob o discurso de flexibilidade. A questão primária norteadora foi: Como são retratadas as formas de controle utilizadas por plataformas digitais em um cenário de uberização do trabalho? Para isso, o artigo está estruturado nas seguintes seções: Revisão da Literatura, Metodologia de Pesquisa, Resultados e Conclusões, sendo finalizado com as referências utilizadas.

 

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Metamorfoses do trabalho

“O mundo dos seus pais e avós era de certa forma protegido dos rigores da competição”, foi assim que Sennett (2015, p. 45) apresentou as mudanças estruturais do trabalho ao longo do tempo que foi perdendo o sentido de estabilidade que garantia uma carreira fidelizada de longo prazo, por um “labirinto de empregos fragmentados”. O sociólogo Richard Sennett conduz a discussão sobre trabalho e sua dinâmica com as dimensões do capitalismo flexível configurado pela desconstrução das rotinas e da burocracia em prol da flexibilidade que, para ele, contribui para a corrosão do caráter do ser humano.

Dentre as lógicas predominantes, Marx (2014) elucida uma trajetória que vai desde uma configuração simples de trabalho, caracterizada pelo agrupamento de trabalhadores qualificados em um mesmo local, até uma maquinofatura. Esta última envolve a automação por meio de um maquinário integrado ao trabalhador qualificado, que realiza intervenções pontuais, independentemente do ritmo valorizado pela manufatura, onde o processo de trabalho era definido pelo parcelamento de tarefas complexas em etapas simples. No taylorismo e no fordismo, observa-se uma derivação da lógica da manufatura, marcada pelo parcelamento das atividades com o objetivo de aumentar a produtividade. No entanto, essa abordagem apresenta limitações no uso da automação, dependendo do tipo de indústria ou modelo de produção. Essa lógica foi significativamente transformada com a introdução das vertentes da Indústria 4.0, conforme Quadro 1.

 

Quadro 1 – Características do trabalho

Corrente Teórica

Taylorismo

Comportamental

Escola Japonesa

Indústria 4.0

Características

Hierarquia rígida

Verticalização

Controle explícito

Hierarquia

Verticalização

Controle explícito

Consideração nas relações sociais

Hierarquia

Horizontalização

Controle explícito

Menos hierarquia

Estrutura em redes

Controle sutil

Fonte: Elaboração própria, 2024.

Considerando o trabalho como um componente de construção social na visão do Sennett (2009), há um reflexo do desaparecimento das relações de longo prazo no trabalho que estaria se reproduzindo na vida social, dificultando o estabelecimento de relações permanentes com os amigos e a comunidade. Assim, há uma apologia à flexibilidade, sendo vendida no meio corporativo como algo positivo, associada à ideia de liberdade, e por outro lado, exigindo cada vez mais dos trabalhadores qualificação, tempo ilimitado e permanente desenvolvimento de competências inatingíveis. Na verdade, a despeito dessa visão de uma vida estimulante, novos controles que fazem uso da sutileza encontram terreno fértil para desenvolver sua potência na condução de comportamentos garantindo uma falsa liberdade.

O trabalho permanece, mas o emprego diminui por meio da flexibilização e da aniquilação dos direitos conquistados pelos trabalhadores (FONTES, 2017). Começa-se a enxergar consequências preocupantes, evidentemente atreladas a um novo discurso pautado na flexibilidade e empreendedorismo. A flexibilização é exemplificada por Kon (2020) como tendência casada com a imprevisibilidade das profissões, evolução da tecnologia, reformulação do trabalho e da legislação trabalhista, que irão interferir diretamente nas formas de exercer as atividades laborais por meio do estabelecimento de redes de trabalho, contratos de curto prazo e por demanda determinada e qualificação diferenciada e contínua.

Antunes (2018) quando apresenta uma nova morfologia do trabalho talvez aponte que uma das mudanças mais importantes gira em torno da inclusão dos novos proletários de serviços, que estão localizados em uma classe “que vive do trabalho”. Assim o “trabalhar para viver e o viver para trabalhar” se sobrepõem em uma dinâmica altamente sutil com novas ideias e formatos de exploração baseado na dicotomia presente entre os laços de homogeneização e de heterogeneidade; de competição e colaboração; de flexibilidade e disponibilidade, possibilitada pelos adventos da uberização do trabalho.

 

2.2 Implicações da uberização

 

Para haver a uberização do trabalho o que se conhece por Inteligência Artificial (IA) desponta com naturalidade no âmbito do trabalho munida de um discurso criativo em prol da lucratividade e flexibilidade (DYER-WHITEFORD, 2021). Um exemplo dos impactos da IA no contexto de trabalho é transmitido por trabalhadores da Amazon, indicando a precarização do processo, a inserção de novos vocabulários no campo de atuação profissional, a falta de apoio às demandas profissionais, como também a nova forma de remuneração, que segundo a autora, tinha como base a aceitação de propostas, desconsiderando as negativas para fins de retribuição financeira (RIBEIRO, 2022).

A vista aqui é que o protagonista ainda é o trabalho humano, pois, é o responsável pela tecnologia inerente a IA, que faz uso da tecnologia para a manutenção das suas ações. Fonseca (2020) reflexiona sobre a criticidade dos usuários no manuseio da tecnologia, sendo necessária a compreensão sobre os impactos da indústria 4.0 sobre as novas formas de controle e na uberização.

Esse controle se decompõe por meio de métricas de produtividade que em tempo real coadunam para que os funcionários estejam disponíveis por mais horas, conforme salientado por Mcdonalds, Williams e Mayes (2021) ao avaliar os meios de controle em plataforma digitais na Austrália por meio da teoria do processo de trabalho foram identificados tipos de controle vinculados à transferência de risco e custos, além das disposições contratuais e acompanhamento de desempenho de qualidade. Muito além do jardim de perspectivas do controle tecnológico em empresas que operam de modo tradicional, se tem os controles exercidos pelas plataformas digitais embasados na agilidade e na ideia de autonomia e flexibilidade para o trabalhador (Franco & Ferraz, 2019).

A proposta dos novos moldes de controle torna-se então promissora aos olhos da uberização por permitir maior abrangência e intensidade de modo fluido. Sendo assim, os controles que tem como base a tecnologia devem apresentar sua aplicabilidade embasada nos quesitos de agilidade e leveza, para que o trabalhador assuma posturas próprias de autocontrole. O autocontrole, tão incentivado nas organizações, possui singularidades por se tratar de uma forma mais efetiva e simultaneamente sutil de manipulação e moldagem individual do ser por meio da invasão das esferas pessoais e privadas, que transpassam os limites de espaço e tempo (FRANCO; FERRAZ, 2019; FILHO; 2021).

O controle por algoritmos surge como uma ferramenta poderosa de exploração do trabalhador, permitindo maior velocidade nos processos e eliminando a necessidade de controle por confinamento físico. Esse modelo, fundamentado na gestão algorítmica, reflete a crescente centralidade dos algoritmos na sociedade contemporânea (VALENTINE, 2020). Segundo Valentine (2020), a automação se torna viável ao direcionar trabalhadores em diferentes graus, o que reforça a modelagem comportamental e intensifica a precarização do trabalho. Essa precarização é evidenciada pelo aumento do exército de reserva de mão de obra e pela disseminação de um discurso enganoso de empreendedorismo.

É com essa ideia de privilégio que as plataformas digitais utilizam o ideal do empreendedorismo associado à flexibilidade, transferindo aos trabalhadores a responsabilidade por seus próprios custos e despesas inerentes às atividades laborais. Isso garante uma nova forma de assalariamento disfarçado, sustentada pela desregulamentação das garantias ao trabalhador, eliminando preocupações com direitos trabalhistas e promovendo o que Bourdieu (1998) denomina como “flexploração”, que, vinculada à precariedade do trabalho, favorece a exclusão social por meio de ideias de autonomia que fragmentam as camadas profissionais de maneira competitiva e desigual.

 

3 METODOLOGIA DE PESQUISA

Obedecendo aos nortes de pesquisa de revisão sistemática foram estabelecidos critérios de análise para identificação de estudos potenciais. Buscando atingir este fim o processo foi segmentado em 3 etapas principais: a primeira integrou a identificação das necessidades da revisão, bem como a análise dos critérios de apoio na seleção dos materiais; a segunda etapa compreendeu os critérios de qualidade considerados para extração dos dados para posterior classificação da relevância das pesquisas; por fim na terceira etapa realizou-se a síntese dos resultados e o tratamento dos dados.

As etapas metodológicas da pesquisa compreenderam: definição das bases de dados, mapeamento das pesquisas, pesquisa abrangente com base na string (definição dos critérios de inclusão e exclusão), definição dos critérios de qualidade, extração e análise dos dados, síntese e análise de resultados. Os critérios de qualidade foram definidos a posteriori da pesquisa abrangente.

O desenho do estudo apresenta uma análise dos principais trabalhos que versam sobre a uberização utilizando bases reconhecidas e fazendo uso da ferramenta State of the Art through Systematic Review (Start 2.3.4) para o tratamento auxiliador. O horizonte temporal estabelecido foi de seis anos de publicações de artigos teórico-empíricos, ou seja, a partir 2018, considerando os seguintes pressupostos: a) as transformações tecnológicas ocorridas a nível global como geradora de reflexos no fenômeno e na percepção literária acerca da nova dinâmica do trabalho; b) o fenômeno investigado ainda é recente carecendo de mais pesquisas com diferentes olhares; c) a polissemia conceitual acerca da uberização.

Foi desenvolvido um protocolo de pesquisa detalhando os procedimentos efetuados em cada fase buscando a confiabilidade e transparência nos dados. As questões secundárias foram elaboradas visando detalhar os aspectos da questão primária: Q1 - Quais os mecanismos de controle usados em plataformas digitais? Q2 - Quais os comportamentos adotados pelos trabalhadores em plataformas digitais? Para atingir os fins da pesquisa foram estabelecidos critérios básicos de análise conforme Quadro 2.

 

Quadro 2 - Critérios de Inclusão e Exclusão

Critérios de Inclusão

Critérios de Exclusão

Artigos completos publicados em periódicos.

Literaturas informais, resenhas, resumos, casos de ensino, editorial, teses, ensaios, dissertações e estudos secundários.

Publicações entre os anos de 2018 e 2022.

Trabalhos que não foram publicados no período estabelecido.

Artigos em inglês ou português.

Artigos em idiomas que não sejam inglês ou português.

Estudo que versam sobre o tema proposto.

Publicações duplicadas, revisões literárias e estudos que não versam sobre o tema proposto.

Avaliação de pares realizada.

Sem revisão de pares e rigor metodológico.

    Fonte: Elaboração própria, 2024.

A elegibilidade se deu a partir da observância de artigos em inglês por ser uma das línguas mais exigidas em publicações e português por entender a necessidade de captar estudos em contextos condizentes com o cenário periférico. Ademais, os materiais deveriam estar completos, revisados por pares e versar sobre a temática proposta. Para a seleção do material foi necessária a presença de todos os critérios de inclusão, e para que houvesse a exclusão do material da análise apenas a presença de um critério já era suficiente para remoção da base de dados.

A partir do estabelecimento dos critérios foi realizada uma pesquisa exploratória perfunctória inicial no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) vinculada ao Ministério da Educação do Brasil, por meio do acesso à Comunidade Acadêmica Federada (CAFe). A partir dessa consulta foram visualizadas algumas das principais bases de publicações acerca de achados provenientes das ciências sociais.

A string de pesquisa foi “Algorithmic Control” or “platformization” or "Uberization" and “Gig Economy” or “Gig work”. Os termos foram selecionados com base em uma pesquisa flutuante na base do Google Scholar acerca das principais palavras-chave visualizadas nas pesquisas que versam sobre a temática. Foi realizado um levantamento inicial que obteve 363 publicações. A escolha das bases de dados eletrônicas obedeceu aos requisitos de relevância das publicações e revisão de pares. A partir da exclusão das publicações duplicadas obteve-se um total de 327 artigos, posteriormente foi realizada a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, resultou em 293, seguida da leitura do título e do resumo que resultou em 45 artigos potenciais.

O banco de dados da SciVerse Scopus, considerado um dos maiores bancos de dados revisados por pares, apresentou o maior número de publicações com 33 (trinta e três) resultados de pesquisa; já na Scientific Electronic Library Online (SCIELO), também reconhecida pela confiabilidade dos artigos, emergiram 5 (cinco) resultados; enquanto na Web of Science (WOS) o quantitativo atingiu 6 (seis) resultados. Por fim, foi feita a leitura da introdução e da conclusão de cada publicação verificando a sua adequação ao objetivo da revisão que possibilitou o resultado de 19 artigos. Nos quais 15 (quinze) foram provenientes da SciVerse Scopus, 1 (um) da Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e 3 (três) da Web of Science (WOS).  A Figura 1 abaixo mostra como ocorreu o processo de extração dos principais artigos desse estudo.

 

Figura 1 - Descrição das ações em cada fase.

 

 

·      Busca nas bases

·      Aplicação de critérios de escolha

·      Leitura do título e resumo

Total de 45 resultados

 

 

Primeira Seleção

 

·      Leitura da introdução e da conclusão.

·      Total de 19 resultados.

 

 

Segunda Seleção

 

·      Aplicação de critérios de qualidade

·      Leitura integral dos materiais

·      Síntese do conteúdo

 

Extração dos Artigos

Fonte: Elaboração própria, 2024.

A partir do uso de mecanismo de comparações e fichamentos foi possível o entendimento ao estruturar a síntese e análise de resultados. A Figura 1 demonstra as ações desenvolvidas em cada fase. Assim, foram identificadas as características dos modelos básicos do processo de uma revisão sistemática:

População: artigos científicos com rigor metodológico a avaliação de pares que foram publicados nos periódicos indicados, detectados como potenciais disseminadores de conhecimento da temática a partir da análise exploratória considerada para os fins do estudo.

Intervenção: natureza dos dados usados no material, bem como a apresentação do controle destacado pelos autores e a percepção da atuação no atual contexto.

Resultado: consideração sobre as características dos elementos e critérios pré-estabelecidos, por meio de ferramentas auxiliares de análise como o Prisma, utilizado para garantir maior rigor metodológico.

Contexto: artigos publicados em periódicos especializados na divulgação de temáticas vinculadas ao campo das ciências sociais e revisados por pares.

Os critérios de qualidade foram estabelecidos com base em uma pontuação de 0 a 1.  Foram considerados de qualidade mediana os que atingiram a pontuação entre 0,5 e 1; já os estudos com pontuação inferior a 0,5 foram considerados de baixa qualidade. A soma dos critérios estabelecidos soma um total de 5 pontos, considerando os aspectos a seguir:

 

Q1: Clareza na problemática da pesquisa e sua adequação do objetivo proposto.

Q2: Adequação da fundamentação teórica à temática proposta de forma consistente.

Q3: Adequação da metodologia aos objetivos propostos e exposição clara.

Q4: Os resultados e relevância da pesquisa são claramente expostos e identificados.

Q5: Quantidade de citações.

            Após a definição desses critérios foi possível minimizar o viés de pesquisa do pesquisador na escolha e julgamento dos manuscritos, como também facilitar uma leitura padronizada com vertentes delimitadas para análise dos escritos. Na sequência foram identificadas citações de cada documento e sumarizadas em uma planilha no Excel por meio de um agrupamento de códigos em campos-chave no documento analisado possibilitando a identificação de dimensões de pesquisa.

 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dezenove documentos selecionados para essa revisão foram publicados em 15 (quinze) revistas e jornais científicos diferentes, dentre eles os que mais se sobressaíram nas publicações foram New Media & Society, New Technology, Work & Employment, Socius e Organization (Tabela 1).

 

Tabela 1 - Características dos documentos.

Id

Title

Authors

Year

Periodic

A1

Algorithmic control & gig workers: a legitimacy perspective of uberdrivers

Wiener, Martin & Cram, W. & Benlian, Alex

2021

European Journal of Information Systems

A2

Uber-alienated: powerless & alone in the gig economy

Glavin, Paul & Bierman, Alex & Schieman, Scott

2021

Work and Occupations

A3

Algorithmic management in food-delivery platform economy in china

Huang, Hui

2022

New Technology Work and Employment

A4

Platform ideologies: ideological production in digital intermediationplatforms & structural effectivity in the "sharing economy"

Karatzogianni, Athina & Matthews, Jacob

2020

Television and New Media

A5

Flexibilization & precarization of working conditions & labor relations in the perspective of app-based drivers

Silva Júnior, J.T., Carneiro, J.S., Lessa, P.W.B., Vieira, C.L.S.

2022

Revista de Gestão

A6

Platform scams: brazilian workers' experiences of dishonest & uncertain algorithmic management

Grohmann, R. & Pereira, G. & Guerra, A. & Abilio, L.C. & Moreschi, B. & Jurno, A.

2022

New Media & Society

A7

Algorithmic integration & precarious (dis)obedience: on the co-constitution of migration regime & workplace regime in digitalised manufacturing & logistics

Schaupp, S.

2022

Work, Employment & Society

A8

Dependency & hardship in the gig economy: the mental health consequences of platform work

Glavin, P. & Schieman, S.

2022

Socius

A9

The role of algorithmic management as a support for management control systems in the sharing economy: a study about the drivers’ perceptions of brazilian ridesharing companies

Avelar, E.A. &Jordão, R.V.D. & Ferreira, G.M.C. & Da Silva, B.N.E.R.

2022

Revista de Contabilidade e Organizacões

A10

Delivery workers & the interplay of digital & mobility (in)justice

Vecchio, G. & Tiznado-Aitken, I. & Albornoz, C. & Tironi, M.

2022

Digital Geography & Society

A11

Happy riders are all alike? Ambivalent subjective experience & mental well-being of food-delivery platform workers in china

Wu, P.F. & Zheng, R. & Zhao, Y. & Li, Y.

2022

New Technology, Work & Employment

A12

Young workers on digital labor platforms: uncovering the double autonomy paradox

Laursen, C.S. & Nielsen, M.L. & Dyreborg, J.

2021

Nordic Journal Of Working Life Studies

A13

Professionals, purpose-seekers, & passers-through: how microworkers reconcile alienation & platform commitment through identity work

Bucher, E. & Fieseler, C. & Lutz, C. & Buhmann, A.

2021

New Media & Society

A14

‘You can’t pick up a phone & talk to someone’: how algorithms function as biopower in the gig economy

Walker, M. & Fleming, P. & Berti, M.

2021

Organization

A15

Pacifying the algorithm – anticipatory compliance in the face of algorithmic management in the gig economy

Bucher, E.L. & Schou, P.K. & Waldkirch, M.

2021

Organization

A16

Dependence & precarity in the platform economy

Schor, J.B. & Attwood-Charles, W. & Cansoy, M. & Ladegaard, I. & Wengronowitz, R.

2020

Theory & Society

A17

Individualism & collectivism at work in an era of deindustrialization: work narratives of food delivery couriers in the platform economy

Shanahan, Stewart & Smith

2020

Frontiers in Sociology

A18

Algorithmic control in platform food delivery work

Griesbach, K. & Reich, A. & Elliott-Negri, L. & Milkman, R.

2019

Socius

A19

Uberização e juventude periférica: desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho

Abílio, Ludmila Costhek

2020

Novos Estudos Cebrap

Fonte: Elaboração própria, 2024.

 Relativo aos anos de publicação 2019 emerge com apenas 1 publicação, 2020 com 4 publicações, 2021 contabilizou 6 publicações e 2022 se destacou com 8 publicações, sendo assim, o resultado apresenta coerência com o levantamento inicial realizado na primeira etapa que verificou um crescimento entre os anos de 2018 (4 artigos) e 2022 (113 artigos) representando um crescimento de aproximadamente 96,5%. A quantidade de citações por artigo também foi considerada para fins de pontuação, juntamente com o nível de impacto do periódico que serviu como condicionante complementar de informação (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Pontuação de Qualidade, citações e impacto do periódico

.Id

Q1

Q2

Q3

Q4

Q5

Qualidade

Citações

 

I

m

p

a

c

t

o

Id

Q1

Q2

Q3

Q4

Q5

Qualidade

Ci

tações

I

m

p

a

c

t

o

A1

1

1

1

1

1

5

25

9.011

A11

1

1

1

1

1

4,5

1

4.182

A2

1

1

1

1

1

5

8

2410

A12

1

1

1

1

1

5

5

0

A3

1

1

1

1

0,5

4,5

3

2,011

A13

0,5

1

1

1

1

4,5

1

5,31

A4

1

1

1

1

1

5

21

3,252

A14

1

1

1

1

1

5

26

3,301

A5

1

1

1

1

0

4

0

0

A15

1

1

1

1

1

5

69

3,301

A6

1

1

1

1

1

5

5

5,31

A16

1

1

1

1

1

5

173

3,226

A7

1

1

1

1

0,5

4,5

2

4,249

A17

1

1

1

1

1

5

14

0

A8

1

1

1

1

0,5

4,5

2

0

A18

1

1

1

1

1

5

169

0

A9

1

1

1

1

0,5

4,5

0

0

A19

1

1

1

1

1

5

26

0

A10

1

1

1

1

0,5

4,5

1

0

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaboração própria (2022).

            Um fator condicionante em relação à pontuação refere-se às citações, apesar do horizonte temporal estabelecido não envolver um longo período é notório que algumas produções como A15 e A16 se sobressaem em relação às demais. Também cabe destacar que o fator de impacto não desponta como determinante de qualidade dos documentos para essa revisão e não está diretamente relacionado ao aumento de citações, sendo assim, não representa um componente determinístico para maior quantidade de citações, a exemplo temos A8, A10, A12, A17e A19, conforme Figura 2.

 

Gráfico 1 - Citações e Impacto.

Fonte: Elaboração própria (2022).

Grande parte das produções também se concentrou no entendimento do contexto do norte global, tal fato já é conhecido em diversas produções literárias independentemente de serem direcionadas para o fenômeno aqui proposto. Muitos dos estudos selecionam mais de um lócus de investigação, sendo assim, no total de 22 lócus identificados, apenas 8 se direcionam ao sul global, dentre esses últimos o Brasil desponta com um maior quantitativo. A predominância das publicações na língua inglesa e dos periódicos reconhecidos no norte global se deve ao quantitativo ainda reduzido de indexação de revistas latino-americanas em bases de dados reconhecidas, que interfere na divulgação das publicações oriundas dessas regiões e no reconhecimento dos achados (GEMELLI; FRAGA; PRESTES, 2019). Sendo assim, há o reforço de novas pesquisas nesse sentido.

 

4.1 Retrato do controle nas pesquisas

Desta revisão também se destaca como um dos achados a identificação das reações comportamentais sofridas pelos indivíduos no universo da uberização e do controle por algoritmos. Esses achados foram agrupados em dimensões embasadas na análise de conteúdo, que segundo Bardin (2016) é relevante para pesquisas que buscam maior aprofundamento podendo ser usada tanto para abordagens qualitativas, como para abordagens quantitativas por garantir rigor metodológico e processo reflexivo. Ademais, buscando diminuir o viés da pesquisa também foi solicitada a revisão por pares dos dados que permitiram a elaboração desse estudo. Em resposta à questão de pesquisa e aos questionamentos Q1 e Q2 os achados foram agrupados em categorias conforme Tabela 3.

 

Tabela 3. Dimensões e categorias presentes.

Controle

Comportamentos

Dimensões

Categorias

Artigos

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Tempo

Rendimento por disponibilidade, quantidade de atividades.

A3, A4, A6, A8, A10

Autodisciplina

Mecanicista, disponibilidade, alienação.

A4, A6 A8, A10, A13, A16, A17, A18, A19

Desempenho

Sistema de avaliações, identificação, gamificação.

A1, A2, A3, A6, A9, A10, A11, A12, A15, A16, A19

Enfrentamento

Pacificação, solidariedade e resistência

A1, A4, A5, A6, A7, A9, A11, A14, A17

Espacial

Localização em tempo real, permanência no local.

A6, A8, A10, A16

Impotência

Solidão, isolamento, fadiga, sobrecarga

A2, A6, A8, A9, A10, A13, A14, A17, A18, A19

Fonte: Elaboração própria.

            Foi possível observar que grande parte dos artigos adentra no universo do controle no âmbito da plataformização do trabalho a partir dos aplicativos de plataforma sob demanda. Deste modo, ao se tratar das formas de controle o retrato se afinca em exemplos diversificados nesse cenário, a exemplo a localização em tempo real e o acompanhamento realizado pela plataforma, o sistema de entrada de novos motoristas e a falta de transparência na permanência ou saída deles, o sentido da gamificação atribuído a esse cenário de controle que incentiva a permanência e autodisciplina, dentre outros.

            Por outro lado, há maior divergência em termos de reações comportamentais nesse controle por meio de dois caminhos, o primeiro deles estabelece a possibilidade de reações de enfrentamento por parte dos trabalhadores envolvidos, seja por organizações de resistência coletiva ou meios de pacificar e burlar os mecanismos; o segundo olhar percorre indica o caminhar do isolamento, alienação e autodisciplina, destacando que por meio desses mecanismos de controle há o incentivo de comportamentos mecanicistas que podem levar os trabalhadores a um processo de alienação e solidão.

            A partir da análise dos termos, grande parte dos estudos buscou desenvolver a perspectiva do controle por algoritmo e suas implicações a partir de condicionantes como a alienação, ideologia, coletivismo, individualismo, pacificação, conformidade, engajamento e isolamento. Deste modo, realizaram a identificação de teorias e fatores que direcionam comportamentos trazendo levantamentos literários de estudos primordiais sobre o controle, em alguns casos descrevendo inclusive as formas de enfrentamento.

 

4.2 Controle

As formas de controle do trabalho sempre estiveram presentes na história da humanidade se adequando às novas exigências de produtividade de acordo com o contexto. Ao se tratar do controle por algoritmos destaca-se sua emergência a partir da indústria 4.0 que marcou um novo período de velocidade e acessibilidade das informações por meio da tecnologia (Valentine, 2020).

Nesse cenário, o controle do tempo é retratado como fundamental ao exigir disponibilidade constante. Fazendo uma aproximação do sistema de pagamento por peça A3 infere que nesse cenário há a dominação por meio de um sistema que converte a “peça produzida” em tempo de trabalho, ou seja, quanto maior o tempo dedicado ao trabalho maior à remuneração. Do mesmo modo, a partir desse sistema o comportamento automático é incentivado a partir de uma maior competitividade havendo a separação entre o trabalhador e o trabalho. Há, portanto, um discurso ideológico, conforme exposto por A4, na gestão por trás dos algoritmos e inclusive nas formas de organização do trabalho.

Além dessas implicações no âmbito do tempo, os artigos enfatizam a importância do entendimento dos discursos embasados na ideia de autonomia (A6, A8) e a ausência de transparência no processo (A6) que geram formas de resistência (A6). Nessa linha, os controles de horário por meio da precificação dinâmica é um dos exemplos que incentiva a manutenção constante do trabalho em prol da remuneração, além do rendimento extra garantido pelo atingimento de determinado quantitativo de viagens no caso da empresa Uber (A10).

Esses achados corroboram com Franco e Ferraz (2018), Siqueira (2020) e Greggo et al. (2022) ao tratarem do tempo dedicado nesse novo sistema como um aspecto fundamental para o incentivo da disponibilidade por se tratar de um processo produtivo de acordo com a demanda pretendida.

As formas de desempenho também fazem parte dos retratos do controle expostos nos documentos. Há a elaboração de sistema de controle que vão desde o cadastramento por meio da identificação dos trabalhadores que desejam atuar junto à plataforma (o qual possui exigências bem delimitadas), conforme exposto por A1, A12 e A19, até a sua manutenção e desligamento, que em sua grande maioria não conta com processos transparentes e respeitosos (A1).

Algumas formas de controle de desempenho expostas referem-se à agilidade nas respostas às demandas impostas pelas plataformas (A1, A3, A6, A9, A12), a gamificação do trabalho que faz uso de técnicas de incentivo para o aumento do desempenho (A2, A10) quantidade de trabalhos realizados (A1, A3, A6, A9, A12, A15, A16, A19), avaliações recebidas (A1, A2), sistema de classificações (A3), penalidades (A3, A5, A6, A9, A12, A15, A17, A19).

A precificação dinâmica também desponta como métrica de desempenho e de incentivo a disponibilidade do tempo (A10), tendo também relação direta com a técnica de gamificação que pressupõe o estabelecimento de prêmios ou encorajamento para o alcance de ganhos e novas classificações por meio de desafios e incentivos (A2, A10, A11). A classificação dos trabalhadores em obediência a disponibilidade e aos feedbacks são determinantes nesse cenário conforme reforçado por A12, tendo em vista a distância física de supervisores o que não permite a observação da forma que o trabalho está se desenvolvendo, outro ponto desse sistema indica que a classificação possibilita um direcionamento de melhorias no desempenho, entretanto todo esse processo é feito sem a transparência desejada e o suporte ou instruções dessas organizações (A15). Deste modo, há uma variedade de controle por algoritmos utilizados em plataformas (A16) que irão promover debates na literatura acerca das suas implicações.

Mcdonalds, Williams e Mayes (2021) reforçam essas implicações ao denotar os tipos de controle e a avaliação de desempenho estabelecida. Para os autores há além de processos específicos de avaliação a transferência de risco para o trabalhador no desempenho da atividade.

Por fim, o controle espacial também foi identificado vinculado à categoria de desempenho. Ora, nesse contexto indica-se esse tipo de controle inerente às plataformas digitais on-demand, não adentrando no universo do micro trabalho, pois sem a identificação da localização não é possível a prestação do serviço.

O trajeto é crucial nessa perspectiva e é definido por vezes pela própria plataforma que em parte dos casos pode ocasionar o aumento de riscos de acidentes caso o indivíduo não tenha conhecimento acerca do território (A10). As formas de burlar o sistema nesse sentido emergem nos achados de A6 ao investigar as reações a partir da incerteza desse controle.

De modo complementar, a vigilância do rastreamento é exposta por A8 apontando para implicações na saúde mental do trabalhador. Essa perspectiva coaduna com o cenário do capitalismo de vigilância embasado no uso da tecnologia em prol do acompanhamento em tempo real das ações, em que os dados ocupam o lugar da matéria-prima (FONSECA, 2020; ZUBOFF, 2018). Há então o que A16 pontua como uma relação que envolve um poder intermediado por vias tecnológicas variadas. Assim, tem-se o controle do trajeto, o tempo disponível e o desempenho por meio de métricas estabelecidas de modo unilateral não transparente que coadunam para o condicionamento de comportamentos desejados.

 

4.3 Comportamentos

Grande parte dos achados demonstra preocupações acerca das implicações dos controles estabelecidos no universo de plataformas digitais. Dentre as implicações na dimensão comportamental se encontra o condicionamento da autodisciplina que abarca os aspectos da disponibilidade constante (A4, A6, A8, A10, A16, A17, A18, A19) por meio de ações mecanicistas (A6, A10, A13, A16, A19) que podem estar vinculadas a alienação do indivíduo (A13).

Entende-se que o fenômeno investigado incentiva o autocontrole por meio de mecanismos efetivos e sutis que são naturalizados por vias tecnológicas e por discursos ideológicos, que conforme explica A13 podem direcionar a uma auto alienação que induz a permanência desses indivíduos no trabalho. Naturalmente que os fatores externos relativos à necessidade por renda também se posicionam como propulsores de autodisciplina nesse processo, como bem pontua A19 a busca pelas bonificações e rendimentos seguem como estratégias cotidianas do trabalhador.

Também nesse cenário o controle por meio da gamificação possui relação direta com o comportamento mecanicista de disponibilidade, afinal, quanto maior o tempo ativo no desempenho das funções maior a retribuição e classificação obtida em alguns sistemas (A16). É o que Zuboff (2019) aponta como novo instrumentalismo com base na moldagem do espaço e tempo dos trabalhadores em prol da autodisciplina, influenciando segundo A10 nas atividades desempenhadas e no ritmo de trabalho.

Considerando que autodisciplina vem a partir de um processo de induz o comportamento de impotência, essa categoria contempla os aspectos de isolamento (A2, A13, A18), sobrecarga (A2, A6, A8, A9, A10, A13, A14, A17, A19) e fadiga (A9, A10).

Mais uma vez a alienação desponta como resultado de uma série de fatores, um deles se refere ao isolamento social que esses trabalhadores estão submetidos e a impotência acerca das normas do sistema, que conforme pontua brilhantemente A13 não significa dizer que não há um grau de conhecimento acerca do controle imposto e acerca do manuseio das plataformas. Entretanto, há o estabelecimento da solidão do trabalho, em alguns mais do que em outros como indicado por A18 no âmbito de entregadores de comida, que não interagem com clientes ou supervisores.

A natureza de precariedade então se revela à medida que se tem um grau de isolamento severo e aspectos desumanos de busca por rendimentos justos que para A8 retratam uma tensão financeira de instabilidade salarial para os indivíduos que dependem dos proventos das plataformas, promotoras de sentimentos de insegurança e dependência.

Por fim, grande parte dos estudos considera a possibilidade do comportamento de enfrentamento do controle por algoritmo, apresentando contribuições acerca da pacificação (A15), solidariedade (A7, A14, A17) e resistência (A1, A4, A5, A6, A7, A9, A11, A14, A17), ou seja, na possibilidade de comportamentos individuais e organizações coletivas.

Nesse sentido, A4 já contribui apontando o caminhar de organizações coletivas de enfrentamento focalizadas na possibilidade de criação de plataformas que fogem da lógica tradicional. Por outro lado, A6 contribui indicando formas de respostas aos “golpes” das plataformas no âmbito do indivíduo como, por exemplo, o uso de perfis falsos, grupos online com outros trabalhadores (A11), ou ainda a organização de greves e manifestações que conforme A5 tendem a ser cada vez mais comuns.

Assim, ainda que haja o isolamento, o coletivismo também se estabelece afincado em estratégias relacionais que tem relação com a produção da solidariedade a partir de novas formas de organização (A7). A 14 contribui expondo sobre o processo de fragmentação e isolamento enfrentado nesse cenário que induz a impotência, esbarrando na delimitação do tempo de trabalho e de não trabalho. Entretanto também admite que há o enfrentamento por parte de alguns trabalhadores por meio do uso de redes sociais e plataformas afins.

            Assim, foi possível identificar relações entre as dimensões e categorias propostas, bem como acerca dos principais achados desenvolvidos nos documentos utilizados para esta revisão. Observou-se que a alocação das categorias de espaço e tempo como inerentes à categoria de desempenho pode ser viável ao ponto que também envolve métricas de desempenho.

            Também foram notórios os vínculos entre as categorias “tempo” e “espacial” ao ponto que ambas são verificadas em conjunto pelos controles algoritmos no âmbito da plataformização do trabalho. Ademais, a categoria do tempo, tem impacto direto ao estimular comportamentos de autodisciplina e de isolamento, induzindo ao mecanicismo das ações e a fadiga.

            Outro ponto que chamou a atenção é que apesar desses mecanismos e do trabalho solitário, não há apenas formas de resistências individuais, mas também ações de enfrentamento coletivo que também fazem uso de mecanismo tecnológico para a sua formação, entretanto ainda caminha a passos lentos em comparação a evolução dos meios de controle nesse cenário.

 

CONCLUSÃO

Considerando a relevância da temática da uberização nas diversas áreas de estudo, bem como a complexidade das suas implicações no indivíduo e na sociedade, a presente pesquisa selecionou artigos teórico-empíricos completos que passaram por revisão de pares publicados em periódicos nos últimos seis anos, buscando compreender as tendências das pesquisas. O levantamento possibilitou compreender como as publicações contribuíram para o esclarecimento das questões estipuladas acerca do controle por algoritmos e suas implicações.

Inicialmente a seleção contou com um total 363 publicações. A escolha das bases de dados eletrônicas obedeceu aos requisitos de relevância das publicações e revisão de pares. A partir da exclusão das publicações duplicadas obteve-se um total de 327 artigos, posteriormente foi realizada a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, leitura flutuante dos títulos e resumos, seguidas de leituras aprofundadas da introdução e da conclusão resultando em apenas 19 artigos nas bases SciVerse Scopus, Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e Web of Cience.

Por meio da leitura integral dos materiais constatou-se que apesar de se tratar de um fenômeno recente de estudos, há um aumento exponencial de pesquisas devido à necessidade da compreensão das implicações e do cenário repleto de mudanças. Um achado importante revela que apesar do aumento dos estudos acerca da uberização e do controle por algoritmos, grande parte ainda se encontra focalizada por comunidades científicas do norte global, havendo a incipiência de aplicação empírica em cenários periféricos do sul global a fim de compreender a realidade presente nesses contextos. Tal fato pode ser identificado quando apenas 8 (oito) dos materiais apresentam o lócus de pesquisas direcionado para as regiões do sul global, enquanto 14 (catorze) são do norte global.

            Assim, há a relevância de novas contribuições para o entendimento das práticas usuais de controle algoritmo de plataformas digitais e das implicações na dinâmica social e pessoal. Há também a predominância das pesquisas com abordagem qualitativa (total de onze produções), seguidas do método misto (total de cinco produções) e da metodologia quantitativa (total de três produções). Tais achados expõe o reflexo crescente da preocupação do entendimento aprofundado de um fenômeno complexo que gera implicações que não podem ser avaliadas apenas no sentido mais superficial e objetivista.

            Por outro lado, a RSL possibilitou identificar uma polissemia conceitual em muitos casos pela amplitude das nomenclaturas adotadas nessa perspectiva, a exemplo: “uberização”, “economia gig”, “plataformização”, “micro trabalho”, “crowdwork”, “trabalho sob demanda”, dentre outros. Sendo por vezes colocados como termos equivalentes sem a devida atenção à sua adequação conceitual, deste modo o estabelecimento adequado das nomenclaturas parece promissor para maior disseminação do conhecimento e para a busca de melhorias nesse sentido.

A RSL gera contribuições para a literatura considerando que o caminhar das produções percorre um caminho tortuoso em termos de dinamicidade e aplicabilidade em termos distintos. Bem como pode ter utilidade para que as organizações que desenvolvem suas atividades pautadas em controles algoritmos e no processo de uberização possam direcionar seus esforços a fim de garantir menores implicações para os trabalhadores, nesse aspecto as organizações públicas também podem moldar seu olhar para desenvolver melhorias nesse sentido, considerando que o contexto carece de aparatos legislativos que garantam a maior segurança desses no exercício das suas atividades.          

A limitação deste estudo se estabelece pelo quantitativo dos artigos analisados, não sendo possível a generalização dos resultados. Entretanto, ainda foram encontradas lacunas vinculadas às implicações acerca da dinâmica social do indivíduo e a interferência nos comportamentos adotados por esses trabalhadores. Indica-se para pesquisas futuras um novo direcionamento comparativo entre o crowdword e work on-demand, embasado nos aspectos de possibilidade de segurança jurídica em relação ao trabalho mediado por plataformas e suas variadas consequências.

Ademais, a proposição de um modelo teórico que inclua as principais implicações dos controles algoritmos nesse cenário é relevante ao passo que existem uma diversidade de achados nesse sentido. Outras strings de buscas como “work on-demand”, “crowdwork” e “sharing economy” também podem ser utilizadas de forma a verificar novas produções. Por meio deste artigo espera-se catalisar novos conhecimentos indicando o direcionamento e a necessidade de novas pesquisas a partir das lacunas teóricas encontradas na grande área das ciências sociais.

 

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