v. 7, n. 2, Maio-Agosto/2023

A IFRS 16: INCONSISTÊNCIAS À LUZ DA TEORIA CONTÁBIL E DA ESTRUTURA CONCEITUAL REGULATÓRIA

 

 

 

 Ricardo da Costa Nunes

 rcrdnns11@gmail.com

 https://orcid.org/0000-0002-0500-6300

 http://lattes.cnpq.br/6019911197404291

PPGCont/UnB

Brasília (DF)

 

André Nunes

andrenunes@unb.br

https://orcid.org/0000-0001-9928-6245

 http://lattes.cnpq.br/8684723387252795

PPGCont/UnB

Brasília (DF)

 

 

 

RESUMO

O presente ensaio teórico apresenta uma análise da consistência e coerência, à luz da teoria contábil e da Estrutura Conceitual Regulatória, dos conceitos e procedimentos utilizados na IFRS 16 relativamente ao arrendamento mercantil operacional. O IFRS 16 estabeleceu um tratamento diferenciado entre arrendadores e arrendatários, estabelecendo procedimentos inconsistentes e nomenclaturas ambíguas. Destaca-se a inconsistência decorrente da contabilização da conta classificada como direito de uso de ativo, um ativo intangível na arrendatária, em correspondência com a conta de ativo na arrendadora, quando o bem já foi transferido para a arrendatária. Pela Teoria Contábil, em especial Paton (1922), e pela Estrutura Conceitual Regulatória do IASB, deveria ser uma conta de recebível. Por fim, questiona-se se a teoria tem que se ajustar às normas vigentes ou propor procedimentos alternativos, a partir da análise do IFRS 16.

 

PALAVRAS-CHAVE: Arrendamento mercantil, IFRS 16, direito de uso, Teoria Contábil, Estrutura Conceitual.

 

IFRS 16: Inconsistencies in Light of Accounting Theory and the Regulatory Conceptual Framework

ABSTRACT

This theoretical essay investigates the consistency and coherence of concepts and procedures related to operating lease accounting in IFRS 16, in light of accounting theory and the Regulatory Conceptual Framework. The study examines the distinct treatment established by IFRS 16 for lessors and lessees, revealing inconsistent procedures and ambiguous nomenclature. Particular emphasis is placed on the incongruence in accounting for the right-of-use asset, classified as an intangible asset for lessees but treated as an asset for lessors, even after the transfer of the asset. By comparing the perspectives of accounting theory, notably the contributions of Paton (1922), and the Regulatory Conceptual Framework of the IASB, it is argued that the account should be classified as a receivable. The article concludes by questioning whether accounting theory should conform to existing standards or whether it is appropriate to propose alternative approaches, considering the critical analysis of IFRS 16.

 

KEYWORDS: Operating Lease, IFRS 16, Right-of-Use, Accounting Theory, Conceptual Framework.

 

Submetido: 06/02/2023

Revisões Requeridas: 03/06/2023

Aceito: 22/08/2023

Publicado: 31/08/2023

 

1    INTRODUÇÃO

A existência de ativos e passivos fora do balanço patrimonial, conhecidos como off-balance sheet, foi apontada como um dos elementos que aumentou a dimensão da crise financeira nos EUA no biênio 2007-2008, porque os registros contábeis indicavam uma situação financeira sólida das empresas, muitas das quais foram à falência. Dentre outros, a ocorrência de ativos e passivos de contratos de arrendamento mercantil operacional (aluguéis) de longo prazo impedia que o Balanço Patrimonial de empresas de arrendamento mercantil operacional refletisse fidedignamente a situação econômico-financeira.

O IASB, visando a uma maior aproximação do Balanço Patrimonial com a situação real das empresas, editou a IFRS 16 em 2016, gerando uma mudança substancial na forma de contabilização das operações de arrendamento mercantil operacional. No Brasil, CPC 06 R2 é de 2017. A alteração determinou que empresas registrassem ativos e passivos dos contratos de arrendamento mercantil operacional (aluguéis) de longo prazo no Balanço Patrimonial, com o objetivo de conferir maior transparência às operações e aproximar o valor dos Balanços da verdadeira situação econômico-financeira das empresas.

Entretanto, a edição da IFRS 16 não conseguiu estabelecer procedimentos contábeis em coadunância com a teoria contábil e a Estrutura Conceitual Regulatória, IASB (2018). Além disso, acabou conflitando com outras normas vigentes que tratavam de ativos. A norma estabeleceu o direito de uso (Right of Use - ROU) como critério de controle para o reconhecimento de ativos do arrendatário. Por outro lado, considerou a propriedade como critério para o reconhecimento de ativos do arrendador, o que não tem embasamento na teoria contábil e não está previsto na Estrutura Conceitual Regulatória, nem mesmo nas normas que conceituam ativos.

Desse modo, são utilizados dois critérios distintos para o reconhecimento de um ativo: controle e propriedade, criando uma exceção à norma geral que trata de definição de ativo e diferentemente do previsto na estrutura conceitual. Ademais, cria-se uma assimetria no reconhecimento do ativo entre a arrendadora e arrendatário, isto porque, o arrendador continua a reconhecer o ativo subjacente e não reconhece um ativo financeiro pelo seu direito de receber pagamentos do arrendamento.

É mister destacar que, ainda que as estruturas regulatórias admitam a ausência de coerência e hierarquia entre postulados, princípios e normas, a uniformidade é uma orientação imprescindível. A Estrutura Conceitual Regulatória busca um padrão conceitual uniforme que sirva como base às normas a serem implantadas. Contudo, com a edição da IFRS 16, a própria uniformidade ficou comprometida com o tratamento diferenciado do reconhecimento de ativo e da depreciação para arrendadoras e arrendatárias. Assim, a Estrutura Conceitual Regulatória não foi capaz de resolver os problemas acerca do arrendamento mercantil operacional e negligenciou o uso da metodologia científica, ao criar exceções a regras. Desta forma, a credibilidade do órgão normatizador pode ser questionada por que o que está verdadeiramente negado na IFRS 16 é a uniformidade que são buscadas nas metodologias científicas, comprometendo reputação dos órgãos normatizadores perante os usuários da contabilidade.

De uma forma geral, a conexão entre normas e teoria e Estrutura Conceitual tem sido exitosa, fazendo com que a prática contábil aproxime os valores patrimoniais dos de mercado e forneça auxílio aos usuários da contabilidade. Desse modo, a maior parte dos conceitos adotados nas normas do IASB decorrem da teoria contábil. Esse é o caso do acolhimento do critério de direito de uso para reconhecimento de ativos, bem como da substituição do conceito de receita por renda e da adoção do fair value em substituição ao custo histórico.

No entanto, o conceito de direito de uso de ativo (ativo subjacente) trazido pela IFRS 16 parece ser uma exceção, pois está permeado por inconsistências com a teoria contábil e privilegia a adequação à prática. Acrescente-se que o termo “direito de uso” é empregado de forma ambígua: de um lado, é utilizado como critério para reconhecimento de ativos; de outro, simultaneamente, como uma conta para contabilizar o ativo arrendado no arrendatário. Além disso, a IFRS prevê depreciação do ativo intangível direito de uso, o que embute uma inconsistência teórica, pois ativos tangíveis são depreciados, enquanto ativos intangíveis são amortizados.

Contudo, a ambiguidade constante da IFRS 16 retira a metodologia científica da normatização preconizada pelos órgãos normatizadores. O método científico é um conjunto de regras básicas que originam um procedimento regular a ser repetido no tratamento de eventos semelhantes. A necessidade de adequação da norma contábil à teoria científica já estava presente em Paton (1922), para quem a nomenclatura da prática é cheia de ambiguidades. Tal posicionamento é corroborado pelo ASOBAT (1966) que ressalta a necessidade de consistência de práticas no tempo e entre empresas. Mais recentemente, Ofori et al. (2019, p.36630) são contundentes, ao afirmarem que “the most important goal of accounting theory should be to provide a coherent set of practice that form the general frame of reference for the evaluation and development of sound accounting practices”.

Uma questão que emerge é se tal conceito e classificação não acabariam por prejudicar a representação fidedigna dos relatórios contábeis. Tal indagação vai ao encontro de Paton (1922, p. 499), para quem era desejável que os fundamentos da teoria e da prática fossem examinados e avaliados, para que se descobrisse o quão firmemente eles estão fundamentados.

O tema é relevante porque a edição da IFRS 16 é recente e, consequentemente, são poucos os estudos nacionais que analisam a aderência das novas normas à teoria contábil, bem como sua coerência com a estrutura conceitual vigente.

O tema é também controverso. Para Xu et al. (2017), a estrutura conceitual está em coadunância com a IFRS 16, assegurando que as operações de arrendamento mercantil possam ser representadas fidedignamente. No entanto, essa posição contraria o disposto nas cartas comentários.

O objetivo deste ensaio teórico é comparar o tratamento dado ao direito de uso na teoria contábil e no IFRS 16, bem como analisar possíveis inconsistências e eventuais consequências para a qualidade das demonstrações contábeis. O problema a ser respondido pela pesquisa é se o direito de uso é consistente com a estrutura conceitual e a teoria contábil. Assim, é mister analisar se foi apresentada uma definição imprecisa ou inadequada que precisaria ser futuramente adequada à teoria.

Após esta introdução, a segunda seção apresenta os aspectos teóricos e a terceira analisa as inconsistências de lógica e de nomenclatura da IFRS 16. A quarta seção conclui o trabalho.

 

2    ReFERENCIAL TEÓRICO

 

As práticas contábeis podem atender ao interesse de distintos usuários, como o credor, o governo, o investidor, o proprietário, entre outros, evidenciando, portanto, diferentes aspectos da situação econômico-financeira da entidade. Como descrito por Pigatto e Lisboa (1999), o interesse dos credores é atendido com a incorporação do princípio da prudência, enquanto o dos investidores com a divulgação pelas empresas de dados de dados de fácil compreensão, para que a situação real da empresa seja conhecida e a assimetria de informações seja mitigada (FLOWER, 2004). O interesse dos preparadores é o registro das transações contábeis para permitir a elaboração de relatórios que subsidiem a análise das contas e a tomada de decisões pela administração, de acordo com Marion (1997). O interesse do governo é o registro de operações que assegurem a arrecadação de receitas tributárias.

Além de serem explicadas pelo interesse de distintos usuários, as práticas contábeis também estão relacionadas ao formato da propriedade empresarial. De acordo com Paton (1922), empresas com propriedade única e parcerias admitem um conjunto de práticas em que nem todas as transações são registradas, uma vez que os donos as guardam na memória e há mistura de negócios pessoais e empresariais. Tais práticas não são aceitáveis nas grandes corporações.

No entanto, a prática contábil das parcerias e das corporações têm em comum a busca de informações para a alocação de recursos e a avaliação da situação financeira da empresa pela ótica do proprietário. Apesar de as grandes corporações registrarem todas as transações contábeis, o faziam sem padronização contábil (Nobes, 1983), o que impossibilitava a comparação periódica de lucros entre empresas, mesmo no mesmo setor empresarial. A comparação entre os resultados das empresas tornava-se mais difícil pela existência de reservas secretas que, de acordo com Nepomuceno (2000), chegavam a ser vistas como apropriadas no início do século XX.

Em síntese, a prática contábil era governada por uma maior influência de um determinado usuário, o proprietário, sem conexão com a teoria contábil, tanto nas propriedades únicas e parcerias, como nas grandes corporações.

A partir da década de 1920, emergem elementos que contribuíram para a busca da uniformidade das práticas contábeis. Um dos principais elementos que contribuíram para a uniformidade foi a padronização das informações contábeis relevantes. O crescimento do mercado acionário acompanhado do aumento da participação das grandes corporações na economia levou os acionistas a ganharem importância como provedores de capital. Estes, então, passaram a ter seus interesses melhor representados junto aos órgãos normatizadores (PELGER, 2016), em especial, após, a quebra da bolsa de valores de NovaYork em 1929.

Assim, difundiu-se o entendimento de que a uniformização seria possível com a elaboração de contas contábeis sujeitas a método científico, para que pudessem ser mensuradas com consistência. Segundo Iudícibus (2006), a prática contábil deve contemplar a teoria contábil para que não esteja sujeita a fragilidades. Em outros termos, a contabilidade sem metodologia científica não permitia mensuração e avaliação das contas contábeis adequadamente. Essa situação impunha a necessidade, apresentada por Rodrigues Junior et al. (1999), de o órgão normatizador buscar a harmonização das práticas contábeis.

O reforço da uniformidade das práticas contábeis, na década de 70/80, chega com proposições teóricas de que os relatórios contábeis poderiam refletir a situação real da empresa, servindo como preditores de retornos de dividendos, como em Ou e Penman (1989). Já pela Hipótese dos Mercados Eficientes (HME) apresentada por Fama (1970), o valor das empresas estaria refletido nas cotações das ações presentes, fazendo com que as futuras possam ser estimadas. Isto porque, os preços dos ativos incorporam informações reveladas pelo mercado. Assim, a incorporação da metodologia científica à prática contábil contribuiu para a expansão do mercado acionário, o que beneficiou empresas e investidores.

Desse modo, a comparabilidade dos relatórios contábeis interessa tanto ao investidor, ávido por aumentar a rentabilidade de seus investimentos, como à empresa, que se beneficia da ampliação do mercado acionário para disseminar a venda de ações, podendo captar recursos mais baratos do que por meio de empréstimos, conforme a Teoria da Hierarquia. A sobrevivência das empresas depende de sua capacidade de mobilizar recursos a menor custo para enfrentar a acirrada concorrência do mercado¸ como destacado por Dávila (2009), Harrington (1993) e Pinto (1993). Também interessa às empresas e aos investidores que os padrões contábeis sejam compreensíveis aos pequenos investidores e a todos empresários, pequenos e grandes.

Assim, os órgãos normatizadores passaram a buscar estabelecer padrões mundialmente uniformes para que os investidores se beneficiassem da internacionalização da economia e dos mercados (NIYAMA, 2009). Nesse sentido, as demonstrações financeiras constituem-se em fontes de informação relevantes para a tomada de decisão dos usuários da contabilidade, para que, de acordo com Iudicíbus (2013, p.1): “um investidor, em qualquer região do globo, possa avaliar a melhor oportunidade de investimento, visto que os relatórios contábeis de cada país estariam harmonizados ao nível do mesmo conjunto de operações.”

Com o objetivo de que o Balanço Patrimonial refletisse a situação real da empresa, os órgãos normatizadores determinaram que valores de ativos e passivos passassem a ser contabilizados a valor presente, como disposto no CPC 12.

A utilização de informações com base no valor presente concorre para o incremento do valor preditivo da Contabilidade; permite a correção de julgamentos acerca de eventos passados já registrados; e traz melhoria na forma pela qual eventos presentes são reconhecidos. Se ditas informações são registradas de modo oportuno, à luz do que prescreve a Estrutura Conceitual para a Elaboração e Apresentação das Demonstrações Contábeis, Pronunciamento Conceitual Básico deste CPC, em seus itens 26 e 28, obtêm-se demonstrações contábeis com maior grau de relevância - característica qualitativa imprescindível. (CPC 12, item 2)

O Balanço Patrimonial retrata uma situação em uma data e, por isso, todos os itens contábeis precisam estar valorados ao mesmo dia, caso contrário somam-se valores de datas distintas, distorcendo a situação financeira da empresa. A título de exemplo, anteriormente, eram informadas duplicatas a receber ao valor de face e não pelo valor da data do fechamento do Balanço, o que não correspondia ao valor real do documento. A preocupação, portanto, passou a ser a aproximação do Balanço Patrimonial do verdadeiro valor de mercado, enquanto anteriormente as aquisições de ativo à base de custo histórico faziam com que o Patrimônio Líquido não refletisse o valor da empresa.

Contudo, a utilização de metodologia científica não impediu que os contadores ficassem expostos a influências acadêmicas, políticas e do ambiente institucional em que estavam inseridos. Na tentativa de explicar fenômenos, há a tendência de usar teorias que estão em coadunância com interesses de grupos de pressão presentes na sociedade, representados pelos usuários da contabilidade, como empresas e investidores. Constata-se, assim, que os analistas não estão isentos de influências como apontado por Keynes (1982), Weber (1998) e Bourdieu (1983).

Também a crise de 2008 impulsionou avanços da contabilidade valuation pelo fato de que empresas que apresentavam bons indicadores patrimoniais foram à falência porque possuíam muitos passivos fora do Balanço Patrimonial. O comprometimento de firmas de auditoria e de contadores com fraudes contábeis demandou melhorias dos procedimentos contábeis e de auditoria pelo Congresso dos EUA, em 1996, e posteriormente, pelo próprio Presidente dos EUA, como apontado por Amernic e Craig (2004):

Bush invokes a powerful metaphor to indicate his administration’s intention to ‘mov[e] corporate accounting out of the shadows, so the investing public will have a true and fair and timely picture of assets and liabilities and income of publicly traded companies. (AMERNIC e CRAIG, 2004, p 346)

Os EUA também acabaram por desenvolver uma contabilidade mais avançada do que outros países por deterem mais recursos acadêmicos e financeiros, equipamentos técnicos e mão-de-obra abundante, inclusive suplantando a Alemanha e a Itália, de acordo com Sayed et al. (2017). Tal fato levou outros países a adotarem muitos de seus procedimentos, como foi o caso da Lei das S.A.s do Brasil, que sofreu influência dos EUA.

O International Accounting Standards Board (IASB) acabou adotando o paradigma avaliação-investimento, estabelecendo padrões para a expansão do mercado de capitais a nível nacional e internacional, ao elaborar relatórios destinados às provedoras de capital, conforme Iudícibus (2013). Assim, o objetivo das demonstrações financeiras passou a ser fornecer informações úteis para os investidores e credores para estimassem os fluxos de caixa futuros (ZEFF, 1999).

Estes padrões do IASB foram moldados de forma a aproximar os relatórios contábeis do valor de mercado e a tornar a leitura dos itens contábeis mais fácil e compreensível a todos investidores. Trata-se de um movimento da contabilidade para atender a um anseio da sociedade, como afirmado por Iudícibus (2013).

A expansão do paradigma avaliação-investimento, impulsionada pela adoção das normas do IASB por vários países do mundo, estabeleceu comparabilidade internacional com um padrão conceitual e favoreceu o fluxo de capital entre países, de acordo com Dantas et al. (2014). Este processo tem sido denominado de anglo-saxonização da contabilidade. Tal processo foi marcante para o estabelecimento de um maior fluxo de capital para todo o mundo, com a comparabilidade dos documentos contábeis. Esse programa dos órgãos normatizadores constituiu uma das mais amplas ações promovidas pelos estados com vistas à promoção do fluxo de capitais.

O atendimento ao investidor é buscado também com a maior transparência dos relatórios contábeis. A leitura do Balanço Patrimonial tornou-se mais fácil com a substituição da conta diferido por intangível e a extinção do item resultados futuros (como disposto no CPC 13) que anteriormente confundiam não contadores. No Brasil, a extinção da conta diferido atendeu à Lei nº 11.638/07.

O IASB pôde utilizar conceitos de forma consistente com a teoria no desenvolvimento e revisão de International Financial Reporting Standards (IFRS) e ajudar outras partes a entender e interpretar as IFRS existentes, como apontado por Silva (2018). Desta forma, a Teoria Contábil auxiliou os usuários da contabilidade ao enriquecer a Estrutura Conceitual Regulatória (ECR) que, por sua vez, pode sugerir novos conceitos à contabilidade, num círculo virtuoso.

O IASB tem tido êxito no processo de harmonização dos critérios com a edição das normas contábeis, sendo que estas, na maior parte das vezes, decorrem da teoria contábil, propiciando uma simbiose entre os estudos teóricos e as normas. Esse é o caso do acolhimento do critério de direito de uso para reconhecimento de ativos, da substituição do conceito de receita por renda e da adoção do valor justo em substituição ao custo histórico. No entanto, mais recentemente, o IASB e o FASB parecem ter assumido uma posição mais relevante nas propostas de novos conceitos contábeis regulatórios relativamente aos acadêmicos, de acordo com Iudícibus (2013).

As inovações trazidas pelo IASB, como a introdução da essência sobre a forma, a definição de ativo como recurso econômico e o uso do critério direito de uso para reconhecimento de ativos, trouxeram uma melhoria para a qualidade contábil. Para Iudícibus (2013, p.8): “As conceituações e normatizações do IASB/FASB representam um grande passo regulatório e um progresso inegável”. Há, assim, um consenso de que o IASB teve sucesso na harmonização contábil e no esforço de aproximar o valor patrimonial do valor de mercado.

Do ponto de vista estrito do número de países que adotaram oficialmente a regra do IASB, conseguiu-se alcançar a convergência pretendida. Este sucesso dos órgãos normatizadores é constatado quando se considera os órgãos normatizadores como protagonistas da contabilidade, com uma troca de papéis entre a academia e os órgãos normatizadores.

Neste quadro, o grande evento que exemplificaria os avanços e a melhoria das ações do IASB é a edição do IFRS 16, que trata do arrendamento mercantil. Tal normativo apresenta a melhoria da qualidade da contabilidade, que aproximou os relatórios contábeis do valor econômico das empresas com a inclusão de ativos e passivos nos Balanços Patrimoniais. O êxito dos órgãos normatizadores na regulamentação da prática contábil é relativizado por Nussbaumer (1992) para quem a edição de normas tratou de forma bem-sucedida questões não controversas.

Diferentemente da teoria, o IASB apresenta conceitos que podem conflitar com postulados, objetivos da Estrutura Conceitual Regulatória e até mesmo com outras normas. Uma possível explicação é o fato de a edição de normas com o uso de novos conceitos ter ocorrido sem que houvesse uma atualização de outras normas e da estrutura Conceitual Regulatória. Além disso, em tese, as estruturas regulatórias não buscam a coerência entre as partes componentes, mas um padrão conceitual uniforme que sirva como base para as normas a serem implantadas, como descrito por Tranfield et al. (2003). Há uma evidência desta proposição: se, na avaliação da entidade, certa norma não é aderente ao princípio que a comanda, a entidade não é obrigada a segui-la (preceito conhecido como true and fair override).

A ausência de correlação entre a norma e a teoria pode levar ao uso de definições imprecisas e até mesmo à edição de normas cuja forma difere da substância econômica, o que implica na ausência da representação fidedigna e na distorção da realidade econômica da empresa, fazendo com que se deixe de ter true and fair view, conforme Martins et al. (2007). Marion e Procópio (1998) já haviam constatado que não é raro que a forma jurídica deixe de retratar a essência econômica. A deficiência da ECR é constatada por Anthony (1987), que apresenta como explicação o fato de que a técnica de contabilidade é frequentemente anterior à teoria e visa atender às necessidades de prover informações a uma determinada categoria de usuário de informação. Iudícibus e Martins (2015) reforçam tal proposição, ao afirmarem que o fato de as normas serem criadas para atenderem à prática contábil faz com que elas fiquem sujeitas a um viés prático definido a priori.

Neste quadro de ausência de correlação entre a norma e a teoria, temos a edição da IFRS 16. Esta norma teve por objetivo substituir o padrão de contabilização da IAS 17, o qual era pouco transparente e não relatava a substância econômica da transação (CAPE, 2019). Esse distanciamento entre as normas e a teoria requer análise das consequências de diferentes escolhas na busca pela decisão mais adequada, de acordo com Watts e Zimmerman (1986). Para Iudícibus e Martins (2015) caberia aos teóricos buscar alternativas aos modelos regulatórios, demonstrar falhas e almejar melhorias da prática contábil.

A busca da consistência entre a boa prática contábil e as normas, como recomendado na literatura, leva a uma análise crítica da IFRS 16. Na edição do IFRS 16, pode ter ocorrido uma ruptura da simbiose entre normas e teoria, em especial, da exigência da essência sobre a forma na elaboração das normas. A IFRS 16 estabeleceu um modelo contábil duplo para os arrendadores e outro único para os arrendatários, inconsistente com a estrutura conceitual e com a teoria contábil. Acresce-se que a IFRS 16 reconhece ativos simultaneamente por controle e propriedade.

A adequação das normas à Estrutura Conceitual Regulatória e à teoria contábil é necessária para que o valor econômico das empresas esteja indicado nas demonstrações contábeis, como esperado pelos investidores. A teoria dispõe de uma base adequada de conceitos empregados e de classificações de procedimentos que podem contribuir para que as demonstrações financeiras reflitam fidedignamente a situação econômico-financeira da empresa.

 

3    ARRENDAMENTO MERCANTIL NA IFRS 16 EM COMPARAÇÃO COM A TEORIA CONTÁBIL E A ECR

O objetivo desta seção é comparar a IFRS 16 com a teoria contábil e a Estrutura Conceitual Regulatória (ECR) no arrendamento mercantil, mais especificamente no que tange ao critério de reconhecimento de ativos pelo direito de uso ou pela propriedade, bem como no que se refere à depreciação no arrendador e no arrendatário.

Antes da edição da IFRS 16, as empresas realizavam o pagamento das parcelas do arrendamento mercantil e as apropriavam como despesa do exercício. Assim, não registravam o ativo arrendado, nem o correspondente passivo no Balanço Patrimonial, o que passou a ocorrer com a edição da IFRS 16 (CPC 06 R2). Estas categorias fundamentais, ativos e passivos, quando fora do balanço, impedem o conhecimento da real situação da empresa. Beattie et al. (1998) estimaram que, no Reino Unido, os passivos decorrentes de arrendamento mercantil representavam 39% do passivo. Eventuais atrasos do pagamento mensal do arrendamento poderiam implicar em multa, que não seriam de conhecimento do usuário da contabilidade. Os valores expressivos de ativos e de passivos de aluguéis que ficavam fora do balanço nos arrendamentos mercantis impediriam que a situação de empresas arrendatária fosse conhecida pelos usuários da contabilidade, principalmente no setor de aviação civil. Segundo Soares e da Silva (2018), as companhias aéreas deixavam de registrar cerca de 22,7% dos ativos no balanço por serem decorrentes de operações de arrendamento operacional.

Assim, expressivos percentuais de ativos e passivos não registrados faziam com que o Balanço Patrimonial de muitas empresas não refletisse sua real situação econômica, permitindo que investidores tomassem decisões de investir equivocadas. Com vistas a corrigir tal situação, o conceito e o tratamento do arrendamento mercantil operacional sofreram uma expressiva mudança com a edição da IFRS 16 (CPC 06 R2). O arrendamento mercantil passou a ser definido como a entrega remunerada de um bem pelo arrendador ao arrendatário por um prazo determinado, com as condições estabelecidas em contrato. O arrendatário passou a ter gestão do bem durante a vigência do contrato, estando sujeito aos riscos e benefícios econômicos do bem arrendado. O arrendatário reconhece o ativo, não como equipamento, mas sim como direito de uso.

Convém esclarecer que a existência do direito de uso pressupõe que o titular tenha não só o direito de usar o objeto, como de vender direitos sobre o objeto e de empenhar direitos sobre o objeto, entre outros, como informado por Matos e Niyama (2018). Também deve ser mencionado que o direito de uso tem que ser pleno. Desta forma, o gerenciamento do uso do bem não está sujeito a restrição, nem o proprietário não pode substituir o bem por um alternativo (MARION e RIOS, 2020).

Após a edição da IFRS 16, tornou-se obrigatório o registro de ativos e passivos no Balanço Patrimonial das empresas arrendatárias. Todo arrendamento passou a ser considerado um direito de uso (Right of Use-ROU), seja arrendamento mercantil ou financeiro. Entende-se por direito de uso o direito de gestão de um bem em troca de uma compensação monetária. Assim, até mesmo os aluguéis passaram a ser reconhecidos no Balanço Patrimonial.

No arrendamento mercantil, regulado pela IFRS 16, há dois agentes importantes: o arrendador, que transfere o bem ao arrendatário em troca de uma compensação financeira, e o arrendatário que tem a gestão do bem. Considerando a norma que trata de ativo, este é um recurso controlado pela empresa o qual se espera que gere benefícios futuros. Assim, o bem arrendado pela arrendatária é classificado como Ativo Intangível, direito de uso de ativo, e, simultaneamente, pela arrendadora como um ativo tangível. Assim, há um ativo na arrendatária que corresponde a outro ativo na arrendadora, devido ao uso de critérios distintos para reconhecimento de ativos, conforme Quadro 1.

Quadro 1: Exemplo prático da contabilização do arrendamento mercantil operacional

Elaboração própria.

Constata-se, assim, que há um ativo imobilizado na arrendadora (e não uma conta de recebível) correspondendo a outro ativo (denominado de direito de uso do ativo) na arrendatária. Ademais, ambas as empresas calculam depreciação do ativo com procedimentos distintos e, portanto, o que pode resultar em valores diferentes. Há, portanto, uma assimetria nos Balanços Patrimoniais da arrendadora e da arrendatária.

Denomina-se teoria contábil o conjunto de postulados, princípios e convenções, em que os postulados servem de base para a formulação dos princípios (HENDRIKSEN e BREDA, 1999), os quais, por sua vez, orientam as convenções e a elaboração de conceitos fundamentais precisos, conforme Iudícibus (2006). Nesta relação, sobressai o fato de que o conceito contábil é derivado com consistência lógica para embasar as premissas orientadoras da teoria da contabilidade, conforme Martins (2012) e Lopes e Martins (2005). Anteriormente, Paton (1922) havia enumerado os postulados como base da teoria contábil e, consequentemente, a prática contábil, uma vez que considerava que esta, sem a sustentação de fundamentos teóricos, seria pouco correta.

A Estrutura Conceitual Regulatória consiste em um documento que “estabelece os conceitos que fundamentam a preparação e apresentação das demonstrações financeiras” (IASB, 2018) e orienta a edição de normas contábeis. Em outros termos, é um documento dispõe sobre um sistema de ideias e objetivos que geram conceitos para subsidiar um conjunto consistente de regras e padrões, como previsto no CPC 00 R2 (2016), bem como em Iudícibus e Martins (2015) e Dantas et al. (2014). O objetivo principal da Estrutura Conceitual é identificar conceitos que serão utilizados de forma consistente no desenvolvimento e revisão das IFRS.

As normas contábeis devem permitir que os contadores organizem, planejem e realizem um registro sistemático de todos os eventos contábeis para a preparação de relatórios contábeis. Desse modo, gestores, investidores e outros usuários da contabilidade poderão realizar análise periódica da situação da empresa. A Estrutura conceitual regulatória segue o propósito de refletir a realidade econômica, em conexão com a contabilidade que privilegia o investidor, denominada por Iudícibus (2013) de “valuation”.

Assim, a Estrutura Conceitual Regulatória criou conceitos contábeis e aperfeiçoou outros, como o direito de uso e o de recursos econômicos, utilizando, ainda que implicitamente, o princípio da essência sobre a forma. O órgão normatizador melhorou a definição de ativo com o conceito de direito de uso como requisito para evidenciar o controle, como apresentado por Paton (1922). A definição de ativo como um recurso econômico, em que há controle de uso pelo agente permite o reconhecimento do ativo, não importando a propriedade.

Outro avanço importante foi dotar os contadores de responsabilidade pelo julgamento nas classificações contábeis e, portanto, de responsabilidade subjetiva, permitindo-lhes priorizar a essência sobre a forma na escrituração contábil. Desta forma, o contador não ficou restrito à aplicação de regras (DANTAS et al., 2014).

No entanto, IASB com a IFRS 16, deixa de classificar transações semelhantes de maneira similar, ou, em outros termos, de buscar a uniformidade no registro e na divulgação das transações. O IASB acabou assim por ignorar o diagnóstico de Paton (1922 p. 57) que via o arrendatário como titular direito de uso, como numa compra:

Still further, by means of a long-term lease the nominal owner may delegate virtually all control to the lessee. The lessor in such a case is still commonly viewed as the owner, but for all practical purposes ownership, in so far as control is an essential, has passed to the lessee. Thus it is not unreasonable to view the long-term lease as in some respects the equivalent of an outright sale. (PATON (1922, p. 57)

 

Acresce-se que o IASB pode ter criado confusão ao empregar o direito de uso como critério para reconhecimento de ativo e como conta do ativo, ignorando o propósito da ECR de tornar fácil a leitura das normas para contadores e profissionais de outras áreas. Constata-se que, neste aspecto, o IASB 16 não conseguiu tornar a leitura do Balanço Patrimonial acessível ao leigo em contabilidade.

Além disso, a IFRS prevê a depreciação do ativo direito de uso, um ativo intangível: Ativo Intangível não é aplicável a ativos intangíveis mantidos pela entidade para venda no curso normal dos negócios, nem a arrendamentos de ativos intangíveis dentro do alcance do CPC 06”. (CPC 04 R1, 2010). Essa norma embute uma inconsistência teórica, pois ativos tangíveis são depreciados, enquanto ativos intangíveis são amortizados.

Para evidenciar a inconsistência no reconhecimento de ativos na IFRS 16, em que se utilizam dois critérios, direito de uso e propriedade, apresenta-se um exercício de lógica. Se há dois eventos mutualmente excludentes, ou se reconhece ativo pelo direito de uso (A), ou pela propriedade (B). O IASB, no IFRS 16, prevê o reconhecimento de ativos como “direito de uso” pela arrendatária e, por outro lado, como propriedade para a arrendadora. Ademais, cria-se uma assimetria no reconhecimento do ativo entre a arrendadora e arrendatária porque o arrendador continua a reconhecer o ativo subjacente. De acordo com IFRS 16, a arrendadora reconhece como ativo o bem cedido à arrendatária, quando deveria reconhecer um ativo financeiro pelo seu direito de receber pagamentos do arrendamento.

É mister reconhecer que a consistência requer que os princípios e conceitos contábeis sejam derivados por meios lógicos, como apresentado matematicamente por Christenson (1983). Assim, o reconhecimento de ativos pelo item controle (A) pode ser representado da seguinte forma:

B= controle sem propriedade (há direito de uso)

C= propriedade (sem direito de uso)

Desta forma, o controle sem propriedade (B) e propriedade sem controle (C) são eventos mutualmente excludentes, ou a propriedade ou o controle são utilizados como critério de reconhecimento. Desta forma, poderíamos ter

       A=B ou A=C.

A equação (1) pode ser traduzida assim: o reconhecimento do ativo pode ser pelo controle de uso ou propriedade.

Entretanto, não poderíamos ter:

A=B ou A=C, isto porque, B≠C e B∩C=0, assim se A=B e A=C seria ilógico. Nesse cenário, tem-se somente um dos valores lógicos “verdade” ou “falso”.

É evidente que a sequência de postulados, princípios e convenções não precisa, necessariamente, ser enunciada de forma matemática ou axiomática. Porém, mesmo que expressos em linguagem não matemática, precisa ser logicamente interligada e sem falhas conceituais e metodológicas. Sobretudo, os conceitos precisam ser claramente definidos. Entretanto, reitera-se que fugindo à lógica, o IFRS 16 reconhece um ativo na empresa arrendatária pelo critério direito de uso e na arrendadora pela propriedade do bem arrendado. Uma situação em que a arrendadora transferiu o controle do bem em troca de recebíveis, em coadunância com o plano de contas, poderia ser clientes ou contas a receber, mas registra no Balanço Patrimonial um ativo imobilizado. Matematicamente, seria o mesmo que afirmar que A=B e A=C, quando B≠C. Uma teoria, seja positiva ou normativa, assim como uma estrutura conceitual regulatória ou normas, requer conceitos precisos e lógicos.

Uma possível explicação para tal contabilização é que havia necessidade de registrar contabilmente a operação. Desse modo, a propriedade foi escolhida como critério de reconhecimento de ativo simultaneamente ao direito de uso, não se estabelecendo uma relação unívoca.

Em síntese, a teoria contábil e a ECR baseiam-se em uma relação consistente de conceitos fundamentais que têm como produto os relatórios contábeis, que subsidiam a avaliação econômico-financeira das empresas e a inferência sobre a trajetória da situação futura das empresas. Ressalte-se que a teoria contábil e a ECR requerem uniformidade das normas e consistência lógica, como previsto em Sprouse e Moonitz (1962), mas ausente na IFRS 16.

 

4    CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contabilidade do proprietário estava assentada em conceitos e classificações para uma prática contábil que atendia às necessidades dos proprietários, como exposto em Paton (1922). No entanto, a ausência de um arcabouço teórico que sustentasse a criação de conceitos para a elaboração de um sistema contábil a tornava insatisfatória para análise fidedigna da real situação econômico-financeira das empresas. Somente a criação de conceitos contábeis com base em critérios lógicos poderia criar sistemas organizados com normas para medir adequadamente a situação e a evolução das contas e indicadores contábeis.

A criação e atuação dos órgãos normatizadores permitiu uma reversão de prática contábil insatisfatória, sem fundamentos científicos, para uma busca de prática fundamentada na teoria e na estrutura conceitual regulatória, marcada por uma simbiose entre os estudos teóricos e as normas. A Estrutura Conceitual incorporou conceitos da teoria e criou outros que permitiram o aperfeiçoamento da prática contábil progressivamente. Este quadro levou muitos autores a considerar que os órgãos normatizadores tiveram êxito no processo de harmonização dos critérios com a edição das normas contábeis.

No entanto, a Estrutura Conceitual Regulatória não foi capaz de resolver os problemas acerca do arrendamento mercantil operacional com a edição da IFRS 16. A IFRS 16 (CPC 06 R2) estabeleceu como critério de controle para o reconhecimento de ativos o direito de uso (Right of Use- ROU) para arrendatário e a propriedade para o arrendador. A adoção do critério propriedade para arrendadora não está previsto na Estrutura Conceitual Regulatória, nem nas normas que conceituam ativos e não tem embasamento na teoria contábil.

Em tese, as estruturas regulatórias não buscam a coerência entre as partes componentes, mas um padrão conceitual uniforme que sirva como base para as normas a serem implantadas. Contudo, com a edição da IFRS 16, a própria uniformidade ficou comprometida com o tratamento diferenciado para o reconhecimento de ativo e a depreciação para arrendadoras e arrendatárias.

Constata-se assim que a simbiose entre as normas contábeis e a teoria contábil ficou comprometida com a menor participação da academia na formulação de padrões contábeis, em especial com a IFRS 16, e consequentemente, a prática contábil tornou-se insatisfatória. As normas com pouco conteúdo teórico podem acabar apresentando definições imprecisas e a necessidade de redefinições recorrentes.

A classificação de ativo com o uso do critério de propriedade para arrendadora, na IFRS 16, se deveu à falta de compromisso dos órgãos reguladores com a edição de normas obedientes à lógica e à consistência. A teoria contábil poderia contribuir para a consistência e o aperfeiçoamento das normas ao abarcar procedimentos não tratados na Estrutura Conceitual Regulatória. A contribuição da teoria à ECR se deveria à incorporação da lógica e da consistência às normas como requisitos fundamentais, o que poderia propiciar a fidedignidade da situação socioeconômica das empresas, evidenciando a necessidade de que os teóricos atuais realizem análise crítica das normas e participem na edição de outras. Em outros termos, estudos voltados tanto para a teoria da contabilidade como para a prática podem promover a evolução da teoria e das normas contábeis, removendo inconsistências e fraqueza nos requisitos.

 

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