v.
7, n. 1, Janeiro-Abril/2023 This work is licensed
under a Creative
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4.0 International License
BARRAGENS
DE MARIANA E BRUMADINHO E PREÇO DA AÇÃO DA VALE: UM ESTUDO DE EVENTO
Carlos Henrique Rocha
chrocha@unb.br
http://lattes.cnpq.br/0464073041910151
https://orcid.org/0000-0002-1143-2058
UnB
Brasília/DF
José Guilherme Vasconcelos
joseguilherme.s.vasconcelos@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/9363728326749531
UnB
Brasília/DF
RESUMO
A
Samarco subsidiária da Vale S.A. e de uma mineradora anglo-australiana mantinha
em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, barragens de rejeitos de mineração. O
objetivo da barragem é impedir que os resíduos tóxicos não cheguem aos rios e
córregos da região. A barragem de Mariana se rompeu em 5 de novembro de 2015 e
a de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019. Vidas se perderam, rios e córregos
foram contaminados e lamas tóxicas se alastraram por quilômetros de terras. O
Brasil assistiu a dois acidentes com barragens de rejeitos de mineração jamais
vistos. Os rompimentos das barragens afetaram o preço das ações da Vale? Por
meio da abordagem econométrica-financeira conhecida por estudo de evento
concluiu-se que o rompimento da barragem de Fundão, de Mariana, provocou uma
queda acumulada pós-evento estatisticamente significante no preço da ação da
mineradora. Já a ruptura da barragem do Córrego do Feijão, de Brumadinho,
afetou o preço da ação da Vale somente no dia do acidente, sem repercussões no
pós-evento. Presume-se que os investidores da Vale rapidamente precificaram os
danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho no valor da sua ação.
Este artigo contribui para o entendimento dos efeitos dos desastres ambientais
de Mariana e Brumadinho nos preços das ações das empresas responsáveis pelos
acidentes.
PALAVRAS-CHAVE: Barragens de Mariana e Brumadinho; Desastre
socioeconômico e ambiental; Retornos da ação da mineradora; Estudo de evento.
MARIANA AND
BRUMADINHO DAMS AND VALE'S SHARE PRICE: AN EVENT STUDY
ABSTRACT
Samarco, a subsidiary of Vale S.A. and an
Australian mining company, maintained mining tailings dams in Mariana and
Brumadinho in Minas Gerais. The purpose of the dam is to prevent toxic waste
from reaching the rivers and streams in the region. The Mariana dam broke on
November 5, 2015, and the Brumadinho dam on January 25, 2019. Lives were lost,
rivers and streams were contaminated, and toxic sludge spread over miles of
land. Brazil witnessed two never-before-seen mining tailings dam accidents. Did
the dam bursts affect Vale's stock price? Through the financial approach known
as event study it was concluded that the collapse of the Fundão dam in Mariana
caused a statistically significant cumulative post-event drop in the miner's
share price. The breach of the Córrego do Feijão dam in Brumadinho, on the
other hand, affected Vale's share price only on the day of the accident, with no
repercussions in the rest of the post-event period. It is assumed that Vale's
investors quickly priced the damage caused by the Brumadinho dam failure into
the value of its stock. This article contributes to the understanding of the
effects of environmental disasters on the stock prices of the companies
responsible for them.
KEYWORDS: Mariana and Brumadinho dams. Socio-economic and environmental disaster. Mining stock returns. Event study.
Submetido:
15/12/2022
Revisões
Requeridas: 12/04/2022
Aceito: 18/04/2023
Publicado:
30/04/2023
A
cidade de Mariana está localizada na grande Belo Horizonte, capital do estado
brasileiro de Minas Gerais. As principais atividades econômicas de Mariana eram
a extração de minério e o ecoturismo. No fatídico dia 5 de novembro de 2015, a
barragem de rejeitos de mineração de Mariana (barragem de Fundão) se rompeu. A
barragem achava-se no subdistrito de Bento Rodrigues no distrito de Santa Rita
Durão. O rompimento aconteceu a jusante da barragem. A lama de detritos
atravessou inúmeras localidades mineiras e capixabas e alcançou finalmente a
cidade de Linhares no Espírito Santo, as margens do Oceano Atlântico,
contaminando as praias da cidade com resíduos sólidos da mineração. Dezenove
pessoas faleceram, 56 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério foram
lançados nos rios e córregos, a lama atingiu mais de um milhão de habitantes de
47 municípios mineiros e do estado do Espírito Santo, foram removidas 11
toneladas de peixes mortos e 600 famílias residentes em Mariana ficaram
desabrigadas (Coelho, 2015). Nos quinze meses que antecederam o rompimento de
Mariana a sua produção cresceu 40% (Botelho et al, 2021). O acidente de Mariana
em termos de massa de detritos se compara ao acidente da mina de ouro e cobre
de Colúmbia Britânica, na costa oeste do Canadá, em 4 de agosto de 2014
(Marshall, 2017).
Em
2019, no dia 25 de janeiro, a barragem de Brumadinho, do Córrego do Feijão,
localizada também em Minas Gerais, estourou da mesma forma que Mariana. O
acidente ocasionou a morte de 259 pessoas, além de vinte e uma até hoje
desaparecidas. Os rejeitos de Brumadinho se estenderam por 270 hectares de
terra a jusante da barragem. O turismo ecológico de Brumadinho entrou em
colapso após a tragédia. Negócios foram fechados e empregos perdidos. Os
prejuízos ambientais e socioeconômicos são incomensuráveis (Zalis, 2020).
Brumadinho é considerado o maior acidente de trabalho do Brasil, pois 258
trabalhadores perderam a vida, sendo 12 da Vale, 118 terceirizados e 3
estagiários (Botelho, Faria, Mayr & Oliveira, 2021).
A
barragem de rejeitos da mineração é utilizada para estocar todos os materiais
líquidos e misturas de líquidos e sólidos que não são aproveitados após o
tratamento do minério (Silva & Silva, 2020). Existem três tipos de
barragens: barragem de alteamento a jusante, barragem por alteamento a montante
(o mais barato deles) e barragem de linha de centro. A ideia da barragem é
conter que os resíduos tóxicos não cheguem aos rios e córregos da região. No
Brasil existem mais de 80 barragens de rejeitos de minério e mais da metade
está localizada em Minas Gerais (Botelho et al, 2021). São monitoradas as
barragens com altura igual ou maior do que 15 metros, com capacidade de
armazenamentos de rejeitos de 3.000.000 m³ ou maior e classificadas com médio ou alto
potencial para causar danos ambientais e socioeconômicos, inclusive sanitários
perduram por anos. As barragens de Eustáquio, em Minas Gerais, com capacidade
para 750 milhões de m3 de rejeitos e a também mineira barragem de
Santo Antônio, com 483 milhões de m3, são as duas maiores do Brasil.
As
barragens de Mariana e Brumadinho pertencem a Samarco, mineradora fundada em
1977 e controlada pela anglo-australiana BHP Billiton, atuante também na
extração de petróleo, e pela brasileira Vale, ex-estatal Companhia Vale do Rio
Doce. A mineradora Samarco é de capital fechado, mas a BHP Billiton é listada
na bolsa australiana.
Um
desastre, como o rompimento de barragens de rejeitos, um atentado terrorista,
como o 11 de setembro de 2001, e uma crise mundial, como a Covid-19, por
exemplo, tendem a impactar a estrutura econômico-financeira, precisamente a
rentabilidade, das empresas envolvidas e se elas têm ações negociadas, o
infortúnio impacta os preços de suas ações. Uma técnica empírica de verificar o
impacto dos infortúnios nos preços das ações das empresas é por meio do estudo
de evento devido a Fama, Fisher, Jensen e Roll (1969).
Fernandes
e Maranhão (2016) mostraram por meio da abordagem financeira econométrica estudo
de evento que o acidente de Mariana não impactou os retornos das ações da
mineradora australiana BHP Billiton. O impacto dos desastres de Mariana e
Brumadinho no preço da ação da Vale foi avaliado por Bandeira, Souza e Santos
(2022) também por meio de estudo de evento. Eles concluíram que os desastres
causaram queda no retorno das ações da Vale.
Este
artigo revisita este dramático tema, reforçando os aspectos empíricos da
aplicação da abordagem estudo de evento. Os resultados mostram que o preço da ação
da Vale caiu com o rompimento da barragem de Mariana, e se prolongando por
vários dias. O preço da ação da Vale caiu somente no primeiro dia
pós-rompimento de Brumadinho, e se estabilizando em seguida. A lição que se
pode depreender dos resultados é que o mercado rapidamente incorporou os danos
de Brumadinho na precificação do valor da ação.
Este
artigo não traz novidades teóricas tal e qual a maioria dos estudos
antecedentes. A sua novidade é compreender o comportamento dos investidores da
Vale diante do duplo mergulho (2015/2019), dos rompimentos das barragens de
Mariana e Brumadinho. A base teórica do artigo é a metodologia empírica estudo
de evento. O período amostral adotado neste artigo é mais abrangente do que o
período amostral de Bandeira et al (2022). Foram tomados 990 dias antes dos
acidentes e 990 após os acidentes.
Vale
registrar que os estudos de eventos têm sido também usados para identificar
fraudes e vazamentos de informações privilegiadas captados por negociadores nas
bolsas de valores, para avaliar o impacto de falências nas empresas
remanescentes, entre outras possibilidades (Bodie, Kane & Marcus, 2010).
É
importante registrar que independente da influência dos rompimentos das
barragens no preço da ação da mineradora, o governo tem de adotar medidas de
segurança das barragens, além de imputar a quem lhe der causa na forma do
princípio poluidor-pagador de Pigou (1920). A aplicação do princípio do
poluidor-pagador deve assegurar que a onerosidade do pagamento de uma lesão
socioambiental seja significativamente superior aos custos das medidas que
poderiam evitá-lo.
2
ROMPIMENTOS DE BARRAGENS DE REJEITOS NO
BRASIL
Anterior ao desastre de Mariana outas barragens de rejeitos de minério se romperam. No dia 22 de junho de 2001, a barragem dos Macacos, de rejeitos de minério, da mineradora Rio Verde, se rompeu, causando a morte de cinco pessoas no distrito de São Sebastião das Águas Claras. Em 2003, no dia 29 de março, a barragem de rejeitos industriais se rompeu, contaminando o Rio Paraíba do Sul. Animais morreram e 600 mil moradores de Cataguases, Minas Gerais, ficaram sem energia por alguns dias.
Diques da mineradora Rio Pomba/Cataguases, no dia 10 de janeiro de 2007, em Miraí, cederam e despejaram rejeitos de minério nas águas no Rio Muriaé. Mais de 4 29 de março de 2014 – Laranjal do Jari (AP): Uma barragem da hidrelétrica de Santo Antônio cedeu, deixando quatro operários mortos. Outro caso de uma barragem de rejeitos que se rompeu foi a barragem de Itabirito, em 10 de setembro de 2014, a 55km de Belo Horizonte. A mineradora responsável era a Herculano. O rompimento da barragem matou três pessoas. O acidente da Brumadinho constitui o 8° rompimento de barragens de rejeitos em Minas Gerais desde 1985. Os EUA, o Canadá e a Austrália foram precursores em normatizar a segurança de barragem. O Brasil estabeleceu uma política pública de controle e fiscalização das barragens em 2010. Os desastres reduziram ou até eliminam a confiança dos investidores nas empresas e nas instituições (Silva & Silva, 2020).
Os principais fatores que estão associados às causas de rompimento de barragens são problemas de fundação, capacidade inadequada dos vertedouros, instabilidade dos taludes, erosões, deficiência no controle e inspeção pós-operação e ausência ou inadequação de procedimentos de segurança durante a vida útil da barragem (Botelho et al, 2021; Silva & Silva, 2020).
Armstrong, Petter e Petter (2019)
concluíram que os rompimentos de Mariana e Brumadinho foram causados pelo
excesso de produção com vistas a complementar a deficiência de oferta no
mercado mundial de minério.
3
REFERENCIAL TEÓRICO
O
estudo de evento descreve uma técnica de pesquisa financeira empírica que
possibilita o observador avaliar o impacto de efeitos relevantes nos preços das
ações de uma empresa (Bodie et al, 2010). Um evento relevante poderia ser o
pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas de uma empresa. Outro
exemplo, seria o impacto nos preços das ações das companhias aéreas americanas
pós-atentado de 11 de setembro de 2001 (Maneenop & Kotcharin, 2020).
Fama
et al. (1969) introduziram a abordagem estudo de evento. A abordagem tem duas
finalidades principais: (a) testar a hipótese nula de que o mercado eficiente incorpora
prontamente novas informações e (b) examinar o efeito de um acontecimento no
valor de uma empresa (BINDER, 1998). Outros definem estudo de evento como uma
técnica de pesquisa financeira empírica que possibilita ao observador avaliar o
impacto de algum evento específico no preço das ações de uma empresa (Mackinley,
1997; Bergmann et al, 2015).
O
capital patrimonial é igual ao preço por ação vezes o número de ações em
circulação. Para se obter o valor da empresa é somado ao capital patrimonial o
valor de mercado da dívida total.
Muitos
analistas empregaram o seguinte modelo de mercado nos seus estudos de evento:
Em
que rt é o retorno da ação no período t, rMt
é a taxa de retorno de mercado no período t e et é a
parte do retorno da ação devido a especificidade da empresa. O parâmetro a
é a média do retorno e b é a sensibilidade do retorno da ação da empresa
aos movimentos da taxa de mercado. Portanto, com a equação (1) pode ser
decomposto rt em fatores de mercado e específicos à empresa.
O retorno específico à empresa pode ser interpretado como retorno inesperado
(anormal) resultante do evento.
O
retorno da ação no período t pode ser calculado assim:
Em que pt
é o preço da ação no período t, pt-1 é preço no
período anterior e ln é o operador do logaritmo neperiano.
Da
equação (1), o componente específico do retorno da ação da empresa pode ser
representado desta maneira (Mackinlay, 1997):
Desta
forma, et seria considerado anormal se o retorno da ação da
empresa fosse maior do que o componente do retorno da ação previsto pelos
movimentos de mercado. O termo entre parênteses na equação (3) pode ser
substituído pelo modelo CAPM que representa uma estimativa do retorno da ação
de uma empresa (Brown & Warner, 1980), livre do evento específico.
Em
termos econométricos a equação (3) poderia ser escrita assim:
Em
que e chapéu é o retorno anormal (inesperado) estimado, a chapéu
e b chapéu são parâmetros estimados.
Para
avaliar o retorno anormal de uma ação numa janela de evento de duração t1-t2,
a literatura apresenta a seguinte medida:
Em
que CR(.) é o retorno anormal cumulativo entre os períodos t1
e t2. A variável CR representa a soma de todos os
retornos anormais na janela do evento e na janela pós-evento. O retorno anormal
cumulativo capta a variação da ação da empresa quando o mercado ainda está
reagindo à nova informação.
O
retorno anormal médio (
Em
que N é o número de retornos anormais no período de interesse.
Considera-se
num estudo de evento três janelas. A Figura 1 traz a régua do tempo do evento
de interesse. A primeira é a janela de estimação, a segunda é a janela do
evento e a terceira é a janela pós-evento. A janela de estimação em geral tem
uma extensão de 90 dias a contar do dia evento. A amplitude da janela do evento
costuma ser de 5 dias antes e 5 dias depois (-5, +5). O tempo da janela
pós-evento usualmente vai de um dia até dez dias (Santos et al, 2021).
Figura 1. Janelas do estudo de evento |
||||||||||||||||||||||||
|
4
ANTECEDENTES
Aamir e Shah (2011) estudaram o mercado financeiro paquistanês. Eles analisaram empresas cimenteiras e do setor de petróleo e gás. O anúncio de distribuição de dividendos entre 2004 e 2008 aumentaram os preços das ações das empresas na janela do evento e na pós-janela do evento. O valor de mercado do patrimônio dos proprietários cresceu.
Silva e Famá (2011) avaliaram um conjunto
de ações IPO (oferta pública inicial) brasileiras contra os retornos da
carteira de mercado na mesma janela. O período amostral foi de janeiro de 2004
a junho de 2007. Eles concluíram que as ações das empresas são superavaliadas
no lançamento e tempos depois perdem valor.
Ho, Qiu e Tang (2013) examinaram o impacto
de desastres aéreos norte-americanos ocorridos entre 1950 e 2009 nos preços das
ações das companhias que sofreram os acidentes e de suas rivais. Eles se
concentraram na janela pós-evento. Os resultados mostram que as companhias
aéreas proprietárias das aeronaves acidentadas experimentaram retornos anormais
negativos mais profundos à medida que o grau de fatalidade aumentava. Os preços
das ações das companhias aéreas rivais aumentaram com os desastres de menor fatalidade.
Ndekugri e Pesakovic (2017) avaliaram a
reação dos retornos das ações da Exxon Mobil, Toyota Motors e Gazprom com
relação aos resultados de três eleições presidenciais norte-americanas. O
primeiro evento ocorreu em novembro de 2000, o segundo em novembro de 2008 e o
terceiro em novembro de 2016. Eles usaram o S&P 500 como proxy da
carteira de mercado. Os achados deles mostraram que os preços das ações das
três empresas responderam aos eventos, resultados das eleições, na janela do
evento e pós-evento.
Silva, Silva e Silva (2017) aplicaram a
abordagem estudo de evento para avaliar o anúncio no dia 5 de janeiro de 2015
da aquisição do HSBC pelo Bradesco no Brasil. A operação envolveu US$ 5,2
bilhões. Os autores concluíram que a aquisição enfraqueceu a competição
bancária no período pós-evento (anúncio da aquisição).
Alam et al (2020) avaliaram o mercado
financeiro da Índia. O evento foi marcado pelo dia do anúncio oficial da
presença da Covid-19 no território indiano. O mercado reagiu mal na janela do
evento. O retorno acumulado nessa janela foi negativo e estatisticamente
significativo. A calmaria do mercado ocorreu na janela pós-evento quando o
governo lançou medidas pró-lockdown.
He et al (2020) estudaram a
performance do mercado financeiro chinês diante da pandemia da Covid-19. A
amostra deles havia empresas da indústria de transporte, mineração,
eletricidade e aquecimento, ambiental, transformação, informação e tecnologia,
educação e de cuidados com a saúde. Os retornos das ações dos quatro primeiros
setores foram impactados significativamente pela crise enquanto as ações dos
quatro últimos resistiram a pandemia.
Maneenop e Kotcharin (2020) mostraram que
as medidas restritivas adotadas por conta da pandemia impactaram o valor das
ações de 52 companhias aéreas mundiais. Isto é, por meio da metodologia estudo
de evento eles constataram que os retornos das ações das companhias aéreas mais
que caíram quando comparado ao retorno da carteira de mercado.
Sobieralski (2020) estudou o impacto da
Covid-19 no emprego de cem companhias aéreas americanas entre 1991 e 2019. O
autor concluiu que a força de trabalho da aviação comercial foi fortemente
afetada pela crise e algumas profissões foram ainda mais.
Santos et al (2021) estudaram o
comportamento dos preços das ações ordinárias de empresas do agronegócio
brasileiro com a abordagem econométrica estudo de evento. O evento estudado foi
o dia do anúncio do lockdown relativo à pandemia da Covid-19. Eles
concluíram que os preços das ações caíram na janela do evento.
Bandeira, Souza e Santos (2022) estudaram
também os desastres socioambientais de Mariana e Brumadinho. Para tanto, eles
utilizaram indicadores financeiros clássicos da Vale e usaram também a
metodologia estudo de evento. O período amostral para o caso de Mariana foi de
28 de outubro de 2015 a 12 de novembro de 2015 e para Brumadinho foi 18 de
janeiro de 2019 a 30 de dezembro de 2019. Bandeira et al (2022) registraram
queda nos preços da ação após o rompimento das barragens. Os autores não
apresentaram testes de significância estatística dos retornos anormais
acumulados.
5
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Primeiramente
foram estabelecidas as janelas do estudo de evento. É recomendável que o
período da janela de estimação não coincida com o período da janela do evento
para evitar a influência dos dados nos parâmetros a e b estimados
da equação (1) (Ball & Brown, 1968; Campbell, Lo & Mackinlay, 1997).
Segundo
define-se a variável que exprimirá o retorno da carteira de mercado. Usualmente
admite-se uma carteira representativa do mercado de ações, uma carteira benchmarking.
O Ibovespa é um índice apropriado (Santos et al, 2021). Alguns autores construíram as suas carteiras
utilizando dados de retorno de ações de empresas congêneres como tamanho, beta,
possibilidade de fusão, desempenho econômico-financeiro recente, e índice de
intangibilidade (Bodie et al, 2010).
O índice de
intangibilidade (VM) é a razão entre o valor de mercado por ação (VMA)
e o valor de livro (patrimônio líquido) por ação (PLA):
Terceiro
roda-se a regressão do retorno da ação da empresa (equação 1) contra a variável
que representa o retorno da carteira de mercado, utilizando dados anteriores a
ocorrência do evento, registrados no período da janela de estimação. A partir
do modelo estimado e do retorno efetivo da carteira de mercado é possível obter
estimativas do retorno da ação da empresa fora da amostra.
Quarto
subtraem-se as estimativas do retorno da ação da empresa dos seus retornos
efetivos na janela do evento conforme a equação (4). Se o resultado for
negativo (positivo) diz que houve retornos anormais desfavoráveis (favoráveis).
Quinto testa-se a significância estatística dos retornos anormais acumulados e
médios por meio do teste paramétrico t. Uma versão do teste t é
(Bergmann et al, 2015; Brown & Warner, 1980):
Em que CR é a soma do retorno
anormal estimado, σ é o desvio padrão da regressão dos retornos na janela de
estimação e m é o número de observações ajustado para os graus de
liberdade. Testa-se H0: a soma do retorno anormal estimado é
estatisticamente igual a zero (H0: CR = 0). Se CR for
nulo, diz que inexiste retorno anormal significativo, o retorno estimado da
ação é igual ao retorno efetivo. Foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for Social Science).
5.1 Dados
Os
dados referentes aos preços da ação da Vale foram extraídos do site
investing.com, bem como da [B]3 (Brasil, Bolsa, Balcão). Os dados
são de fechamento diário. Os dados dos retornos de mercado também foram
conseguidos na [B]3. As réguas do tempo das janelas para Mariana e
Brumadinho são:
Período
da janela |
Mariana |
Brumadinho |
Janela
de estimação |
990
dias antes |
990
dias antes |
Janela
do evento |
21/out.-19/nov./2015 |
11/jan.-11/fev./2019 |
Janela
pós-evento |
1 dia
após a janela do evento |
1 dia
após a janela do evento |
Fonte:
Elaboração do autor. |
Para
a barragem de Mariana o marco do evento é 5 de novembro de 2015 e para
Brumadinho o marco é 25 de janeiro de 2019. Os rompimentos das barragens
aconteceram nestas datas.
6
RESULTADOS E ANÁLISE
A
Tabela 1 apresenta as estimativas da equação (1) para Mariana e Brumadinho. Os
parâmetros estimados b são significativos ao nível de significância de
5% (valor-p). Os coeficientes de determinação (R2) das
regressões são razoáveis para este tipo de estimativa. Pode-se dizer com base
na estatística DW que os modelos não sofrem de correlação serial dos resíduos
de primeira ordem. Os modelos se adequam razoavelmente aos dados e a partir
deles e dos retornos efetivos da ação da Vale pode-se calcular o retorno anormal,
ver equação (4).
|
Tabela
1. Estimativa da equação (1) |
|
|||||
|
Coeficientes/estatísticas |
Mariana |
Brumadinho |
|
|||
|
a |
-0,03 (0,46) [0,64] |
0,55 (0,64) [0,52] |
|
|||
|
b |
1,33 (24,31) [0,00] |
1,27 (21,64) [0,00] |
|
|||
|
R2 |
0,37 |
0,32 |
|
|||
|
F(1,988) |
59,15 |
46,84 |
|
|||
|
DW |
|
1,83 |
1,89 |
|
||
|
N |
|
990 |
990 |
|
||
|
Estatística
t de Student entre parênteses. Valor-p entre colchetes. |
|
|||||
Os
retornos acumulados da ação da Vale se mostraram negativos e significantes logo
após o acidente em Mariana até a data terminal do estudo de evento. A
estatística calculada do teste t foi -2,36 (Tabela 2). Por outra parte,
o impacto de Brumadinho na ação da Vale ocorreu somente no dia do evento (t
igual a -8,15), sem repercussões posteriores. A estatística t calculada
foi -0,07 para os retornos acumulados pós-evento (Tabela 2).
Tabela
2. Teste t do retorno anormal pós-janela do evento |
|
|
Barragem |
t calculado |
|
Mariana |
-2,36 |
|
Brumadinho |
-0,07 |
|
Os
resultados reportados diferem de Bandeira et al (2022) principalmente quanto ao
caso de Brumadinho. A ação da Vale cai somente no dia do rompimento da
barragem, dando a entender que os investidores da Vale aprenderam a precificar
os danos no valor da ação.
7
CONCLUSÃO
As
barragens de rejeitos são construídas durante as operações de mineração para
conter os rejeitos, o produto residual deixado após o material principal ser
extraído do minério. Os rejeitos são tipicamente compostos por areia, lodo e
partículas de argila que se encontram suspensas num chorume de base aquosa. O
fato de os rejeitos poderem conter produtos químicos utilizados para a extração
do minério torna os rompimentos particularmente preocupantes. Os rompimentos de
barragens de minério têm efeitos graves sobre o ecossistema e a saúde humana, e
os seus efeitos de contaminação crônica de material biológico podem ser de
longo prazo.
Este
artigo lida com os rompimentos das barragens armazenadoras de rejeitos da
mineração de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e as suas consequências no
preço da ação da mineradora. Em novembro de 2015, a barragem de Mariana se
rompeu e, em janeiro de 2019, foi a vez da barragem de Brumadinho. Os danos
desses eventos adversos foram trágicos para muitas famílias e para o meio
ambiente.
A
Samarco subsidiária da Vale e de uma mineradora australiana responde pelas duas
barragens. Os rompimentos não abalaram os preços da ação da empresa australiana
como se nada tivesse acontecido no Brasil, segundo a literatura.
Neste
artigo a relação entre os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho e
os preços da ação da Vale S. A. foi analisado detidamente. A abordagem
financeira convencional econométrica nominada estudo de evento foi empregada.
O
primeiro acidente afetou negativa e significativamente os preços da ação da
Vale, revelando o desapreço dos investidores com a mineradora. O segundo
acidente socioeconômico e ambiental impactou a ação da Vale somente no dia do
evento, sem reverberação no resto da janela pós-evento, insinuando que os
investidores da Vale já tinham precificado os danos no valor da ação. Os
resultados reportados aqui diferem ligeiramente de artigos anteriores. O artigo
contribui para o debate empírico sobre desastres ambientais e preços das ações
das empresas autoras dos acidentes.
Por
fim, deve-se dizer que o estudo de evento se limita a estudar os efeitos da
ocorrência de um desastre, como o de Mariana e Brumadinho, no mercado acionário
das empresas envolvidas, não vai além disto.
REFERÊNCIAS
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