v. 7, n. 1, Janeiro-Abril/2023

BARRAGENS DE MARIANA E BRUMADINHO E PREÇO DA AÇÃO DA VALE: UM ESTUDO DE EVENTO

 

Carlos Henrique Rocha

chrocha@unb.br

http://lattes.cnpq.br/0464073041910151

https://orcid.org/0000-0002-1143-2058

UnB

Brasília/DF

 

José Guilherme Vasconcelos

joseguilherme.s.vasconcelos@gmail.com

http://lattes.cnpq.br/9363728326749531

UnB

Brasília/DF

 

RESUMO

A Samarco subsidiária da Vale S.A. e de uma mineradora anglo-australiana mantinha em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, barragens de rejeitos de mineração. O objetivo da barragem é impedir que os resíduos tóxicos não cheguem aos rios e córregos da região. A barragem de Mariana se rompeu em 5 de novembro de 2015 e a de Brumadinho em 25 de janeiro de 2019. Vidas se perderam, rios e córregos foram contaminados e lamas tóxicas se alastraram por quilômetros de terras. O Brasil assistiu a dois acidentes com barragens de rejeitos de mineração jamais vistos. Os rompimentos das barragens afetaram o preço das ações da Vale? Por meio da abordagem econométrica-financeira conhecida por estudo de evento concluiu-se que o rompimento da barragem de Fundão, de Mariana, provocou uma queda acumulada pós-evento estatisticamente significante no preço da ação da mineradora. Já a ruptura da barragem do Córrego do Feijão, de Brumadinho, afetou o preço da ação da Vale somente no dia do acidente, sem repercussões no pós-evento. Presume-se que os investidores da Vale rapidamente precificaram os danos causados pelo rompimento da barragem de Brumadinho no valor da sua ação. Este artigo contribui para o entendimento dos efeitos dos desastres ambientais de Mariana e Brumadinho nos preços das ações das empresas responsáveis pelos acidentes.

 

PALAVRAS-CHAVE: Barragens de Mariana e Brumadinho; Desastre socioeconômico e ambiental; Retornos da ação da mineradora; Estudo de evento.

MARIANA AND BRUMADINHO DAMS AND VALE'S SHARE PRICE: AN EVENT STUDY

 

ABSTRACT

Samarco, a subsidiary of Vale S.A. and an Australian mining company, maintained mining tailings dams in Mariana and Brumadinho in Minas Gerais. The purpose of the dam is to prevent toxic waste from reaching the rivers and streams in the region. The Mariana dam broke on November 5, 2015, and the Brumadinho dam on January 25, 2019. Lives were lost, rivers and streams were contaminated, and toxic sludge spread over miles of land. Brazil witnessed two never-before-seen mining tailings dam accidents. Did the dam bursts affect Vale's stock price? Through the financial approach known as event study it was concluded that the collapse of the Fundão dam in Mariana caused a statistically significant cumulative post-event drop in the miner's share price. The breach of the Córrego do Feijão dam in Brumadinho, on the other hand, affected Vale's share price only on the day of the accident, with no repercussions in the rest of the post-event period. It is assumed that Vale's investors quickly priced the damage caused by the Brumadinho dam failure into the value of its stock. This article contributes to the understanding of the effects of environmental disasters on the stock prices of the companies responsible for them.

KEYWORDS: Mariana and Brumadinho dams. Socio-economic and environmental disaster. Mining stock returns. Event study.

 

Submetido: 15/12/2022

Revisões Requeridas: 12/04/2022

Aceito: 18/04/2023

Publicado: 30/04/2023

 

1    INTRODUÇÃO

A cidade de Mariana está localizada na grande Belo Horizonte, capital do estado brasileiro de Minas Gerais. As principais atividades econômicas de Mariana eram a extração de minério e o ecoturismo. No fatídico dia 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos de mineração de Mariana (barragem de Fundão) se rompeu. A barragem achava-se no subdistrito de Bento Rodrigues no distrito de Santa Rita Durão. O rompimento aconteceu a jusante da barragem. A lama de detritos atravessou inúmeras localidades mineiras e capixabas e alcançou finalmente a cidade de Linhares no Espírito Santo, as margens do Oceano Atlântico, contaminando as praias da cidade com resíduos sólidos da mineração. Dezenove pessoas faleceram, 56 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério foram lançados nos rios e córregos, a lama atingiu mais de um milhão de habitantes de 47 municípios mineiros e do estado do Espírito Santo, foram removidas 11 toneladas de peixes mortos e 600 famílias residentes em Mariana ficaram desabrigadas (Coelho, 2015). Nos quinze meses que antecederam o rompimento de Mariana a sua produção cresceu 40% (Botelho et al, 2021). O acidente de Mariana em termos de massa de detritos se compara ao acidente da mina de ouro e cobre de Colúmbia Britânica, na costa oeste do Canadá, em 4 de agosto de 2014 (Marshall, 2017).

Em 2019, no dia 25 de janeiro, a barragem de Brumadinho, do Córrego do Feijão, localizada também em Minas Gerais, estourou da mesma forma que Mariana. O acidente ocasionou a morte de 259 pessoas, além de vinte e uma até hoje desaparecidas. Os rejeitos de Brumadinho se estenderam por 270 hectares de terra a jusante da barragem. O turismo ecológico de Brumadinho entrou em colapso após a tragédia. Negócios foram fechados e empregos perdidos. Os prejuízos ambientais e socioeconômicos são incomensuráveis (Zalis, 2020). Brumadinho é considerado o maior acidente de trabalho do Brasil, pois 258 trabalhadores perderam a vida, sendo 12 da Vale, 118 terceirizados e 3 estagiários (Botelho, Faria, Mayr & Oliveira, 2021).

A barragem de rejeitos da mineração é utilizada para estocar todos os materiais líquidos e misturas de líquidos e sólidos que não são aproveitados após o tratamento do minério (Silva & Silva, 2020). Existem três tipos de barragens: barragem de alteamento a jusante, barragem por alteamento a montante (o mais barato deles) e barragem de linha de centro. A ideia da barragem é conter que os resíduos tóxicos não cheguem aos rios e córregos da região. No Brasil existem mais de 80 barragens de rejeitos de minério e mais da metade está localizada em Minas Gerais (Botelho et al, 2021). São monitoradas as barragens com altura igual ou maior do que 15 metros, com capacidade de armazenamentos de rejeitos de 3.000.000 m³ ou maior e classificadas com médio ou alto potencial para causar danos ambientais e socioeconômicos, inclusive sanitários perduram por anos. As barragens de Eustáquio, em Minas Gerais, com capacidade para 750 milhões de m3 de rejeitos e a também mineira barragem de Santo Antônio, com 483 milhões de m3, são as duas maiores do Brasil.

As barragens de Mariana e Brumadinho pertencem a Samarco, mineradora fundada em 1977 e controlada pela anglo-australiana BHP Billiton, atuante também na extração de petróleo, e pela brasileira Vale, ex-estatal Companhia Vale do Rio Doce. A mineradora Samarco é de capital fechado, mas a BHP Billiton é listada na bolsa australiana.

Um desastre, como o rompimento de barragens de rejeitos, um atentado terrorista, como o 11 de setembro de 2001, e uma crise mundial, como a Covid-19, por exemplo, tendem a impactar a estrutura econômico-financeira, precisamente a rentabilidade, das empresas envolvidas e se elas têm ações negociadas, o infortúnio impacta os preços de suas ações. Uma técnica empírica de verificar o impacto dos infortúnios nos preços das ações das empresas é por meio do estudo de evento devido a Fama, Fisher, Jensen e Roll (1969).

Fernandes e Maranhão (2016) mostraram por meio da abordagem financeira econométrica estudo de evento que o acidente de Mariana não impactou os retornos das ações da mineradora australiana BHP Billiton. O impacto dos desastres de Mariana e Brumadinho no preço da ação da Vale foi avaliado por Bandeira, Souza e Santos (2022) também por meio de estudo de evento. Eles concluíram que os desastres causaram queda no retorno das ações da Vale.

Este artigo revisita este dramático tema, reforçando os aspectos empíricos da aplicação da abordagem estudo de evento. Os resultados mostram que o preço da ação da Vale caiu com o rompimento da barragem de Mariana, e se prolongando por vários dias. O preço da ação da Vale caiu somente no primeiro dia pós-rompimento de Brumadinho, e se estabilizando em seguida. A lição que se pode depreender dos resultados é que o mercado rapidamente incorporou os danos de Brumadinho na precificação do valor da ação.

Este artigo não traz novidades teóricas tal e qual a maioria dos estudos antecedentes. A sua novidade é compreender o comportamento dos investidores da Vale diante do duplo mergulho (2015/2019), dos rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho. A base teórica do artigo é a metodologia empírica estudo de evento. O período amostral adotado neste artigo é mais abrangente do que o período amostral de Bandeira et al (2022). Foram tomados 990 dias antes dos acidentes e 990 após os acidentes.

Vale registrar que os estudos de eventos têm sido também usados para identificar fraudes e vazamentos de informações privilegiadas captados por negociadores nas bolsas de valores, para avaliar o impacto de falências nas empresas remanescentes, entre outras possibilidades (Bodie, Kane & Marcus, 2010).

É importante registrar que independente da influência dos rompimentos das barragens no preço da ação da mineradora, o governo tem de adotar medidas de segurança das barragens, além de imputar a quem lhe der causa na forma do princípio poluidor-pagador de Pigou (1920). A aplicação do princípio do poluidor-pagador deve assegurar que a onerosidade do pagamento de uma lesão socioambiental seja significativamente superior aos custos das medidas que poderiam evitá-lo.

 

2        ROMPIMENTOS DE BARRAGENS DE REJEITOS NO BRASIL

Anterior ao desastre de Mariana outas barragens de rejeitos de minério se romperam. No dia 22 de junho de 2001, a barragem dos Macacos, de rejeitos de minério, da mineradora Rio Verde, se rompeu, causando a morte de cinco pessoas no distrito de São Sebastião das Águas Claras. Em 2003, no dia 29 de março, a barragem de rejeitos industriais se rompeu, contaminando o Rio Paraíba do Sul. Animais morreram e 600 mil moradores de Cataguases, Minas Gerais, ficaram sem energia por alguns dias.

Diques da mineradora Rio Pomba/Cataguases, no dia 10 de janeiro de 2007, em Miraí, cederam e despejaram rejeitos de minério nas águas no Rio Muriaé. Mais de 4 29 de março de 2014 – Laranjal do Jari (AP): Uma barragem da hidrelétrica de Santo Antônio cedeu, deixando quatro operários mortos. Outro caso de uma barragem de rejeitos que se rompeu foi a barragem de Itabirito, em 10 de setembro de 2014, a 55km de Belo Horizonte. A mineradora responsável era a Herculano. O rompimento da barragem matou três pessoas. O acidente da Brumadinho constitui o 8° rompimento de barragens de rejeitos em Minas Gerais desde 1985. Os EUA, o Canadá e a Austrália foram precursores em normatizar a segurança de barragem. O Brasil estabeleceu uma política pública de controle e fiscalização das barragens em 2010. Os desastres reduziram ou até eliminam a confiança dos investidores nas empresas e nas instituições (Silva & Silva, 2020).

Os principais fatores que estão associados às causas de rompimento de barragens são problemas de fundação, capacidade inadequada dos vertedouros, instabilidade dos taludes, erosões, deficiência no controle e inspeção pós-operação e ausência ou inadequação de procedimentos de segurança durante a vida útil da barragem (Botelho et al, 2021; Silva & Silva, 2020).

Armstrong, Petter e Petter (2019) concluíram que os rompimentos de Mariana e Brumadinho foram causados pelo excesso de produção com vistas a complementar a deficiência de oferta no mercado mundial de minério.

 

3        REFERENCIAL TEÓRICO

O estudo de evento descreve uma técnica de pesquisa financeira empírica que possibilita o observador avaliar o impacto de efeitos relevantes nos preços das ações de uma empresa (Bodie et al, 2010). Um evento relevante poderia ser o pagamento de dividendos extraordinários aos acionistas de uma empresa. Outro exemplo, seria o impacto nos preços das ações das companhias aéreas americanas pós-atentado de 11 de setembro de 2001 (Maneenop & Kotcharin, 2020).

Fama et al. (1969) introduziram a abordagem estudo de evento. A abordagem tem duas finalidades principais: (a) testar a hipótese nula de que o mercado eficiente incorpora prontamente novas informações e (b) examinar o efeito de um acontecimento no valor de uma empresa (BINDER, 1998). Outros definem estudo de evento como uma técnica de pesquisa financeira empírica que possibilita ao observador avaliar o impacto de algum evento específico no preço das ações de uma empresa (Mackinley, 1997; Bergmann et al, 2015). 

O capital patrimonial é igual ao preço por ação vezes o número de ações em circulação. Para se obter o valor da empresa é somado ao capital patrimonial o valor de mercado da dívida total.

Muitos analistas empregaram o seguinte modelo de mercado nos seus estudos de evento:

 

 (1)

 

Em que rt é o retorno da ação no período t, rMt é a taxa de retorno de mercado no período t e et é a parte do retorno da ação devido a especificidade da empresa. O parâmetro a é a média do retorno e b é a sensibilidade do retorno da ação da empresa aos movimentos da taxa de mercado. Portanto, com a equação (1) pode ser decomposto rt em fatores de mercado e específicos à empresa. O retorno específico à empresa pode ser interpretado como retorno inesperado (anormal) resultante do evento. 

O retorno da ação no período t pode ser calculado assim:

 

 (2)

 

Em que pt é o preço da ação no período t, pt-1 é preço no período anterior e ln é o operador do logaritmo neperiano. 

Da equação (1), o componente específico do retorno da ação da empresa pode ser representado desta maneira (Mackinlay, 1997):

 

 (3)

 

Desta forma, et seria considerado anormal se o retorno da ação da empresa fosse maior do que o componente do retorno da ação previsto pelos movimentos de mercado. O termo entre parênteses na equação (3) pode ser substituído pelo modelo CAPM que representa uma estimativa do retorno da ação de uma empresa (Brown & Warner, 1980), livre do evento específico.

Em termos econométricos a equação (3) poderia ser escrita assim:

 

 (4)

 

Em que e chapéu é o retorno anormal (inesperado) estimado, a chapéu e b chapéu são parâmetros estimados.

Para avaliar o retorno anormal de uma ação numa janela de evento de duração t1-t2, a literatura apresenta a seguinte medida:

 

 (5)

 

Em que CR(.) é o retorno anormal cumulativo entre os períodos t1 e t2. A variável CR representa a soma de todos os retornos anormais na janela do evento e na janela pós-evento. O retorno anormal cumulativo capta a variação da ação da empresa quando o mercado ainda está reagindo à nova informação.

O retorno anormal médio ( ) pode ser calculado conforme a equação (6):

 

 (6)

 

Em que N é o número de retornos anormais no período de interesse.

Considera-se num estudo de evento três janelas. A Figura 1 traz a régua do tempo do evento de interesse. A primeira é a janela de estimação, a segunda é a janela do evento e a terceira é a janela pós-evento. A janela de estimação em geral tem uma extensão de 90 dias a contar do dia evento. A amplitude da janela do evento costuma ser de 5 dias antes e 5 dias depois (-5, +5). O tempo da janela pós-evento usualmente vai de um dia até dez dias (Santos et al, 2021).

 

Figura 1. Janelas do estudo de evento

 

D-95

...

D-6

D-5

0

D+5

D+6 ...

Janela de Estimação

Janela do Evento

Pós Janela do Evento

 

Fonte: Mackinley (1997).

 

4        ANTECEDENTES

Aamir e Shah (2011) estudaram o mercado financeiro paquistanês. Eles analisaram empresas cimenteiras e do setor de petróleo e gás. O anúncio de distribuição de dividendos entre 2004 e 2008 aumentaram os preços das ações das empresas na janela do evento e na pós-janela do evento. O valor de mercado do patrimônio dos proprietários cresceu.

Silva e Famá (2011) avaliaram um conjunto de ações IPO (oferta pública inicial) brasileiras contra os retornos da carteira de mercado na mesma janela. O período amostral foi de janeiro de 2004 a junho de 2007. Eles concluíram que as ações das empresas são superavaliadas no lançamento e tempos depois perdem valor.

Ho, Qiu e Tang (2013) examinaram o impacto de desastres aéreos norte-americanos ocorridos entre 1950 e 2009 nos preços das ações das companhias que sofreram os acidentes e de suas rivais. Eles se concentraram na janela pós-evento. Os resultados mostram que as companhias aéreas proprietárias das aeronaves acidentadas experimentaram retornos anormais negativos mais profundos à medida que o grau de fatalidade aumentava. Os preços das ações das companhias aéreas rivais aumentaram com os desastres de menor fatalidade.

Ndekugri e Pesakovic (2017) avaliaram a reação dos retornos das ações da Exxon Mobil, Toyota Motors e Gazprom com relação aos resultados de três eleições presidenciais norte-americanas. O primeiro evento ocorreu em novembro de 2000, o segundo em novembro de 2008 e o terceiro em novembro de 2016. Eles usaram o S&P 500 como proxy da carteira de mercado. Os achados deles mostraram que os preços das ações das três empresas responderam aos eventos, resultados das eleições, na janela do evento e pós-evento.

Silva, Silva e Silva (2017) aplicaram a abordagem estudo de evento para avaliar o anúncio no dia 5 de janeiro de 2015 da aquisição do HSBC pelo Bradesco no Brasil. A operação envolveu US$ 5,2 bilhões. Os autores concluíram que a aquisição enfraqueceu a competição bancária no período pós-evento (anúncio da aquisição).

Alam et al (2020) avaliaram o mercado financeiro da Índia. O evento foi marcado pelo dia do anúncio oficial da presença da Covid-19 no território indiano. O mercado reagiu mal na janela do evento. O retorno acumulado nessa janela foi negativo e estatisticamente significativo. A calmaria do mercado ocorreu na janela pós-evento quando o governo lançou medidas pró-lockdown.

He et al (2020) estudaram a performance do mercado financeiro chinês diante da pandemia da Covid-19. A amostra deles havia empresas da indústria de transporte, mineração, eletricidade e aquecimento, ambiental, transformação, informação e tecnologia, educação e de cuidados com a saúde. Os retornos das ações dos quatro primeiros setores foram impactados significativamente pela crise enquanto as ações dos quatro últimos resistiram a pandemia.

Maneenop e Kotcharin (2020) mostraram que as medidas restritivas adotadas por conta da pandemia impactaram o valor das ações de 52 companhias aéreas mundiais. Isto é, por meio da metodologia estudo de evento eles constataram que os retornos das ações das companhias aéreas mais que caíram quando comparado ao retorno da carteira de mercado.

Sobieralski (2020) estudou o impacto da Covid-19 no emprego de cem companhias aéreas americanas entre 1991 e 2019. O autor concluiu que a força de trabalho da aviação comercial foi fortemente afetada pela crise e algumas profissões foram ainda mais.

Santos et al (2021) estudaram o comportamento dos preços das ações ordinárias de empresas do agronegócio brasileiro com a abordagem econométrica estudo de evento. O evento estudado foi o dia do anúncio do lockdown relativo à pandemia da Covid-19. Eles concluíram que os preços das ações caíram na janela do evento.

Bandeira, Souza e Santos (2022) estudaram também os desastres socioambientais de Mariana e Brumadinho. Para tanto, eles utilizaram indicadores financeiros clássicos da Vale e usaram também a metodologia estudo de evento. O período amostral para o caso de Mariana foi de 28 de outubro de 2015 a 12 de novembro de 2015 e para Brumadinho foi 18 de janeiro de 2019 a 30 de dezembro de 2019. Bandeira et al (2022) registraram queda nos preços da ação após o rompimento das barragens. Os autores não apresentaram testes de significância estatística dos retornos anormais acumulados.

 

5        PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Primeiramente foram estabelecidas as janelas do estudo de evento. É recomendável que o período da janela de estimação não coincida com o período da janela do evento para evitar a influência dos dados nos parâmetros a e b estimados da equação (1) (Ball & Brown, 1968; Campbell, Lo & Mackinlay, 1997).

Segundo define-se a variável que exprimirá o retorno da carteira de mercado. Usualmente admite-se uma carteira representativa do mercado de ações, uma carteira benchmarking. O Ibovespa é um índice apropriado (Santos et al, 2021).  Alguns autores construíram as suas carteiras utilizando dados de retorno de ações de empresas congêneres como tamanho, beta, possibilidade de fusão, desempenho econômico-financeiro recente, e índice de intangibilidade (Bodie et al, 2010).

O índice de intangibilidade (VM) é a razão entre o valor de mercado por ação (VMA) e o valor de livro (patrimônio líquido) por ação (PLA):

 

 (6)

 

Terceiro roda-se a regressão do retorno da ação da empresa (equação 1) contra a variável que representa o retorno da carteira de mercado, utilizando dados anteriores a ocorrência do evento, registrados no período da janela de estimação. A partir do modelo estimado e do retorno efetivo da carteira de mercado é possível obter estimativas do retorno da ação da empresa fora da amostra.

Quarto subtraem-se as estimativas do retorno da ação da empresa dos seus retornos efetivos na janela do evento conforme a equação (4). Se o resultado for negativo (positivo) diz que houve retornos anormais desfavoráveis (favoráveis). Quinto testa-se a significância estatística dos retornos anormais acumulados e médios por meio do teste paramétrico t. Uma versão do teste t é (Bergmann et al, 2015; Brown & Warner, 1980):

 

 (7)

 

Em que CR é a soma do retorno anormal estimado, σ é o desvio padrão da regressão dos retornos na janela de estimação e m é o número de observações ajustado para os graus de liberdade. Testa-se H0: a soma do retorno anormal estimado é estatisticamente igual a zero (H0: CR = 0). Se CR for nulo, diz que inexiste retorno anormal significativo, o retorno estimado da ação é igual ao retorno efetivo. Foi utilizado o software SPSS (Statistical Package for Social Science).

 

5.1 Dados

Os dados referentes aos preços da ação da Vale foram extraídos do site investing.com, bem como da [B]3 (Brasil, Bolsa, Balcão). Os dados são de fechamento diário. Os dados dos retornos de mercado também foram conseguidos na [B]3. As réguas do tempo das janelas para Mariana e Brumadinho são:

 

Período da janela

Mariana

Brumadinho

Janela de estimação

990 dias antes

990 dias antes

Janela do evento

21/out.-19/nov./2015

11/jan.-11/fev./2019

Janela pós-evento

1 dia após a janela do evento

1 dia após a janela do evento

Fonte: Elaboração do autor.

 

Para a barragem de Mariana o marco do evento é 5 de novembro de 2015 e para Brumadinho o marco é 25 de janeiro de 2019. Os rompimentos das barragens aconteceram nestas datas.

 

6        RESULTADOS E ANÁLISE

A Tabela 1 apresenta as estimativas da equação (1) para Mariana e Brumadinho. Os parâmetros estimados b são significativos ao nível de significância de 5% (valor-p). Os coeficientes de determinação (R2) das regressões são razoáveis para este tipo de estimativa. Pode-se dizer com base na estatística DW que os modelos não sofrem de correlação serial dos resíduos de primeira ordem. Os modelos se adequam razoavelmente aos dados e a partir deles e dos retornos efetivos da ação da Vale pode-se calcular o retorno anormal, ver equação (4).

 

 

Tabela 1. Estimativa da equação (1)

 

 

Coeficientes/estatísticas

Mariana

Brumadinho

 

 

a

-0,03

(0,46)

[0,64]

0,55

(0,64)

[0,52]

 

 

b

1,33

(24,31)

[0,00]

1,27

(21,64)

[0,00]

 

 

R2

0,37

0,32

 

 

F(1,988)

59,15

46,84

 

 

DW

 

1,83

1,89

 

 

N

 

990

990

 

 

Estatística t de Student entre parênteses. Valor-p entre colchetes.

 

 

Os retornos acumulados da ação da Vale se mostraram negativos e significantes logo após o acidente em Mariana até a data terminal do estudo de evento. A estatística calculada do teste t foi -2,36 (Tabela 2). Por outra parte, o impacto de Brumadinho na ação da Vale ocorreu somente no dia do evento (t igual a -8,15), sem repercussões posteriores. A estatística t calculada foi -0,07 para os retornos acumulados pós-evento (Tabela 2).

 

Tabela 2. Teste t do retorno anormal pós-janela do evento

 

Barragem

t calculado

 

Mariana

-2,36

 

Brumadinho

-0,07

 

 

Os resultados reportados diferem de Bandeira et al (2022) principalmente quanto ao caso de Brumadinho. A ação da Vale cai somente no dia do rompimento da barragem, dando a entender que os investidores da Vale aprenderam a precificar os danos no valor da ação.

 

7        CONCLUSÃO

As barragens de rejeitos são construídas durante as operações de mineração para conter os rejeitos, o produto residual deixado após o material principal ser extraído do minério. Os rejeitos são tipicamente compostos por areia, lodo e partículas de argila que se encontram suspensas num chorume de base aquosa. O fato de os rejeitos poderem conter produtos químicos utilizados para a extração do minério torna os rompimentos particularmente preocupantes. Os rompimentos de barragens de minério têm efeitos graves sobre o ecossistema e a saúde humana, e os seus efeitos de contaminação crônica de material biológico podem ser de longo prazo.

Este artigo lida com os rompimentos das barragens armazenadoras de rejeitos da mineração de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e as suas consequências no preço da ação da mineradora. Em novembro de 2015, a barragem de Mariana se rompeu e, em janeiro de 2019, foi a vez da barragem de Brumadinho. Os danos desses eventos adversos foram trágicos para muitas famílias e para o meio ambiente.

A Samarco subsidiária da Vale e de uma mineradora australiana responde pelas duas barragens. Os rompimentos não abalaram os preços da ação da empresa australiana como se nada tivesse acontecido no Brasil, segundo a literatura.

Neste artigo a relação entre os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho e os preços da ação da Vale S. A. foi analisado detidamente. A abordagem financeira convencional econométrica nominada estudo de evento foi empregada.

O primeiro acidente afetou negativa e significativamente os preços da ação da Vale, revelando o desapreço dos investidores com a mineradora. O segundo acidente socioeconômico e ambiental impactou a ação da Vale somente no dia do evento, sem reverberação no resto da janela pós-evento, insinuando que os investidores da Vale já tinham precificado os danos no valor da ação. Os resultados reportados aqui diferem ligeiramente de artigos anteriores. O artigo contribui para o debate empírico sobre desastres ambientais e preços das ações das empresas autoras dos acidentes.

Por fim, deve-se dizer que o estudo de evento se limita a estudar os efeitos da ocorrência de um desastre, como o de Mariana e Brumadinho, no mercado acionário das empresas envolvidas, não vai além disto.

 

REFERÊNCIAS

 

Aamir, M., & Shah, S. Z. A. (2011). Dividend announcements and the abnormal stock returns for the event firm and its rivals. Australian Journal of Business and Management Research, 1(8), 72-76.

Alam, M. N., Alam, S., & Chavali, K. (2020). Stock market response during Covid-19 lockdown period in India: an event study. Journal of Asian Finance, Economics and Business, 17(7), 131-137. DOI: https://doi.org/10.13106/jafeb.2020.vol7.no7.131

Albuquerque Jr., M., F. J. A., Jorge Neto, P. M., & Silva, C. (2021).  The study of events approach applied to the impact of mergers and acquisitions on the performance of consulting engineering companies. Mathematics, 9(2), 130-150, 2021. DOI: https://doi.org/10.3390/math9020130

Armstrong, M.; Petter, R., & Petter, C. (2019). Why have so many tailings dams failed in recent years? Resources Policy, 63(3), 1-11. DOI: https://doi.org/10.1016/j.resourpol.2019.101412  

Asquith, P, & Mullins Jr., D.W. (1986). Equity issues and offering dilution. Journal of Financial Economics, 15(1), 61-89.

Ball, R., & Brown, P. (1968). An empirical evaluation of accounting income numbers. Journal of Accounting Research, 6, 159–178.

Bandeira, L. S., Souza, D. D. G., & Santos, J. A. S. (2022). Reflexos econômico-financeiros nas companhias responsabilizadas pela ocorrência de desastres ambientais. ConTexto, 22(50), 48-62, 2022.

Bergmann, D. R., Savoia, J. R. F., Souza, B. M., & Mariz, F. (2015). Avaliação dos processos de fusões e aquisições no setor bancário brasileiro por meio de estudo de eventos. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, 17(56), 1105-1115. DOI: https://doi.org/10.7819/rbgn.v17i56.2074

Binder, J. J. (1998). The event study methodology since 1969. Review of Quantitative Finance and Accounting, 11, 111–137.

Bodie, Kane, A., & Marcus, A. J. (2010). Investimentos. Porto Alegre: Bookman.

Bontis, N. (2001). Assessing knowledge assets: a review of the models used to measure intellectual capital. International Journal of Management Reviews, 3(1), 41-60.

Botelho, M. R., Faria, M. P., Mayr, C. T. R., & Oliveira, L. M. G. (2021). Rompimento das barragens de Fundão e da Mina do Córrego do Feijão em Minas Gerais, Brasil: decisões organizacionais não tomadas e lições não aprendidas. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 46, 1-11. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369000018519

Boyd, J. H., Hu, J., & Jagannathan, R. (2005). The stock market’s reaction to unemployment news: why bad news is usually good for stocks. The Journal of Finance, 60(2), 649–672. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.2005.00742.x

Brown, S. J., & Warner, J. B. (1980). Measuring security price performance. Journal of Financial Economics, 8, 205-258.

Campbell, J. Y., Lo, A. W., & Mackinlay, A. C. (1997). The econometrics of financial markets. New Jersey: Princeton University Press.

Coelho, R. M. P.(2015).  Existe governança das águas no Brasil? Estudo de caso: O rompimento da Barragem de Fundão, Mariana (MG). Arquivos do Museu de História Natural e Jardim Botânico, 24(1), 16-43.

Corrado, C. J. Event studies: a methodology review. (2011). Accounting & Finance, 51(1), 207-234. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-629X.2010.00375.x

Fama, E, Lawrence, F., Jensen, M., & Richard, R. (1969). The adjustment of stock prices to new information. International Economic Review, 10, 1–21.

Fama, E. F., Fisher, L., Jensen, M., & Roll, R. (1969). The adjustment of stock prices to new information. International Economic Review, 10, 1–21.

Fernandes, P. R., & Maranhão, K. A. (2016). Investigações sobre o comportamento do mercado de ações frente a eventos: Um estudo de caso australiano. Saber Humano, 6(8), 149-159.

He, P., Sun, Y., Zhang, Y., & Li, T. (2020). COVID–19’s impact on stock prices across different sectors— an event study based on the Chinese stock market. Emerging Markets Finance and Trade, 56(10), 2198-2212. DOI: https://doi.org/10.1080/1540496X.2020.1785865

Ho, J. C., Qiu, M., & Tang, X. (2013). Do airlines always suffer from crashes? Economics Letters, 118(1), 113-117.

Mackinlay, A. C. (1997). Event studies in economics and finance. Journal of Economic Literature, 35(1), 13-39.

Maneenop, S., & Kotcharin, S. (2020). The impacts of COVID-19 on the global airline industry: An event study approach. Journal of Air Transport Management, 89(1), 1-6. DOI: https://doi.org/10.1016/j.jairtraman.2020.101920

Marshall, J. (2017). Rompimentos de barragens de rejeitos no Brasil e no Canadá: uma análise do comportamento corporativo. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, 5(1), 27-46.

Ndekugri, A., & Pesakovic, G. (2017). Using event studies to evaluate stock market return performance. Global Journal of Management and Business Research: C Finance, 17(5), 1-16.

Pigou, A. C. (1920). The economics of welfare. Londres: Macmillan.

Santos, J. O., Santos, F. A., Volpato, L. A., & Volpato, B. L. (2021). Análise do desempenho do retorno das ações ordinárias de empresas do setor do agronegócio em cenários econômicos adversos. Revista de Ciências da Administração, 23(61), 37-51. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8077.2021.e79157

Silva, C. C., Silva, F. G., & Silva, E. V. A. (2017). Impacto do anúncio de fusões & aquisições sobre a competitividade do mercado: um estudo de caso da fusão Bradesco-HSBC Brasil. Espacios, 38(38), 1-15.

Silva, E. L., & Silva, M. A. (2020). Segurança de barragens e os riscos potenciais à saúde pública, 44(2), 242-261. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042020E217

Silva, J. M. A., & Famá, R. (2011). Evidências de retornos anormais nos processos de IPO na Bovespa no período de 2004 a 2007: um estudo de evento. Revista de Administração da USP (RAUSP), 46(2), 178-190. DOI: https://doi.org/10.5700/rausp1006

Sobieralski, J. B. (2020). COVID-19 and airline employment: insights from historical uncertainty shocks to the industry. Transportation Research Interdisciplinary Perspectives 5, 1-9.

ZaliS, P. O mapa da destruição. Veja, 48(2454), 84-92, 2020.