v.
5, n. 2, Maio-Agosto/2021 This work is licensed under a Creative
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Global
mindset e liderança global: explorando a relação entre capital psicológico,
experiência internacional e o papel da liderança
Luiz
Rodrigo Larson Carstens Filho
lrlcarstens@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-3275-7636
http://lattes.cnpq.br/6182511765472834
Universidade
Federal do Paraná
Curitiba,
Paraná, Brasil
Heloíse
Helena Berger Ploszaj
https://orcid.org/0000-0002-2505-5476
http://lattes.cnpq.br/8136048961503581
Universidade
Federal do Paraná
Curitiba, Paraná,
Brasil
Simone
Cristina Ramos
https://orcid.org/0000-0001-9460-6481
http://lattes.cnpq.br/7084096952877778
Universidade
Federal do Paraná
Curitiba, Paraná,
Brasil
Acyr
Seleme
https://orcid.org/0000-0001-7487-9175
http://lattes.cnpq.br/6195984247013988
Universidade
Federal do Paraná
Curitiba, Paraná,
Brasil
Resumo
As competências da liderança global
são cada vez mais relevantes para as organizações transnacionais, o que demanda
desenvolvimento de seus líderes. Entre as qualidades do líder global, o global
mindset (GM) se exterioriza na capacidade de transposição de barreiras
nacionais e empresariais, integrando perspectivas culturais e de mercado,
independentes dos pressupostos de um único país, requerendo habilidades
adaptativas em múltiplos ambientes. Sendo um dos atributos do GM, o capital psicológico
é constituído pela paixão pela diversidade, autoconfiança, busca pelo
desconhecido e por encontros transculturais, impactando na capacidade do
indivíduo prosperar em ambientes imprevisíveis e complexos. Esta pesquisa teve
por objetivo analisar o impacto das experiências internacionais e em papel de
liderança sobre o capital psicológico de 58 indivíduos. Para tanto, foi
utilizado o instrumento PCQ-24, para quantificação dos atributos do capital
psicológico: autoeficácia, esperança, resiliência e otimismo. A principal
contribuição foi a constatação de que a experiência internacional pouco
influenciou o capital psicológico dos respondentes. Já a experiência prévia em
função de liderança influenciou positivamente o capital psicológico,
principalmente, na componente autoeficácia. Frente aos achados são traçadas
recomendações práticas e de pesquisa.
Palavras-chave:
Mentalidade global. Cultura. Globalização.
Global mindset and global leadership: Exploring the
relationship between psychological capital, international experience, and
leadership experience
Abstract
The skills of global leadership are increasingly relevant in
transnational organizations, requiring development of their leaders. Among the qualities of a global leader, the
global mindset (GM) is expressed in the ability to alter national and business
barriers, integrating cultural and market perspectives, independent of the
assumptions of a single country, and requiring adaptive skills for all
environments and business situations. Being one of the attributes of GM,
psychological characteristics consist of passion for diversity,
self-confidence, search for the unknown, cross-cultural encounters and
reflecting on the individual's ability to thrive in unpredictable and complex
environments. This research aimed to analyze the impact of international
experiences and previous leadership experience of 58 individuals over their
psychological capital. For this, the PCQ-24 instrument was used to quantify the
attributes of psychological characteristics: self-efficacy, hope, resilience,
and optimism. The main finding was that international experience had only
little influence on psychological capital of respondents. On the other hand,
previous experience in leadership roles positively influenced their psychological
capital, especially the self-efficacy component. Because of the findings,
practical and research recommendations are outlined.
Keywords: Global
mindset. Culture. Globalization.
Submetido:
11/06/2021
Revisões
Requeridas: 18/07/2021
Aceito: 24/07/2021
Publicado:
31/08/2021
INTRODUÇÃO
O mundo globalizado
impôs às organizações uma maior complexidade e a necessidade de maior
velocidade de resposta em suas relações. É possível afirmar que a concorrência
global, as contínuas mudanças ambientais, bem como ambientes institucionais e
técnicos ambíguos, requerem rápidas transformações das organizações e seus
líderes. Atualmente, é demandado dos líderes em empresas transnacionais
diversas competências adaptativas, manifestas na habilidade de transpor
barreiras nacionais visando construir diretrizes capazes de integrar
perspectivas culturais e mercadológicas diversas. Para Morrison (2000), o
modelo de liderança global sintetiza tais demandas para os líderes em empresas
transnacionais.
A liderança global
pode ser compreendida como o processo de influenciar pessoas de variadas
culturas ao adotar métodos e estruturas a fim de facilitar positivamente o
esforço coletivo, em um contexto caracterizado por significantes níveis de
complexidade (MENDENHALL et
al., 2012). Dentre as qualidades da liderança global, a
literatura tem demonstrado a necessidade de desenvolvimento do global
mindset (GM) como requisito para atuação neste contexto globalizado (REIS;
BORINI; FLORIANI, 2012). Beechler e Javidan (2007) afirmam que, nas organizações que
demonstram global mindset, os tomadores de decisão compreendem a
diversidade existente entre empresas, países, culturas e mercados; detêm
capacidade de análise de critérios de desempenho comercial que sejam
independentes dos pressupostos de um único país ou contexto; e possuem capacidade
de harmonizar diversidades apropriadamente, compreendendo a diversidade
cultural, de contexto e dos países.
Para Bowen e Inkpen
(2009), o GM é composto por três capitais: social, intelectual e psicológico. O
capital psicológico, componente associado ao presente estudo, é um construto
desenvolvido por Luthans et
al. (2007), que abrange características como
autoeficácia, esperança, otimismo e resiliência. Outros
estudos indicam que o capital psicológico é influenciado pela paixão pela
diversidade, por explorar outras partes do mundo, por encontros com pessoas de
outras nacionalidades e, também, por experiências internacionais (SPREITZER; MCCALL; MAHONEY, 1997; BEECHLER; JAVIDAN, 2007 e VOGELGESANG; CLAPP-SMITH; OSLAND, 2014).
Considerando a relação existente entre Global Mindset e capital psicológico, é
possível afirmar que uma melhor compreensão das experiências que contribuem
para o capital psicológico, resulta no entendimento das ações associadas ao
desenvolvimento da liderança global. Nesse contexto, o presente estudo tem por
objetivo compreender o impacto da experiência internacional e em liderança
sobre o capital psicológico dos participantes. Para tanto, foi utilizado o questionário PCQ-24,
de Luthans et
al. (2007), para coleta de dados relativos ao capital psicológico dos
participantes, a fim de se estabelecer comparações estatísticas em relação às
suas experiências internacional e de liderança. Para atendimento de seu
objetivo, este estudo está divido nas seguintes seções: introdução, referencial
teórico sobre liderança global, global mindset e capital psicológico,
bem como metodologia, resultados e discussão e considerações finais.
LIDERANÇA GLOBAL
O aumento da complexidade no ambiente global impôs
às organizações o desenvolvimento de competências adaptativas, tanto no mercado
como na figura do líder, exigindo deste a adoção de novas práticas na busca dos
objetivos organizacionais, como o poder de influência sob a equipe, para a
conquista do engajamento necessário e a desejada internacionalização (BEECHLER;
JAVIDAN, 2007). Mesmo em mercados tradicionalmente domésticos, como
bancos e seguradoras, a pressão pela globalização prevalece, desencadeando
profundas mudanças nos processos decisórios empresariais, por meio de seus
líderes (IRVING,
2010). Esta influência no cenário
mundial atinge grande parte de indústrias dos mais diversos setores, como o de
produtos e serviços, não sendo mais possível sobreviver no mercado sem o acesso
a tecnologias, fornecedores e clientes de base global (MORRISON,
2000).
Diversidades de contextos, padrões culturais, bem
como atitudes, valores e crenças dos líderes, exigem diferentes modelos para
gerir relações, abrangendo contextos éticos, riscos e diferenças culturais (BOYACIGILLER;
ADLER, 1991). Para que uma companhia se torne global, seus
líderes precisam desenvolver competências que se estendam além do que lhes é
familiar em seu país de origem (YAMAGUCHI,
1988). Os efeitos da globalização, sejam no
nível industrial, de negócios ou na figura do líder, vão além das diferenças
nacionais, de melhores práticas em voga no mundo e ou de modelos como o
americano, europeu ou asiático.
A essencialidade do líder global faz
com que se busque um modelo que possa ser aplicado em todo o mundo, que
transcenda e integre cenários nacionais e se tornem ferramentas essenciais para
contratação, treinamento e retenção de líderes do amanhã (MORRISON,
2000). O desenvolvimento das competências do
líder global se torna um requisito urgente para a organização se tornar globalmente
competente (KIM;
MCLEAN, 2015). Neste contexto, líderes globais, do topo ou da
base hierárquica, enfrentam o mesmo desafio: como adaptar seu estilo de
liderança às condições de diversas localidades para alcançar os objetivos
corporativos (STEERS;
SANCHEZ-RUNDE; NARDON, 2012).
Mas o que seria um líder global? Segundo Bird et al.
(2010), o conceito de liderança global contempla
inúmeras abordagens, abrangendo distinções entre liderança doméstica,
internacional e global, bem como entre líderes e gerentes. Para Morrison
(2000), o modelo da liderança doméstica, com foco
hierárquico e de controle, é de difícil replicação internacional, em que o
conhecimento é tido como a chave para o sucesso. Steers,
Sanchez-Runde e Nardon (2012), sugerem
abordagens contemporâneas da liderança, classificadas como universais,
contingenciais e normativas, sendo esta última voltada para a análise do líder
global com base em habilidades pessoais, por meio de características comuns a
todos, independentemente do local de atuação.
A visão do modelo do líder global compreende a
união de inúmeras características, como a competência em articular relações interpessoais,
transmitindo confiança e generosidade (CHIN;
GU; TUBBS, 2001); criatividade (TUCKER
et al., 2014); motivação (BUENO;
TUBBS, 2012), flexibilidade e mente aberta (JENKINS,
2012). Outros atributos são apresentados nesse contexto,
como a transculturalidade, refletida na interação com diversos países (BEECHLER;
JAVIDAN, 2007); humildade, autocontrole, força e
temperança (CANALS, 2014); mentalidade global, espírito empreendedor,
cosmopolitismo e agilidade de pensamento (ADLER; BRODY; OSLAND, 2001; MENDENHALL et al., 2012). Morrison
(2000) sugere que a liderança global deve ser
composta de características universais e idiossincráticas, que resulta da soma
de várias competências, que, por sua vez, incluem conhecimentos e habilidades.
Segundo Mendenhall
et al. (2012), a liderança global pode ser
definida como o processo de
influenciar pessoas de variadas culturas, na adoção de métodos e estruturas com
o propósito de facilitar de forma positiva o esforço coletivo, levando em
consideração contextos complexos, caracterizados por significantes níveis de
fluidez de processo e presença. Como pontua Axinn (1988), o líder
realmente faz a diferença neste processo de condução e engajamento de equipes.
Diversos estudos empíricos foram realizados para a
compreensão da figura do líder global. Black,
Morrison e Gregersen (1999), por exemplo, entrevistaram 130 executivos
da área de recursos humanos e linha sênior em 50 empresas da América do Norte,
Ásia e Europa, e constataram que os líderes globais efetivos apresentaram
características como: demonstração de conhecimento de negócios e organizações
globais; habilidades no gerenciamento de incertezas; mediação de pressões
advindas da globalização e localização (ambiguidade); e comportamentos de
conexão emocional com pessoas e alta integridade.
Em análises realizadas por meio de entrevistas com
101 executivos bem sucedidos internacionalmente, Osland et al.
(2006) detectaram dimensões da liderança global
baseadas em experiências pessoais de cada um, consideradas essenciais para a
execução de seus trabalhos: habilidades de relacionamento intercultural; traços
e valores; expertise em negócios globais; orientação para cognição; experiência
em organização global; e visão. No Quadro 1 são demonstradas as competências
correspondentes às dimensões da liderança global.
Quadro 1. Dimensões e Competências da Liderança Global.
Dimensões da liderança global |
Competências |
Habilidades em relacionamentos
interculturais |
Sensibilidade cultural.
Apreciação à diversidade. Diálogo construtivo. Alfabetização social.
Alfabetização cultural. Capacidade de conexão emocional. Habilidade para
inspirar e motivar. |
Conhecimento organizacional
global |
Construção e consolidação de
equipe. Construção de parcerias. Redes organizacionais. Criação de sistemas
de aprendizagem. |
Traços e valores |
Curiosidade. Otimismo. Enérgico.
Inteligência emocional. Persistência. Comprometimento. Resistência.
Maturidade. Vida pessoal estável. |
Orientação cognitiva |
Senso do ambiente. Mentalidade
Global. Agilidade de pensamento. Capacidade cognitiva complexa. Gerenciar
incertezas. Flexibilidade comportamental. |
Expertise em negócios globais |
Esclarecimento sobre negócios
globais. Esclarecimento sobre organizações globais. Astúcia. Orientação para
os Stakeholders. Orientação para os
resultados. Manter vantagem competitiva |
Visão |
Articular uma visão tangível e
estratégica. Espírito empreendedor. Catalisador para mudanças culturais.
Agente de mudança. Catalisador para mudanças estratégicas. |
Fonte: Adaptado de Osland et al. (2006)
Como é possível observar, são diversas as
competências de líderes globais. Estes indivíduos necessitam de um conjunto de
atributos e características que o ajudarão a influenciar equipes e organizações
diferentes da sua própria cultura. Um destes atributos é o global mindset, que será explorado a
seguir.
GLOBAL MINDSET
O global mindset (GM), ou “mentalidade
global”, originou-se como um recurso fundamental para obtenção de vantagem
competitiva de longo prazo no mercado global, em consequência do aumento da
concorrência e do aumento dos níveis de complexidade e volatilidade no ambiente
mundial (BEECHLER; JAVIDAN, 2007). O termo foi introduzido na literatura por Perlmutter
(1969), para descrever os diferentes graus de
internacionalização ou os diferentes níveis de multinacionalidade de uma
organização. Em suas pesquisas, Chakravarthy
e Perlmutter (1985) descreveram uma tipologia baseada nos mapas
mentais dos tomadores de decisão em multinacionais, quanto à forma que as
gerenciam: etnocêntrico, policêntrico e geocêntrico. No primeiro, suas atitudes
são orientadas para o país de origem. No segundo, o mindset tem o país da matriz como foco. No último, não há
superioridade entre uma ou outra nacionalidade, ou seja, o melhor é ser orientado para o mundo. Em outro estudo no campo
organizacional, Bartllet e
Ghoshal (1998) apresentaram mentalidade transacional como
estratégia ideal para a internacionalização corporativa, viabilizando a
capacidade de resposta local, por meio da adequação de produtos e serviços à
cultura local, e a integração global, viabilizando a comercialização dos mesmos
produtos no mundo.
Segundo Vogelgesang,
Clapp-Smith e Osland (2014), o campo da estratégia teve início com uma
taxonomia na área da organização, evoluindo posteriormente para a perspectiva
dos líderes estratégicos das corporações, onde o aspecto individual da eficácia
do líder passou a ser o foco dos estudos na área do comportamento
organizacional. Esta segunda perspectiva abrange o campo do desenvolvimento de
competências e da estrutura cognitiva, onde o GM pode ser visto como a
capacidade de desenvolver e interpretar critérios para o desempenho pessoal e
comercial que são independentes das premissas de um único país, cultura ou
contexto, implementando esses critérios adequadamente em diferentes países,
culturas e contextos (MAZNEVSKI; LANE,
2004).
Outras perspectivas também foram exploradas
nesse contexto. Caproni,
Lenway e Murtha (1992), por exemplo, argumentam que as habilidades
cognitivas dos tomadores de decisão interferem diretamente nas estratégias das
empresas globais, potencializando ou inibindo a vantagem competitiva, como
resultado do modo pelo qual os gerentes compreendem o ambiente organizacional e
global. Beechler e Javidan (2007) complementam, inferindo que devido às empresas
globais lidarem com questões controversas e muitas vezes envoltas de ambientes
de incerteza, os tomadores de decisão necessitam de uma ótica dualista,
compreendendo a diversidade entre empresa, países, culturas e mercados;
capacidade de análise de critérios de desempenho comercial que sejam
independentes dos pressupostos de um único país ou contexto; capacidade de
harmonizar diversidades apropriadamente, compreendendo a diversidade cultural,
de contexto e dos países.
Além da perspectiva
cognitiva da mentalidade global, Levy et al. (2007) propuseram a dimensão do
cosmopolitismo, que enfatiza o grau de engajamento do um indivíduo e sua
capacidade de navegar por culturas desconhecidas, com foco externo e aberto.
Tais características relacionam as diversidades locais e a complexidade
ambiental à globalização, demonstrando a complexidade de se cruzar fronteiras
culturais, de interagir com funcionários de nacionalidades diferentes e
gerenciar relações interorganizacionais culturalmente distintas (LEVY et al., 2007). Outros autores ampliam esta abordagem,
integrando, além da complexidade cognitiva e cosmopolita, características
sociais, intelectuais e psicológicas (BOWEN; INKPEN, 2009), que segundo Reis, Borini e Floriani (2012), integram uma perspectiva
multidimensional.
Capital intelectual global
O capital
intelectual, segundo Bowen e Inkpen (2009), abrange os conhecimentos de negócio
global, a orientação cosmopolita e a complexidade cognitiva do indivíduo. Seu
alto grau de desenvolvimento resulta das capacidades de conhecimento cultural,
história, geopolítica, economia de diferentes países, repercutindo no
entendimento da complexidade de negócios globais e na capacidade de resolução
de problemas complexos.
Líderes
globais habilidosos possuem capacidade de captar informações relevantes, melhor
percepção contextual, comportamental e cultural, combinando tais atributos em
padrões adequados de comportamento. Também desenvolvem percepções complexas de
seu contexto de trabalho (BIRD
MENDENHALL, 2016). Beechler e
Javidan (2007), apontam que o capital intelectual representa as
capacidades cognitivas e intelectuais do líder global, tendo como principais
atributos: i) conhecimento da indústria global; ii) conhecimento da rede de
valor global; iii) conhecimento da organização global; iv) complexidade
cognitiva; e v) perspicácia cultural.
Vogelgesang,
Clapp-Smith e Osland (2014) acrescentam, ainda, duas dimensões para
descrever a complexidade cognitiva: diferenciação e grau de integração. A
primeira se refere à capacidade do líder global em reconhecer nuances de
determinado contexto, por meio múltiplas categorias possíveis para estímulos e
indexação. A segunda compreende a extensão em que os líderes globais percebem
conexões entre muitas categorias que usam para classificar estímulos, gerando
soluções inusitadas e inovadoras na resolução de desafios em nível global.
Capital social global
Para
Portes
(1998), o
capital social teve sua primeira análise sistemática contemporânea produzida
por Pierre Bourdieu, que definiu o conceito como “o agregado dos recursos reais
ou potenciais que estão vinculados à posse de uma rede durável de relações mais
ou menos institucionalizadas de conhecimento ou reconhecimento mútuo” (BOURDIEU,
1985, p. 248). Em sua pesquisa
sobre as origens e definições do capital social, Portes
(1998)
apontou que ele representa a capacidade dos indivíduos de gerar benefícios em
consequência da participação em redes sociais ou outras estruturas sociais.
No contexto do líder global, Bowen
e Inkpen (2009) argumentam que o capital social compreende a empatia
intercultural de um indivíduo, o impacto interpessoal e a diplomacia. O
desenvolvimento do capital social se manifesta na capacidade de manifestação de
empatia e na conexão emocional com pessoas de diferentes países, por meio de
relacionamentos verdadeiros. Segundo os autores, os três capitais sociais
integram uma mentalidade global, permitindo que os atores (1) percebam,
analisem e decodifiquem o ambiente operacional global; (2) identifiquem com
precisão uma ação gerencial eficaz no ambiente operacional global; e (3) ajam
adequadamente, com disciplina e flexibilidade comportamental. “O resultado são
líderes globais que são eficazes em influenciar pessoas em situações de
complexidade transcultural” (BOWEN;
INKPEN, 2009, p. 244, tradução nossa).
Em
pesquisa no contexto da liderança global, desenvolvida por meio do uso da
técnica Delphi com entrevistas com especialistas em desenvolvimento de
liderança e experiências coletivas, com o objetivo de desenvolver respostas
claras à pergunta “como a liderança é desenvolvida?”, Elkington
et al. (2017) constataram a
“eloquência da diversidade” como componente do capital social. Tal
característica se refere à capacidade da liderança organizacional em promover
uma postura inclusiva a todos no ambiente de trabalho que apresentem algum
nível de diversidade dos demais membros do grupo.
Capital psicológico global
Além do capital
social e intelectual, a literatura integra a perspectiva psicológica do
GM. Líderes globais possuem uma bagagem
de atributos que são denominados de capital psicológico global (BEECHLER; JAVIDAN, 2007), que permitem o bom uso do
conhecimento. Com o objetivo de avaliar o impacto do comportamento dos
indivíduos nas práticas organizacionais, seja no campo da realização de
tarefas, ou no comprometimento com a organização, Luthans e Youssef (2004) posicionam as pessoas no centro de
seus estudos.
Originado
no comportamento organizacional positivo, o capital psicológico (Psycap) é definido como um “estado” de
desenvolvimento psicológico positivo, onde o indivíduo possui um conjunto de
determinados atributos: (1) autoeficácia: ser confiante, mantendo o esforço
necessário para o sucesso diante de tarefas desafiadoras; (2) otimismo:
produzir valorações positivas aos acontecimentos presentes e futuros; (3)
esperança: obstinar-se nos objetivos e, se necessário, redirecionar os meios de
atingir metas para alcançar o sucesso; e (4) resiliência: quando assolado por
problemas e dificuldades, superar-se e recuperar o estado emocional normal (LUTHANS;
YOUSSEF, 2004).
Luthans
e Youssef-Morgan (2017) exemplificam que indivíduos
otimistas tendem a projetar suas chances de sucesso como altas, sendo pessoas
confiantes (alta eficácia), que escolhem intencionalmente metas desafiadoras
pela motivação de superá-las. São
considerados indivíduos esperançosos, orientados à busca de diferentes caminhos
que os levem a estes desafios, apresentando características de resiliência.
Além destes atributos psicológicos, Luthans,
Youssef-Morgan e Avolio (2015) não excluem outros fatores de
influência nesta composição. Características como autenticidade, coragem,
criatividade, inteligência moral, perdão, gratidão e espiritualidade, são
atributos considerados potencialmente promissores na contribuição operacional e
teórica do capital psicológico.
Outras
qualidades são atribuídas ao capital psicológico no contexto da liderança
global. Bowen e Inkpen (2009), por exemplo, afirmam que o capital psicológico é composto pela paixão
de um indivíduo pela diversidade, busca de aventuras e autoconfiança. Segundo
os autores, uma grande quantidade de capital psicológico resulta em um alto
nível de autoconfiança, em vontade de correr riscos, em desejo de desafiar a si
mesmo e na capacidade de prosperar em ambientes imprevisíveis e complexos. Na
mesma linha de pesquisa, Winck et al. (2016), a partir da percepção de profissionais que atuam tanto no ambiente
acadêmico quanto empresarial, apontam que o capital psicológico global
compreende a paixão pela diversidade, caracterizada pela paixão por explorar
outras partes do mundo, gostar de conhecer pessoas de outras nacionalidades, de
viver em outros países e de viajar.
Spreitzer, Mccall e Mahoney (1997) apontam outro elemento do capital psicológico global, que consiste na
paixão por encontros interculturais. Tal característica se revela no sentimento
de entusiasmo e paixão em trabalhar com pessoas de outras culturas. Trabalhar
com indivíduos e equipes diversificadas não constitui apenas uma oportunidade
de estímulo do intelecto, mas também uma experiência emocionalmente
enriquecedora (BEECHLER; JAVIDAN, 2007). A diversidade cultural e a busca pela aventura global também são
partes integrantes do capital psicológico global, pois estimulam a busca pelo
desconhecido, gerando uma forte paixão pelo entendimento de outras culturas,
diferentes pontos de vistas e encontros transculturais (VOGELGESANG; CLAPP-SMITH; OSLAND, 2014).
Estudos apontam a
tendência cada vez maior dos indivíduos procurarem carreiras globais que
requerem competências igualmente globais (PARISH, 2016). Verifica-se a
existência de investimentos significativos no desenvolvimento de competências
pessoais, interpessoais, culturais, cognitivas, de liderança e capacidade
técnica, à exemplo da expatriação, que proporciona uma experiência singular
para o aprimoramento do capital psicológico (GUPTA; GOVINDARAJAN, 2002). Parish (2016) menciona
que esta experiência internacional pode induzir o crescimento pessoal pela
incidência de experiência crítica, evitando ao mesmo tempo o risco das
organizações perderem recursos significativos de liderança. Nesse contexto, Beechler e Javidan (2007) realizam uma conexão entre os componentes críticos do capital
psicológico – autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência – com o
cosmopolitismo e a paixão por encontros interculturais, que constituem as
virtudes do líder global, os quais são resumidos no Quadro 2.
Quadro 2. Abordagens do Capital
psicológico positivo
Capital
psicológico positivo |
Visão
Clássica |
Visão
Cosmopolita |
Visão
da paixão por encontros interculturais |
Auto-eficácia |
Crença na capacidade
de mobilizar os recursos cognitivos e a motivação para atingir determinados
resultados. |
Subestimar o
significado de nacionalidade. |
Paixão por
diferenças culturais. |
Otimismo |
Estilo atitudinal
que conduz o indivíduo a atribuir aos eventos positivos causas internas,
permanentes e pervasivas e aos eventos negativos, causa externas e
temporárias. |
Abertura e
sensibilidade a outras culturas e sistemas. |
Curiosidade e
interesse em outras culturas. |
Esperança |
Estado emocional
positivo que resulta da interação entre a motivação para a ação e os meios
para atingir os objetivos. |
Atitude positiva em
relação a assuntos internacionais. |
Busca por aventuras
globais. |
Resiliência |
Capacidade de
ultrapassar adversidades e fracassos, e grandes mudanças positivas |
Disposicão para
aceitar boas ideias, independentemente de onde elas vem. Dispocição para
trabalhar ao logo do tempo e distância. Respeito por outras
culturas. |
Paixão em aprender
sobre outras culturas. Conexão emocional
com pessoas de outras culturas. |
Fonte. Adaptado de Luthans e
Youssef (2004); e Beechler e Javidan (2007).
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O processo de pesquisa
escolhido foi de natureza quantitativa, uma vez que dados numéricos foram
coletados e analisados por meio de testes estatísticos (CRESWELL,
2003). Realizou-se um estudo com corte temporal
transversal. A seleção dos participantes teve por base
uma metodologia de amostragem não probabilística, acidental (ou de
conveniência), já que se constitui por sujeitos intencionalmente selecionados e
facilmente acessíveis aos pesquisadores (MATTAR, 2005), permitindo maior amplitude de dados para
análise, por meio da diversificação das características de vivências e
experiências dos respondentes. A amostra foi composta por 58 participantes, todos com vivência na área
de gestão em papeis como i) alunos do Programa de Pós-Graduação em Gestão de
Organizações, Liderança e Decisão da Universidade Federal do Paraná; ii)
graduados em Administração, com habilitação em Comércio Exterior; ou iii)
docentes de administração de Universidades e Faculdades diversas.
A técnica de coleta
de dados envolveu um survey, por meio
de pesquisa on-line produzida na plataforma Google
Forms, composta de oito questões iniciais para identificação de perfil do
respondente. Nesta primeira fase foram coletados dados demográficos, dados relativos
à experiência internacional, seja para a finalidade de estudo ou de trabalho,
além de dados relativos à experiência em liderança, não sendo delineada a
origem de tal atributo. Na segunda parte, foi utilizado o instrumento (PCQ-24), o qual permite a quantificação
do capital psicológico dos entrevistados. A escolha do teste levou em
consideração a relevância deste na produção sobre a temática e a validação de
sua versão em Português (CID et al., 2020).
O instrumento permite a apuração
dos níveis de Autoeficácia, Esperança, Otimismo e Resiliência dos respondentes,
por meio de 24 questões distribuídas em painel representativo do Capital
Psicológico, traduzindo a essência do comportamento positivo (LUTHANS
et al., 2007). O teste foi organizado em
escala Likert de 06 pontos, em que: 01 significa ‘discordo completamente’ e 06
em ‘concordo completamente’. Os primeiros seis itens avaliam a autoeficácia. Os itens 7 a 12
correspondem à subescala da esperança. Os seis itens seguintes avaliam a
resiliência. Os últimos seis itens avaliam o otimismo.
A análise dos dados foi realizada
por meio do software SPSS versão 20,
e o teste não paramétrico qui-quadrado foi utilizado para comparar dados e
definir se eles diferem ou não quanto a uma determinada característica da
amostra (BUSSAB e MORETTIN, 2006). As respostas foram comparadas individualmente dentro das variáveis selecionadas, onde foram
calculados os coeficientes de correlação r de Person por meio da
intercorrelação dos dados obtidos dos grupos explorados, sendo as correlações
estatisticamente positivas ao nível de p < 0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Do total do grupo dos
58 respondentes, 46,6% são homens e 53,4% são mulheres. A idade média dos
respondentes é de 39,77 anos (27 a 66 anos). Em relação à escolaridade, pode-se
afirmar que o grau de instrução dos participantes é elevado, pois cerca de um
terço (32,8%) tem curso superior; pouco mais de um terço (34,5%) cursa
mestrado; 10,3% possuem mestrado completo; 1,7% possuem doutorado incompleto; e
cerca de um em cada cinco (20,7%), tem doutorado.
No que tange à
experiência em cargo de liderança, 74,1% dos entrevistados relataram possuir
tal experiência, ao passo que 25,9% informaram não terem exercido este papel.
Em relação à experiência internacional, 50% informaram não possuir tal
vivência, ao passo que 50% relataram possuir experiências internacionais.
Destes, 29,3% residiram no exterior com a finalidade de realizar estudos; 15,5%
residiram fora do país por motivos de trabalho; 5,2% conciliaram estudos e
trabalho enquanto residiam no exterior. Tais dados são sintetizados na Tabela 1.
Ao se calcular o escore médio do
capital psicológico dos participantes (variável dependente), foi obtida uma
média de 4,54 (DP = 0,63), com valores mínimo e máximo, entre 2,33 e 5,79,
respectivamente. Diante destes resultados, pode-se afirmar que os participantes
do estudo tendem a reconhecer que detêm um nível mediano de capital
psicológico, estimado por meio de uma escala de respostas que varia entre 1 e
6. Na concepção de LUTHANS (2004), resultados deste tipo evidenciam a confiança
para o desempenho eficiente de suas tarefas (autoeficácia), capacidade para
superar adversidades presentes no ambiente de trabalho (resiliência), visão
positiva de um futuro no contexto do trabalho (otimismo) e capacidade de
encontrar alternativas necessárias ao alcance de metas profissionais
(esperança).
Tabela 1. Descrição das características dos
entrevistados.
Característica (n=58) |
n (%) |
||
Gênero |
Masculino |
27 (46,6) |
|
Feminino |
31 (53,4) |
||
|
|
|
|
Idade |
Até 30 anos |
7 (12,1) |
|
31-40 anos |
22 (37,9) |
||
41-50 anos |
23 (39,6) |
||
Acima de 51 anos |
6 (10,3) |
||
|
|
|
|
Grau de escolaridade |
Superior completo |
19 (32,8) |
|
Mestrado incompleto |
20 (34,5) |
||
Mestrado completo |
6 (10,3) |
||
Doutorado incompleto |
1 (1,7) |
||
Doutorado completo |
12 (20,7) |
||
|
|
|
|
Exp. Função de liderança |
Possui |
43 (74,1) |
|
Não possui |
15 (25,9) |
||
|
|
|
|
Exp. Internacional |
Possui |
29 (50) |
|
Não possui |
29 (50) |
||
Fonte: Os autores
Para análise do escore médio e o
desvio padrão do capital psicológico dos entrevistados possuidores ou não de
experiências em liderança e experiências internacionais (variável
independente), utilizou-se o teste-t em cada grupo específico, conforme Tabela
2. Para a variável “experiência em liderança”, o teste-t independente
demonstrou que os respondentes que vivenciaram experiências em liderança
apresentaram escore médio de capital psicológico superior aos respondentes não
possuidores de tal atributo (t(58) = 2,491; p < 0,05). Já para a variável
“experiência internacional”, o teste-t independente evidenciou que não houve
diferença estatisticamente significante no capital psicológico de respondentes
que residiram no exterior (t(58) = -1,062; p > 0,05). Destaca-se que
respondentes não possuidores de experiências internacionais apresentaram escore
médio superior aos que vivenciaram esta experiência, o que, para a presente
pesquisa, evidencia que tal característica não colaborou para a potencialização
do capital psicológico dos colaboradores.
Tabela 2. teste-t independente das experiências
em liderança e internacionais dos respondentes.
Variável independente |
Exp. |
n (%) |
Média |
Desvio Padrão |
p |
Experiência em liderança |
Sim |
43 (74,1) |
4,68 |
0,56 |
0,022* |
Não |
15 (25,8) |
4,15 |
0,76 |
||
Experiência internacional |
Sim |
29 (50) |
4,45 |
0,81 |
0,295 |
Não |
29 (50) |
4,63 |
0,39 |
Fonte: Os autores. Nota. *p < 0,05
Já em relação à comparação dos
grupos que possuem ou não experiências em cargos de liderança, foram
apresentados resultados positivos em assertivas compreendidas nos campos
esperança, otimismo e, sobremaneira, no campo autoeficácia. Para esta dimensão do construto, houve
diferença estatisticamente significante nas seguintes assertivas: (2) “Sinto-me
confiante ao representar a minha área de trabalho em reuniões” (p=0,034); (4)
“Sinto-me capaz de ajudar a definir objetivos para a
minha área de trabalho” (p=0,010); e (5) “Sinto-me confiante ao estabelecer
contato com pessoas fora da empresa (por exemplo, clientes e fornecedores) para
discutir problemas” (p=0,016). Neste contexto, o
prévio desempenho do papel de líder possibilita, por exemplo, que indivíduos executem
tarefas desafiadoras, com altos níveis de ambiguidade, permitindo o bom uso do
conhecimento, o que pode agregar para a composição do capital psicológico
global.
Para o construto esperança, duas proposições apresentaram diferença estatisticamente significante
entre os grupos possuidores e não possuidores de experiência em função de
liderança. A assertiva 7, “Se me encontrasse numa situação difícil no trabalho,
conseguiria pensar em muitas formas de sair dela” apresentou p=0,019. A
proposição número 8, “Atualmente procuro
alcançar meus objetivos com grande energia”, resultou em p=0,002. Percebe-se
aqui a incidência de qualidades dimensionadas pelo capital psicológico, dentre
elas a autoconfiança (BOWEN; INKPEN (2009). Segundo
os autores, o elevado capital psicológico proporciona um alto nível de
autoconfiança, caracterizada pela vontade de correr riscos e pelo desejo de
desafiar a si mesmo, desenvolvendo a capacidade para prosperar em ambientes
imprevisíveis e complexos, fatores estes que podem fortalecer a esperança na
busca de atingimento dos objetivos profissionais. Como apontado por Luthans e
Youssef (2004), o capital psicológico é um estado de desenvolvimento mental
positivo, sendo a esperança, a obstinação pelos objetivos, com redirecionamento
dos meios quando necessário, fundamental para atingimento das metas individuais
de sucesso.
Para as
proposições contidas no grupo otimismo, apenas na 22 “No trabalho, sou otimista acerca
do que acontecerá no futuro”, constatou-se a existência de associações lineares
positivas estatisticamente significativas entre os grupos comparados (p=0,05). Dados
estão dispostos na Tabela 3. Nesse sentido, vale destacar estudo de caso realizado por Bowen e
Inkpen (2009), no contexto da mudança organizacional da
Johnson & Johnson Consumer Products Brasil, com foco na figura do líder, em
que os autores analisaram a substituição do diretor administrativo da filial
brasileira. O diretor substituto foi descrito como possuidor de experiências de
liderança em países da América Latina, como a Colômbia, que é caracterizada por
um mercado desafiador, contemplando uma variedade de questões econômicas e de
segurança, o que lhe oportunizou demonstrar sua capacidade de prosperar em
ambientes de incerteza. Segundo Bowen e
Inkpen (2009), a carreira e a experiência anterior do
novo líder forneceram habilidades importantes para ele desenvolver uma
mentalidade mais global e incorporar valores de liderança global.
Nota-se então, que a experiência
no papel de liderança se traduz em confiança, sentimento este estimulado pela
possibilidade de desenvolvimento de competências pessoais, proporcionando assim
uma oportunidade singular para o aprimoramento do capital psicológico (GUPTA; GOVINDARAJAN,
2020). Como mencionado por Beechler e Javidan (2007), a conexão
existente entre os componentes críticos do capital
psicológico é real, pois a autoeficácia, otimismo, esperança e resiliência
constituem as virtudes de um líder global.
Tabela 3. Questões em que os coeficientes
de correlação r de Pearson foram estatisticamente significantes
(p < 0,05), divididas nos respectivos atributos, para a componente
liderança.
Atributos
PsyCap |
Autoeficácia |
Esperança |
Otimismo |
|||
Questões do PCQ-24 |
2 |
4 |
5 |
7 |
8 |
22 |
Qui-quadrado de Pearson |
0,034 |
0,010 |
0,016 |
0,019 |
0,002 |
0,05 |
Fonte: Os autores
Já no que concerne à comparação
do capital psicológico dos entrevistados que residiram ou não no exterior, para
a maioria das perguntas do questionário PCQ24 não houve diferença
estatisticamente significante. Apenas para a assertiva 12, “Neste momento estou
a alcançar os objetivos profissionais que defini para mim próprio (a)”,
compreendida no campo “Esperança”, houve associação positiva (p=0,005).
A análise dos dados coletados
permite concluir que vivências e experiências internacionais tiveram pouca influência
no capital psicológico individual do grupo entrevistado. Tais resultados
reforçam as proposições de Javidan et al. (2010), que asseveram que entre os
tipos de capitais – social, intelectual e psicológico – este é o mais difícil
de ser desenvolvido, pois existem limites para o quanto você pode (ou deve
tentar) mudar a sua personalidade. Segundo o autor, é possível realizar apenas
algumas melhorias nessa área, mesmo que elas não sejam tão significativas
quanto as que podem ser feitas no capital intelectual.
Beechler e Javidan (2007),
complementam que alguns elementos do capital psicológico podem constituir
atributos psicológicos mais profundos e, portanto, não facilmente alteráveis.
As evidências obtidas por meio do estudo da influência de vivências internacionais
no PsyCap, corroboram a pesquisa de Vogelgesang, Clapp-Smith e Osland (2014),
os quais inferem que o capital psicológico é um dos recursos sugeridos por
Javidan, Teagarden e Bowen (2010) como dimensões da mentalidade global, porém a
sua definição de PsyCap difere da definição amplamente difundida por Luthans et
al. (2007).
Nesse sentido, vale destacar o estudo de
caso de Jneid (2019), que teve por objetivo fornecer um conjunto
de competências pessoais e psicológicas relevantes para o desenvolvimento de
uma mentalidade global em líderes globais. Para tanto, adotou uma abordagem
qualitativa realizada por meio de entrevistas com 22 gerentes de topo e de
grupos focais, contendo 122 líderes globais brasileiros expatriados. Nesta
pesquisa, a autora concluiu que traços psicológicos
positivos e a complexidade requerida no desempenho de papéis estrangeiros
influenciam o desenvolvimento de uma mentalidade global. Todavia, constatou
que o exercício de tarefas internacionais influenciou superficialmente no
desenvolvimento de uma mentalidade global.
Tais resultados demonstram que, no campo
prático, experiências internacionais não são os únicos fatores relevantes para
a conquista de competências para atuação no mercado de trabalho global. Em
contrapartida, experiências de liderança demonstraram-se potencialmente capazes
de influenciar o capital psicológico dos participantes deste estudo,
evidenciando que esta é uma qualidade a ser considerada para a colocação de
indivíduos em ambientes globais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A crescente internacionalização de
organizações e mercados, demanda dos líderes competências para mobilizar
pessoas de culturas diversas, e para promover a adoção de métodos e processos
capazes de gerar valor em um contexto caracterizado pela dissolução de
fronteiras territoriais e culturais. Tais competências, contidas no modelo de liderança global e na ideia
de global mindset, abrangem dimensões
cognitivas, comportamentais e de tomada de decisão que favorecem o bom
desempenho em contextos diversificados e transnacionais.
Diante da diversidade de padrões
culturais, valores e crenças, os líderes que precisam se adaptar às condições e
objetivos corporativos, enfrentam o desafio de adaptação dos seus estilos de
liderar (STEERS; SANCHEZ-RUNDE; NARDON, 2012). Desta maneira, percebeu-se que
líderes globais habilidosos possuíam a capacidade de captação de informações
relevantes, combinando-as com a percepção de contexto, comportamento e cultura
em suas decisões. O bom uso deste conhecimento denominou-se capital psicológico
global (BEECHLER; JAVIDAN, 2007).
Em busca do desenvolvimento deste
capital psicológico global, Parish (2016) apontou uma tendência cada vez maior
dos indivíduos em procurar carreiras globais, a fim de adquirir competências igualmente globais. Verificou-se ainda
a existência de investimentos significativos no desenvolvimento de competências
pessoais, interpessoais, culturais, cognitivas, de liderança e capacidade
técnica, à exemplo da expatriação, que demonstrou proporcionar uma experiência
singular para o aprimoramento do capital psicológico (GUPTA; GOVINDARAJAN,
2002).
Frente a este cenário, é possível apontar
como uma contribuição significativa deste estudo, trazer evidências para
discutir a limitação da contribuição de experiências internacionais para o
desenvolvimento do global mindset. Os
resultados obtidos nesta pesquisa não demonstraram relação significativa entre o capital
psicológico e experiências internacionais dos respondentes. Este resultado tem
implicações teóricas e práticas. Do ponto de vista teórico, surge a
oportunidade de investigar o papel da reflexividade e dos processos de
aprendizagem individual e organizacional, que permitiriam fazer a experiência
internacional resultar em experiência significativa para o incremento do
capital psicológico do indivíduo. Do ponto de vista prático, é um alerta para
que investimentos em promoção de experiências internacionais sejam acompanhados
de atividades de desenvolvimento, visando alcançar o resultado de promover as
competências associadas à liderança global.
Outra contribuição desta investigação é o
destaque da relevância da prévia experiência no papel de líder para o
desenvolvimento do capital psicológico dos profissionais. Tal resultado pode
embasar o planejamento de metodologias de desenvolvimento de líderes globais
com programas de aprendizado por meio da imersão em funções gerenciais. Tal
achado também pode auxiliar no planejamento de ações de desenvolvimento
profissional que busquem promover o incremento do capital psicológico dos
profissionais em outras situações, como a promoção de empoderamento de mulheres
e jovens profissionais.
A presente pesquisa possui limitações a
evidenciar. Em primeiro lugar, importa mencionar que os dados que constituíram
a base deste estudo foram provenientes de um pequeno grupo de colaboradores
convidados pelos pesquisadores a participar do estudo, tornando-se, portanto,
uma amostra muito específica, não permitindo generalização. Os fatores
avaliados nesta pesquisa (experiência internacional e experiência em funções de
liderança) são apenas alguns dos muitos componentes do capital psicológico, não
constituindo únicos parâmetros para avaliação da complexidade de tal
característica. O formulário PCQ-24 foi utilizado apenas como meio para avaliar
individualmente e comparativamente as respostas dos grupos participantes, não
sendo exploradas demais possíveis correlações.
Vale destacar que esta pesquisa não explorou
quais são as qualidades de liderança e de experiência internacionais possuídas
pelos respondentes. Sugere-se, então, o desenvolvimento de novas pesquisas no
sentido de verificar a predominância de quais modalidades de experiência como
líder mais contribuem para o aprimoramento do capital psicológico.
Recomenda-se, ainda, o desenho de estudos voltados a compreender variáveis
individuais, organizacionais e sociais que possam afetar o capital psicológico
do indivíduo.
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