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5, n. 1, Janeiro-Abril/2021 This work is licensed under a Creative
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4.0 International License
Dinâmica
da incorporação de dispositivos administrativos em uma siderúrgica sobre a
ótica do Institucionalismo
Ana
Cristina Gonçalves de Castro
https://orcid.org/0000-0001-9125-7466
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais
Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Crystyane
Ferreira Bernardino
https://orcid.org/0000-0002-3396-1460
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais
Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Uajará
Pessoa Araújo
https://orcid.org/0000-0003-1288-1514
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais
Belo
Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Resumo
A pesquisa teve o
propósito de responder a seguinte questão:
qual teria sido a dinâmica de sentidos dos
conceitos (dispositivos) administrativos “Gestão de Riscos”, “Responsabilidade
Socioambiental” e “Governança Corporativa”, captados das evidenciações contidas
nos Relatórios de Administração de uma siderúrgica no Brasil, no caso, a ArcelorMittal
Brasil S.A, ao longo de uma década? Para respondê-la, a investigação tomou
a forma de estudo descritivo, com abordagem qualitativa e quantitativa, por
meio de pesquisa documental de corte longitudinal, aplicando-se a técnica de
análise de conteúdo. O universo da pesquisa compreendeu onze Relatórios da
Administração, de 2007 a 2017, que foram tratados decompondo o material em
categorias – para depois confrontar os achados, quando possível e apropriado,
com documentação adicional da organização. Encontrou-se que, na empresa, o
interesse de evidenciação dos dispositivos em estudo foi variável ao longo do
período; os riscos tomaram quase que exclusivamente a feição de ameaças aos
resultados; a responsabilidade socioambiental manteve-se associada à gestão da
água, do ar, dos coprodutos, de energia e de CO2 bem como o trabalho
seguro e algumas iniciativas nas áreas de educação, cultura, saúde e esporte; e a governança evoluiu ao longo do tempo,
associando-se à disponibilização crescente de
informações relativas ao processo de administração e às atividades
operacionais e financeiras da organização.
Palavras chaves: Evidenciação. Relatório da Administração.
Governança Corporativa. Gestão de Riscos. Responsabilidade
Socioambiental.
Dynamics of the incorporation of
administrative devices in a steel mill industry from the perspective of
Institutionalism
Abstract
The research had as purpose to answer the following
question: what would be the dynamics of meanings of the administrative concepts
(devices) “Risk Management”, “Social-Environmental Responsibility” and
“Corporate Governance”, captured from the evidences contained in the Management
Reports of a steel mill company in Brazil, such as, ArcelorMittal Brasil SA,
over a decade? In order to do that, a descriptive study was carried out, by
using a qualitative and quantitative approach, by means of documentary research
of longitudinal cut, applying the content analysis technique. The research
universe comprised eleven Management Reports, from 2007 through 2017, which
were treated by classifying into categories – for later comparinson among them,
with additional documentation from the organization when possible and
appropriate. It was found that, in the company, the interest in disclosing the
constructs under study was variable over the period; the risks took almost
exclusively the form of threats to the results; social-environmental
responsibility remained associated with the management of water, air,
by-products, energy and CO2, as well as safe work and some initiatives in the
areas of education, culture, health and sport; and governance has evolved over
time, associated with the increasing availability of information regarding the
management process and the organization operational and financial activities.
Keywords: Disclosure.
Management Report. Corporate Governance. Risk
Management. Social-environmental Responsibility.
Submetido: 08/09/2020
Solicitação de Modificações: 12/10/2020
Aceito: 30/12/2020
Publicado: 30/04/2021
CONSIDERAÇÕES
INICIAIS
As
organizações procuram continuamente aplicar novas técnicas administrativas,
justificando-se pela necessidade de alcançar padrões superiores de desempenho.
A incorporação das inovações gerenciais pode também ser resultante de pressões
de outra natureza (coercitivas, normativas e mimética), derivadas da atuação
das instituições (ARAÚJO; BRITO; RIBEIRO; LOPES, 2016).
Descrever a dinâmica, ao longo do tempo, da implantação,
adaptação, utilização e eventual abandono de determinados dispositivos
administrativos pode apoiar/consolidar o entendimento teórico do fenômeno,
contribuindo para a ciência administrativa. Com essa expectativa, pretende-se
estudar a dinâmica de três dispositivos: (i) Gestão de Risco; (ii)
Responsabilidade Socioambiental; e (iii) Governança Corporativa, selecionados
por atualidade e relevância, analisados sob a ótica do institucionalismo e
embasados no estudo da legitimação das instituições. Como objeto para
observação, escolheu-se a siderúrgica ArcelorMittal Brasil, devido ao seu porte
(grande empresa), por estar inscrita no setor siderúrgico, que durante algum
tempo e em conjunto com o setor automobilístico se notabiliza pela introdução
de técnicas de ampla repercussão, como o modelo japonês de produção (toyotismo)
e a ISO 9000, e por interesses pessoais dos pesquisadores.
Como
método, optou-se pela análise do conteúdo de Relatórios da Administração (RA),
capazes de oferecer as evidências requeridas pelo estudo, seguindo os passos já
consolidados por uma gama considerável de pesquisas científicas de mesma
natureza, consideradas válidas pela academia, inclusive, a brasileira (ARAÚJO;
BRITO; RIBEIRO; LOPES, 2016).
Por conseguinte e em
consonância com um esperado comportamento mais responsável por parte das
organizações, implicando em maior e melhor quantidade e qualidade das
informações divulgadas nas demonstrações contábeis tradicionais, explicita-se a
seguinte questão: qual
teria sido a dinâmica de sentidos dos conceitos (dispositivos) administrativos “Gestão de
Riscos”, “Responsabilidade Socioambiental” e “Governança Corporativa”, captados
das evidenciações contidas nos Relatórios de Administração de uma siderúrgica
no Brasil, no caso, a ArcelorMittal Brasil S.A, ao longo de uma década?
Dessa
forma, o objetivo geral desta pesquisa foi verificar o que houve, no período de
2007 a 2017, na evidenciação de informações acerca da gestão de riscos,
responsabilidade socioambiental e governança corporativa, publicadas no
Relatório de Administração da empresa, tomada como objeto de estudo.
É
cabível destacar que nesta pesquisa consideram-se sinais da evolução do
processo de evidenciação, não apenas o aumento da quantidade de informações
evidenciadas, mas também a apresentação de informações de caráter quantitativo,
monetárias e não-monetárias, que complementem as informações declarativas.
Aceitando-se a legitimidade do Relatório da Administração como fonte, a
presente pesquisa justifica-se por analisar as informações evidenciadas pela
ArcelorMittal nos Relatório da Administração, a respeito de três pontos
considerados relevantes e atuais, tanto à empresa, como a academia e a
sociedade (“Governança Corporativa”, “Gestão de Riscos” e “Responsabilidade
Socioambiental”), pois revela a dinâmica, ao longo do tempo, da implantação,
adaptação, utilização e eventual abandono de determinados dispositivos
administrativos, de modo a atender as expectativas dos stakeholders e garantir sua sobrevivência e legitimidade.
Fundamentação Teórica: Institucionalismo
e Legitimação
Há uma
variedade de correntes teóricas aptas a serem empregadas como ótica para
análise do fenômeno de incorporação pelas organizações de métodos, técnicas,
modelos e sistemas – aqui tomados como “dispositivos” administrativos. Sem ser
exaustivo, seria factível considerar ecologia populacional, teoria da
dependência de recursos, evolucionismo econômico. Contudo, o novo
institucionalismo parece oferecer uma estrutura (frame) analítica
atrativa, que atraiu a presente pesquisa, conduzindo-a a partir de um ponto de
partida: a suposição que as organizações buscam os novos dispositivos
combinando eventual racionalidade instrumental (os dispositivos conduziriam a
maior eficiência) com uma pressão institucional: movem-se nesse sentido para
preservar a legitimação frente às partes interessadas, copiando modelos
(isomorfismo mimético) e reduzindo riscos.
A
adequabilidade da opção pelo institucionalismo & legitimação para o
entendimento da incorporação de dispositivos administrativos, disparada com o
trabalho seminal de DiMaggio e Powell (“The iron cage revisited”, em 1983),
pode ser exemplificada:
-
Em
Hinings, Gegenhuber e Greenwood (2018), que discutiram as implicações da
perspectiva institucional para o entendimento da transformação digital que as
organizações incorrem atualmente.
-
Em
Brayne (2017), que empregou o institucionalismo para analisar a disseminação do
uso da vigilância apoiada em “big data”.
-
Na
revisão de Suddaby, Bitektine e Haack (2017) sobre legitimidade.
-
Discutindo-se
a questão da sustentabilidade, tanto no consumo quanto na cadeia de produção de
alimentos (GOVINDAN, 2018).
-
Na
investigação sobre a pressão, prática e performance na incorporação da gestão
“verde” da cadeia de suprimento na indústria automotiva brasileira (VANALLE;
GANGA; GODINHO FILHO; LUCATO, 2017).
-
Também
na gestão de risco, como em Jepson, Kirytopoulos e Chileshe (2020) que
visualizaram o isomorfismo nas práticas de gestão de riscos na construção civil
na Austrália.
Admitida a
aplicabilidade da teoria, requer-se agora presentar o que se entende por
instituições, isomorfismo e legitimação, combinando-os, tal como em Bronzo
(2005): as instituições compõem
um conjunto de regras, formais e informais seguidas por razões normativas,
cognitivas ou materiais; as estruturas
organizacionais possuem uma relação direta com o ambiente institucional (campos
organizacionais) e são refletidas na forma de mitos, fazendo com que a
organização os adote e incorpore-os às novas práticas e procedimentos, dentre
eles produtos, serviços, profissões, técnicas, políticas e programas
institucionalizados, os quais, por sua vez, tornam as organizações mais comuns
e fácil de serem gerenciadas.
Voltando-se
aos campos organizacionais, esses, em seu estágio inicial apresentam variações
em termos de abordagens e formas de atuação das organizações que o compõem. Porém,
a medida em que tais campos são consolidados, as práticas das suas organizações
tendem-se a homogeneizar. O conceito que melhor apresenta o processo de
homogeneização de formas e práticas organizacionais é o isomorfismo; processo
que, considerando uma população com as mesmas condições ambientais, força uma
unidade a se assemelhar às outras unidades, ou seja, as características
organizacionais são modificadas e direcionadas a uma compatibilidade crescente
com as características do ambiente (DIMAGGIO; POWELL,
2005).
De acordo com DiMaggio e Powell (2005), as pressões isomórficas
institucionais ocorrem por meio de três mecanismos: isomorfismo coercitivo,
normativo e mimético. No isomorfismo coercitivo, atuam (i) as
pressões formais e informais exercidas sobre as organizações por outras organizações
das quais dependem; (ii) as expectativas culturais da sociedade; (iii) a
imposição de um ambiente legal comum. No isomorfismo normativo, as organizações são influenciadas por pressões normativas
oriundas de fontes externas, como o Estado e fontes internas, como a própria
organização; tais pressões guiam as entidades por valores legitimados
institucionalmente e sua adoção aumenta a probabilidade de sobrevivência
da organização.
Por
sua vez, o mimetismo pode ser decorrente da economia de ações humanas, uma vez
que o processo de procura pode render uma solução viável com poucos gastos
(CYERT; MARCH, 1963); e as organizações podem tomar outras organizações como
modelo quando, por exemplo, tecnologias organizacionais não são suficientemente
compreendidas, as metas são ambíguas ou o ambiente desenvolve uma incerteza
simbólica (DIMAGGIO; POWELL, 2005) – portanto, para controlar riscos.
Pela
combinação de pressões isomórficas e de algum efeito instrumental positivo
esperado, um dispositivo administrativo qualquer pode ser “universalizado”, a
ponto de a gerência ser contestada se não o incorpora. Atingindo esse ponto,
poder-se-ia dizer que o dispositivo se institucionalizou. Ao mesmo tempo, as
organizações empenham-se para que sejam aceitas no meio em que estão ou desejam
fazer parte. Na medida em que são aceitas (adotando os dispositivos
institucionalizados e externalizando essa incorporação às partes interessadas),
conquistam a legitimidade e passam a trabalhar para mantê-la (BEUREN; BOFF,
2008, BOFF; BEUREN, 2012).
Cabe aqui uma observação: a implementação de elementos
institucionais apresentaria um paradoxo: concomitante aos elementos que
legitimam rotinas existentes, são criados elementos que se tornam
institucionais com o tempo (ZUCKER,
1987) - o processo é dinâmico: as práticas surgem, são difundidas, competem com
práticas alternativas e eventualmente, sobrevivem, passam por mutações ou caem
em desuso. E as organizações precisam estar continuamente sendo atualizadas com
as práticas mais ou menos perenes e aquelas do momento, mesmo algum modismo
gerencial.
Um dos recursos que as organizações lançam mão no seu
esforço direcionado a alcançar/preservar a sua legitimidade, defendendo a sua
continuidade, é a evidenciação (publicação, divulgação) de informações
voluntárias (LINDBLOM apud BEUREN;
BOFF, 2008), aproveitadas para oferecer às partes interessadas indicações tanto
de conformidade quanto de inovação.
No que tange a evidenciação, Lindblom (1994) propõe quatro
estratégias, que podem ser adotadas pelas organizações isoladamente ou em
conjunto, intencionalmente ou não, com o objetivo de as legitimar: (i) educar e
informar sobre as mudanças no atual desempenho e atividades – trata-se aqui de conduzir
a organização em consonância com os valores institucionalizados, considerados
pela empresa e sociedade apropriados e corretos, passando a divulgar
informações que solucionam ameaças à sua legitimidade; (ii) mudar a percepção do público sobre o atual
desempenho e atividades sem ter que mudar seu comportamento atual – assim, parte-se
da divulgação que a produção, métodos e objetivos da organização estão de
acordo com as normas e valores instituídos da sociedade, ainda que
administração tenha conhecimento dos efeitos negativos relacionados às suas
atividades; (iii) manipular a percepção do público desviando a atenção de um
tema negativo para outro assunto diversionista ou mesmo destacando realizações
sociais passadas – assim, a
administração não mente, mas omite determinados fatos negativos, apresentando
em contrapartida realizações positivas das atividades da empresa como os
recursos naturais, prêmios recebidos e patrocínios concedidos e, finalmente,
(iv) mudar as expectativas externas sobre seu desempenho futuro (LINDBLOM apud BEUREN; BOFF, 2008; RAFAELLI et
al., 2017).
Por
esse enquadramento, observa-se que o conteúdo dos Relatórios da Administração
pode ser utilizado como uma estratégia de legitimação organizacional fazendo
uso proposital da divulgação de informações voluntárias – presentes em tais
relatórios (LINDBLOM, 1994, LIGHTSTONE; DRISCOLL, 2008; REVERTE, 2009).
Apresentação dos Dispositivos em Análise: Gestão
de Riscos, Responsabilidade Socioambiental e Governança Corporativa
O
risco pode ser definido como a associação da probabilidade de ocorrência de
algum evento (ou de um conjunto deles) com as suas consequências, positivas
e/ou negativas. A análise do risco envolve identificar as potenciais mudanças
adversas e favoráveis, e o impacto esperado no resultado da organização,
seguida da avaliação desse (o risco) frente as políticas internas. Uma vez avaliado, cabe mitigá-lo ou
explorá-lo (COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS OF THE TREADWAY COMISSION -
COSO, 2017; ZONATTO; BEUREN, 2012).
Didaticamente,
os riscos organizacionais podem ser divididos em sete conjuntos: riscos
estratégicos, riscos de mercado, riscos de crédito, riscos de liquidez, riscos
operacionais, riscos legais e riscos de imagem (HOPKIN, 2018) – aproveitadas na categorização das evidenciações
estudadas nessa investigação.
Os
investimentos financeiros realizados pela organização representam os riscos
de mercado, uma vez que, oscilações nas varáveis econômicas e financeiras e
a incerteza do retorno esperado geram perdas (ou receitas extras), pois são
variáveis que independem da empresa. O risco de crédito está relacionado
ao grau de incerteza de uma operação de crédito, resultando em eventual perda
financeira, decorrente de obrigações não honradas e/ou da capacidade de uma
contraparte não honrar com seus compromissos. O risco de liquidez
trata-se da capacidade financeira da organização, a insuficiência de recursos
para cumprir com suas obrigações, afetando sua capacidade de pagamento (HÄRDLE;
CHEN; OVERBECK, 2017).
O
ambiente interno da empresa, seus processos e pessoas compõem os riscos
operacionais, que são aqueles decorrentes de perdas ocasionadas por
processos falhos de produção, sistemas inadequados, mal desempenho de funções,
erros em sistemas de controle, dentro outros (HÄRDLE; CHEN; OVERBECK, 2017);
salientando que, para Nocco e Stulz (2006),
os sistemas, as práticas e as medidas de controle de uma organização deveriam
ser capazes de resistir a falhas humanas e situações adversas. Os riscos
legais – críticos para a legitimidade (BARALDI, 2018) – estão associados a inobservância dos dispositivos regulamentares;
isso pode gerar perdas para a organização, por exemplo, se autuada pelos órgãos
reguladores ou denunciada por alguma parte interessada, arcando com multas e/ou
com indenizações por danos morais e materiais. O risco de imagem da
entidade perante a sociedade, decorre da divulgação de informações que impactam
negativamente a opinião pública, decorrente da postura ou má conduta dos
empregados e prepostos da organização, incorrentes em falhas operacionais e/ou
não cumprimento de leis e regulamentos (CARDOSO; POLIDORO, 2016).
Já a gestão de riscos e de acordo
com o COSO (2017), essa seria basilar para qualquer organização, contribuindo
para estabelecer objetivos e visualizar cenários, proporcionando aos gestores a
chance de identificar, em determinado risco, tanto uma ameaça, quanto uma
oportunidade. Tratar-se-ia de criar um sistema dinâmico e estruturado capaz de
continuamente afetar a probabilidade (reduzir ou aumentar) de um evento e/ou
alterar as suas consequências (mitigar, se negativas; amplificá-las, se
positivas).
Uma forma de gerir riscos
da empresa - especificamente, de imagem, legais e operacionais - é atuar no
sentido de obter um conceito elevado frente ao seu entorno (a comunidade
circunvizinha). A performance percebida da organização em seu relacionamento
com essa parte interessada, seu entorno social, pode afetar sobremaneira a
legitimidade daquela frente essa, principalmente em duas esferas: a ambiental e
o retorno social. Uma empresa tida como poluidora, descompromissada com a saúde
de seus empregados e indiferente às demais necessidades da comunidade, teria o
estigma de gozar de baixo grau de responsabilidade socioambiental, sendo
motivo de denúncias, desprezo, baixa atratividade para a mão-de-obra e até
boicote de consumidores, colocando em
questionamento a continuidade das operações. Afinal, as empresas com atividades
potencialmente poluidoras são alvos de mobilização e exigências da sociedade
com relação à preservação do meio ambiente, no sentido de educação, treinamento
de funcionários e iniciativas que possam contribuir para melhora na qualidade
de vida (OLIVEIRA; MACHADO; BEUREN, 2012).
Assim, a responsabilidade social fundamenta-se em estratégias para
orientar as ações das organizações em consonância com as necessidades sociais,
garantindo, além do lucro e da satisfação dos clientes, o bem-estar da
sociedade e os valores que suas ações agregam aos negócios e à sua reputação (OLIVEIRA; MACHADO; BEUREN,
2012).
Em paralelo, as organizações passaram a atender a demanda de
informações ambientais, à medida que aumentaram as pressões da sociedade com
relação aos impactos das atividades das organizações no meio ambiente,
satisfazendo as expectativas dos stakeholders
no que diz respeito à responsabilidade ambiental
(LIMA et al, 2019). A evidenciação ambiental
retrata informações do passado, presente e futuro da organização, reunindo
informações que contêm esclarecimentos sobre seu desempenho e gestão ambiental,
bem como relatos acerca das implicações financeiras e decisões ambientais
deliberadas (PEREIRA;
SILVA; CARBONARI, 2017).
Outro dispositivo da organização controlar seus riscos remete à governança
corporativa: forma como as
organizações são dirigidas e controladas, incluindo questões ligadas ao poder
de controle e de direção, sua atuação e os diversos interesses que recaem sobre
ela. Para Lethbridge (1997),
as raízes da governança corporativa são
passíveis de serem rastreadas ao surgimento da forma jurídica sociedade anônima
e do desenvolvimento do mercado de capitais, ambos, instrumentos expressivos para
a organização social da propriedade. Segundo ainda esse autor, a partir da
ruptura entre propriedade e controle precipitou diversos conflitos de
interesses entre os acionistas e os gestores - “conflitos de agência” - pois os
interesses daqueles que administram nem sempre estão alinhados com os proprietários.
A governança corporativa pode oferecer uma mediação equilibrada da relação.
A
governança corporativa é composta por um conjunto de arranjos legais, culturais
e institucionais que contribuem para delinear limites sobre o que as
corporações podem fazer, quem as controla, como o controle é exercido e como
são alocados os riscos e os retornos das atividades que elas empreendem (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA - IBGC, 2015). Malacrida e Yamamoto (2006) apontam que a governança corporativa interage com a
contabilidade a fim de indicar caminhos, tanto em relação aos controles
internos, quanto à prestação de contas, envolvendo entre outras a divulgação
das informações aos interessados.
A
evidenciação e transparência constituem os principais pilares da governança
corporativa. Assegurar a transparência das informações (inclusive de riscos e
relativas à responsabilidade socioambiental) exige dos agentes responsáveis
pela gestão a garantia de que as informações prestadas aos stakeholders sejam de seu interesse e estejam além das que são
obrigatórias por leis ou regulamentos, comunicando com clareza e tendo a
substância prevalecendo sobre a forma (IBGC, 2015, MALACRIDA; YAMAMOTO, 2006).
Do
apresentado, é razoável apontar a relação de complementaridade, em alguns pontos,
mesmo de justaposição, dos dispositivos “gestão de riscos”; “responsabilidade
socioambiental” e “governança corporativa”, apreciada através dessa
investigação que se utilizou da metodologia discorrida a seguir.
Procedimentos
Metodológicos
Como
apropriado ao objetivo do estudo, a pesquisa acolheu a concepção ontológica
subjetivista da realidade, partindo do princípio de que um objeto existe na
medida em que é percebido por um observador, em uma construção mental: o mundo é
conformado a partir das nossas percepções sobre ele. Afunilando, adotou-se o
paradigma interpretativista, modalidade construtivista, para o qual o
conhecimento da realidade depende das práticas humanas e é construído por meio
da interação entre as pessoas e o mundo em que se vive, sendo transmitido em um
contexto social. A ação humana, inclusive de pesquisadores, seria uma
construção social por atores, assim, não haveria uma realidade objetiva a ser
descoberta em um trabalho e replicada por outros (paradigma da ciência positivista).
Pelo contrário, acolhe-se a formulação de que o que se sabe a respeito da
realidade é tão somente uma forma de dar sentido ao mundo (SACOOL, 2009).
Quanto à finalidade, a pesquisa caracteriza-se como um estudo
descritivo. A caracterização como estudo descritivo explica-se pelo propósito
de descrever o percurso dinâmico de sentidos de “Governança Corporativa”,
“Gestão de Riscos” e “Responsabilidade Socioambiental” em uma siderúrgica no
Brasil ao longo da última década nos Relatórios da Administração. Quanto aos
procedimentos adotados, a pesquisa foi documental, analisando-se os relatórios
da administração de 2007 a 2016 da ArcelorMittal, empresa objeto de estudo.
Quanto à abordagem, esta pesquisa classifica-se como qualitativa e
quantitativa. A pesquisa qualitativa consiste em uma tentativa de compreensão
detalhada dos significados e características situacionais apresentadas. Os
aspectos quantitativos consistem no emprego de quantificação tanto nas
modalidades de informações, quanto no tratamento delas por meio de técnicas
estatísticas (RICHARDSON, 2012).
No espaço temporal, trata-se de um trabalho longitudinal, ao longo
de onze anos.
A pesquisa utilizou a técnica da análise de conteúdo (BARDIN,
1977). Para a análise de conteúdo, foram considerados como elementos de
análise, além dos itens obrigatórios ou recomendados, os itens voluntários,
identificados nos RA.
Os
Relatórios da Administração da ArcelorMittal Brasil dos anos de 2007 a 2017, fonte
principal de dados, foram obtidos a do site
da empresa (http://brasil.arcelormittal.com.br/). Posteriormente, foram abastecidos no software QDAMiner
Lite, constituindo-se no corpus do
trabalho. Para
tratamento dos dados optou-se pela alocação do conteúdo dos RA em categorias
(parágrafos), onde foram retiradas amostras das
evidenciações a partir de palavras chaves, com os principais temas que deveriam
ser abordados pelos RA.
As categorias foram construídas a partir das informações
alcançadas no referencial teórico e/ou sugeridas em trabalhos assemelhados. Por
exemplo, para trabalhar as evidenciações socioambientais optou-se pelas oito
categorias adaptadas do estudo de Rover, Murcia, Borba e Vicente (2008). As
categorias foram: políticas ambientais (declaração de políticas, de metas, de conformidade e de prêmios); sistema de
gerenciamento ambiental; impactos dos produtos e processos no meio-ambiente
(desperdícios, resíduos, produtos ecológicos, utilização de água); políticas de
energia; informações financeiras socioambientais (investimento social e
ambiental, seguro ambiental, ativos ambientais); educação, pesquisa e
treinamento; mercado de créditos de carbono; outras informações socioambientais
(incluindo relacionamento com a sociedade).
Outra categorização (que em certa medida tem elementos comuns com
a gestão de riscos e com a reponsabilidade socioambiental) comportou: informações
sobre a organização (descrição das atividades empresariais, conjuntura
econômica, análise por segmento, linha de produto ou mercado, dados de mercado,
perspectivas e planos futuros, Recursos Humanos); informações sobre atividades
operacionais (novos produtos, pesquisa e desenvolvimento, participação de
mercado, informações contábeis-financeiras (destinação total dos recursos,
detalhamento sobre as principais receitas, investimentos em controladas e
coligadas, destinação de investimentos, nível de endividamento remuneração) e
informações relacionadas à governança (responsabilidade socioambiental,
composição do conselho e diretoria, gestão de riscos, informações sobre a
diretoria, auditoria).
Inicialmente, a análise seria
restrita ao Relatório da Administração, porém durante a sua realização foi
constatada a necessidade de confrontar os achados iniciais com outras fontes,
no caso o Relatório Anual da ArcelorMittal de 2017 (Formulário 20-F), submetido
pela empresa à Securities and Exchange
Commission, dos Estados Unidos; bem como o Relatório de Sustentabilidade da
empresa, também em 2017, de forma complementar e/ou para comparação. Ademais, completando a triangulação de dados, tomou-se o
cuidado de verificar algumas informações pertinentes e relevantes no site
institucional da empresa (https://brasil.arcelormittal.com.br).
Por
fim, e antes de passar aos resultados, é razoável apresentar a organização que
se prestou a investigação – conferindo-lhe o papel de caso em estudo,
sintetizando informações contidas na documentação oficial da organização, tal
como em 2017. Infere-se que a ArcelorMittal Brasil S.A. era, na época, uma
sociedade anônima de capital fechado controlada pela ArcelorMittal S.A., essa
com sede em Luxemburgo. As principais atividades operacionais do Grupo
ArcelorMittal Brasil seriam enquadráveis nos segmentos de siderurgia - aços
longos, planos, e tubulares - e na mineração. Possuía então 29 unidades de
produção e beneficiamento de aço, com capacidade anual de 11 milhões de
toneladas de aço bruto (destinados às indústrias automobilísticas, de
eletrodomésticos, embalagens, construção civil e naval), e 7,1 milhões de
toneladas de minério de ferro. Na oportunidade, reportava que suas unidades já
possuíam as certificações OHSAS 18001, SA 8000, ISO 9001 e ISO 14001. A empresa
declarou também ter investido R$ 400 milhões na melhoria contínua do sistema de
gestão ambiental; que reutilizou 1,4 milhões de toneladas e reciclou 3,6
milhões de resíduos não perigosos; que reduziu 1,0 milhão de toneladas de CO2;
e teria reciclado e/ou reutilizado 98% da sua necessidade de água. E, como
indicativo de engajamento com as comunidades localizadas no entorno de suas
unidades, destacou o papel da Fundação ArcelorMittal, que desenvolveria
projetos sociais em 42 municípios brasileiros, nas áreas de educação, cultura,
esporte, saúde e desenvolvimento social. Outras indicações destacáveis da
documentação em 2017 foi (i) a destinação de R$16,9 milhões para investimentos
sociais e (ii) a organização ter recebido 17 premiações locais, regionais,
nacionais e internacionais.
Resultados
e Análise
Inicialmente,
apresenta-se uma primeira constatação: a distribuição irregular do número de
páginas, palavras e “não-palavras” nos relatórios. Os RA tão extensos e irregulares nos anos de 2007 a 2013,
com 42, 50, 54, 62, 32, 96 e 93 páginas, respectivamente; somente tendem para
uma regularidade nos anos mais recentes, 2014 a 2017, com 11 e, o último RA,
com 12 páginas.
Cabe
a ressalva de que, ainda que o número de páginas dos relatórios tenha reduzido,
o número de palavras teve comportamento contrário. Entre os anos de 2007 a 2011, o número de
palavras em cada RA ficou em torno de 9 mil a 11 mil, no ano de 2011,
excepcionalmente, o RA apresentou 4.762 palavras; já os anos de 2012 a 2017
apresentaram significativo aumento, empregando algo entre 21 a 25 mil palavras.
O mesmo ocorreu com as “não-palavras” (dados numéricos,
como: datas, dados monetários, porcentagens etc.), nos anos de 2007 a 2011
foram apresentados em torno de mil dados numéricos em cada RA e, nos anos de
2012 a 2017, em torno de 4 a 7 mil.
Com
base nesses dados, é razoável afirmar que o interesse de
evidenciação dos dispositivos da empresa foi variável ao longo do período,
com crescimento nos anos mais recentes entre aqueles contemplados na pesquisa.
ArcelorMittal e seus Riscos
As informações apresentadas a seguir foram extraídas dos 11
Relatórios da Administração e do Formulário 20-F da ArcelorMittal Brasil.
A visão otimizada de empresa única, supervisionada por meio do
Centro Corporativo, propiciaria a companhia, condições para redução dos seus riscos,
garantindo aplicação uniforme em suas empresas controladas. O mapeamento dos riscos é revisado, no mínimo,
trimestralmente, declara. A ArcelorMittal apresenta taxas de frequência e de
gravidade de acidentes referência no setor industrial e, em particular, para a
siderurgia, uma atividade considerada de elevado risco. Além disso, apresentaria
indicadores favoráveis, tanto de saúde ocupacional, como de segurança no
trabalho.
Aplicando-se
a análise proposta naqueles mesmos documentos (os RA e o Formulário 20-F), foi
elaborado o Quadro 01, classificando alguns dos riscos evidenciados em função
de seu tipo e de sua extensão/alcance (ArcelorMittal, Negócio, País).
Quadro 1. Fontes e eventos associados a riscos
na ArcelorMittal
ARCELORMITTAL |
NEGÓCIO |
PAÍS |
|
INSTITUCIONAIS |
-
Falhas na Governança Corporativa |
- Flutuações na demanda |
- Ampliação da crise econômica |
- Avanço das operações anticorrupção |
- Instabilidades Políticas |
||
- Práticas comerciais desleais |
- Avanço das operações anticorrupção |
||
FINANCEIROS |
-
Inadimplência |
- Redução do rating de créditos |
|
-
Liquidez |
|
||
-
Moeda Estrangeira |
- Flutuação da Taxa de Câmbio |
||
-
Taxa de Juros |
- Flutuação da Inflação |
||
-
Carteira |
- Redução do rating de crédito do País |
||
-
Caixa e Equivalentes |
- Controle das remessas ao exterior |
||
-
Fluxo de Caixa |
|
||
-
Preço das Ações |
|
||
-
Estrutura de Capital |
|
||
-
Investimento |
|
||
REGULATÓRIOS / JURÍDICOS |
-
Descumprimento de cláusulas dos contratos |
- Mudança das regulamentações ambientais |
|
-
Processos judiciais |
- Mudanças na legislação tributária |
|
|
|
- Mudanças na legislação trabalhista |
|
|
|
- Mudança na legislação Cível |
|
|
OPERACIONAIS |
-
Escassez de pessoal qualificado |
|
|
-
Danos materiais |
- Escassez de pessoal qualificado |
|
|
-
Acidentes |
- Danos materiais |
|
|
-
Greves |
- Acidentes |
|
|
-
Danos causados aos clientes |
- Flutuações no preço |
|
|
-
Problemas imprevistos de engenharia |
|
|
|
-
Problemas imprevistos na área ambiental |
|
|
|
NATURAIS |
-
Interferências climáticas |
- Interferências climáticas |
|
- Forças da natureza |
|
Fonte.
Dados da pesquisa (2020)
Diante
do Quadro 1, é razoável considerar que a ArcelorMittal demonstrou possuir uma
compreensão dos riscos de seu negócio, tendo em vista que foi encontrado um
número considerável de trechos com apresentação de riscos e correspondentes
ações para tratamento de risco nos RA da empresa.
Foram computados 306 itens relativos à Gestão de Riscos a partir
dos 11 RA que compuseram o corpus da
pesquisa. O período com volume crescente de evidenciações iniciou em 2012, com
39 evidenciações, para o máximo de 44 evidenciações, em 2017. Com base nessa indicação – pequena variação
positiva, mais recente - não é possível afirmar categoricamente que a gestão de
riscos se tornou significativamente mais central e de caráter mais estratégico
na comunicação da empresa, mas pode ser tomado como indício, a ser comprovado
em RA posteriores.
Mesmo com esse aumento (ainda que não expressivo), foi observado que os riscos tomam quase que
exclusivamente a feição de ameaças aos resultados da organização; ou seja, a Administração da ArcelorMittal,
por seus RA, aparentemente, associa riscos com eventos com potenciais efeitos
negativos. As
evidências contidas no Formulário 20-F de 2017 da ArcelorMittal não se
diferenciam tanto das evidenciações dos RA, a menos do grau maior de
detalhamento dos riscos identificados e o foco na economia global contidos no Formulário
– nesse ponto, até mesmo por sua característica própria (ser uma obrigação
anual para emissores privados estrangeiros nos EUA).
No que tange às (raras) oportunidades mencionadas, estas apareceram
quando se trata dos cenários econômicos, mais especificamente sobre as
oportunidades propiciadas pelo aumento da demanda, viabilizando o
desenvolvimento de seus negócios, ampliando investimentos em suas operações,
com destaque para os projetos recentes de Copa do Mundo no Brasil em 2014 e
Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016.
No que tange a mitigação de riscos, sobressai sobremaneira a valorização que ArcelorMittal concede aos seu sistema de
gestão, da qualidade certificado na ISO 9001, ambiental, na ISO 14001; e de
saúde e segurança ocupacional, na OHSAS 18001 (percussora da recente ISO
45001). Todos esses três sistemas, ainda que em nível mais operacional, seriam indicações da adoção do gerenciamento de risco.
A partir do já apresentado e ao se aprofundar na análise das
amostras das evidenciações, é possível admitir que a ArcelorMittal avançou no
sentido de trazer a gestão de riscos para a cultura da empresa, integrando-a
gradativamente na estratégia corporativa, não a circunscrevendo-a
exclusivamente no ambiente fabril, sua origem, com seus riscos de processos de
produção e qualidade de produto, ambientais e de saúde e segurança no trabalho
– quando se trata, principalmente, de evitar não-conformidades, geradoras de
desvios e sucateamentos (aumento de custos), multas ambientais e acidentes de
trabalho.
Essa dinâmica, de conferir maior escopo ao gerenciamento de riscos
(ainda que não avançando decididamente para se fazer e declarar fazer “gestão
de oportunidade”), incluindo aqueles regulatórios e institucionais, por
exemplo, encontra respaldo nos sistemas conhecidos de gestão de risco, como
COSO, ISO 31000 e o “FERMA” europeu. Essa tendência seria universalizante, na
medida em que cada vez mais organizações observam as recomendações desses
padrões, tidos como de referência (e instituídos para tal).
A opção por procurar a conformidade frente a algum desses padrões
pode ser tomado como reflexo combinado da racionalidade instrumental (são
esperados benefícios diretos) e dos isomorfismo mimético (processo de
reproduzir prática bem-sucedidas) e coercitivo (inclusive, explícito na
regulação do Formulário 20-F, onde há uma seção especifica para identificação e
análise de riscos), quando as partes interessadas – com destaque, os acionistas
e os órgão regulamentadores – passaram a
exigir aprimoramento da gestão de riscos da organização. Fazer (e declarar
fazer) gerenciamento de risco favorece a legitimação da companhia, como
contraparte por observar os padrões institucionalizados.
Ainda assim, é importante ressaltar que a tendência de crescimento
não significativo na evidenciação da gestão de riscos e o caráter ainda restritivo,
voltado ao tratamento de ameaças, denegando a relevância de apresentar o
aproveitamento de oportunidades, reforça a hipótese de que a gestão de riscos
ainda não está devidamente imbricado nos valores, normas, regras, crenças e
pressupostos da ArcelorMittal, no momento da pesquisa.
ArcelorMittal
e a Responsabilidade Socioambiental
Quanto à energia, a empresa declara priorizar o
consumo racional e a conservação das fontes energéticas, estimulando a
participação e o envolvimento dos colaboradores em programas de conscientização
com relação à emissão de poluentes atmosféricos locais (material particulado e óxidos de enxofre e
nitrogênio), que sofreriam o monitoramento frequente de forma a reduzir os
possíveis impactos no ambiente e na população e garantir a conformidade com os
requisitos legais ou quaisquer outros definidos em leis, normas, resoluções e
condicionantes de licenças.
Na dimensão social, o trabalho seguro, saudável
e com qualidade de vida é apresentado como um “valor central” para
ArcelorMittal, que evidenciou em 2017 uma redução na taxa de lesões e o número
de acidentes de trabalho sem afastamento – sem denegar que, em oposição, houve
um aumento no número de acidentes de trabalho com afastamento e o registro de
duas fatalidades. Essas fatalidades – mesmo em um ambiente de alta
periculosidade como a indústria siderúrgica – comprometem significativamente o
discurso de trabalho seguro e em correlato, a imagem da empresa, ainda mais que
ela se viu na contingência de não omitir o fato em seus relatórios.
No que tange ao relacionamento com a sociedade,
a ArcelorMittal destaca as iniciativas nas áreas de educação, cultura, desenvolvimento
social, saúde e esporte, voltadas principalmente para a formação e o estímulo à
cidadania através da Fundação ArcelorMittal. O Grupo destaca que busca melhoria
contínua de sua gestão ambiental, empregando as tecnologias mais avançadas para
obter os melhores índices de desempenho e de sustentabilidade, atento às
tendências e às boas práticas correntes.
Em termos numéricos, o volume de evidenciações relativas à
responsabilidade socioambiental nos RA analisados apresentou-se instável, com
tendência de declínio ao longo do período: foram levantadas 219 evidenciações, variando
de 51 em 2007 para 32 evidenciações em 2017. Essa queda pode ser justificada
pela mudança na estrutura do RA, que passou mais recentemente a ter uma
característica mais financeira, com as demonstrações financeiras publicadas no
mesmo relatório. Antes de 2012, as demonstrações financeiras eram publicadas
separadas do RA. Cabe destacar que concomitante a essa mudança, de redução nas
evidenciações socioambientais, ocorreu um aumento nas páginas do Relatório de
Sustentabilidade. Isso parece indicar que a política de comunicação da empresa
passou a dar mais relevância ao relatório dedicado (de Sustentabilidade) frente
ao RA (mais genérico).
Através de seu Relatório de Sustentabilidade 2017 (ARCELORMITTAL
BRASIL, 2018) a Arcelor destacou: (i) o investimento anual de R$ 400 milhões na
melhoria contínua do sistema de gestão ambiental; (ii) a reutilização em novos
processos de 1,4 milhões de toneladas de resíduos; (iii) as iniciativas de ação
social em 42 municípios por meio da Fundação ArcelorMittal com 427 mil pessoas
beneficiadas; e (iv) o investimento social de R$ 16,9 milhões em 2017.
Do exposto e ao longo dos anos analisados, resta claro que a
empresa tem procurado evidenciar dados compulsórios e voluntários, através dos
RA e, com maior aprofundamento, do Relatório de Sustentabilidade, contemplando informações
detalhadas sobre sua gestão social e ambiental, direcionando o conteúdo para o
público interessado e investindo na divulgação de assuntos relacionados à
sustentabilidade que, atualmente, tem se tornado cada vez mais relevante para
os potenciais investidores, em consonância com a proposição teórica que a evidenciação social e ambiental tem a
finalidade de atender a demanda dos stakeholders
por informações referentes à responsabilidade socioambiental da organização, procurando
afiançar que as suas práticas ambientais não prejudicam o meio ambiente além do
permitido e, principalmente, não comprometem a sua lucratividade.
É factível sintetizar das evidenciações colhidas que o dispositivo
“responsabilidade socioambiental” na empresa é um adereço para as ações de
gestão de ameaças (ambientais e de relativas à saúde e segurança ocupacional,
já discorridos na seção precedente) combinado com a divulgação de ações –
poder-se-ia dizer de benemerência – junto às comunidades no entorno das
fábricas da empresa, com o objetivo declarado de “reforçar
as políticas públicas locais e promover resultados efetivamente transformadores
e de longo prazo, como a transferência de metodologias aos municípios atendidos”
(FUNDAÇÃO ARCELORMITTAL BRASIL, 2020).
Ainda que mereça comprovação empírica, tal estratégia não se
distancia de outras industrias siderúrgicas, cujos processos e instalações são considerados
de alto impacto ambiental (geração de resíduos, de efluentes, de particulados;
alto consumo de energia e de água) e de alta periculosidade; ao mesmo tempo que
gozam de economia de escala; portanto, são tipicamente grandes fábricas, que as
tornam visíveis no seu entorno e movimentam fração substancial da renda local.
Tal conjunto implica em alta visibilidade, que demanda comportamento ativo para
fazer frente as características do negócio e a vigilância atenta de algumas
partes interessadas, como o poder público e a comunidade circunvizinha. Frente
as mesmas pressões institucionais, as siderúrgicas procuram mitigar seus riscos
à legitimidade com um conjunto isomórfico de ações, consonantes com padrões e
melhores práticas.
Arcelor
Mittal e a Governança Corporativa
Para efeito da análise da evolução das evidenciações da
AcelorMittal foi interessante apreciá-las em paralelo com as palavras chaves
dos Princípios Básicos de Governança
Corporativa (IBGC, 2015): confiança; transparência (disponibilizar informações
– obrigatórias e voluntárias - que permitam as partes interessadas acompanhar e
avaliar as ações e resultados da empresa), equidade (frente a todas as partes
interessadas); prestação de contas da atuação dos administradores
(accountability); responsabilidade corporativa
(zelo pela viabilidade econômico-financeira das organizações, controle das
externalidades positivas e negativas).
No manual de boas práticas de governança do IBGC, o vocábulo risco
(ou riscos) aparece 34 vezes, tal como quando se explica compliance:
Negócios estão sujeitos a riscos, cuja origem pode ser
operacional, financeira, regulatória, estratégica, tecnológica, sistêmica,
social e ambiental. Os riscos a que a organização está sujeita devem ser
gerenciados para subsidiar a tomada de decisão pelos administradores. Os
agentes de governança têm responsabilidade em assegurar que toda a organização
esteja em conformidade com os seus princípios e valores, refletidos em
políticas, procedimentos e normas internas, e com as leis e os dispositivos
regulatórios a que esteja submetida. A efetividade desse processo constitui o
sistema de conformidade (compliance) da organização (IBGC, 2015, p. 90).
Fica evidente a associação entre governança corporativa e
gerenciamento de risco (a primeira inclui a segunda; mas ao mesmo tempo é uma
forma de minimizar riscos à legitimação da empresa frente as partes
interessadas). Já a relação da governança com a responsabilidade socioambiental
no Manual da IBCC pode ser balizada pela exigência de um código de conduta que
teria:
(...) por finalidade principal promover princípios éticos e
refletir a identidade e cultura organizacionais, fundamentado em
responsabilidade, respeito, ética e considerações de ordem social e
ambiental. A criação e o cumprimento de um código de conduta elevam
o nível de confiança interno e externo na organização e, como resultado, o
valor de dois de seus ativos mais importantes: sua reputação e imagem (IBGC, 2015, p. 93).
Portanto, governança, gestão de riscos e responsabilização
socioambiental estão imbricados entre si e a computação da evidenciação
“isolada”, ainda que didática é problemática. Mesmo assim, optou-se em colher a
evidenciação de governança corporativa desconsiderando-se os elementos mais
específicos das duas outras categorias, com foco em transparência, ética,
conflito de interesses e definição clara dos papéis da diretoria, conselho da
administração e fiscal e órgão de controle.
Os RA da ArcelorMittal apresentam expressão narrativa, concedendo-se
liberdade na forma de apresentar, em todos os 11 anos analisados, informações
da empresa, dos negócios e suas perspectivas, através de gráficos, imagens e
tópicos, como foi bastante usado entre 2007 a 2013; ou através de texto e
demonstrações financeiras, como foi destaque de 2014 a 2017; com a finalidade
aparente de prestar contas do que a Administração tem realizado aos acionistas
e de atrair potenciais investidores.
Em complemento, uma pesquisa no site da empesa (brasil.arcelormittal.com.br)
em 18.10.2020, comprova-se que está disponível seu Código de Conduta, as
políticas de segurança e saúde,
ambiental, os diversos relatórios ao longo do tempo (RA e
sustentabilidade), e as “Diretrizes do
Desenvolvimento Sustentável” – que são apresentadas como estabelecidas a partir
dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações
Unidas; merecendo destaque para esta pesquisa (i) propiciar trabalho seguro,
saudável e com qualidade de vida os empregados; (ii) gozar do status de usuário
confiável do ar, da terra e da água; e (iii) evidenciação dos impactos sociais
e econômicos positivos e negativos, monitoramento dos interesses de seus
stakeholders locais e produção de relatórios de sustentabilidade.
Esse conjunto de documentos parece indicar que a empresa
esforça-se para comprovar que segue as melhores práticas e princípios da
governança corporativa, exceto quanto a divulgação da política de gestão de
risco (no momento da consulta, só aparece no site a informação que o grupo
controlador possui uma política e metodologia global para a gestão de risco e
que pratica um “monitoramento efetivo”, com revisões do mapa de risco pelas
diversas área em conjunto com uma Gerência de Gestão de Riscos e Compliance).
Considerações Finais
Entende-se que propósito da investigação em
buscar uma descrição da evolução dos sentidos dos sentidos dos conceitos (dispositivos) administrativos “Gestão de
Riscos”, “Responsabilidade Socioambiental” e “Governança Corporativa”, captados
das evidenciações contidas nos Relatórios de Administração da ArcelorMittal
Brasil S.A foi satisfatoriamente atendido, ainda que tenha sido necessário
recorrer a fontes complementares (Relatórios de Sustentabilidade, Formulário
20-F e outras informações contidas no site da empresa). A opção por uma
pesquisa interpretativista documental, já consagrada em diversos trabalhos de
mesmo gênero, foi satisfatória, ainda que sempre haveria a possibilidade de
recorrer a outras fontes de dados, como entrevistas de gestores da época –
oportunidade que não foi aproveitada, frente aos recursos disponíveis.
Alguns pontos já apresentados na seção precedente merecem destaque
e complementos:
I.
Não é possível afirmar a gestão de riscos não está
institucionalizada na ArcelorMittal. Como a institucionalização é um processo,
encontrou-se uma dinâmica interessante com um aumento nas evidenciações ao
longo de período analisado, apresentando um avanço para o nível mais
corporativo, a partir da experiência em qualidade, meio-ambiente e saúde e
segurança ocupacional, correspondendo ao nível operacional. Em contrapartida,
atentar-se às ameaças é ainda a forma da ArcelorMittal fazer o gerenciamento de
risco, de fato. Tanto quanto é possível afiançar, essa redução é ainda bem comum,
talvez devido a origem da gestão de riscos estar associada a ações corretivas e
preventivas dos sistemas de gestão operacional.
II.
Adicionalmente, há indícios – mesmo em 2020 – que a empresa reluta
a abraçar plenamente as melhores práticas da gestão de riscos, por exemplo, ao
não conferir ampla divulgação da sua Política da área, como recomendado
explicitamente pelo padrão ISO 31000:2018, que requer que a empresa
demonstre o comprometimento
contínuo com a gestão de riscos por meio dessa Política e que ela seja
comunicada dentro da organização e às partes interessadas.
III.
Gestão de risco, em especial, à imagem e a reputação, foi
encontrada associada às iniciativas de Responsabilidade Social.
IV.
Gestão de risco, em especial à compliance, foi encontrada
associada à Governança Corporativa.
V.
Os três dispositivos estudados foram encontrados associados entre
si; por exemplo, um dos requisitos da Governança é a transparência, inclusive à
relativa a comunicação da Responsabilidade Social.
VI.
Como outras empresas, a ArcelorMittal recorre a relatórios
complementares ao RA para se comunicar como as partes interessadas, situação
que foi observada pela redução das nas evidenciações voluntárias relacionadas a
Responsabilidade Socioambiental nos RA; em contrapartida, observou-se um
aumento, a cada ano, nas páginas dos relatórios de sustentabilidade, indicando
o direcionamento das evidenciações para o público interessado e o investimento
em informações cada vez mais detalhadas.
VII.
Encontrou-se que os termos ambientais relacionados à preservação e
manutenção dos recursos naturais específicos da indústria permaneceram os mais
salientes, com a ressalva do surgimento de evidenciações relacionadas a
biodiversidade e conscientização ambiental.
VIII.
Os artefatos utilizados pela ArcelorMittal são aqueles recorrentes
no campo organizacional, como por exemplo o Código de Conduta (como recomendado
pelo IBCG), os sistemas de gestão operacional (qualidade, ambiental, segurança
e saúde ocupacional, todos padrão ISO), as diretrizes de sustentabilidade
subordinadas às diretrizes da ONU. A
única exceção encontrada foi a omissão da comunicação (ou inexistência) da
Política de Gestão de Riscos.
De tudo estudado, não foram encontradas evidências que deneguem a
proposição teórica inicial: a organização em estudo, ao longo do tempo, vem
ajustando seus dispositivos administrativos acompanhando as melhores práticas;
por exemplo: aumentando o escopo da gestão de risco do nível operacional (essa,
sustentada por sistemas de gestão de qualidade, ambiental e de segurança e
saúde ocupacional padrão ISO) para o estratégico; explicitando um Código de
Conduta; declarando diretrizes socioambientais ajustadas as diretrizes de
sustentabilidade. Assim é que o foco inicial de controle ambiental evoluiu para
sistema de gestão ambiental e agora abraça a sustentabilidade. E fazer uma
contribuição pecuniária migrou para “reforçar as políticas públicas locais e
promover resultados efetivamente transformadores e de longo prazo”, escopo da
Responsabilidade Social. O discurso foi (está sendo) atualizado; com ele, os
sentidos conferidos a alguns dispositivos administrativos, sempre previsível,
quando acompanha as melhores práticas, contribuindo para torná-las cada vez
mais institucionalizadas, em prol de fugidios resultados positivos potenciais
e, mais decididamente, preservando a legitimidade da organização frente às
partes interessadas e da alta direção frente aos acionistas, se válida a teoria
da agência.
Das três formas de isomorfismo,
não desprezando as contribuições do coercitivo (imposição de algumas
alterações no ambiente legal e das exigências da cadeia de suprimento) e
normativo – há de se conferir destaque ao isomorfismo mimético: a alta direção
abraçou não um, mais diversos, padrões institucionalizados ao longo do tempo,
subordinando-se ao mecanismo mesmo quando procura conferir uma justificativa
racionalizada ao atribuir a ação à uma mudança nas necessidades e expectativas
de uma ou outra parte interessada.
Por outro lado e como proposta de trabalho futuro, seria
interessante acompanhar uma eventual transformação organizacional efetiva (não
só do discurso) decorrente da maior abrangência da gestão de riscos: há desde
sempre riscos, mas a formatação de gestão de riscos para além da gestão de
ameaças – evitando-se não-conformidades
e controlando suas consequências – para
incluir a gestão de oportunidades, figura no padrões ISO e COSO, mas ainda não
no dia-a-dia da empresa investigada e tampouco, em outras. O ponto central é
que, enquanto a ISO 31000:2018 (diretrizes da gestão de riscos) não é auditável
(portanto, não certificável), os padrões ISO de sistemas de gestão passaram por
uma revisão recente e explicitaram o requisito de se comprovar a mentalidade de
riscos abrangente: ameaça & oportunidade. Esses sistemas são certificáveis
e fonte de legitimidade organizacional. Por essa pressão coercitiva, as
organizações terão de aplicar a gestão de oportunidades – essa, terá as suas
melhores práticas, que difundidas, serão tomadas como práticas
institucionalizadas, se válido como esperado o isomorfismo mimético e
aparecerão no RA.
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Nota: esta
pesquisa teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas
Gerais (FAPEMIG), projeto APQ-01518-15, Edital Nº 01/2015 - Demanda Universal.