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PRÁTICAS ETNOMATEMÁTICAS NA MEDIÇÃO DE TERRAS: UM ESTUDO SOBRE O CÁLCULO DE ÁREAS

ETHNOMATEMATIC PRACTICES IN LAND MEASUREMENT: A STUDY ON THE CALCULATION OF AREAS

José Edmar da Silva 1
Secretaria Municipal de Educação, Brasil
Paulo Gonçalo Farias Gonçalves 2
UFCA, Brasil

REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 8, núm. 1, 2020

revistareamec@gmail.com

Recepção: 16 Janeiro 2020

Aprovação: 04 Março 2020



DOI: https://doi.org/10.26571/reamec.v8i1.9692

Esta Revista utiliza-se da Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License. Os artigos e demais trabalhos publicados na Revista REAMEC passam a ser propriedade da revista. Uma nova publicação do mesmo texto, de iniciativa de seu autor ou de terceiros, fica sujeita à expressa menção da precedência de sua publicação neste periódico, citando-se a edição e a data dessa publicação. Para o artigo ser publicado é condição obrigatória o envio da Declaração de Responsabilidade e Transferência de Direitos Autorais.

Resumo: A Etnomatemática tem como um de seus enfoques desvendar conhecimentos de diferentes grupos sociais. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivo discutir o conhecimento etnomatemático inserido na prática de medição de terras de agricultores do interior do Ceará. A partir de uma abordagem qualitativa sobre as práticas etnomatemáticas descritas pelos agricultores consultados, verificamos que mesmo utilizando unidades de medidas e instrumentos para medição peculiares ao contexto, são realizadas equivalências com unidades padrões e tecnologias contemporâneas. Além disso, identificamos que os métodos para medição de terrenos quadriláteros, triangulares e elípticos analisados possuem semelhanças com métodos utilizados por grupos de outras regiões. Dar voz e vez aos conhecimentos etnomatemáticos demonstra que modernidade e tradição são partes intrínsecas ao corpus de saberes da humanidade.

Palavras-chave: Etnomatemática, Práticas socioculturais, Medição de terras.

Abstract: The Ethnomathematics has as one of its approaches to unveil knowledge from different social groups. In this sense, the present study aims to discuss the ethnomathematical knowledge inserted in the land measurement practice of farmers in the interior of Ceará. From a qualitative approach on the ethnomathematical practices described by the consulted farmers, we found that even using measurement units and measurement instruments peculiar to the context, equivalences are made with standard units and contemporary technologies. In addition, we have identified that the methods for measuring the quadratic, triangular and elliptical terrains analyzed have similarities with methods used by groups from other regions. To give voice and time to ethnomathematical knowledge demonstrates that modernity and tradition are intrinsic parts to the corpus of knowledge of humanity.

Keywords: Ethnomathematics, Sociocultural practices, Land measurement.

1 INTRODUÇÃO

Em oposição a uma compreensão da Matemática como um ente imutável, incorpóreo e pré-existente à atividade humana, vem crescendo, nas últimas décadas, o número de estudos que se debruçam sobre a relação entre Matemática e Cultura (RADFORD, 2011).

A partir da metade século XX, pesquisadores de diferentes áreas (Antropologia, Etnografia, Matemática, Psicologia, Educação, Matemática, etc.) já tratavam, em suas investigações, os saberes que associamos a Matemática como elemento da cultura humana. O antropólogo americano White (1947), por exemplo, argumentou que a cultura é o fator de maior importância para o desenvolvimento da Matemática. Na visão desse pesquisador, a mente humana, apesar de ser necessária, comporta-se apenas como um catalisador para o processo cultural.

Entre as décadas de 1970 e 1980, aparecem termos como: Sociomatemática, Matemática Espontânea, Matemática Informal, Matemática Oral, Matemática Oprimida, Matemática Não-Estandarlizada, Matemática Escondida ou Congelada; para nomear os estudos de saberes que associamos a Matemática proveniente de diversos contextos socioculturais (FERREIRA, 1997).

Surgindo como agregador de diversos estudos com enfoque na relação entre Matemática e Cultura, em 1984, Ubiratan D?Ambrosio apresenta durante o 5th International Congress on Mathematical Education (ICME-5), o Programa Etnomatemática [3].

Dentre os enfoques da Etnomatemática, as investigações que se propõem a desvendar os conhecimentos (sobretudo matemáticos) de grupos específicos para promover a difusão, valorização e reconhecimento desses, tem apresentado uma diversidade de saberes e fazeres distintos daqueles desenvolvidos no âmbito escolar e acadêmico.

Imerso nesse viés, o presente estudo tem como objetivo discutir o conhecimento etnomatemático inserido na prática de medição de terras desenvolvido por cubadores de terra [4] do município de Abaiara, Ceará, Brasil. Apresentamos a seguir, os fundamentos teóricos ligados a Etnomatemática e às práticas de cubação de terras analisadas em outras pesquisas.

2 ETNOMATEMÁTICA E A CUBAÇÃO DE TERRAS

Na perspectiva de D?Ambrosio (2005), a Etnomatemática pode ser compreendida como a arte ou técnica (tica) de explicar, conhecer, entender, lidar (matema) com conhecimentos provenientes de ambientes (etno) diversos.

Esse programa de pesquisa, com enfoque na investigação de conhecimentos de grupos socioculturais específicos e suas relações com a Matemática, Educação, Educação Matemática, etc., ?[...] visa valorizar, difundir e respeitar o conhecimento matemático (ideias, noções, procedimentos, processos e práticas) que se originam em diversos contextos culturais no decorrer da história? (D?AMBROSIO; ROSA, 2016, p. 17).

O conhecimento de agricultores tem sido objeto de estudo de algumas pesquisas na área de Etnomatemática ( KNIJNIK, 1996; ARAUJO; GIONGO, 2016). Em particular, as práticas de medição de terras, conhecida como cubação de terra, têm sido investigadas em diversas regiões do país.

Desenvolvendo uma investigação com professores de uma instituição de ensino vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), no Rio Grande do Sul, Knijnik (1996) analisou alguns métodos de cubação de terra descritos pelos docentes em formação. Dentre os resultados obtidos, Knijnik (1996)observou dois procedimentos para o cálculo da área de terrenos quadriláteros, que foram nomeados pela autora em homenagem aos discentes que os relataram durante a intervenção educativa: método de Adão e método de Jorge. Para fins ilustrativos, apresentamos uma síntese dessas técnicas na Figura 1:

Quadrilátero
Figura 1
Quadrilátero
Fonte: Elaborada pelos autores.

Sejam a, b, c e d os comprimentos dos lados de um terreno quadrilátero, a área do terreno obtida a partir do método de Adão e do método de Jorge são sintetizadas no Quadro 1 a seguir:

Métodos de cubagem de terra apresentados por Knijnik (1996)
Quadro 1
Métodos de cubagem de terra apresentados por Knijnik (1996)
Fonte: Elaborado pelos autores.

Como é possível observar, enquanto no método de Adão o terreno quadrilátero é transformado (para fins de cálculo da área da superfície) em um retângulo, no método de Jorge, o terreno é transformado em um quadrado. Um aspecto relevante observado pela pesquisadora são as evidencias históricas de utilização de técnicas similares ainda no Antigo Egito, desde 305 a. C (KNIJNIK, 2000). Vale destacar ainda que as unidades de medida utilizadas pelos cubadores são as do Sistema Internacional de Unidades.

Araujo e Giongo (2016) empreenderam, no âmbito de uma intervenção educativa com discentes do curso de Agrimensura, um levantamento sobre os procedimentos utilizados por cubadores de terra de Conceição do Araguaia-PA para o cálculo da área de terrenos irregulares. Dentre os resultados apresentados por Araujo e Giongo (2016), destacamos os procedimentos adotados para o cálculo de áreas de terrenos com fronteiras curvilíneas.

Inicialmente o terreno é subdividido em várias partes, que variam em função do formato da divisa curva. Posteriormente, utilizando duas estacas, o lado curvilíneo do terreno é aproximado para um segmento retilíneo. Efetuadas as medições dos lados do terreno e do segmento retilíneo (medida aproximada da divisa curvilínea), os cubadores utilizam o método de Adão, discutido por Knijnik (1996), em cada uma das subáreas. Por fim, efetuam a soma das subáreas calculadas. O método descrito é ilustrado sintetizado a seguir:

Terreno com uma fronteira curvilínea
Figura 2
Terreno com uma fronteira curvilínea
Fonte: Elaborada pelos autores.

Sejam a, b, c e d, e, f e g os comprimentos dos lados de um terreno; d? e e? as medidas aproximadas dos lados curvos d e e, o cálculo da área total pode ser realizado segundo os procedimentos:

Métodos de cubagem de terra com fronteira curvilínea
Quadro 2
Métodos de cubagem de terra com fronteira curvilínea
Fonte: Elaborado pelos autores.

Nota-se que a fórmula descrita no Quadro 2 é obtida a partir da soma dos resultados encontrados após a aplicação do método de Adão em cada um dos quadriláteros formados depois da aproximação dos lados curvilíneos do terreno em segmentos retilíneos.

Um dos elementos que algumas investigações em Etnomatemática de cunho etnográfico preservam é a escolha de alguns membros peculiares aos grupos socioculturais como sujeitos das pesquisas. Normalmente reconhecidos dentro do grupo pela sua experiência e amplo saber relativo às práticas socioculturais, Almeida (2010)nomeia esses indivíduos como intelectuais da tradição. Desvinculando a ideia de intelectual como necessariamente um profissional escolarizado formalmente, a autora afirma que:

O intelectual é aquele que manipula, constantemente a mesma interpretação, inserindo-a num campo maior, observando suas transformações, dialogando com ela, pensando sobre ela em outros contextos próximos e distantes. O intelectual é um artista do pensamento porque dá forma a um conjunto de dados, aparentemente sem sentido e desconexo. Onde quer que se opere essa complexa arte do pensamento aí está em ação um intelectual. Por isso, podemos falar em intelectuais da tradição. Eles são os artistas do pensamento que, distantes dos bancos escolares e universidades, desenvolvem a arte de ouvir e ler a natureza à sua volta (ALMEIDA, 2010, p. 72).

Esses indivíduos possuem matrizes explicativas que, mesmo sendo distintas das que embasam as ciências modernas, sistematizam e operacionalizam saberes que servem como modelos de solução e compreensão do contexto em que estão inseridos.

Diante do exposto, a presente pesquisa adota uma perspectiva d?ambrosiana de Etnomatemática, com enfoque em desvendar as práticas etnomatemáticas relatadas por intelectuais da tradição de um grupo de agricultores do interior cearense. Para melhor compreensão do percurso da pesquisa, discutiremos, na seção seguinte, os procedimentos metodológicos adotados.

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa foi conduzida na cidade de Abaiara, Ceará, Brasil. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) [5], o município tem uma população estimada em 11.737 habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano de 0,628.

Com um enfoque na investigação da prática de medição de terras pelos agricultores da região, foram consultados dois cubadores, escolhidos por serem os únicos profissionais conhecidos no município que ainda realizam a cubação. Para fins de preservação de suas identidades, serão nomeados como: A1 e A2.

O cubador de terra A1 é um agricultor de 63 anos que estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental (atual 3º ano do Ensino Fundamental), reside na cidade de Abaiara e, além de cubador de terra é comerciante. O interesse pela medição de terras veio através de seu pai que também era cubador, tendo em vista a necessidade de medir suas propriedades na zona rural da cidade desenvolveu os métodos de cubagem que utiliza.

Também agricultor, A2 tem 33 anos, e é técnico agropecuário. Em virtude de sua escolarização, A2, embora utilize os métodos para medição de terras utilizados pelos órgãos governamentais aprendidos no âmbito acadêmico, também conhece o processo de cubagem de terra, processo comum na região em que reside.

No que se refere aos aspectos metodológicos, o presente estudo utilizou-se de uma abordagem qualitativa, que permitiu aos pesquisadores a imersão no contexto e uma relação com os indivíduos consultados, possibilitando uma melhor compreensão das práticas etnomatemáticas.

A pesquisa durou aproximadamente 1 mês. Nesse período, o pesquisador fez visitas na residência dos cubadores a fim de compreender como acontece a prática de medição de terras, a maioria dessas visitas se deu como conversas informais até a coleta de dados propriamente dita.

Para a coleta dos dados da pesquisa utilizamos um roteiro de questões, com enfoque em compreender o perfil dos entrevistados e os processos empregados por eles durante a cubagem de terra. Essas questões foram respondidas pelos participantes através de uma entrevista semiestruturada com gravação de voz (participante A1) e um questionário aberto (participante A2). Essa distinção de técnicas para coleta de dados entre os sujeitos da pesquisa ocorreu em virtude de um pedido do sujeito A2, que não se sentiu confortável com a gravação e preferiu responder as questões na forma escrita.

A opção pela entrevista semiestrutura se deu pelo fato desse instrumento possibilitar uma entrevista nem muito aberta, nem totalmente fechada, e permitir que o pesquisador parta ?[...] de um roteiro que traz os assuntos a serem abordados na entrevista, mas essa segue uma ordem mutável, em função das necessidades que surgem durante sua realização, podendo ainda ter acrescentados novos pontos a este roteiro preliminar? (GONÇALVES, 2013, p. 93). As informações obtidas na entrevista foram coletadas utilizando um smartphone modelo Galaxy J1.

Em relação ao questionário aberto, a opção se deu pois, conforme Fiorentini & Lorenzato (2006)afirma que apesar de mais complexo e por exigir mais atenção e tempo dos respondentes, esse tipo de instrumento melhor se adequa na coleta de dados qualitativos.

Após a coleta de dados, partimos para a etapa de organização e análise dos dados. Nesse processo, as informações coletadas acerca dos conhecimentos etnomatemáticos imersos na prática de cubação de terra foram divididas em: unidades de medidas; instrumentos para medição; e métodos de cubação, subdivididos em função dos formatos dos terrenos. No tópico seguinte discutiremos os resultados obtidos ordenados a partir das categorias elencadas.

4 ANÁLISES E RESULTADOS

No que se refere às unidades de medidas utilizadas pelos cubadores de terra, A1 e A2 mencionam a braça e a tarefa como unidades padrões para medição do comprimento e da superfície de um terreno, respectivamente. Tomando como referência o Sistema Internacional de Unidades, a braça equivale a 2,2 m e a tarefa a um quadrado com 25 braças de lado, ou seja, a 3025 m 2..

No processo de cubação dos terrenos, todas as medições são realizadas em braça. Por conta disso, encontrada a área, os resultados obtidos são expressos em quadrados com uma braça de lado. Nesse caso, considerando que uma tarefa equivale a 625 quadrados com uma braça de lado, o resultado obtido é sempre dividido por 625.

Convém destacar os termos e suas respectivas medidas variam em função do contexto investigado. Em Vizolli e Mendes (2016), por exemplo, os autores descrevem a unidade de medida de superfície braça quadrada, que possui 30 braças de lado, isto é, 4356 m 2..

Entre os instrumentos para medição, o cubador A1 afirma que utiliza a vara, que consiste em um pedaço de madeira longo e fino, o mais reto possível. Para a medição dos terrenos, A1 usa uma vara com o tamanho de uma braça, obtida da seguinte forma:

A1- [...] a gente fica em pé e pega na ponta de uma vara, coloca ela do pé até a ponta da mão, isso com o braço esticado pra cima, aí isso é uma braça (Diálogo entre pesquisador e participante A1, 2016).

É possível notar que mesmo havendo uma equivalência entre a braça e o metro, realizar a obtenção de uma vara com o tamanho de uma braça utilizando medidas do corpo torna esse instrumento de medida aproximado, visto que seu tamanho vai mudar em função da estatura da pessoa que efetue a medição.

Outro instrumento de medida utilizado pelos cubadores é a corda. Conforme relatos de A2, a corda é obtida a partir de uma equivalência com a vara, a saber:

A2- [...] pega a vara no tamanho de uma braça, e distribui ela sobre uma corda, essa corda vai ser puxada de uma ponta outra do terreno, facilitando a medição de terrenos maiores (Diálogo entre pesquisador e participante A2, 2016).

A utilização da corda como alternativa a vara é uma opção para cubação de terrenos maiores, visto que ao comparar as dimensões do terreno com um instrumento maior, agiliza o processo de medição.

O cubador A2 relata ainda que, atualmente, já utilizou em suas medições recursos tecnológicos contemporâneos, como o GPS. Segundo o cubador, ao percorrer o terreno com o GPS é possível obter uma imagem via satélite com as medidas exatas dos lados do terreno, podendo fazer o cálculo da área de uma forma mais rápida.

A terceira categoria a ser discutida no presente trabalho reúne os métodos de cubação. Apresentaremos, a seguir, os procedimentos relatados pelos cubadores A1 e A2 na medição de terrenos quadriláteros, triangulares e elípticos.

Dado um terreno quadrilátero qualquer com lados de dimensões a, b, c e d (com a oposto a c e b oposto a d), para cubação desse terreno, os cubadores de Abaiara-CE empregam os seguintes procedimentos:

Métodos de cubação de terreno quadrilátero
Quadro 3
Métodos de cubação de terreno quadrilátero
Fonte: Elaborado pelos autores.

É possível notar uma grande semelhança entre o método de Adão, relatado por Knijnik (1996), e o método utilizado pelos cubadores de Abaiara-CE. A diferença entre eles está apenas na existência de um último procedimento de divisão por 625, executado pelos agricultores cearenses.

Esse procedimento a mais se dá porque, enquanto os sujeitos investigados por Knijnik (1996) utilizam no processo de mensuração de terrenos o metro e o metro quadrado como unidades de medida, os cubadores de Abaiara-CE empregam unidades próprias (braça e tarefa). Dessa forma, ao dividir o valor obtido por 625, o que ocorre é a transformação do valor obtido em quadrados com uma braça de lado para a unidade de medida de superfície padrão desses agricultores (tarefa).

Para a medição de terrenos de formato triangular, o procedimento consiste na transformação do triangulo de lados a, b e c (com c sendo o lado menor) em um retângulo de lados e . A Figura 3 e o Quadro 4 ilustra o método:

Transformação de terreno triangular em terreno retangular para fins de mediação
Figura 3
Transformação de terreno triangular em terreno retangular para fins de mediação
Fonte: Elaborada pelos autores.

Métodos de cubação de terreno triangular
Quadro 3
Métodos de cubação de terreno triangular
Fonte: Elaborado pelos autores.

Para cubação de terrenos elípticos, o processo consiste em construir um retângulo em que dois lados opostos tangenciam as extremidades de um de seus eixos e os outros dois são segmentos de retas secantes a elipse. Após obtido o retângulo, é utilizado o mesmo método usado no caso de terrenos quadriláteros (descrito no Quadro 3). A Figura 4a seguir ilustra o processo descrito:

Desenho de um retângulo a partir do terreno em formato elíptico
Figura 4
Desenho de um retângulo a partir do terreno em formato elíptico
Fonte: Elaborada pelos autores.

Seja p1 a área da superfície do retângulo subtraída a área da superfície da elipse (em cinza claro) e p2 a área da superfície da elipse externa ao retângulo (em cinza escuro), o cubador A1 considera p1?p2. Justificando o motivo dessa aproximação, A1 afirma que:

A1- [...] teve que fazer assim porque esse aqui [apontando para a superfície p1] poderá emprestar a esse outro lado [apontando para a superfície p2]. (Diálogo entre pesquisador e participante A1, 2016)

Vale ressaltar que, no método descrito, os lados que são segmentos secantes a elipse são estabelecidos por aproximação, isto é, o cubador os determina visualmente de modo que se crie uma superfície p1 com área aproximadamente igual a p2.

5 CONSIDERAÇÕES

Inserindo-se como uma pesquisa em Etnomatemática, o presente trabalho discutiu, de acordo com o relato de intelectuais da tradição, o conhecimento etnomatemático imerso na prática de cubação de terras empreendidas por agricultores do interior cearense, a partir de elementos como: unidades de medidas, instrumentação para medição e métodos de cubação.

Em relação às unidades de medidas, verificamos que há uma utilização, tanto de um padrão próprio (braça e a tarefa), quando o estabelecimento de equivalências com as unidades do Sistema Internacional de Unidades (metro, metro quadrado). No que se refere ao uso de instrumentos de medição, coexistem o uso de ferramentas mais simples (vara e a corda) e o emprego de tecnologias contemporâneas (como o GPS).

Identificamos ainda que os métodos para medição de terrenos quadriláteros, triangulares e elípticos preservam uma estratégia em comum: a transformação do terreno em um retângulo para, posteriormente, efetuar o cálculo da área de sua superfície. Essa técnica apresenta simutaneamente particularidades e aspectos comuns com outros métodos de cubação de terras identificadas em diferentes regiões do país.

A coexistência de conhecimentos inerentes às práticas tradicionais e aos saberes advindos da academia, evidencia a necessidade de investigação, valorização e reconhecimento dos primeiros no contexto dominado pelos últimos. Dar voz e vez aos conhecimentos etnomatemáticos no âmbito acadêmico (e escolar) demonstra que modernidade e tradição são partes intrínsecas ao corpus de saberes da humanidade. Esse é um dos desafios da Etnomatemática enquanto programa de pesquisa.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, M. da C. de. Complexidade, saberes científicos, saberes da tradição. São Paulo: Livraria da Física, 2010.

ARAUJO, D. A.; GIONGO, I. M. Saberes de cubadores de terra e a matemática escolar: um estudo na perspectiva da etnomatemática. Perspectivas em Educação Matemática, v. 9, n. 21, p. 1253- 1272, 2016. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/pedmat/article/view/1957. Acesso em: 13 mar. 2020.

D?AMBROSIO, U. Etnomatemática. Elo entre as tradições e a modernidade . 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

D?AMBROSIO, U.; ROSA, M. Um diálogo com Ubiratan D?Ambrosio: um conversa brasileira sobre etnomatemática. In: BANDEIRA, F. de A.; GONÇALVES, P. G. F. (Org.). Etnomatemáticas pelo Brasil: aspectos teóricos, ticas de matema e práticas escolares. Curitiba: CRV, p. 13- 38, 2016.

FERREIRA, E. S. Etnomatemática: uma proposta metodológica. Rio de Janeiro: Universidade Santa Úrsula, 1997.

FIORENTINI, D.; LORENZATO, S. Investigação em educação matemática:percursos teóricos e metodológicos. Campinas: Autores Associados, 2006.

GONÇALVES, P. G. F. A etnomatemática dos trabalhadores das cerâmicas de Russas-CE e o contexto escolar: delineando recomendações pedagógicas a partir de uma experiência educacional. 2013. 122f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências Naturais e Matemática) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Disponível em: http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/16108. Acesso em: 13 mar. 2020.

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Notas

3 No decorrer do texto, empregaremos o termo Etnomatemática iniciado com letra maiúscula em alusão ao campo do conhecimento. Para os demais casos, empregaremos o termo iniciado por letra minúscula (etnomatemática).
4 Nome dado aos profissionais que realizam medições de terrenos.
5 Informações obtidas em: http://cod.ibge.gov.br/9HP.

Autor notes

1 Especialista em Educação Matemática pela FJN. Licenciado em Matemática pela UFCA. Licenciado em Ciências Naturais e Matemática pela UFCA. Formador Educacional de Matemática na Secretaria Municipal de Educação, Abaiara, Ceará, Brasil. Endereço para correspondência: Sitio Camará, 246, Zona Rural, Abaiara, Ceará, Brasil. CEP:63240-000. E-mail: edmarsilva962@gmail.com.
2 Doutor em Educação pela UFRN. Mestre em Ensino de Ciências Naturais e Matemática pela UFRN. Licenciado em Matemática pela UECE. Professor Magistério Superior na UFCA, Brejo Santo, Ceará, Brasil. Endereço para correspondência: Rua Olegário Emidio de Araujo, s/n, Centro, Brejo Santo, Ceará, Brasil,

CEP: 63260-000. E-mail: paulo.goncalo@ufca.edu.br.

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