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TENSÕES NO DISPOSITIVO DA SERIAÇÃO: CURRÍCULO DE MATEMÁTICA EM UMA ESCOLA MULTISSERIADA
Mari Teresinha Alminhana Panni; Claudia Glavam Duarte
Mari Teresinha Alminhana Panni; Claudia Glavam Duarte
TENSÕES NO DISPOSITIVO DA SERIAÇÃO: CURRÍCULO DE MATEMÁTICA EM UMA ESCOLA MULTISSERIADA
TENSIONS IN THE SERIAL DEVICE: MATH CURRICULUM IN A MULTI-GRADE SCHOOL
REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 8, núm. 1, pp. 230-248, 2020
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: O presente artigo busca identificar e analisar os tensionamentos que a Multisseriação provoca na forma de organização escolar seriada, especificamente no que tange ao currículo de matemática. A pesquisa foi realizada em uma escola multisseriada localizada no interior do Estado do Rio Grande do Sul e teve como questões centrais: Como a organização da multisseriada proposta pela Escola Estadual de Ensino Fundamental José Martins Correa Filho em Santo Antônio da Patrulha/RS tensiona o Dispositivo da Seriação? E que ressonâncias tais tensões podem ocasionar no currículo de matemática escolar? As ferramentas teórico-metodológicas utilizadas estão vinculadas à produção do filósofo Michel Foucault com ênfase no conceito de dispositivo. O exercício analítico realizado tratou de problematizar as ressonâncias que as tensões ocasionadas pela Multisseriação provocavam no currículo de matemática evidenciando uma prática que acabava por fissurar a hierarquia e linearidade do currículo de matemática desenvolvido na sala de aula. Por fim, a Multisseriação é um modelo de organização escolar curricular e metodológico desafiador para o docente, pois diante de tal organização o professor reinventa o espaço escolar, suas metodologias, currículo e avaliações. Porém, pontua-se a necessidade de mais intervenções na formação dos professores para o trabalho com as salas/escolas multisseriadas.

Palavras-chave: Currículo, Multisseriação, Matemática.

Abstract: This article aims to identify and analyze the tensions that Multiseriation causes in the form of serial school organization, specifically regarding the mathematics curriculum. The research was conducted at a multi-grade school located in the interior of the state of Rio Grande do Sul and had as central questions: How the multiserial organization proposed by the José Martins Correa Filho State Elementary School in Santo Antônio da Patrulha / RS intends the device of Seriation? And what resonances can such tensions cause in the school math curriculum? The theoretical and methodological tools used are linked to the production of the philosopher Michel Foucault with emphasis on the concept of device. The analytical exercise performed tried to problematize the resonances that the tensions caused by the Multiseriation provoked in the mathematics curriculum, evidencing a practice that eventually broke the hierarchy and linearity of the mathematics curriculum developed in the classroom. Finally, Multiseriação is a model of challenging curricular and methodological school organization for the teacher, because in the face of such an organization the teacher reinvents the school space, its methodologies, curriculum and assessments. However, there is a need for more interventions in the training of teachers to work with classrooms / multi-grade schools..

Keywords: Curriculum, Multiseriation, Mathematics.

Carátula del artículo

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TENSÕES NO DISPOSITIVO DA SERIAÇÃO: CURRÍCULO DE MATEMÁTICA EM UMA ESCOLA MULTISSERIADA

TENSIONS IN THE SERIAL DEVICE: MATH CURRICULUM IN A MULTI-GRADE SCHOOL

Mari Teresinha Alminhana Panni1
Rede Municipal de Osório, Brasil
Claudia Glavam Duarte2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
REAMEC ? Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, núm. 1, 2020

Recepção: 14 Novembro 2019

Aprovação: 06 Fevereiro 2020


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de uma pesquisa de mestrado que objetivou problematizar a organização escolar multisseriada em suas interfaces com o currículo de matemática. Nesse sentido, desenvolveu-se a partir da observação das aulas de matemática na Escola Estadual de Ensino Fundamental José Martins Correa Filho localizada em Santo Antônio da Patrulha/RS. O caminho que trilhamos para responder o problema, na época, era: Como a organização multisseriada proposta pela Escola Estadual de Ensino Fundamental José Martins Correa Filho em Santo Antônio da Patrulha/RS tensiona o Dispositivo da Seriação? Que ressonâncias tais tensões podem ocasionar no currículo de matemática escolar?

Assim, desde o início da pesquisa entendemos o modelo seriado, baseadas nos estudos de Foucault, como um dispositivo. Pois, o modelo seriado organiza o espaço escolar a partir do critério idade e ano escolar, embasadas nos estudos foucaultianos, percebemos esta organização como um dispositivo, pois de acordo com o filósofo, para se estabelecer ele organiza e põe em funcionamento,

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (FOUCAULT, 1979, p. 244)

O conjunto formado por elementos tais como a arquitetura da escola, que abriga diferentes salas de aula, uma para cada ano, o currículo escolar definido para cada faixa etária, os discursos de especialistas que afirmam as potencialidades e fragilidades de cada período da infância, entre outros, legitimam e são legitimados pelo Dispositivo da Seriação. Nessa perspectiva, o modelo seriado cria, organiza e exige um conjunto de práticas para se estabelecer e, seus efeitos são sentidos no currículo escolar com a identificação de pré-requisitos e encadeamentos dos conceitos presentes nos conteúdos escolares, nos livros didáticos específicos para cada ano e nas avaliações diferenciadas. Dito de outro modo, o Dispositivo da Seriação faz ver e falar, produzindo certas verdades para o campo educativo, nos impedindo, muitas vezes de sequer pensar algo que não passe pelos seus critérios de legitimidade.

No entanto, tais critérios são, por vezes ameaçados, pela presença de escolas que se organizam no modelo Multisseriado. Cabe ressaltar que a sala de aula ou a escola, em sua totalidade multisseriada refere-se ao tipo de organização escolar que abriga em uma mesma sala alunos de diferentes séries/anos escolares, ocorrendo com muita frequência, em áreas rurais [3]. Essa forma de organização nos parece que pode se constituir em um território que propicia o confronto do professor com as relações de força que o conformam a ser, pensar e agir dentro das normas estabelecidas pela seriação. Dito de outra forma, acreditamos que a existência de escolas/classes multisseriadas poderia ser tomada como uma condição propícia no sentido de ali se fazer germinar uma outra docência e um outro currículo que reajam aos modelos totalitários e homogeneizantes, pois, esta configuração escolar tenderia a ?destituir a série como princípio ordenador e como fundamento para as ações pedagógicas? ( DUARTE; TASCHETTO, 2014, p. 53) e provocar abalos em uma zona de conforto historicamente construída e naturalizada.

Na esteira destas considerações entendemos a organização multisseriada como um contradispositivo, pois ela ?opera de forma contrária ao estabelecido, rompe as estruturas criando novas linhas das precedentes, escapa, enfim, as urgências diretivas e diretas do saber e do poder.? (MIZOGUCHI, 2016, p. 94). Em outras palavras, a multisseriação tende a embaralhar os códigos estabelecidos, ela arrasta as cadeiras, que dispostas para abrigar cada ano separadamente, insistem em dividir as crianças. Ela mistura, hibridiza, provoca os grandes especialistas e desconfia das pretensões quando percebe o professor de sua classe, fiel ao modelo seriado, afirmar: ?esta atividade é para o segundo ano?! Esse é um costume docente frente à organização multisseriada, que é advinda da seriação, visto que o sistema seriado requer do currículo, conteúdos organizados para serem ensinados em determinada série/ano.

Acreditamos que a potência desta forma de organização escolar estaria na capacidade que a heterogeneidade, especificamente a encontrada na organização escolar multisseriada, tem para tensionar o Dispositivo da Seriação, dito de outra forma, na capacidade de colocar em jogo as verdades, perturbar a ordem e embaralhar os códigos a lá Foucault. Nesta perspectiva, o Contradispositivo da Multisseriação, permitiria que professor e alunos criassem diferentes estratégias e modos de fazer educação dentro deste espaço e, dessa forma, pudessem provocar o rompimento na hierarquia dos conteúdos de matemática e nas repartições ano/série, fissurando o Dispositivo Seriado. É destas invenções e rupturas que trata a última seção deste artigo.

2 UMA BREVE DIGRESSÃO HISTÓRICA

Movidas por certa inquietude, buscamos constituir alguns rastros históricos que acabaram por conformar a organização escolar seriada como ?legítima? para o âmbito escolar. Nosso interesse pela história acompanha os conselhos dados pelo professor Foucault que destaca, entre outras coisas, a relevância dos fatos históricos para problematizar situações vividas na atualidade. De acordo com ele:

É preciso saber reconhecer os acontecimentos da história, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas, que dão conta dos atavismos e das hereditariedades; da mesma forma que é preciso saber diagnosticar as doenças do corpo, os estados de fraqueza e de energia, suas rachaduras e suas resistências para avaliar o que é um discurso filosófico. A história, com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris com suas síncopes, é o próprio corpo do devir. ( FOUCAULT, 1979, p. 14)

Dessa forma, para o autor, a história em seus detalhes mais ínfimos, traz os traços, as marcas, os desfechos de acontecimentos e ?as vacilantes vitórias? que, reatualizadas são experienciadas até os dias de hoje. Detemo-nos então, nas minúcias, nos detalhes que saltam em um ferver de relações e que permeiam as conjecturas dos espaços que compõem a seriação/multisseriação para perceber os acontecimentos que geraram discursos, verdades estabelecidas fazendo uso ?instrumental da história e interrogando-a a partir de práticas da atualidade, vislumbrando a possibilidade de seguir seus rastros históricos?. (DUARTE, 2009, p. 54). Cabe destacar, que nossa intenção não é ir em busca de um ponto original, local específico em que emanaria a verdade histórica de um objeto, nosso entendimento perpassa a compreensão de que a trajetória histórica se constitui como a pesquisa dos inícios ?silenciosos, não mais a regressão sem fim em direção aos primeiros precursores, mas a identificação de um novo tipo de racionalidade e de seus efeitos múltiplos.? (FOUCAULT, 2002, p. 4).

Feitas essas sinalizações, destacamos alguns acontecimentos que acabaram por engendrar certa racionalidade para o campo educativo e que culminaram com a determinação de um modelo ?ideal? para organizar a escola: o modelo pautado na seriação. Do ponto de vista histórico, segundo, Alvarez- Uría e Varela (1996) foi a partir do século XVII que se iniciou o processo de separação dos sexos e das idades no âmbito escolar. Interessante observar que no final deste século o importante filósofo educador Jean Jacques Rosseau afirmaria: ?Cada idade, cada condição na vida tem sua perfeição conveniente, sua espécie de maturidade própria? (ROSSEAU, 1979, p. 214). Nesta trajetória de análise também será relevante observar que, já no século XVI, os Jesuítas terão um papel fundamental na organização do sistema educativo ao estabelecerem certas especificidades para o ensino. De acordo com Parente (2010, p. 32) citando Petitat (1994) tal congregação irá introduzir nas classes, nos primeiros tempos,

[...] somente três ou quatro divisões; depois, forma-se o hábito de destinar um mestre a cada uma delas. Contudo, o ensino continua a ser ministrado em uma única peça, com as três classes reunindo-se em torno de seus mestres em pontos diferentes da sala. Na última etapa desta evolução são introduzidos tantos graus quantos anos de aprendizagem, e cada classe passa a ter seu local e seu mestre específico. ( PETITAT, 1994, p. 78, apud PARENTE, 2010, p. 32)

Nessa perspectiva, é possível inferir que no século XVI há indícios de uma organização em grupos diferenciados que habitavam a mesma sala com um único mestre. Posteriormente, teremos um mestre para cada grupo ocupando diferentes espaços da mesma sala e por fim segundo o autor, a ?última etapa desta evolução? com cada grupo tendo seu mestre e sua sala. Além disto, o sistema educativo jesuítico ?contemplava a ordenação do ensino em graus e classes, hierarquizando os conteúdos e as etapas do ensino?. (PARENTE, 2010, p. 148). Tais especificidades irão ter ressonâncias, pois,

Vale lembrar que a organização escolar, como a concebemos hoje, com delimitações de tempo: ano letivo, horário de aulas, calendário escolar, programas de ensino rígidos e avaliações seletivas são herança da modernidade e guardam em sua estrutura muito da influência dos jesuítas, com sua Companhia (séc. XVI), e de Comênio (séc. XVII), com sua Carta Magna. (Parente, 2010). De certa forma, foi daí que surgiu a organização em séries ou seriada que se caracteriza pela definição do tempo escolar em ano letivo, pela divisão dos conteúdos em séries, pela concepção de educação pautada na aquisição de conhecimentos e formação de habilidades, pela avaliação quantitativo-seletiva e pelo papel do professor de transmitir conhecimento. (DINIZ, 2014, p. 17)

Assim como os jesuítas, a educação comeniana teve grande impacto na estrutura escolar, pois, para que o ideal pansófico de Comenius: ensinar tudo a todos, atingisse seus objetivos seria preciso reestruturar a escola. A ordem escolar, pressuposta pelo educador Morávio, deveria ter ?a natureza como guia? ( COMENIUS, 2006, p. 319), ou seja, atentar para seus movimentos de modo a conduzir, de forma ordenada e correta, as aprendizagens dos escolares. O entendimento de que a natureza representa o ?equilíbrio e a harmonia? ( NALLI, 2003) porque é fruto da criação divina expressa a premissa de que a ordem da natureza contém a ordem divina, ou seja, existe um imbricamento entre a ordem da natureza e a revelação divina e tal condição torna-a o exemplo de ordenação necessária para o desenvolvimento de uma educação também harmoniosa. De acordo com o pedagogo, ?[...] está claro que essa ordem que desejamos como ideia universal da arte de ensinar e de aprender tudo só pode ser extraída da escola da natureza.? ( COMENIUS, 2006, p. 131).

Assim, o núcleo central da obra de Comenius como fonte, como origem, como grau zero da Pedagogia moderna, é a sua capacidade de condensar aspectos que a Pedagogia do século XVI e do início do século XVII já havia delineado, embora sem ter conseguido integrar-se num discurso comum. Não é que Comenius tenha inventado, ex nihilo, novo diagrama de normas e explicações no campo da educação, ?mas sim, que, acima de tudo, ele conforma um novo mosaico a partir de alguns elementos já existentes, além de outros componentes de elaboração própria.? (NARODOWSKY, 2004, p. 14). Dessa forma, ?A arte de ensinar nada mais exige, portanto, que uma habilidosa repartição do tempo, das matérias e do método? (COMENIUS, 2006, p. 186). Tal forma de organização acabou por construir:

A ideia de que as crianças deveriam ser agrupadas em função de suas idades e de seu desempenho em suas áreas do conhecimento, transformou as estruturas das escolas, que de uma única sala de aula, ou várias sem ordem por idade, passaram a ter a estrutura de séries, cada série com sua própria sala. (DUSSEL; CARUZO, 2003, p. 185)

Assim, temos as especificidades ditadas pelo modelo seriado como uma das grandes estruturas que sustentará a complexidade do ato de ensinar. Para cada série/ano uma sala, um currículo, um professor, um tipo de avaliação, entre outros. Dessa forma, a homogeneização das turmas pela faixa etária e o conhecimento hierarquizado serão elementos que terão,

[...] como resultado, no início do século XIX, a fixação de uma correspondência mais rigorosa entre a idade e a classe. Os mestres habituaram-se então a compor as suas turmas em função da idade dos alunos. Assim, as idades, outrora misturadas começaram a separar-se na medida em que coincidiam com as classes, porque a partir do século XVI a classe passou a ser reconhecida como unidade estrutural. (ARIÈS,1988, p. 203-204, apud TIIGGMANN, 2010, p. 30, grifos nossos)

Tal unidade estrutural se daria porque o modelo de organização escolar pautado na lógica seriada parte de um princípio, que pretende evitar, como diz Foucault, as multiplicidades ambíguas ?[e] anular os efeitos das repartições indecisas? para que se concretize a utopia panóptica e, portanto, disciplinar, de se colocar ?cada indivíduo no seu lugar; em cada lugar, um indivíduo? (FOUCAULT, 1987, p. 131, grifos do autor) ?[...] de maneira que cada indivíduo se encontra preso numa série temporal, que define especificamente seu nível ou sua categoria? (FOUCAULT, 1987, p. 144).

Porém, se recuarmos no tempo, Alvarez-Uría e Varela (1996) afirmam que o ensino, anterior ao século XV se organizava com a junção das crianças e adultos, sem distinção de ambientes e espaços.

A aprendizagem implicava neste caso um sistema de transmissão de saber que se fazia de forma hierarquizada na oficina a qual, ademais de ser lugar de trabalho, era lugar de educação, instrução e habitat: nele coexistiam transmissão de saberes e trabalho produtivo. Na oficina, mestres e oficiais eram autoridade para os aprendizes, entre outras coisas porque possuíam um saber que era, ademais, um saber fazer, uma maestria técnica, uma perícia que se alcançava através de longos anos de participação em um trabalho em cooperação. Os aprendizes viviam misturados com os adultos, intervinham em suas lutas e reivindicações, tomavam parte em seus debates, iam com eles a taberna e ao cabaré, tinham seu lugar nas festas e celebrações, aprendiam, em contato com a realidade que os rodeava, um ofício que não deixava de ter dificuldades, nem carecia de dureza e penalidades. [...] (ALVAREZ-URÍA E VARELA, 1996, p. 44, grifos nossos)

Assim, a educação não era voltada especificamente para as crianças, isto porque a percepção singular e específica da infância, enquanto categoria vai surgir somente a partir do século XVI, como afirma Ariès (1986). Infere-se então, que o ensino nesta época era indiferente a qualquer tipo de divisão entre os aprendizes [4]. Todos eram admitidos nas oficinas e ateliês e participavam das atividades nas comunidades. Cabe ressaltar que, de acordo com Jehel e Racinet (1999), o século XII constituiu-se em um período de proliferação do número de ofícios. ?A partir do século XII, sobretudo, se organizam ofícios que não cessam de multiplicar-se com a diferenciação progressiva do trabalho: se enumeram aproximadamente cento e cinquenta associações profissionais, em Paris [...]? (JEHEL; RACINET, 1999, p. 312). Dentre essas, se encontram as de tecelões, de ferreiros, de sapateiros, de barbeiros, de padeiros, de pintores, de alfaiates, entre outros e, para que os ensinamentos ocorressem,

Forrava-se o chão de palha e os alunos aí se sentavam. Mais tarde a partir do século XIV, passou-se a usar bancos, embora este novo hábito de início parecesse suspeito. Então, o mestre esperava alunos, como o comerciante espera os fregueses. Algumas vezes, um mestre roubava os alunos do vizinho. Depois, juntavam-se na sala rapazes e homens de todas as idades, dos seis aos vinte anos ou mais ( ARIÈS, 1986, p. 167).

Ademais, a análise da relação estabelecida, entre mestre e aprendiz, mostra que essa relação ia além das aprendizagens dos ofícios, aprendia-se também um modo de ser e comportar-se na sociedade. Dessa forma, é possível inferir que, nessa época, a classificação por idade dos aprendizes era irrelevante e tal fato, segundo Ariès (1986), torna muito raro o encontro de documentos que façam menção sobre classificações, especialmente sobre o fator cronológico, entre os aprendizes.

Poderíamos dizer que, nesse período, reinava a mistura, o hibridismo, características específicas que a Multisseriação insiste em manter, mesmo que de outras formas, ainda hoje. Para ela, a ação de classificar pretendida consiste em ?atos de incluir e excluir? e ?[...] tal operação de inclusão/exclusão é um ato de violência perpetrado contra o mundo e requer o suporte de uma certa dose de coerção? (BAUMAN, 1999, p. 11).

No entanto, com o passar do tempo não haverá trégua e os processos de classificação e posterior separação das crianças e dos adultos serão paulatinamente instaurados pela emergência do conceito de infância, fazendo com que esta concepção de aprendizagem e a relação entre o mestre e seus aprendizes, seja rompido definitivamente com a emergência de um espaço cerrado e específico para a educação das crianças: a escola [5]. Como diz Ariès (1986, p. 12)?a criança foi separada dos adultos e mantida a distância numa espécie de quarentena, antes de ser solta no mundo. Essa quarentena foi à escola, o colégio?. Este fará um corte com a vida diária e se constituirá no espaço primeiro para a realização das aprendizagens.

No entanto, como toda ordem erigida é arbitrária, fruto de certas condições históricas de possibilidade, outras formas tendem a se insinuar a fim de ameaçar a ?naturalidade? com que concebemos as estruturas em que estamos inseridas. Como diz o sociólogo polonês:

O estranho despedaça a rocha sobre a qual repousa a segurança da vida diária. Ele vem de longe; não partilha as suposições locais ? e, desse modo, ?torna-se essencialmente o homem que deve colocar em questão quase tudo o que parece ser inquestionável para os membros do grupo abordado?. (BAUMAN, 1998, p. 19).

?Estranhas?, as classes multisseriadas seguem embaralhando códigos, desacomodando-nos e apontando-nos que, talvez elas nos ajudem a perceber o quanto aquilo que parece ser ?inquestionável? deva ser problematizado. Assim, acreditamos que, ir em busca dos processos de verdadeirização, torna-se relevante pois, permite mostrar às pessoas que um considerável ?número das coisas que fazem parte de sua paisagem familiar ? que elas consideram universais ? são o produto de certas transformações históricas bem precisas? ( FOUCAULT, 2004, apud VEIGA?NETO, 2006, p. 80). Feitas essa breve digressão nos perguntamos sobre as ressonâncias ocasionadas no currículo de matemática em uma escola multisseriada da Região do Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul.

3 METODOLOGIA: O ZIGUEZAGUEAR DE UMA PESQUISA

Frente a nossa problematização escolhemos a Escola Estadual de Ensino Fundamental José Martins Correa Filho na comunidade de Pinheirinhos, Quarto Distrito do Município de Santo Antônio da Patrulha, interior do Estado do Rio Grande do Sul, espaço de uma instituição escolar rural, para desenvolver nossa pesquisa.

A escola que existe há mais de sessenta anos, possui atualmente uma diretora, uma merendeira que também se dedica à limpeza da escola e três docentes. Desses, dois professores estão vinculados ao magistério estadual e uma docente foi cedida pelo município. Estes atendem trinta e nove alunos do primeiro ao sétimo ano e dezesseis na educação infantil, totalizando assim 55 alunos. Excetuando-se a Educação Infantil, temos três turmas, todas no modelo de organização multisseriado. A primeira reúne alunos do primeiro, segundo e terceiro anos, a segunda turma abriga o quarto e quinto anos e a última agrupa alunos do sexto e sétimos anos. Para este trabalho investigativo acompanhamos o trabalho dos professores de duas turmas multisseriadas: a primeira e a segunda supracitadas. Este acompanhamento fez uso de observações e entrevistas com os professores e alunos [6] durante os anos de 2017 e 2018. Cabe destacar que utilizamos caderno de campo para anotar as observações realizadas e descrever, de forma minuciosa, o desenvolvimento das aulas de matemática, pois nossa intenção era, como dissemos anteriormente, perceber como essa disciplina hierarquizada em termos de conteúdos se desenvolvia dentro de uma classe multisseriada.

Assim, adentrando o campo de pesquisa demos, timidamente, nossos primeiros passos analisando os saberes e fazeres de professores que trabalhavam com o ensino de Matemática nas classes multisseriadas. Cabe aqui destacar mais densamente e com certo aporte teórico, os motivos que nos levaram a escolher as aulas de matemática como lócus de observação. Nossa ideia era identificar os tensionamentos que o Contradispositivo da Multisseriação provocava nas aulas e para isto, consideramos que a matemática seria uma facilitadora de tal análise. Explicamos o porquê. Primeiro a matemática tem sido considerada, por alguns autores, como uma área que sugere a necessidade de construção do conhecimento no formato linear, ou seja, exige pré-requisitos, exemplo disto é a defesa de que se aprende multiplicação somente depois da adição. Sobre esta característica, a pesquisadora Schmitz (2002) ao descrever as especificidades, na sua dissertação de mestrado, das práticas da matemática escolar nas séries iniciais, identificou que as professoras realizam suas atividades, tendo como base a hierarquização dos conteúdos e dependência do livro didático. De acordo com esta pesquisadora, as professoras entrevistadas sinalizavam a existência de uma ?lógica interna da matemática, dominada pela ideia de pré-requisito que determinava o que e porque ensinar? (SCHMITZ, 2002, p. 115). Assim, tal lógica definiria o que vem ?antes e o que vem depois? para a facilitação da aprendizagem em termos de conceitos matemáticos e estaria articulada à ?necessidade de colocar o simples antes do complexo? ( Ibidem, 2002, p. 114).

Também nos estudos de Chagas (2001) são evidenciados e problematizados os pré-requisitos em matemática como um fator determinante para a aprendizagem dos conteúdos, segundo o autor, citando um professor entrevistado na sua pesquisa, ele diz que os estudantes não estão interessados nas suas aulas por falta de pré-requisitos para compreensão da matéria. Dessa forma, Chagas (2001) pontua que na visão de alguns educadores os pré-requisitos de matemática devem ser cuidadosamente seguidos para que o êxito das aprendizagens ocorra. Sob a égide desta mesma lógica Schmitz (2002), também afirma que as justificativas de seus entrevistados ao observar certa linearidade dos conteúdos, se davam com a finalidade de deixar ?os alunos ?bem preparados? para acompanhar os conteúdos seguintes? ( SCHMITZ, 2002, p. 115).

Dessa forma, pensamos que a linearidade pressuposta daria condições a sobreposições de camadas, algo que funcionaria como uma construção que necessitaria do alicerce para que as outras etapas da construção pudessem se erigir. Frente a tais constatações que circundam a educação matemática é que julgamos pertinente a análise de possíveis fissuras, engendradas pelo modelo multisseriado nas aulas de matemática.

Após a realização de inúmeras observações, entrevistas e as respectivas transcrições demos início, de forma mais densa, às análises do material produzido. Neste momento, buscamos nos demorar na escuta das entrevistas e na leitura do caderno de campo, pois tentávamos ?buscar, novas associações, estabelecer comparações e encontrar complementações? (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 35). Dessa forma, durante este processo, ?montei[amos], desmontei[amos] e remontei[amos] várias vezes os ditos e, com este movimento que, incessantemente se fazia e se refazia produzi[mos] meu [nosso] material de pesquisa? (ANDRÉ SANTOS, 2017, p. 56, grifos do autor). Toda esta movimentação compactua com as palavras de Meyer e Paraíso (2012, p. 17), quando afirmam que: ?o mais potente desses modos de pesquisar é a alegria do ziguezaguear?.

4 RESSONÂNCIAS DA ORGANIZAÇÃO MULTISSERIADA NO CURRÍCULO ESCOLAR DE MATEMÁTICA

Antes de sinalizarmos alguns resultados produzidos no âmbito do currículo de matemática, destacamos nossa concepção de currículo que acompanha a definição feita por Corazza (2001), pois o concebemos, como uma linguagem e nele detectamos significantes, ?significados, sons, imagens, conceitos, falas, língua, posições discursivas, representações, metáforas, metonímias, ironias, invenções, fluxos, cortes... assim como o dotamos de um caráter eminentemente construcionista?. ( Ibidem, p.9)

Nessa perspectiva, o currículo é construído por linguagens de bases históricas e sociais, e que, por este motivo, é arbitrário e ficcional (CORAZZA, 2001), é pura inventividade. Valhamo-nos das palavras da autora para pensar que o currículo se constitui por regras, que a partir das teorias de especialistas, justificam os objetivos que devem ser alcançados para cada etapa do ensino, viabilizando a construção de determinados tipos de sujeitos. Sob a mesma perspectiva teórica, Tomaz Tadeu da Silva (2010, p. 14) destaca que talvez o mais importante para destacar na definição de currículo ?seja de saber quais questões uma ?teoria? do currículo ou um discurso curricular busca responder?. Corazza (2001) parece ter definido essa problemática por intermédio do provocativo título de seu livro que pergunta: ?o que quer um currículo?? A resposta já aparece de imediato indicando que o currículo tem fome de sujeito, quer forjar certos tipos de subjetividades. Por este motivo pode-se inferir que o currículo é campo de luta, campo de exercício de poder, pois se trata de uma linguagem que ?ao corporificar narrativas particulares sobre o indivíduo e a sociedade, nos constitui como sujeitos ? e sujeitos também muito particulares?. (SILVA, 1998, p. 195)

Nesta perspectiva os ?sons, imagens, conceitos, falas?, entre outros que compõem o currículo escolar, são construções contingentes e arbitrárias. Especificamente, no que tange aos conceitos, os chamados conteúdos disciplinares, estes se justificam não somente pela lógica interna da área ao qual pertencem, mas, principalmente nas articulações que possibilitam fazer com as exigências do campo social mais amplo (SARTORI, 2015). Sendo assim, o motivo pelo qual tal conteúdo é escolhido e outros não, se direcionam a outro questionamento, ?o que eles ou elas devem ser??. (SILVA, 2010, p. 15). Dessa forma, é a partir dessas questões sobre como deve ser um sujeito, que será determinado o que se deve aprender. Com essas premissas, se formam as estruturas que definem a que um currículo se propõe, ou seja, o currículo é construído com parâmetros que estipulam o sujeito ideal para determinada sociedade, ?o currículo é simplesmente uma mecânica? (SILVA, 2010, p. 24) que movimenta a maquinaria que organiza as estruturas educacionais de acordo com padrões estabelecidos.

Dessa forma, especificamente no currículo de matemática, Santos (2009) nos convida a problematizar esta matemática que ela denomina de ?etapista?, ou seja, aquela que se desenvolve a partir de etapas hierárquicas bem definidas. A autora corroborando com a ideia de que o currículo está interessado na construção de determinados tipos de sujeitos, aponta para a necessidade de abrirmos a possibilidade para a ?formação de outros ?EUS? ( SANTOS, 2009, p. 97). Talvez sejam esses outros ?EUS? que percebemos se configurando no modelo multisseriado, pois, ?não há na subjetividade uma forma única, aplicável a todos/as. Nela nada há de privado? (CORAZZA, 2001, p. 62). Assim, tal organização que agrupa idades e anos diferentes em um mesmo espaço/tempo, acaba fissurando o que é estabelecido como ?adequado? para aprender em cada etapa escolar. Dito de outra forma, compreender que o currículo é arbitrário, contingente e que está interessado na constituição de sujeitos nos leva a constituir outros olhares quando observamos uma sala de aula.

Assim, no exercício de constituir um outro olhar para nosso objeto de estudo identificamos que o professor não distinguia, de forma rígida, a proposição feita sobre os conteúdos pertinentes a cada série nas aulas de matemática. Pareceu-nos, nas entrevistas, que ele às vezes até tentava separar quando fazia seu planejamento, porém ao executá-lo, a movimentação, o arrastar das cadeiras, fazia com que ocorresse a anulação de uma possível separação. Mengali (2011) na sua dissertação de mestrado desenvolveu estudos sobre o desafio de ensinar matemática em uma classe multisseriada e, por intermédio de sua investigação, afirmou que nesse processo, ?uma boa tarefa é aquela que possibilita gerar, na sala de aula, momentos ricos de aprendizagem, marcados pela circulação e pela produção de significações matemáticas? (Ibidem, 2011, p. 157). Ademais, a autora ressalta que utilizar métodos em que os alunos têm a experiência de trabalhar em conjunto, exercitando o diálogo, com material concreto e fazendo trocas ?rompe com a crença de que a melhor maneira de ensinar conceitos matemáticos é partir da explicação clara desses conceitos pelo professor, seguidos da prática deles em exercícios? (MENGALI, 2011, p. 177). Em suas observações das aulas de matemática em uma classe multisseriada a autora sinaliza que,

A construção, no ambiente de sala de aula, de uma comunidade de investigação matemática possibilitou estabelecer com os alunos uma relação de confiança capaz de incentivá-los a protagonizarem os seus próprios processos de aprendizagem, assumindo responsabilidades, ou seja, participando ativamente. (MENGALI, 2011, p. 157)

Assim percebemos que, em alguns momentos as aulas de matemática ensaiavam fissuras na suposta linearidade e na necessidade de pré-requisitos para a efetivação das aprendizagens da matemática. Os professores, especificamente aqueles que ensinavam matemática, pareciam minimizar a força da premissa a qual afirma que ?a listagem dos conteúdos também tem o poder de determinar a ordem ou sequência em que esses conteúdos ?devem? ser ensinados? (SCHMITZ, 2002, p. 114). Pareceu-me que a sequência e a ordem eram fissuradas pela metodologia do ?tatear?, do ?fui indo, fui indo? [7] (Entrevista com professor, 2018).

[...] pedi que quatro meninos [do primeiro ano, grifos nossos] pegassem, por exemplo; três pecinhas cada um e botassem dentro da caixa. Eles foram lá e contaram e observaram a contagem deles para ver se contaram certo e botaram na caixa e... Fechei a caixa né, então perguntei para eles, tanto para o primeiro, segundo e terceiro, perguntava aleatoriamente, para ver o conhecimento deles, para eles darem a ideia de quanto teria dentro daquela caixa, só observando, então alguns iam dizendo os valores e no decorrer dessa atividade deu para observar que alguns já iam apontando para os colegas para ter a contagem do valor exato. Quem respondeu ao questionamento foi uma menina do primeiro ano, após fazer sua própria contagem mentalmente, explicando que tinha quatro meninos com três pecinhas... ou seja, três vezes quatro. E assim, teve uma hora, deu para notar também que ela contou e ela achou o resultado e quando perguntei para os outros eles falaram que não era o resultado certo, aí ela começou a pensar e começou a contar de novo e disse assim: Professor é doze? Tipo assim ela contou e deu de novo o resultado dela, e era doze, mas como os outros falaram outro resultado ela ficou na dúvida. [...]. Daí tu imagina, pode dizer não é para você aprender ainda só porque é multiplicação? (Entrevista com professor, 2018)

Supomos que a desconfiança de que os cálculos feitos pela menina estivessem corretos, fazia parte de uma estratégia do Dispositivo da Seriação, pois pairava a dúvida sobre o fato de que uma menina do primeiro ano pudesse resolver situações matemáticas destinadas ao terceiro ano. Talvez o fato de resolver tal questão tenha ocorrido pelo fato desta presenciar, por diversas vezes, situações de aprendizagem que envolvia o conceito de multiplicação, tal suposição advém também da leitura do texto de Duarte e Taschetto (2014)que afirmam que no espaço multisseriado ?não dá para tapar os ouvidos das crianças?. Assim, as crianças acabavam se envolvendo em aprendizagens que a princípio não seriam destinadas à sua idade e ano escolar e o professor parecia proporcionar aos alunos a experiência de aprender, de vivenciar e de poder sentir as coisas, mesmo que tais crianças não se constituíssem nos ?corretos destinatários?.

Em certo momento, questionamos os professores sobre a estrutura dos anos escolares. Referia-nos a algo que pensávamos poder se tornar algo cansativo e desgastante: a repetição dos conteúdos ano após ano. No entanto, todos foram unânimes em afirmar que esta seria uma das potencialidades das multisseriadas, pois, segundo eles, o aluno aprende o que é destinado ao seu ano, presencia o que virá e revê o que já passou.

[...] o aluno do primeiro ano, já vê conteúdo do segundo, vai aprendendo e no próximo ano, fica mais fácil concretizar a aprendizagem, ele já vem com uma prévia. (Entrevista com professor, 2018)

[...] já tinha uma noção de multiplicação, números decimais, posicionamento dos números, do ano anterior que foi trabalhado também em conjunto para aquela criança do segundo ano, do terceiro ano, que já deve estar consolidando estes valores, já tem uma noção, então eles já vieram com esta noção, já interiorizada dentro deles. (Entrevista com professor, 2018)

[...] então eu tinha já alguns do segundo ano que já viram de certa forma no primeiro ano, por ser multisseriada do ano anterior, por ser multisseriada já tinham uma noção, e alguns que vieram da seriada sem noção nenhuma. (Entrevista com professor, 2018)

Neste último relato o professor faz uma comparação com alunos que vêm do modelo seriado, ressaltando a potencialidade da multisseriada pelo entendimento de que os alunos da organização seriada, não têm essa possibilidade, pois só é trabalhado o que é instituído para determinado ano escolar. De forma contrária, no contexto multisseriado, havia sempre a apresentação de conteúdos, que para alguns se configurava como novidade e para outros uma repetição de algo que já tinha sido apresentado. No entanto, segundo Foucault (1979) a repetição não se esgota no acontecimento ?o novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.? (Ibidem, 1979, p. 26).

Dessa forma, as possibilidades no contexto multisseriado são múltiplas, apesar da insistência do Dispositivo da Seriação querer habitar este tempo/espaço. Uma das tentativas deste dispositivo ocorre através dos livros didáticos que são distribuídos na escola. De acordo com os estudos de Schmitz (2002), o livro didático ?não é um simples fio condutor dos trabalhos dos professores, tampouco um entre vários recursos usados, mas sim aquele que estabelece o que e como ensinar? (Ibidem, 2002, p. 113). Dessa forma, este material é, muitas vezes, colocado em uma posição central no que tange ao ensino e à aprendizagem na sala de aula. Segundo a pesquisadora ele ?autoriza quais conteúdos podem ser ensinados e silencia aqueles que não têm vez de circular como conhecimento oficial.? (SCHMITZ, 2002, p. 113). No entanto, no contexto pesquisado a centralidade deste material apresentava-se frágil.

[...] posso fazer uma leitura no quadro, produzir um texto coletivo, daquele texto posso tirar informações para fazer um trabalho, não precisa estar dando sempre coisa do livro alguma coisa assim, que vem pronto, vem pronto. (Entrevista com professor, 2018)

O professor neste momento da entrevista mostrava o caderno de um aluno e explicava que não utilizava o livro didático como ferramenta de aprendizagem, que não aprovava o que vinha pronto, mas que, utilizava-se de outras estratégias que buscavam articular todos os anos escolares. Assim, percebemos que o trabalho pedagógico ia se constituindo através das fissuras que se abriam nesse processo, fazendo com que até mesmo ferramentas pedagógicas aliadas ao Dispositivo da Seriação, como o livro didático, fossem facilmente deixadas como suposto ponto de apoio. Assim, concordamos com a afirmação de que,

[...] a existência de escolas/classes heterogêneas poderia ser tomada como uma condição propícia no sentido de ali se fazer germinar um processo de ensino e aprendizagem inovador e criativo, de exercício de pensamento, de laboratório de experiências de práticas educativas e de processos avaliativos diferentes daqueles tradicionalmente instituídos nas classes seriadas, e que, em termos políticos-pedagógicos, se afastaria do modelo de organização escolar seriado. (DUARTE; TASCHETTO, 2014, p. 53)

De forma geral, poderíamos dizer que observamos a integração dos conteúdos dentro da sala de aula, pois o professor explicava para todos, independente do ano/série a que se destinariam tais aprendizagens. Notamos que, dessa forma, o ensino da matemática era tensionado na proposição que diz respeito à necessidade de um ensino linear e hierarquizado que respeita a premissa do mais simples ao mais complexo. Enquanto o professor ensinava um conteúdo que seria designado para um determinado ano, todos ouviam e algumas aprendizagens não programadas, pelo indicativo ano/conteúdo quebravam com a linearidade dos conteúdos de matemática estipulados para idade ano/série. Ademais, notamos que até mesmo, através do uso de materiais pedagógicos, os professores fissuravam os mecanismos do Dispositivo Seriado, quando, por exemplo, não utilizavam o livro didático de forma padronizada, pois ele preconizaria a divisão conteúdo x ano escolar. De forma contrária, ele era visto somente como um material de consulta para ser usado nas aulas ?no geral?, sem separações dos anos.

Sendo assim, nossa análise observou as tensões, a força do Contradispositivo da Multisseriação que, fazendo força sobre o Dispositivo da Seriação provocava algumas fissuras nas aulas de matemática, tal condição propiciaria a emergência de outras possibilidades de fazer educação.

5 CONSIDERAÇÕES

Neste artigo buscamos evidenciar algumas fissuras que ocorreram no trajeto de nossa investigação. A análise dos saberes e fazeres de dois docentes de classes multisseriadas nas aulas de matemática, nos propiciou inferir que as suas práticas desestabilizam a organização seriada e em efeito, fazem emergir outras formas de exercício da docência em que os ?processos são os devires, e estes não se julgam pelo resultado que os findaria, mas pela qualidade dos seus cursos e pela potência da sua continuação?. (DELEUZE; PARTNET, 1988, p. 183). Assim, este processo é paulatinamente elaborado dentro de um contexto marcado pela heterogeneidade.

Durante as entrevistas, em vários momentos, os professores expressaram suas angústias frente à falta de uma formação específica para um trabalho pedagógico com turmas multisseriadas. Tal fato nos fez inferir que a invisibilidade de discussões no âmbito dos cursos de licenciatura, tem propiciado a construção de docência inventiva que se produz no exato momento em que se efetua. Dito de outro modo, a falta de manuais de instrução do ?faça assim!? tem gerado diferentes experiências educativas que, impulsionadas por movimentos criativos, minimizam a força do Dispositivo da Seriação. Assim, levantamos como hipótese que essa quase invisibilidade oferece condições para que o professor possa ?artistar?, inventar caminhos, já que não existem legislações, teorias específicas e formações para esta forma de organização escolar. Destacamos que não estamos defendendo a extinção de cursos de formação ou legitimando a invisibilidade da Multisseriação, simplesmente identificamos que a falta de certas amarras, que conformam o sujeito durante a graduação, os levavam a inventar, a criar situações pedagógicas que envolvessem os diferentes anos escolares.

No entanto, percebemos várias vezes a agonia que esta liberdade provocava. A força do Dispositivo Seriado sobre os docentes os levava a afirmar que a seriação, por vezes, ?está internalizada na gente?! Interpretando como Foucault diria tratar-se de ?formas de poder-e-de-saber, de poder-saber que funcionam e se efetivam ao nível da ?infraestrutura? (FOUCAULT, 2002, p. 67). Assim, a liberdade agonística vivenciada se configurava em movimentos de vai e vem: o de fissurar o modelo seriado e o de volta e meia render-se a ele. No entanto, este movimento não impedia que, em certos momentos ocorressem atos de criação e de invenção. Dessa forma, compartilhamos da ideia de Duarte e Taschetto (2014, p. 53), quando afirmam que a sala de aula multisseriada, pode ser vista como um ?laboratório de experiências?, pois, o ato de criação tendia a romper com as fronteiras estipuladas pelo modelo hierárquico da Seriação.

Assim, tal rompimento abria espaço para os devires e para a constituição de uma docência outra que se efetuava em um processo de resistência ao que era imposto, pois resistir é ?enveredar para outros modos de subjetivação tomando atalhos por onde o discurso que determina a verdade do sujeito não entra?. ( SOUZA, 2003, p. 41). Poderíamos pensar que esta docência permitia a configuração de brechas, de um processo educativo ainda sem imagens, pois,

[...] é possível pelas brechas, pelas fissuras em sala de aula, pelo entre lugar, pelo meio da ação educativa, promover processos inventivos e criadores e fazer a diferença escorrer, pois é nesse espaço da fronteira que se pode pensar uma educação em trânsito [...] (BRITO, 2015, p. 35).

Foi no sentido de perceber esta educação em trânsito que nosso olhar para o campo foi mobilizado. Ao longo da pesquisa fomos percebendo que a sala de aula multisseriada é um espaço de resistência, pois ela tende a romper com o estabelecido fazendo com que emerja movimentos que desestabilizam o que é naturalizado pela maquinaria educacional, em especial no currículo de matemática escolar.

Material suplementar
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Notas
Notas
3 As escolas que abrigam a multisseriação como forma de organização dos tempos/espaços escolares estão, em sua quase totalidade, vinculadas às áreas rurais e tornam-se, na maioria das vezes, a única opção ao sistema escolar de sujeitos que lutam para manter a escola em suas comunidades. Historicamente, a origem da multisseriação, ainda presente nos tempos atuais, está vinculada a um período da história educacional brasileira, especificamente no período denominado de Brasil colônia, em que professoras leigas, muitas vezes alguém da própria comunidade, agrupavam, indiferentes à idade, crianças a fim de ministrarem suas aulas. Em 1827, esta forma de organização foi referendada pela Lei Geral do Ensino que adotou o Método Lancasteriano em que alunos considerados mais avançados ensinavam os que se pressupunham em níveis anteriores. De acordo com Janata e Anhaia (2015), foi somente no período republicano (1889), com o surgimento dos grupos escolares, que o modelo seriado surgiu como ?a forma ideal? de organização do espaço educativo. Tal ideal de organização segue persistindo nos dias atuais, visto que, os processos de nucleação de escolas vêm ocasionando o fechamento de escolas nas comunidades rurais.
4 No entanto, cabe destacar que ?a duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote do homem não conseguia bastar-se a criança então mal adquiria um desembaraço físico era logo misturada com os adultos e partilhava de seus trabalhos e jogos? ( ARIÈS, 1986, p. 10).
5 Segundo Àries (1986) e De Mause (1991) ocorre uma quase simultaneidade entre a construção de uma ideia de infância e o surgimento de instituições prontas a recebê-las.
6 Pontuamos que esta investigação foi aprovada pelo comitê de ética em Pesquisa e o Termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos participantes da Pesquisa e está sob a guarda das pesquisadoras.
7 ?Fui indo? foi uma expressão utilizada por um dos entrevistados ao referir-se ao modo como vai encaminhando/construindo sua aula.
Autor notes
1 Mestra em Educação em Ciências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS ? Licenciada em Pedagogia pela Faculdade Cenecista de Osório ? FACOS ? Professora de Educação Infantil da rede municipal de Osório; professora de Anos Iniciais da rede municipal de Xangri-Lá, RS, Brasil. Endereço de correspondência: RS 030 KM 78, número: 2615, casa, bairro Laranjeiras, Osório, RS, Brasil. CEP: 95520-000. maripanni@gmail.com.
2 Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos ? UNISINOS ? Professora associada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul ? UFRGS ? Campus Litoral Norte. Tramandaí, RS, Brasil. Vinculada ao Programa de Pós-Graduação: Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde ? UFRGS- Endereço de correspondência: RS 030 KM 92, número: 11700, Tramandaí, RS, Brasil. CEP: 95590-000. claudiaglavam@hotmail.com.
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