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VESTÍGIOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM MATO GROSSO: OS PROGRAMAS DE ENSINO PRIMÁRIO DE 1962
Josélia de Souza Soares Ferreira; Laura Isabel Marques Vasconcelos de Almeida
Josélia de Souza Soares Ferreira; Laura Isabel Marques Vasconcelos de Almeida
VESTÍGIOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM MATO GROSSO: OS PROGRAMAS DE ENSINO PRIMÁRIO DE 1962
TRAINING OF TEACHER TRAINING IN MATO GROSSO: THE PRIMARY EDUCATION PROGRAMS 1962
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 7, núm. 3, 2019
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Este artigo refere-se à pesquisa de Mestrado em andamento e tem como objeto de estudo a formação docente e os Programas de ensino da escola primária de 1962. Tem como objetivo compreender o processo de formação de professores, as instruções dos Programas de ensino que orientavam o trabalho pedagógico e conhecer os saberes elementares necessários para o ensino de Matemática. A metodologia ancora-se na abordagem histórico cultural e tem como fontes de pesquisa os Programas de Ensino Primário do Estado de Mato Grosso de 1962 e depoimentos de protagonistas da época, contribuindo para a historiografia da Educação Matemática de outros tempos. Os dados revelam o currículo de Matemática e demais disciplinas que deveriam ser ensinadas nas escolas públicas primárias e as situações didáticas de ensino que deveriam ser planejadas e executadas pelo professor em sala de aula. Outro destaque são os depoimentos de professoras normalistas sobre os Cursos de Treinamentos, considerados essenciais para a formação de professores primários que lecionaram nas escolas públicas primárias mato-grossenses na década de 60.

Palavras-chave: Programas de ensino, Formação de Professores, Ensino Primário.

Abstract: This article refers to ongoing Master's research and has as its object of study the teacher education and the Primary School Teaching Programs of 1962. Its objective is to understand the process of teacher training, the instruction of the Teaching Programs that guided the pedagogical work and to know the elementary knowledge necessary for the teaching of Mathematics. The methodology is based on the historical cultural approach and has as research sources the Primary Education Programs of the State of Mato Grosso of 1962 and testimonies of protagonists of the time, contributing to the historiography of Mathematical Education of other times. The data reveal the curriculum of mathematics and other subjects that should be taught in public primary schools and the didactic teaching situations that should be planned and executed by the teacher in the classroom. Another highlight is the testimony of normalist teachers about the Training Courses, considered essential for the formation of primary teachers who taught in the public schools of Mato Grosso in the 60's.

Keywords: Teaching programs, Teacher Formation, Primary School.

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VESTÍGIOS DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM MATO GROSSO: OS PROGRAMAS DE ENSINO PRIMÁRIO DE 1962

TRAINING OF TEACHER TRAINING IN MATO GROSSO: THE PRIMARY EDUCATION PROGRAMS 1962

Josélia de Souza Soares Ferreira
Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso, Brasil
Laura Isabel Marques Vasconcelos de Almeida
Universidade de Cuiabá, Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 7, núm. 3, 2019

Recepção: 19 Outubro 2019

Aprovação: 14 Dezembro 2019


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo destaca a Pesquisa de Mestrado de Ensino em andamento do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Cuiabá (UNIC) que faz um estudo sobre os Programas de Ensino de 1962, referente à disciplina de Matemática nas escolas primárias mato-grossenses. Tem como objetivo compreender o processo de formação de professores, as instruções que orientavam o trabalho pedagógico e conhecer os saberes elementares necessários para o ensino de Matemática com base nos Programas do Ensino Primário, datados de 1962 no Estado de Mato Grosso.

O estudo realiza um breve histórico sobre a história da educação brasileira, dos programas educacionais que fomentaram o início da formação de professores no estado de Mato Grosso e projetos no cenário educacional que adentraram as terras mato-grossenses desde o início do século XX.

O interesse inerente ao ensino de Matemática vincula-se ao ingresso no Mestrado em Ensino e emerge das inquietações durante os encontros presenciais do processo de formação continuada nas escolas, onde atuava como docente e formadora dos Anos Iniciais. Neste contexto, surgem muitos questionamentos que me instigaram a repensar e investigar a proposta de formação dos professores primários, tendo como referência a historiografia da educação matemática para melhor compreensão da disciplina.

Com a intenção de reconstituirmos o processo histórico da formação de professores mato-grossenses é que nos propomos desenvolver o estudo a partir das análises dos Programas de Ensino do 1º até o 4º ano da escola primária vigente na época, na tentativa de compreendermos como se deu a formação de professores, tendo como fontes de pesquisa os documentos que apontam vestígios da organização escolar na década de 60.

Considerando que os trabalhos com viés históricos relacionados à disciplina de Matemática, ainda são escassos no estado de Mato Grosso, partimos da seguinte questão: Como se deu o processo de formação de professores primários, e de que forma se apropriavam dos saberes elementares para ensinar Matemática nas escolas públicas mato-grossenses na década de 1960? Com o intento de respondê-la apoiamos nos Programas oficiais das escolas primárias de Mato Grosso que oferecem um material rico direcionado às instituições públicas de ensino, com abordagens alusivas ao ensino de Matemática que merecem ser investigadas e exploradas. Partindo dessa premissa faz-se necessário revisitarmos o contexto histórico do período delimitado para entendermos um passado ainda recente.

Os estudos sobre a formação docente é um tema presente nas atuais pesquisas do cenário educacional brasileiro. Em busca da melhoria da qualidade do ensino e almejando compreender o processo de formação inicial e continuada que envolve os profissionais que se dedicam ao ofício de ensinar e aprender nas escolas públicas do nosso país centramos nosso estudo nos saberes profissionais do professor que ensinava Matemática na escola primária de outros tempos.

Entendemos que o ofício de professor de Matemática como a maioria das profissões são herdeiras de técnicas e saberes que se desenvolveram ao longo da história na educação brasileira. No entanto, as pesquisas que temos sobre a Educação Matemática no Estado de Mato Grosso ainda são muito jovens, principalmente sobre a formação de professores de Matemática da escola primária.

Neste sentido, além de conhecermos o processo de formação docente local, podemos contribuir com a historiografia da Educação Matemática pelo viés da história cultural, tendo como base o período republicano que fomentou os programas de formação de professores e a implantação de escolas em terras mato-grossenses.

Reconstituir a trajetória de como os sujeitos se apropriavam dos conhecimentos profissionais, além de ser um desafio, torna-se essencial para compreendermos as singularidades de uma remota cultura escolar, situando o que mudou ou não, em relação à formação do professor de Matemática e consequentemente a forma de ensinar.

Neste cenário, as fontes oficiais têm um papel importante, recorrer às políticas educacionais da época pode nos indicar elementos intrínsecos e peculiares do contexto histórico e ainda revelar vestígios de como era a concepção de educação, ensino, aprendizagem, a proposta curricular da disciplina, dentre outros elementos essenciais que marcaram a trajetória educacional.

Valente (2008, p.13) destaca que os documentos de outros tempos “nos revela o processo histórico e ajuda a entender a organização dos ensinos escolares e o processo que a Matemática escolar foi constituída até chegar às salas de aula”. Acreditamos que ainda existem muitas fontes que precisam ser preservadas e tombadas como patrimônio cultural da humanidade, fontes imensuráveis de pesquisa que merecem ser exploradas, questionadas e investigadas para melhor compreendermos como os professores aprendiam e ensinavam os conteúdos matemáticos.

Ainda de acordo com Valente (2008, p. 13),

Para além das determinações postas na legislação educacional todo um conjunto de documentos escolares transforma-se em fonte para a pesquisa da história dos ensinos, das práticas educativas. Livros didáticos, provas e exames realizados pelos alunos, documentos de professores, cadernos escolares, entre muitos outros, constituem elementos fundamentais para a compreensão do trabalho didático-pedagógico realizado noutros tempos.

Reconstituir o processo de formação docente torna-se elemento essencial para compreendermos a prática pedagógica do professor, contemplando um saber historicamente construído e representado por meio de registros que revelam a forma de ensinar a disciplina de Matemática em contextos históricos diferentes.

2. METODOLOGIA

A pesquisa vincula-se ao grupo GHEMAT[3] com uma base teórica fundamentada e dispõe de um acervo de pesquisas específicas sobre o ensino de Matemática que atualmente se expandiu em todos estados da federação, com pesquisadores e representantes colaborando com a historiografia da Educação Matemática no Brasil.

A abordagem metodológica da pesquisa ancora-se na vertente histórico-cultural e utiliza os conceitos de autores renomados que discutem com propriedade os conceitos de disciplina escolar (CHERVEL, 1990), cultura escolar (JULIA, 2001) saberes profissionais (VALENTE, 2008, 2017), saberes docentes e formação profissional (TARDIF, 2002) e formação continuada de professores (IMBERNÓN, 2010) que contribuem sobremaneira para melhor compreensão do objeto de estudo.

Ao realizarmos o estudo na perspectiva histórico-cultural torna-se essencial assumirmos o ofício de historiadora e a partir do inventário das fontes construirmos o objeto de pesquisa. As fontes nos revelam o caminho a ser percorrido tornando-se essencial conhecer as produções oficiais de épocas diferentes que contribuíram para o ensino de Matemática, na tentativa de suprir lacunas e posteriormente colaborar com novas produções científicas.

No decorrer da pesquisa, analisamos os Programas de ensino de 1962 que se destacaram no cenário educacional mato-grossense e apontam vestígios de como e quais saberes matemáticos foram ensinados na escola primária neste período. Além dos documentos oficiais, realizamos entrevistas com ex-professoras normalistas que participaram do processo de ensino e aprendizagem no estado de Mato Grosso na década de 60. Entretanto, pesquisar e conhecer a história da disciplina de Matemática implica assumir o ofício de historiadora, exige um olhar cauteloso e refinado sobre o que se ensina e como ensina no que diz respeito aos conteúdos e objetivos a serem ensinados ou almejados.

Chervel (1990) destaca que as finalidades do ensino não estão explicitamente prescritas nos textos oficiais, sendo assim o pesquisador necessita buscar vestígios nas mais variadas fontes, contribuindo para a historiografia da disciplina escolar que se pretende investigar. Outro aspecto relevante é analisar se os conteúdos foram apropriados pelos professores que se referem ao “domínio dos saberes” dada pelas disciplinas escolares, neste caso específico, a Matemática.

Como esclarece Chartier (1990, p. 27), a Nova História “deve ser entendida como o estudo dos processos com os quais se constrói um sentido”, dirigindo-se às práticas, pois são elas que dão significado ao mundo. É por meio dessas práticas que conseguimos traçar novos caminhos e projetos para o futuro.

Neste contexto, a abordagem metodológica pelo viés da História Cultural, possibilita ao pesquisador garimpar as fontes e interessar-se, sobretudo, pelas práticas escolares e ainda se debruçar sobre os materiais produzidos pela escola, fontes de pesquisa produzidas por uma cultura própria a fim de entendermos peculiaridades do processo de ensino e aprendizagem presente nos dias atuais. Trabalhar nesta seara significa buscar fontes, questionar os documentos e testemunhas para que possamos compreender a cultura escolar de outra época.

Desta forma, tudo que é produzido na e pela escola, os materiais escolares, os documentos oficiais, livros didáticos, cadernos de planejamento, cadernos de alunos, as revistas pedagógicas, provas e demais documentos oriundos da cultura escolar são utilizados nas pesquisas históricas como fontes importantes para novos objetos de estudos, que no futuro podem ser utilizados por outros pesquisadores.

De acordo com Julia (2001), os registros escolares são descartados com facilidade, poucos conservados e vários são desprezados e descartados no lixo. A cultura pela preservação de documentos que nos ajuda a reconstituir certo período histórico, são muitas vezes esquecidos e desprezados pela falta de espaço para arquivos nos estabelecimentos de ensino. Segundo o autor a história das práticas culturais se define como uma das mais difíceis de reconstruir e, na maioria das vezes, não deixa vestígios, dificultando o trabalho do pesquisador.

Almeida (2010, p.13), nos seus estudos ressalta que “a escola é uma instituição ímpar, portadora de uma cultura própria, submersa num movimento histórico social”, um lugar único, que carrega uma história construída por muitas mãos, um espaço onde se reflete a política, a organização e a economia da sociedade. Neste cenário, a escola passa a ser um lugar essencial da pesquisa, para entendermos as políticas de formação de professores, as concepções de ensino e compreender como a Matemática foi proposta e ensinada na escola primária.

Atualmente a sociedade exige do professor uma postura profissional coerente com o movimento constante do conhecimento, onde tudo é provisório. Sabemos que o processo em busca da formação continuada é construído ao longo da carreira por meio de processos e contextos históricos do sujeito. Como afirma Tardif (2002, p. 39):

O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.

Os professores que ministram aulas no ensino primário cursam as formações com conhecimentos pedagógicos, metodológicos e didáticos, porém quando saem da academia enfrentam constantes desafios ao ensinar, pois se deparam com a missão de dominar conceitos específicos de várias disciplinas previstas no currículo dos Anos Iniciais. Desta forma, entendemos que é essencial analisar como os saberes docentes foram se constituindo ao longo dos anos e influenciaram o processo de ensino e aprendizagem no ensino primário.

De acordo com Valente (2017, p. 3):

As dinâmicas de constituição dos saberes para a formação de professores ligam-se à compreensão de como se articulam dois tipos de saberes: saberes a ensinar e saberes para ensinar. O primeiro deles – os saberes a ensinar – referem-se aos saberes produzidos pelas disciplinas universitárias, pelos diferentes campos científicos considerados importantes para a formação dos professores; o segundo, os saberes para ensinar têm por especificidade a docência, ligam-se àqueles saberes próprios para o exercício da profissão docente. Assim ambos os saberes constituem-se como saberes da formação de professores, mas a expertise profissional, o que caracteriza a profissão de professor é a posse dos saberes para ensinar.

O autor deixa evidente que o docente necessita dos “saberes a ensinar e para ensinar” e que ambos se complementam. Os professores do ensino primário enfrentam desafios que precisam ser superados, neste contexto podemos perceber fragilidades nos saberes a ensinar, assim entendemos que é fundamental a expertise do professor, pois é preciso ir além de aplicações dos conteúdos, isto requer expertise para se apropriar dos saberes a ensinar.

A dimensão de conhecimentos específicos exigidos dos professores do ensino primário torna-se um entrave no processo de ensino, haja vista que os saberes a ensinar compreendidos como conhecimentos específicos de cada disciplina permitem as fragilidades sobressaírem, pois a formação inicial não dá conta de preparar os profissionais para dominar os diversos campos dos saberes e os profissionais com formação específica nas diferentes áreas de conhecimento como História, Geografia, Língua Portuguesa dentre outras, necessitam de uma formação constante.

Outro aspecto relevante é destacar a importância da formação continuada de professores no ensino primário com políticas de qualificação voltada para os profissionais se capacitarem e fazer uso dos conceitos matemáticos na sua prática pedagógica.

Segundo Chervel (1990, p.20), as disciplinas quando consideradas em si mesmas, tornam-se entidades culturais que transpõem os muros da escola, penetrando na sociedade e muitas vezes exercendo pressão sobre a cultura de seu tempo. O autor ainda afirma que as disciplinas se configuram ao longo do tempo no interior das escolas e entender essa cultura é antes de tudo conhecer o processo de constituição das disciplinas que são elementos fundamentais do processo educativo.

Chervel (1990, p. 20), ainda nos adverte sobre a necessidade de entendermos essa cultura, que emana da construção que se faz no dia a dia no interior das instituições escolares, a cultura escolar com suas várias facetas que compreendem todo o processo de ensino e aprendizagem.

3. ANALISANDO AS FONTES

Em busca de respostas à questão norteadora da pesquisa, como produção material de uma cultura escolar, as fontes de pesquisa tornam-se relevantes para a compreensão não apenas dos conteúdos que foram prescritos para um determinado momento da educação brasileira, mas para compreendermos as transformações que ocorreram ao longo dos anos na formação dos professores.

Desde o início da Primeira República constata-se que os governantes reconheciam a necessidade de investimento para elevar o nível de conhecimento da população mato-grossense. Nos estudos, Alcântara (1962, p.4) ressalta que na gestão do governador Fernando Corrêa da Costa (1961-1966) os Programas do Ensino Primário foram divulgados no ano de 1962, com a participação direta do Secretário de Educação Dr. Hermes Rodrigues de Alcântara, conforme destaca a Figura 1.


Figura 1
Decreto n. 319 - Programas de Ensino,1962.
Fonte: Arquivo público de Mato Grosso.

No Decreto, o governador aprova os Programas de Ensino Primário de Mato Grosso e deixa claro, para cada instituição de ensino havia um Programa a ser seguido pelos Grupos Escolares, Escolas Reunidas, Escolas Isoladas, Rurais e Mistas do Estado. A partir deste Decreto, os Programas de Ensino alcançam diversos vilarejos e cidades do estado, se expandido e passando por transformações a fim de superar a reprovação e a má qualidade no ensino.

Os documentos aqui analisados destacam as intenções e ideais para a educação no Estado de Mato Grosso, cujo propósito era acrescido pelas experiências que se propagavam em nível nacional pelo progresso e ascensão dos Grupos Escolares. Neste período não se podia pensar em avanço, sem difundir os conhecimentos elementares para a população diante de ideias nacionalistas que foram disseminadas em vários estados brasileiros.

Neste contexto, a ideia de escola elementar nasce nos grandes centros como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, relacionada ao crescimento sócio, econômico e cultural. Com o avanço, emerge neste cenário as reformas educacionais que também foram alcançando outros estados como Paraná, Bahia, Sergipe, Piauí, Paraíba e posteriormente Mato Grosso.

A esse respeito Amâncio (2011, p. 83) afirma que:

No início do século XX em Mato Grosso, em que medidas institucionais e pedagógicas estavam atreladas ao projeto político de modernização da sociedade e do estado. Constituíam- se medidas que visavam dar uma feição moderna ao estado de Mato Grosso. Todavia, as condições materiais, incluindo as condições sócio-econômicas-políticas e culturais se encarregavam de dar à realidade os contornos possíveis.

No Estado de Mato Grosso no início do século XX, segundo Oliveira e Gonçalves (2011) são publicadas as resoluções criando diversos Grupos escolares no sul do estado, porém, isso acontece somente após 1908 com a Resolução nº 508 de 16/10/1908 que fora implantada em 1910, almejando um novo sistema de organização administrativa e pedagógica para a educação em nível primário.

De acordo com Sá e Palhares de Sá, (2011, p, 44) em 1924 “Os Programas de Ensino dos Grupos escolares foram organizados de forma mais detalhada, explicitando as matérias que deveriam ser ministradas anualmente e as orientações pedagógicas de como ensinar e o resultado a alcançar, deixando claro os saberes e valores a serem apreendidos pelos alunos”.

Na década de 60, as Escolas Reunidas e as Escolas Isoladas foram se adequando aos moldes dos Grupos Escolares e receberam investimento nos prédios para atender os alunos, porém, a realidade do estado advindo da sua vasta extensão territorial não aparecia em curto prazo e os resultados esperados pelas escolas Isoladas ou Rurais e Mistas, aos poucos foram perdendo prestigio.

Na década de 1970, os Grupos escolares foram expandidos para outras cidades mais populosas do interior de Mato Grosso como Cáceres, Poconé e Vila do Rosário. As Escolas Reunidas de Tangará da Serra foram elevadas para a modalidade de Grupo Escolar e neste período acontece em todo o estado, a difusão dos Grupos Escolares.

Os Programas do Ensino Primário da década de 60 nos ajudam a compreender a organização do sistema de ensino, as orientações metodológicas, bem como os conteúdos que deveriam ser ministrados pelos professores, evidenciando que saberes seriam necessários para a disciplina de Matemática.

A Escola Normal era responsável pela formação de professores e foi considerada a grande mola percursora nas disseminações dos Programas de ensino da época, haja vista, que os conteúdos a serem ensinados na escola primária eram estudados pelos normalistas, no treinamento de professores e na implantação de uma nova grade curricular para o ensino primário mato-grossense.

Alcântara (1962, p. 53) evidencia que:

Ao iniciarmos nossa administração um dos problemas que nos desafiava, relativamente ao ensino, era o grande número de professoras leigas efetivadas por concurso e por força de decisão judiciária. O trato diário com os problemas educacionais evidenciou, desde cedo, a necessidade de uma recuperação daquelas professoras que embora efetivada, não possuíam, contudo, um grau suficiente de conhecimentos e de capacitação profissional.

Diante da grande necessidade de aperfeiçoar o trabalho inicial dos professores, o Governo Fernando Corrêa da Costa vislumbra-se pelas reformas dos Programas de ensino e a implantação dos cursos de treinamentos, são impulsionados pela necessidade e pelo ideário do Secretário de Educação, Dr. Hermes Rodrigues de Alcântara, que a partir da década de 60, são disseminados por todo o Estado de Mato Grosso.


Figura 2
Centro de Treinamento de Professores.
Fonte: Alcântara, 1962, p. 53.

A figura 2 evidencia a preocupação do governo em ofertar o treinamento adequado às professoras concursadas que lecionavam no ensino primário. O documento também se dirigia ao professor que não tinham formação mínima para o desempenho da função, o que ocasionava a falta de conhecimento necessário para promover uma educação de qualidade.

Arraigado ao incentivo da profissionalização, os Programas de Ensino foram pensados e elaborados para direcionar o processo de ensino e aprendizagem, com suas raízes pautadas no ideário de desenvolvimento do estado, que foram aderidas pelos governantes e argumentavam que toda sociedade próspera, era fruto de um processo de conhecimento sistematizado pelos projetos educacionais. Desta forma, os Programas de Ensino foram planejados a fim de promover o processo educativo em terras mato-grossenses.

Ao analisarmos previamente os documentos, constata-se no verso do certificado da professora normalista Natalice Rego que estudou na Escola Normal Madre Marta Cerutti, localizada na cidade de Barra do Garças/MT, vestígios dos conteúdos que eram estudados nos Cursos de Formação de professores primários nas Escolas Normais do Estado, conforme a Figura 3.


Figura 3
Curso de Formação de Professores Primários, 1969.
Fonte: Arquivo pessoal – Professora Normalista Natalice Rêgo Flores.

O documento apresenta as disciplinas de Português e Literatura, Matemática e Estatística aplicada a Educação, História, Geografia, Ciências Físicas e Biológicas, Sociologia Geral e Educacional, Metodologia e Prática de Ensino, Filosofia e História da Educação, Psicologia Geral e Educacional, Educação Artística, Francês e Pedagogia.

As disciplinas eram ministradas ao longo de três anos, daí a distância de conhecimentos para um professor leigo[4] tornar-se imensa para desenvolver um ensino de qualidade que tanto os governantes almejavam.

As fontes apontam vestígios que na década de 1960, os professores das escolas primárias ainda não tinham formação específica para o Magistério, possuíam, segundo os estudos de Tardif (2002, p. 48) saberes experienciais, “adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão e que não provêm das instituições de formação e nem dos currículos. Saberes que não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias”.

As fontes ainda revelam que o processo em busca da formação é construído ao longo da docência por meio de processos e contextos históricos do sujeito. Tardif (2002, p. 39) assevera que:

O professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos.

Os documentos ainda destacam os saberes profissionais denominados de saberes a ensinar e para ensinar, explícitos por procedimentos didáticos e metodológicos. Quando discutimos a respeito do saber a ensinar, nos referimos aos conhecimentos específicos da disciplina de Matemática, os conteúdos apreendidos durante o período de escolarização que nos possibilita refletir sobre como os saberes docentes foram se constituindo ao longo dos anos, numa trajetória permeada de dificuldades políticas, econômicas e sociais do início do século XX (VALENTE, 2017).

Os saberes para ensinar são constituídos pelos conhecimentos adquiridos ao longo da trajetória de vida, que se desenvolve juntamente com a expertise do professor e os conhecimentos referentes à Didática, Metodologia, Psicologia dentre outras ciências sociais que influenciaram o processo de ensino e aprendizagem. Observa-se que é essencial a inter-relação de vários saberes para que o professor desenvolva a função de ensinar (VALENTE, 2017).

Pesquisas no cenário educacional apontam que a profissão docente tem como fator essencial os saberes e competências específicas para o ofício de professor. Isso implica ter o domínio do saber a ensinar. Não ter desenvolvido os saberes para ensinar ou vice-versa, impede todo o processo de ensino e aprendizagem das competências e habilidades necessárias aos estudantes.

Segundo Imbernón (2010, p. 75): “O conhecimento profissional consolidado mediante a formação permanente apoia-se tanto na aquisição de conhecimentos teóricos e de competências de processamento da informação, análise de processos e a reformulação de projetos”.

A constituição dos saberes a e para ensinar se estabelece na formação da perspectiva do desenvolvimento profissional por ser um processo contínuo, “a longo prazo na qual se integram diferentes tipos de oportunidades e experiências, planificadas sistematicamente para promover o crescimento e desenvolvimento do docente” (MARCELO GARCIA, 2009, p. 7).

Neste sentido, os Programas Escolares do Ensino Primário do Estado de Mato Grosso destacam as competências para o ensino de Matemática, discorrendo sobre o método a ser utilizado, a didática, metodologia geral, os conhecimentos gerais e específicos por ano escolar e ainda descreve as instruções inerentes a cultura escolar da época. No documento, os conteúdos são elencados com destaque para a Aritmética e Geometria, onde o professor deveria desenvolver o conhecimento e habilidades específicas organizadas fielmente do 1º ano ao 4ºano escolar.

O documento também destaca no contra capa, o decreto de 04 de maio de 1962 que aprova os Programas de Ensino e indica a existência da organização do sistema de ensino mato-grossense. As intenções de desenvolvimento puderam acelerar e transformar o cenário educacional no estado, pois com os Programas de Ensino foi possível disseminar e avançar nas extensões dos Grupos Escolares, das Escolas Reunidas, Escolas Isoladas, Mistas e Rurais do Estado.

Nos Programas de Ensino de 1962 constata-se que os Grupos escolares eram distintos pelas suas peculiaridades devido ao número de alunos que atendiam a grande extensão territorial e ainda apresentavam uma organização específica de acordo com sua localidade. As Escolas Isoladas, Rurais e Mistas eram distantes dos grandes centros urbanos e dependiam de um cronograma específico que atendessem as demandas reais daquela comunidade.

O documento oficial ainda destaca Programas diferenciados em relação aos conteúdos para o ensino primário, sendo que os Grupos Escolares e as Escolas Reunidas tinham programas de significativos aperfeiçoamentos, fundamentados nos avançados sistemas de ensino do país.

As Escolas Reunidas e os Grupos escolares funcionavam nos grandes centros e apresentavam uma organização curricular diferente das demais escolas. Os programas destacavam as orientações pedagógicas e metodológicas para o desenvolvimento dos conteúdos, contemplando o trabalho do primeiro até quarto ano do ensino primário.

Outro aspecto relevante são os Programas especiais destinadas às Escolas Rurais e Isoladas Urbanas com métodos de ensino apropriados e adaptáveis às peculiaridades típicas das zonas rurais e perimetrais da cidade. Cada Programa era acompanhado de Orientação e Metodologia Geral com diretrizes básicas para o ensino de cada matéria, seguido das Instruções para estabelecer as competências e obrigações do professor e os deveres do aluno.

Durante a análise das fontes, os dados revelam que no Programa de Ensino, os conteúdos eram descritos separadamente para cada ano e contemplavam as seguintes disciplinas: Português, Aritmética, História, Geografia, Ciências Naturais e Físicas, Educação Cívica Moral e Social, Higiene, Canto, Trabalhos Manuais, Educação Física e Caligrafia.

Os saberes elementares de Matemática foram separados em Aritmética (noções das quatro operações; o uso do zero; o sistema monetário; sistema de peso e medidas com múltiplos e submúltiplos na prática; números e frações decimais; cálculo de porcentagem), geometria (tipo de ângulos e de triângulos, estudo do paralelogramo, losango, trapézio, circunferência e círculo, perímetro e área dos quadriláteros e triângulos e volume do paralelepípedo e do cubo) e desenho (livre e também geométrico). O Programa ainda exigia o uso da régua, compasso e esquadro na geometria.

Os conteúdos de Aritmética trazidos a partir do primeiro ano concentravam-se na exploração no grande eixo de Números e Operações e Geometria; a partir do segundo ano, a inserção de conteúdos numa sequência que avança para outros eixos.

No programa para o II ano, além do eixo de Números e Operações ampliam-se os conteúdos para os eixos de Grandezas e Medidas e Geometria, seguindo uma ordem de aprofundamento dos conhecimentos matemáticos, o que demonstra uma sequência curricular evidenciando que os conteúdos tinham uma ordem de aprofundamento e ampliação dos campos do conhecimento matemático.

Na relação para o III Ano primário, os conteúdos de Matemática eram aprofundados no eixo de Geometria, Conceitos de números e Operações com frações. A Geometria com conceitos de ângulos, triângulos e posteriormente amplia-se para Grandezas e Medidas.

Para o IV Ano primário, os conteúdos eram específicos para Geometria, com o estudo dos quadriláteros, área, perímetro, geometria espacial como estudo do cubo, paralelepípedo, relacionando com grandezas e medidas e também o sistema de medidas em Números e Operações. Posteriormente avançam para as frações, sistema de numeração decimal, números racionais e porcentagem.

De forma gradativa os conteúdos a serem ministrados no ensino primário ganharam uma organização específica para ser desenvolvido com os alunos. Nestes Programas para além dos conteúdos elencados por ano, as normas e instruções já vinham descritas para os professores cumprirem, que eram inspecionadas de forma rigorosa pelo órgão competente.

Neste cenário, as fontes apontam vestígios do currículo escolar da época que deveria ser ensinado nas escolas públicas primárias. Outro destaque são as situações didáticas de ensino (Figura 4), onde fica evidente o passo a passo de como as aulas deveriam ser planejadas e executadas pelos professores em sala de aula. As sequências didáticas referem-se ao conjunto de atividades articuladas para ensinar um conteúdo e geralmente são organizadas em função dos objetivos que o professor almeja alcançar na aprendizagem do aluno.

Zabala (1998, p. 21) nos seus estudos afirma que toda prática pedagógica exige do professor uma organização metodológica para sua execução. Segundo o autor, a aprendizagem do aluno se concretiza a partir da intervenção do professor no cotidiano da sala de aula e deve ser desenvolvida na perspectiva do ensino de conteúdos através de atividades sequenciadas, organizadas com objetivos bem definidos e esclarecidos para professores e alunos contribuindo para a aprendizagem e construção do conhecimento e consequentemente de novos saberes.


Figura 4
Orientação e Metodologia Geral. Alcântara, 1962.
Fonte: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/176.

No documento fica evidente a preocupação com o ensino de Matemática, reconhecendo a Aritmética como uma disciplina mental, considerada essencial, devendo ser aplicada nas atividades do cotidiano e descrita nas orientações metodológicas.

Observa-se também a preocupação em orientar os professores quanto à escolha de situações problemas que pudessem ser resolvidos e aplicados à realidade local, fazendo sempre o uso de recursos didáticos e pedagógicos com o manuseio de materiais concretos.

Encontramos nas Instruções Gerais direcionadas ao professor, palavras como “estimular o aluno”, mas constata-se um modelo tradicional de ensino, revelado nas entrelinhas do Programa de Ensino Primário. Mesmo com a intenção de propagar a qualidade do ensino, a cada instrução, o autor faz sempre alusão ao uso da lousa e aplicação de exercícios escritos e memorização.

A palavra “treino” também está presente nas orientações e revela uma concepção de ensino e aprendizagem na abordagem comportamentalista e empirista dando ênfase ao método tradicional. De acordo com Skinner (1970) o conhecimento é desenvolvido por meio de condições operantes, o aluno é visto como resultado do meio e com estímulo e repetição os resultados aparecem. Neste contexto, acreditava-se que por repetição as crianças aprendiam e o papel do professor era apenas de organizar e controlar os recursos disponíveis para atingir os objetivos a serem alcançados, retratando o processo de ensino e aprendizagem vigente.

Outros dados importantes são os depoimentos de professoras normalistas que participaram dos Cursos de Treinamentos e lecionaram nas escolas públicas primárias mato-grossenses nas décadas de 60 e 70 e atualmente estão aposentadas. Para compreender os depoimentos é necessário pensar na formação inicial e na valorização profissional, bem como, nas políticas públicas levando em consideração o local de trabalho do professor.

O contexto político da década de 60 e 70 refere-se a um período bastante conturbado, oriundo da repressão e ditadura. No aspecto educacional, destaca-se uma educação voltada para formação mais tecnicista, visando organizar um raciocínio mecânico e racional. O ensino era rígido e inflexível, não havia preocupação em desenvolver um raciocínio crítico e reflexivo.

De acordo com os relatos, os cursos de treinamentos se intensificaram a partir da década de 70 e começam as discussões sobre a criação da Delegacia de ensino que era responsável por representar a Secretaria de Educação nas principais cidades do estado e tinha a tarefa de acompanhar os registros, conferir a parte documental das unidades escolares, fazer vistorias e multiplicar os cursos de treinamentos. Porém, as dificuldades para dar continuidade aos estudos eram grandes, devido às dimensões territoriais e longínquas para frequentar os cursos de formação.

Segundo as depoentes, na década de 70 houve um curso de Licenciatura Curta em Pedagogia, organizado pela Delegacia de Ensino de Barra do Garças/MT e a Secretaria de Educação do Estado, os professores vinham de Corumbá para ministrar aulas organizadas por módulos que aconteciam no prédio da Escola Estadual Senador Filinto Muller. Porém não progrediu e neste período aconteceu a divisão do Estado (1977) encerrando os cursos de formação.

A professora Natalice Marcolan relata que estudou na Escola Normal Madre Marta na década de 60, concluindo o Magistério no ano de 1969. Destaca que sua trajetória escolar foi no colégio de freiras e segundo o depoimento, as jovens desde cedo já eram encaminhadas para formação no Instituto Madre Marta Cerutti. Muito conhecida como uma excelente instituição de ensino tinha uma cultura própria, seguia sua dinâmica interna, suas normas, valores e as práticas cotidianas, sejam elas religiosas ou pedagógicas, dando-lhe autonomia para conduzir o processo educativo, porém, não ficava alheia às exigências da sociedade (GAMA, 2018 p.105).

Segundo Julia (2001), a profissionalização docente seria uma das vias de análise da cultura escolar. Para o autor, conhecer de onde o professor fala, o contexto, os saberes e os habitus constituídos ao longo da história, permite percebermos as heranças e transformações ocorridas e muitas vezes enraizados nas práticas pedagógicas de outros tempos.

Outra depoente, a professora Maria de Lurdes Roldão, estudou na Instituição Madre Marta Cerutti e atuou como professora no ensino primário na década de 60 e 70 no Grupo Escolar Antônio Cristino Côrtes, menciona que:

Muitas professoras que lecionavam na escola primária na década de 60 a 70 na cidade de Barra do Garças, tinham a formação de Magistério. Éramos incentivadas a continuar os estudos, porém, tudo com muita dificuldade, tínhamos que buscar cursos superiores de Pedagogia fora daqui, em Guiratinga- MT, Corumbá-MT, Brasília, em Lages-SP e assim por diante. Tudo era difícil, até porque nem havia estradas suficientes para diminuir o percurso das viagens. (Entrevista concedida a autora em 19/07/2019.)

Os depoimentos das protagonistas apontam vestígios que para uma formação específica, muitos profissionais tiveram que buscar em terras longínquas, em outros Estados da federação os cursos de graduação, haja vista que a dimensão territorial do Estado de Mato Grosso, na década de 60 era de difícil acesso. Com poucas estradas, o estado passava por um período inicial de modernização e estratégias para avançar nos aspectos estruturais do Estado.

A escola como uma instituição ímpar, que possui suas próprias formas de agir e pensar, na década de 60 o modelo de ensino se preocupava com o produto e não o processo de aprendizagem, realizado por tentativas e erros por parte dos professores em formação. Neste contexto fica evidente a separação entre teoria e prática do ensino, sendo que neste período, a prática se constitui como o elemento principal para assumir o ofício de professor. Os relatos foram essenciais para a compreensão dos Programas de Ensino em tempos de outrora, evidenciando a falta de políticas públicas para a formação adequada aos professores.

4. CONSIDERAÇÕES

Os Programas de Ensino de 1962 nos permitem analisar o período de grandes transformações que aconteceram no sistema educacional mato-grossense e conhecer os protagonistas que vivenciaram a instrução pública como alunas, e posteriormente, ensinaram como professoras normalistas no curso primário das escolas mato-grossenses.

Cabe ressaltar que os Programas de Ensino destinado ao ensino primário, revelam o currículo de Matemática ensinado nos primeiros anos escolares, permitem conhecermos e entendermos as relações do uso e aplicação dos conceitos matemáticos, por meio de metodologias apropriadas para o contexto educacional desenvolvido na época.

Ao analisarmos os Programas de Ensino de 1962, os vestígios revelam que tanto os conteúdos para o ensino de Matemática, quanto os desenvolvidos na nos cursos de treinamento de professores na década de 60, destacam os saberes elementares a ensinar e para ensinar os conceitos matemáticos, exigidos pelos documentos oficiais para as escolas primárias mato-grossenses.

Outro ponto relevante foi a possibilidade de refletirmos sobre a prática pedagógica, oportunizando o momento de revermos conceitos, buscar novos conhecimentos e ampliar os saberes adquiridos ao longo da carreira profissional. Nesta perspectiva, os espaços de formação continuada tornam-se ambientes propícios para construir, reconstruir e desconstruir os saberes na dinâmica entre os pares.

Neste cenário, a formação continuada antes um caminho na busca de enfrentamentos das fragilidades na formação de professores primários de Matemática, como das demais disciplinas, continua sendo um possível caminho para o professor da Educação Básica se aperfeiçoar constantemente e acompanhar os avanços científicos e tecnológicos do conhecimento na atual sociedade.

Tendo como referencial as características histórica e social da Matemática, pesquisar como os professores aprendiam e ensinavam, possibilita-nos compreender o contexto social, político e econômico que influenciaram as formações de professores de outros tempos.

Por meio dos Programas de Ensino foi possível conhecer a concepção de ensino, aprendizagem e ainda compreender como se apoiavam no currículo vigente para trabalhar os conteúdos e desempenhar a função docente. Analisar os documentos oficiais nos permite afirmar que educação se faz a longo prazo, deixando claro que o imediatismo não funciona, quando se pretende obter resultados significativos e conquistas no processo de ensinar e aprender.

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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AMÂNCIO, Lázara Nanci de Barros Amâncio “Alfabetização nos grupos escolares em Mato Grosso: início do século XX”. In: SÁ, Elizabeth de; SÁ, Nicanor A escola pública primária mato-grossense no período republicano (1900 – 1930). Cuiabá, MT: EdUFMT, 2011.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. 2. ed. Lisboa: DIFEL, 1990.
CHERVEL, André. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Porto Alegre, Pannonica, Teoria e Educação, 1990, p. 177-229.
GAMA, Marta Maria. O Ensino de geometria e a formação de professores primários: estudos historiográficos em Mato Grosso (1960-1980). Cuiabá, MT, 2018. Dissertação de Mestrado, Programa Pós-Graduação da Universidade de Cuiabá.
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MARCELO GARCIA, C. Desenvolvimento Profissional: passado e futuro. Sísifo – Revista das Ciências da Educação. n.08, p 7-22, jan./abr., 2009.
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OLIVEIRA, Regina Tereza Cestari de. GONÇALVES, Arlene da Silva. A educação primária em Mato Grosso: o grupo escolar Joaquim Murtinho, em Campo Grande, sul do estado (1910-1950). In: Revisitando a história da escola primária - Os grupos escolares em Mato Grossona primeira república Cuiabá, MT: EdUFMT, 2011.
ROCHA, Simone Alburquerque da. Formação de professores em Mato Grosso: trajetória de três décadas (1977-2007) .1ª Ed. Cuiabá – MT. Editora da Universidade Federal de Mato Grosso Edufmt, 2010.
SÁ, Nicanor Palhares; SÁ, Elizabeth Figueiredo. Revisitando a história da escola primária: Os grupos escolares em Mato Grosso na primeira república. 1ª edição, Cuiabá- MT: EdUFMT, 2011.
SKINNER, R. Ciência e Comportamento Humano. Brasília: Ed. UnB/ FUNBEC, (1953), 1970.
TARDIF, Maria Eunice. Saberes docentes e formação profissional. Trad. Francisco Pereira. 4. Ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
VALENTE, W. R. (org.) Avaliação em Matemática: História e Perspectivas Atuais. Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico. 1ª edição, São Paulo- SP: Editora Papirus, 2008.
VALENTE, Wagner Rodrigues; MORAIS, Rosilda dos Santos; BERTINI, Luciane de Fátima. A Matemática a Ensinar e a Matemática para Ensinar: novos estudos sobre a formação de professores. 1ª edição, São Paulo-SP: Editora Livraria da Física, 2017.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Notas
Notas
[3] O GHEMAT- Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil. Foi criado em 2000. O Grupo, cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisas do CNPq, tem como líderes os professores Neuza Bertoni Pinto (REAMEC) e Wagner Rodrigues Valente (UNIFESP - Campus Guarulhos). O GHEMAT desenvolve projetos de pesquisas que têm como objetivo produzir história da educação matemática. https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769
[4] Professor Leigo - considerado como professores que lecionavam sem formação específica para o Magistério, bem como aqueles que não tinham a formação completa de Ensino Fundamental e ensinavam nas escolas rurais (ROCHA, 2010, p.21).

Figura 1
Decreto n. 319 - Programas de Ensino,1962.
Fonte: Arquivo público de Mato Grosso.

Figura 2
Centro de Treinamento de Professores.
Fonte: Alcântara, 1962, p. 53.

Figura 3
Curso de Formação de Professores Primários, 1969.
Fonte: Arquivo pessoal – Professora Normalista Natalice Rêgo Flores.

Figura 4
Orientação e Metodologia Geral. Alcântara, 1962.
Fonte: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/176.
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