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RESTRIÇÕES ARITMÉTICAS NA MULTIPLICAÇÃO E NA DIVISÃO ENVOLVENDO O ZERO: REFLEXÕES SOBRE OS CONHECIMENTOS DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA
RESTRICTIONS ON MULTIPLICATION AND DIVISION INVOLVING THE ZERO: REFLECTIONS ON KNOWLEDGE OF LICENSING IN MATHEMATICS
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 7, núm. 3, 2019
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 7, núm. 3, 2019

Recepção: 25 Agosto 2019

Aprovação: 20 Novembro 2019

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo objetiva investigar a compreensão de futuros docentes de um curso de Licenciatura em Matemática sobre as restrições operatórias na multiplicação e divisão nas quais o zero está envolvido. Para isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com seis possíveis formandos de um curso de Licenciatura em Matemática, localizado no Estado da Bahia. Metodologicamente, este trabalho insere-se na perspectiva qualitativa. Constatou-se, após a análise dos dados, que os licenciandos em Matemática em fase final do curso apresentam dificuldades de explicar determinados “porquês” sobre as restrições aritméticas do zero nas operações da multiplicação e divisão. Vê-se, assim, que há a necessidade de o futuro professor de Matemática melhor explorar e se apropriar desse conhecimento, ainda na formação inicial, dada a sua importância no contexto escolar.

Palavras-chave: Aritmética, Número Zero, Formação inicial, Percepções de estudantes.

Abstract: This article aims to investigate the understanding of future teachers of a Mathematics Degree course on the operative constraints on multiplication and division in which zero is involved. For this, semi-structured interviews were conducted with six possible graduates of a mathematics undergraduate course located in the State of Bahia. Methodologically, this work fits into the qualitative perspective. After analyzing the data, it was found that undergraduates in mathematics in the final phase of the course have difficulties to explain certain “whys” about arithmetic constraints of zero in multiplication and division operations. Thus, the need for the future mathematics teacher to better explore and appropriate this knowledge, even in initial education, considering its importance in the school context.

Keywords: Initial formation, Zero, Arithmetic procedures, Why Mathematicians.

1. INTRODUÇÃO

A criação de um símbolo que represente o zero é um dos feitos mais criativos do ser humano, uma vez que tal simbologia representou uma ideia altamente abstrata para as antigas civilizações, tal como representa para os tempos hodiernos: de materializar o “nada” (CARAÇA, 1951). Com efeito, esse marco histórico gerou uma revolução na Matemática, pois segundo Imenes e Lellis (2006), foi a partir dessa invenção que se fez possível a escrita de qualquer número e a realização dos procedimentos operatórios (Aritmética).

Não obstante tal avançada criação, os indianos inventores do número[3] zero cometeram alguns equívocos operatórios ao admitirem a divisão de zero por zero, fato que gerou inconsistência na estrutura das leis formais da Aritmética, pois, ao contrário do que afirmavam, zero dividido por zero é uma indeterminação, e não o valor nulo (EVES, 1996). Nesse sentido, para que as definições existentes se mantivessem válidas (em conformidade), foi criado um conjunto de adaptações, aqui denominado de restrição (não permitindo o zero como divisor, por exemplo), ou seja, dado um a b o b tem que ser diferente de zero: evitando-se, dessa forma, embaraços conceituais (CARAÇA, 1951).

Na atualidade, ainda existem equívocos processuais no tratamento de algumas operações envolvendo o zero, como apontam algumas pesquisas (QUEIROZ, 2012; SALVADOR; NACARATO, 2003; SILVA, 2016). Supondo que tais implicações errôneas acontecem na formação inicial do professor de matemática, e com o intuito de averiguar essa premissa, houve um natural impulso de aprofundar os conhecimentos sobre essa temática.

Para além de revelar a dificuldade que essa questão provoca no âmbito escolar, a literatura aponta a necessidade de se ampliar as discussões sobre essas problemáticas na formação inicial do professor de Matemática, uma vez que tais conceitos serão necessários na prática escolar, razão pela qual se justifica o interesse pela pesquisa.

Nesse sentido, esse estudo visa oferecer contribuições na/para formação de professores de Matemática, apresentando possíveis encaminhamentos de respostas sobre alguns “porquês” advindos da sala de aula, como, por exemplo: por que zero multiplicado por qualquer número, resulta em zero? Ou, por que não se divide por zero?

Dessa forma, buscou-se sondar nesta pesquisa, dentro de seu escopo e enfoque, a seguinte questão: como os futuros professores de Matemática explicam as restrições operatórias nas quais o número zero está envolvido? Diante dessa inquietação, surgiu o interesse em investigar a compreensão de futuros docentes de um curso de Licenciatura em Matemática sobre as restrições operatórias na multiplicação e divisão nas quais o zero está envolvido.

2. MARCO TEÓRICO

2.1. Formação inicial do professor de matemática

Para que haja no âmbito da escola um trabalho de qualidade, faz-se necessário, (embora, não somente) uma formação inicial e continuada eficaz, que busque o aperfeiçoamento constante dos saberes necessários na/para a prática docente, o que outrora era chamado de: saber, saber-fazer e saber-ser (TARDIF, 2014).

Pode-se admitir que muitos egressos dos cursos de licenciatura em Matemática não possuem uma formação inicial adequada no que se refere aos conhecimentos específicos que irão ensinar em sala de aula (SHULMAN, 1987), a saber: conhecimento do conteúdo da matéria (SMK); conhecimento curricular (CCK); conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK). Principalmente, segundo Lorenzato (1993), não sabem explicar e/ou justificar os “porquês”[4] matemáticos, em especial aqueles de natureza conceitual e convencional.

Na mesma linha, Silva (2016, p. 10) afirma que “[...] muitos erros são cometidos pelos professores porque eles utilizam regras como explicações matemáticas e, dessa forma, não pensam no significado da operação pois, se o fizessem, controlariam a razoabilidade das suas respostas”. Diante dessa dificuldade de explicar alguns conceitos matemáticos oriundos da prática docente, os professores recorrem a sua experiência escolar anterior ao curso de licenciatura, conforme aponta Klein (2009 apud SILVA, 2016, p. 1):

Os jovens estudantes universitários são confrontados com problemas que nada têm a ver com as coisas que estudaram na escola e, naturalmente, esquecem-nas rapidamente. Quando, depois de completarem o curso, se tornam professores confrontados com a necessidade de ensinar a matemática elementar na forma adequada ao grau de ensino, primário ou secundário, a que se dedicam, e como não conseguem estabelecer praticamente nenhuma relação entre esta tarefa e a matemática que aprenderam na universidade, facilmente aceitam o ensino tradicional, ficando os estudos universitários como uma memória mais ou menos agradável que não tem influência na sua forma de ensinar.

É possível considerar a moldagem dos currículos dos cursos de Matemática, que em geral visam a formação de bacharéis em Matemática, em vez de licenciados (PONTE, 2002), um fato que pode estar contribuindo para a utilização tradicional e irreflexiva da abordagem “aplicacionista do conhecimento” — que toma a prática educativa como uma simples transmissão de conhecimento (TARDIF, 2014) —, sem no entanto, refletir a respeito dos processos sobre os quais se fincam. Daí que ressaltem os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) que nesse ambiente e nessa atmosfera de ensino/aprendizagem o aluno não constrói efetivamente o saber, mas apenas os mecaniza:

[...] prática mais freqüente no ensino de Matemática tem sido aquela em que o professor apresenta o conteúdo oralmente, partindo de definições, exemplos, demonstração de propriedades, seguidos de exercícios de aprendizagem, fixação e aplicação, e pressupõe que o aluno aprenda pela reprodução (BRASIL, 1998, p. 37).

Nesse cenário, conforme Skovsmose (2000), predominam as aulas expositivas, onde as ferramentas metodológicas se concentram em exercícios de fixação, processos mecânicos que não valorizam a compreensão do significado das etapas da construção do saber, o que o autor denomina de paradigma do exercício.

Já para a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017, p. 266), documento normativo que norteia as diretrizes pedagógicas, os estudantes do Ensino Fundamental precisam desenvolver o letramento matemático, ou seja, “competências e habilidades de raciocinar, representar, comunicar e argumentar matematicamente, de modo a favorecer o estabelecimento de conjecturas, a formulação e a resolução de problemas”. Além disso, destaca que:

Os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e da modelagem podem ser citados como formas privilegiadas da atividade matemática, motivo pelo qual são, ao mesmo tempo, objeto e estratégia para a aprendizagem ao longo de todo o Ensino Fundamental (BRASIL, 2017, p. 266).

Em virtude desse contexto, é preciso redefinir/redimensionar a função do estudante e do professor diante do saber; além disso, é preciso diminuir essa perspectiva dicotômica entre conhecimento específico necessário para o professor ensinar matemática e para o aluno aprendê-la, integrando-as uma na outra permanentemente, a fim de revisá-las e aprimorá-las constantemente (SHULMAN, 1987).

Harmonizando-se a essas reflexões e demandas, candidata-se como uma alternativa viável no processo de ensino e de aprendizagem a promoção de um ambiente conduzido pela estimulação dos “porquês”; assim, há uma motivação confluente de ambas as partes (professor-estudante) na construção do saber de determinados objetos matemáticos, e sob essa perspectiva, a função do professor ganha novos contornos (BARBOSA, 2011; LORENZATO, 1993).

Diante de tais apontamentos e discussões, é perceptível que para compreender esse espaço complexo da formação do professor faz-se mister buscar captar e construir o entendimento a respeito dos contextos históricos, epistemológicos, sociais, culturais, pessoais e políticos que orbitam em torno dessa questão (TARDIF, 2014). Assim sendo, pode-se dizer que a formação do professor de matemática está sob uma confluência entre diversos agentes e instâncias: professores, estudantes, sociedade, instituições e currículos. Em outras palavras: emerge a partir de elementos vários que a configura como algo que demanda reflexão, para assim, se tornar mais significativa e relevante.

2.2. As possíveis contribuições dos “porquês” matemáticos no processo de ensino e aprendizagem

Como já exposto, o ensino na formação inicial do professor de matemática está centralizado em um modelo técnico formal, voltado para uma abordagem axiomático-dedutiva, que, por vezes, está dissociada do conhecimento necessário para o processo de ensino e aprendizagem na Educação Básica (PONTE, 2002; TARDIF, 2014). Desse modo, se o futuro professor conclui a sua formação universitária geral (básica) sem o devido entendimento de tópicos matemáticos que exigirão dele alguma capacidade de argumentação para justificá-los (cuja preocupação não está no produto final, mas sim, nas etapas de construção do saber), esse profissional estará fadado a não os ensinar correta e adequadamente, negligenciando, assim, esse saber. E, quando questionado a respeito desses temas, estará sujeito a comprometer — no aluno — a apreensão do objeto matemático (LORENZATO, 1993).

Sob o mesmo prisma crítico, Barbosa (2011) defende a utilização dos “porquês” na formação inicial, pois esse modelo de ensino e aprendizagem emana características que contribuem na compreensão de regras/procedimentos que dimensionam seus usos. Segundo Lorenzato (1993), nos cursos de formação, esses “porquês” estão ausentes e, quando empregados, raramente os professores os respondem de forma adequada. Esse último teórico ainda destaca o seguinte:

Na prática pedagógica, a presença do porquê indica que a situação de aprendizagem está ganhando sentido, que o processo de compreensão está em movimento e não só para aquele que pergunta, uma vez que ele provavelmente influi sobre outros colegas. Ao professor atento, as perguntas relevam os pontos de dificuldades de aprendizagem, indicando o que necessita de revisão ou de modificação na metodologia de ensino (LORENZATO, 2006, p. 97).

Nessa ótica, professor e aluno são responsáveis pela compreensão de determinado objeto matemático, descentralizando, assim, a condução unilateral do processo de ensino e aprendizagem, condução essa que tradicionalmente representa a sala de aula de matemática (SKOVSMOSE, 2000). Perguntar sobre as etapas que constituem os procedimentos na construção do saber remete a algumas funções cognitivas que os “porquês” podem assumir, a saber: favorecer a compreensão do objeto de conhecimento; indicar ao professor o que deve ser revisto em sala de aula; facilitar ao professor o acompanhamento do desenvolvimento cognitivo dos alunos; oferecer ao professor oportunidade de aumentar junto aos alunos admiração e confiança sobre ele; mostrar os interesses do aluno (LORENZATO, 1993).

À vista disso, segundo Miguel e Miorim (2011), todo o processo de ensino e aprendizagem que tem como foco a compreensão e a significação dos objetos de conhecimento trabalhados está diretamente interligado com o levantamento dos “porquês”, isto é, das razões e aceitações de certos procedimentos e raciocínios por parte do estudante. Ainda nessa perspectiva, Lorenzato (1993) afirma que o questionamento do procedimento contribui para uma aprendizagem com mais significado, distanciando-se de uma prática pedagógica voltada para o “pronto”, “acabado” ou “formatado”, ou seja, com prevalência do produto final sobre a construção do conhecimento.

2.3. Reflexões da introdução do zero como número no sistema de numeração

Embora pareça algo tão natural o uso dos números inteiros positivos, de forma que tais números aparentam ser uma habilidade inata do homem, a espécie humana precisou de milênios para sua invenção e seu desenvolvimento (IFRAH, 1999).

Segundo Gerdes (1989, p. 48) “[...] a origem e o desenvolvimento do conceito de número retiram qualquer base para uma visão idealista de que a matemática é, a priori, um produto de pensamento puro, ou duma intuição inata”. Se assim o fosse (algo inerente ao ser humano) as crianças nasceriam sabendo o processo de contagem, fato que não se coaduna à realidade dos fatos.

Cabe destacar que a história dos números está diretamente relacionada à história da evolução humana, ou seja, as ideias e conceitos matemáticos estão intrinsecamente ligadas às ações do homem em seu meio, dentro das quais se encontra o processo de contagem (BOYER, 1996).

Tal quadro situacional levou a espécie à criação de símbolos cada vez mais sofisticados, que, pari passu à emergência de novos conceitos e significados, tornar-se-iam números. Destarte, a matemática serviu como ferramenta para soluções de necessidades impostas no cotidiano do homem ao longo do tempo, e essa foi a linguagem simbólica para expressão de seu desenvolvimento intelectual (IFRAH, 2001).

Dessa forma, criaram-se os algarismos de ‘um’ a ‘nove’, sem o ‘zero’, já que este não parecia ser necessário para os anseios diários até então. Como os conhecimentos matemáticos eram desenvolvidos de formas diferentes em cada civilização, cada povo aperfeiçoava os conceitos matemáticos de acordo com as suas necessidades cotidianas (GUIMARÃES, 2008).

Os hindus, por um determinado tempo, nomearam cada algarismo e passaram a escrever seus respectivos nomes, em vez de escrevê-los através de símbolos para a representação dos números, sob um código linguístico proveniente da escrita sânscrita – língua hindu que perdurou por muito tempo. Como a escrita por extenso era realizada “de trás pra frente”, esse procedimento levaria à descoberta do número zero (PADRÃO, 2008).

Por exemplo, para representar o número 458 os indianos escreviam: asta (8), pañca dasa (50) e catur satã (4). Nesse sentido, para representarem 102 os indianos escreviam: dvi (2) e eka (1), ocasionando numa ambiguidade de interpretação, pois o mesmo pode ser entendido como 12, 120, 1002, etc. E esse fato fez com que os indianos pensassem na forma de se representar o vazio que faltava entre os algarismos.

Como no dicionário sânscrito, shúnya remonta ao vazio ou ao nada, estabeleceu-se esse termo para preencher os espaços vazios de cada número cuja identificação fosse buscada. Ao longo do tempo, houve mudanças sucessivas nessas formas de se discutir o zero, passando por diferentes culturas e, naturalmente, variando seu significado: ao entrar no árabe passou a ser sifr, que significa “vago”; ela foi transliterada para o latim como zephirum ou zephyrum por volta do ano 1200 d.C. (pelo matemático Fibonacci), mantendo-se seu som, mas não seu sentido. Desembocou, por fim, nas palavras latinizadas “cifra” e “zero” (GUNDLACH, 1994).

Vale ressaltar, segundo Eves (1996), que há desenvolvimentos parciais ou limitados dessa concepção, de datação ainda mais recuada, como as civilizações maia e babilônica: a diferença é o fato dos hindus terem realizado as primeiras operações com o zero, elevando-o à categoria dos samkhya (números), o que foi concebido pelo matemático indiano Brahmagupta (589-668) em seu livro Brahmasputasiddhanta (A abertura do Universo).

Com o surgimento da Aritmética, destacam-se duas de suas regras relacionadas ao zero, a saber: um número multiplicado por cifra resulta em cifra; a soma e a diferença de um número com cifra resulta neste número (IFRAH, 2001; IMENES, 2006). No entanto, ao proceder na operação da divisão, Brahmagupta equivocou-se ao afirmar que cifra dividida por cifra é cifra (BOYER, 1996).

Sendo assim, para Caraça (1951), foi necessário reestruturar os conceitos em relação aos procedimentos relacionados às situações aritméticas em que o número zero estivesse envolvido, estabelecendo restrições ou convenções em suas definições, para que tais conceitos não sofressem deformidades nas estruturas formais da Aritmética.

Desse modo, ainda de acordo com o autor, a introdução do zero no sistema de numeração provocou certas “inconformidades” nas operações já anteriormente definidas aquando de sua introdução como número, tornando-se indispensável a criação de novas definições, denominadas de “princípio da permanência das leis formais” (abrangendo casos como: a . 0 , 0 0 , 0 / 0 e 0 ! ). Essas “inconformidades” podem ser classificadas em duas naturezas: 1) onde o número zero não atende a definição existente, provocando assim, uma impossibilidade; ou 2) está perante a uma operação possível, todavia, a definição dada não abrange o caso, precisando-se adaptá-las (CARAÇA, 1951).

3. MATERIAIS E MÉTODOS

A investigação realizada foi de cunho qualitativo (BOGDAN; BIKLEN, 2010). Para a sua realização, foram escolhidos seis licenciandos em Matemática de uma Universidade Pública localizada no Estado da Bahia, que possivelmente se formariam no semestre em que a pesquisa foi desenvolvida. A escolha desses participantes se deu por terem cursado a maioria dos componentes curriculares propostos no curso, pressupondo, assim, que estariam aptos a desenvolver ações sobre o fazer pedagógico em suas práticas docentes na Educação Básica e capazes de responder, com a devida sagacidade, possíveis “porquês” advindos de contextos de sala de aula sobre as restrições operatórias da multiplicação e divisão nas quais o número zero está envolvido.

Para a coleta de dados dos graduandos envolvidos (que escolheram de forma prévia pseudônimos, a fim de terem suas identidades devidamente preservadas), optou-se por questionário e entrevista. Os questionamentos foram formulados com base na classificação dada por Lorenzato (1993):

· Conceitual: utilização de técnicas procedimentais fundamentadas em um ou mais conceitos matemáticos;

· Convencional: utilização de adaptações (chamadas aqui de convenções) nas leis formais, para que assim não haja deformidades na estrutura formal existente.

No primeiro momento, aplicou-se um questionário com quatro questões objetivas para os participantes, totalizando 24 respostas, que versavam sobre as restrições aritméticas da multiplicação e divisão nas quais o zero está envolvido:

1) Qual o resultado da operação: a x 0 ?

2) Qual o resultado da operação: 0 ÷ a (com a 0 )?

3) Qual o resultado da operação: a ÷ 0 (com a 0 )?

4) Qual o resultado da operação: 0 ÷ 0 ?

Para tais indagações, considerou-se .O intuito dessas perguntas era de averiguar sobre o conhecimento específico dos participantes referente às restrições do zero nessas operações. Já que se seguiu a classificação supracitada, as perguntas aplicadas inseriram-se no domínio de uma classificação de natureza conceitual.

No segundo momento, com o intuito de explorar a compreensão sobre as respostas anteriores (adequadas ou equivocadas), foi realizada uma entrevista semiestruturada com as mesmas inquietações, baseadas no “como” e no “por que”, com o objetivo de compreender se os participantes possuíam explicações coerentes sobre tais procedimentos. Em outras palavras, pretendia-se entender como os participantes da pesquisa fundamentavam seus pensamentos, quais as ferramentas metodológicas utilizavam, qual o raciocínio sobre o qual se baseavam.

Seguindo essa rota metodológica, as perguntas foram classificadas em dois grupos: o primeiro, constituído por aquelas voltadas para o conhecimento específico do objeto matemático; o segundo, com um olhar sobre a explicação dos procedimentos aritméticos exigidos. Com base nas interpretações da coleta de dados, criaram-se três categorias para classificá-las (no entanto, para as perguntas do primeiro bloco, foram consideradas apenas as duas primeiras), a saber:

· adequadamente (onde o participante conciliou a resposta correta com uma explicação baseada na definição ou nas propriedades da operação em questão, ou ainda, nas convenções matemáticas);

· equivocadamente (onde o participante respondeu com erros processuais e/ou conceituais de acordo com a definição);

· e, por fim, sem explicação (quando o participante não soube explicar e/ou argumentar sobre o questionamento).

A seguir, expor-se-á a análise da produção da coleta de dados, à luz das categorias supracitadas.

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram analisadas 48 respostas, distribuídas igualmente nos blocos de perguntas. As figuras a seguir apresentam de forma geral os resultados das respostas a essas perguntas, quanto à classificação em (i) adequadas e (ii) sem explicação e/ou equivocadas. Apresenta-se na figura 1, a descrição analítica do primeiro bloco, relativo aos conhecimentos específicos:


Figura 1
Análise dos números referentes ao primeiro bloco de perguntas
Fonte: os autores

Percebe-se que os participantes responderam adequadamente 19 questões, o que equivale a 79%. Esse resultado sinaliza que os futuros professores de matemática entrevistados possuem, em sua maioria, o domínio do conhecimento do conteúdo da matéria (SMK).

Já os índices referentes ao segundo bloco revelam um cenário preocupante, uma vez que das 24 indagações sobre o “como” e o “por que”, foram obtidas apenas[5] 6 (seis) respostas adequadas; sendo 13 (treze) as respostas equivocadas e 5 (cinco) as respostas sem explicações. Tais resultados sinalizam certa carência nas estratégias de ensino, ou seja, do conhecimento pedagógico do conteúdo (PCK), como é refletido na figura 2:


Figura 2
Análise referente ao segundo bloco de perguntas.
Fonte: os autores.

O cômputo acima sinaliza de certa forma que os futuros professores não parecem refletir sobre os procedimentos para os quais até sabem a resposta, mas não a sua justificativa. Isso indicaria uma possível lacuna na formação inicial do professor de matemática no que diz respeito aos “porquês” e na construção do saber específico em relação às operações de multiplicação e divisão em que o zero se encontra envolvido.

Essa discrepância nos índices pode estar associada à aplicação mecânica dos algoritmos, sem ao menos haver o entendimento sobre o seu conceito. Nessa perspectiva, Silva (2016, p.10) afirma que “[...] fundamentaram seus conceitos em regras operacionais memorizadas ainda na educação básica e, pelas respostas analisadas, é razoável admitir que o uso indistinto dessas regras ocasionaram um certo entrave no desenvolvimento das competências numéricas”.

4.1. As restrições aritméticas na operação da multiplicação

Para compreender o conceito da operação da multiplicação, segundo Caraça (1951), é necessário, inicialmente, compreender a operação da adição. Nesse sentido, destaca-se que na operação da adição, o número zero é o elemento neutro, ou seja, dado , então: a + 0 = 0 + a = a . Isso posto, a operação da multiplicação, segundo o mesmo autor, é definida como a soma de parcelas iguais, em outras palavras: dado um a x b (sendo a o multiplicando e b o multiplicador) tem-se: . Particularizando-se essa operação para a = 0 e um b 0 , tem-se: o que resulta em zero como resposta.

Contudo, para Caraça (1951) não faz sentido fazer com que o multiplicador seja zero, visto que seria uma soma de zero parcelas cujo resultado seria nenhuma parcela. Ou seja, a 0 e b = 0, e desta forma, teríamos: a x 0 = nenhuma parcela.

Assim sendo, para explicar o caso de , para um b qualquer, partir-se-ia da premissa que a operação da multiplicação goza da propriedade comutativa. Por hipótese, como 0 x b = 0, então, faz-se necessário que a x 0 também o seja, noutras palavras, a x 0 = 0. Assim, a lei formal da operação da multiplicação, valendo-se da propriedade da comutatividade, se mantém conservada: sem perda de generalização.

Dessa maneira, perguntados: “Qual o resultado da operação: a x 0 ?”, todos os participantes responderam adequadamente, ou seja, disseram como resposta: zero. No entanto, ao serem questionados “Por que a multiplicação de qualquer número por zero resulta em zero?”, os participantes revelaram, em suas respostas, a falta de reflexões a respeito dos procedimentos aritméticos, numa indicação de que, por vezes, são praticados de forma mecânica pelos mesmos, sem pouca ou nenhuma associação com definições e/ou conceitos.

Capta-se isso quando se observa a porcentagem dos participantes que não souberam dar a justificativa que fundamentava suas respostas, como segue: adequadamente (16,7%); equivocadamente (33,3%); sem explicação (50%). No que tange aos relatos em relação aos que não souberam explicar o porquê, destaca-se: “Porque é zero multiplicado por qualquer número é zero” (Joana). “Porque um número multiplicado por nada, será sempre nada, o zero” (Flávia).

O relato indica a mecanização de conceitos e propriedades matemáticas sem, no entanto, refletir sobre, para assim, compreender a construção deste objeto de conhecimento. Decorre disso a falta de argumentação/sustentação sobre a aplicação processual das técnicas utilizadas.

Além disso, acentua-se a correlação — quase que natural — entre o número zero e o conceito epistemológico “do nada”. Nesse sentido, Guimarães (2008) aponta que existe “A possibilidade de pensar a palavra em diferentes contextos, generalizando-a, e a interação social permite que novos sentidos e significados sejam absorvidos sobre o zero” (p. 23). Dessa forma, as manifestações dos participantes acerca do conceito zero são carregadas de significados heterogêneos, nos quais o estudante apresenta seus pensamentos imbricados com os contextos do convívio social (cotidiano), das relações culturais, do espaço institucionalizado (academia) ou do âmbito escolar.

Endossando tal vertente, Tardif (2014) o complementa, indicando que muito dos saberes dos professores advêm de contextos exteriores ao ofício de ensinar, ou seja, espaços sociais anteriores à formação acadêmica ou a ela externos, no cotidiano.

Por outro lado, por mais que seja uma prática habitual e comum pronunciar o zero como se fosse o “nada”, ou seja, como ambos fossem sinônimos (complementando-os entre si) há um equívoco na sustentação de tal premissa. Pois, se qualquer número expressa a ideia que sintetiza uma quantidade finita e determinada, dizer que zero é nada é atribuir-lhe uma indeterminação como resultado e extingui-lo da categoria dos números (EVES, 1996). Por fim, cabe destacar a resposta do participante que foi o único que esboçou um caminho baseado na definição, afirmando o seguinte:

Pierre: Todo número multiplicado por zero seria o zero... na multiplicação... Pensando na multiplicação como uma... Processo de soma, talvez seria isso. Você estaria operando determinado número, tipo pensando 3 x 3, seria somar o 3 vezes o 3, ou seja, pelas quantidades de vezes que a multiplicação estava indicando, mas pensando enquanto o zero, seria somar ele nada vezes, talvez por isso esse resultado seja zero.

Embora tenha faltado a esse participante entrevistado concatenar essa ideia com a propriedade de comutatividade, foi ele o único que construiu a sua resposta baseando-se na definição da operação da multiplicação. Fora esse, ficou perceptível que os demais participantes demonstraram insegurança em proferir a resposta, pois todos relataram ter refletido sobre esse questionamento apenas nesse momento, o que parece indicar que tais reflexões não são devidamente focadas ou enfatizadas na formação docente, fato, segundo Lorenzato (1993), danoso à aquisição do conhecimento matemático, com implicações que afetam diretamente o ensino e a aprendizagem desses objetos de conhecimento na Educação Básica.

4.2. As restrições aritméticas na operação da divisão

Para a análise desse tópico, tomou-se por base a definição do Algoritmo de Euclides apresentada por Domingues (1991, p. 33) “Para quaisquer existe um único par de números q e r, de maneira que ”, nas quais os elementos a, b, q e r são denominados, respectivamente, de dividendo, divisor, quociente e resto. Note-se, portanto, que existe uma restrição para o valor de b (divisor).

Desse modo, apresentam-se três casos da operação da divisão exata (na qual o resto da divisão é nula) em que o zero está envolvido, a saber: 1º caso) divisão cujo dividendo é igual a zero e o divisor é diferente de zero; 2º caso) divisão cujo dividendo é diferente de zero e o divisor é igual a zero; e, por fim, 3º caso) divisão cujo dividendo e divisor são iguais a zero.

Referente ao primeiro caso, as respostas oriundas da questão “Qual o resultado da operação: 0 ÷ a (com a 0 )?”, convergiram adequadamente para a resposta correta: zero. Posteriormente, foram perguntados: “De que forma chegou a essa conclusão?”, e obteve-se a seguinte classificação: adequadamente (33,4%); equivocadamente (66,7%); sem explicação (0%). Logo, ratifica-se a percepção de que os participantes, em sua maioria, não souberam explicar adequadamente as justificativas dos procedimentos aritméticos, cuja resposta correta (de tais operações) às vezes souberam.

Tal resultado faz brotar uma preocupação, uma vez que esses questionamentos podem partir de alunos em sala de aula e, nesse sentido, haveria um prejuízo significativo se ensinados mecanicamente, sem se refletir os processos pelos quais chegaram ao resultado (LORENZATO, 1993). Destaca-se a seguir as respostas convenientes:

Joana: O resultado sempre será zero, né?! Pois, se pegarmos o zero (como quociente) e multiplicarmos por qualquer número, sempre dará zero como resultado. Logo, a resposta será zero.

Pierre: Só pegar o zero e multiplicar pelo divisor que encontrará zero como resposta. Ou seja, se o dividendo é igual ao produto do quociente pelo divisor mais o resto, então... dá zero mesmo.

Não houve um rigor matemático na elaboração das respostas, porém, estão fundamentadas no Algoritmo da divisão (de Euclides), sendo assim, podem ser consideradas adequadas. Observa-se que, por mais que a participante não tivesse restringido para qualquer número com a exceção do próprio zero (baseado na definição), considera-se com uma resposta adequada, visto que, em outras oportunidades, os mesmos restringiram em suas falas que o divisor não poderia ser igual a zero. Não obstante, nas respostas dos seguintes participantes, percebe-se, contrariamente, respostas inadequadas, portanto, erradas:

Arthur: Se eu tenho nada, e quero dividir para três pessoas, por exemplo, a resposta é nada.

Beta: Como... se não há nada para se dividir. A resposta só poderá ser nada, zero.

Essas respostas foram consideradas como equivocadas, pois carregam em si conceitos errôneos. Além de pontuar a inconsistência conceitual da associação do zero ao nada, induzem a inferir que se o divisor também fosse “nada”, a resposta, sob essa análise, também o seria, fato que não procede.

Identificou-se, assim, um equívoco processual, que poderia abrir brechas para ambiguidades, o que não deve acontecer, uma vez que toda operação admite apenas uma resposta (o que é baseado nos princípios de unicidade, além da existência). Essa impressão é ratificada quando se perguntou a esses participantes o terceiro caso, confirmando-se, assim, a premissa. Mostra-se a seguir a análise formal sobre o caso.

Numa divisão de a/b, dados e , com a = 0 e b ≠ 0. Toma-se a, b ∈ ℝ, com a = 0 e b ≠ 0, tem-se pelo Algoritmo de Euclides que: ∃ c ∈ ℝ; a = b. c. Como a = 0, então: 0 = b. c ⇒ c = 0. Dessa forma, todo dividendo nulo, dividido por um número diferente de zero, será igual a zero.

Agora, para a indagação “Qual o resultado da operação: a ÷ 0 (com a 0 )?”, obteve-se os seguintes dados: adequadamente (83,3 %) e equivocadamente (16,7 %). As respostas oscilaram entre: não existe (adequada) e zero (equivocada). Ao serem questionados “Por que afirmou esse resultado?”, “Como chegou a essa resposta?”, obteve-se os índices seguintes: adequadamente (33,4 %); equivocadamente (50 %); sem explicação (16,7 %). Nota-se, então, que houve uma inclinação em relação ao saber específico e crescente na falta de explicação que se dá ao resultado, demonstrando, assim, que, embora se saiba o procedimento correto, existe, no entanto, uma carência na justificativa/explicação das etapas que conduziram ao produto final. Seguem alguns comentários de resposta a essa indagação:

Beta: Não existe um número que multiplicado por zero, que dê outro, além do próprio zero. Logo, a resposta, não existe.

Silva: Não encontrará nenhum número como quociente. Todo número que eu pegar como quociente, por exemplo, o 10. E multiplicar por zero, sempre será zero. Se eu generalizar... não haverá resposta: não existe.

Pierre: Bom, se sabemos que o quociente multiplicado pelo divisor é igual ao dividendo... isso numa divisão exata. Então, basta que esse quociente seja igual ao próprio zero para que essa equação seja satisfeita.

Por outro lado, para a questão supracitada, os participantes se fundamentaram no algoritmo para explicar que seria um caso impossível, ou seja, não existente. Com exceção de uma participante, que não associou a sua resposta a nenhum conceito matemático, e sim, a etimologia do número zero com o conceito do “nada”.

Por outro lado, destaca-se a resposta de Arthur, ao dizer apenas “impossível”. Interrogado sobre o que seria, ao se lhe pedir esclarecimentos sobre o seu entendimento, não o soube explicar. Evidenciou-se, então, a aceitação do resultado concebido, talvez, de forma mecânica sem, no entanto, compreender os fatos que levaram a tal resultado. Isso de certo modo justifica a resposta enfática e única, sem procurar argumentos mais sólidos para a sua devida justificação, utilizando o algoritmo euclidiano da divisão, por exemplo.

Numa divisão de a/b, dados e , com a ≠ 0 e b = 0. Sejam a ∈ ℝ, com a ≠ 0 e b = 0, tem-se pelo Algoritmo de Euclides que: ∃ c ∈ ; a = b.c. Como b = 0, então: a = 0 .c ⇒ a = 0 (uma contradição). Pois, por hipótese a ≠ 0. Logo, o caso é impossível, devido ao fato de não conseguir encontrar um quociente c que multiplicado pelo divisor b, resulte em um valor diferente de zero (a ≠ 0), em outras palavras, não existe solução (caso impossível).

Por fim, compreendendo o último caso, interrogou-se aos participantes: “qual o resultado da divisão de zero por zero?”. Obteve-se os seguintes resultados: adequadamente (33,4%) e equivocadamente (66,7%). Os participantes que responderam adequadamente basearam-se no conceito de indeterminação, em um contexto que sugere mais de uma alternativa como resultado, como, por exemplo: “É... bom! Existirão várias respostas... pois, qualquer que seja o quociente (número), o resultado, sempre será o mesmo, zero” (Pierre).

Dos participantes categorizados como os que explicaram equivocadamente, convém ressaltar o seguinte comentário: “Hum... Zero dividido por zero é igual a zero” (Arthur). Neste caso, observa-se um equívoco análogo cometido por Brahmagupta ao admitir tal divisão. Uma vez que o caso admite infinitas soluções (pois, qualquer que seja o quociente multiplicado pelo divisor zero, resultaria no próprio zero como dividendo), o que contraria a condição de unicidade que se exige no algoritmo.

Já para o questionamento “Como encontrou esse resultado?”, os índices foram: adequadamente (16,7%); equivocadamente (66,7%) e sem explicação (16,6%). Dos participantes que responderam equivocadamente, salienta-se a resposta de Arthur, que afirma: “Porque se pensarmos de forma contrária, qualquer número multiplicado por zero é igual a zero, logo não poderia existir outra resposta a não ser o próprio zero (como dividendo)” (Arthur).

Nesse caso, apenas parcialmente tem sentido a sua colocação, pois de acordo com o algoritmo da divisão, embora exista um número (quociente) que, multiplicado pelo divisor, resulte no dividendo, esse número é único (respeitando a condição de unicidade), fato que não procede caso ambos, dividendo e divisor, sejam iguais a zero. Nesse sentido, apresentamos uma análise sobre o caso a seguir.

Numa divisão de a/b, dados e , com a = 0 e b = 0. Toma-se um a = b = 0, pelo Algoritmo de Euclides tem-se que: ∃ c ∈ ℝ; a = b . c. Como a = b = 0, portanto: 0 = 0 . 𝑐 ⇒ ∀ 𝑐 ∈ ℝ, 𝑐 = ± ∞. Logo, como o conjunto de soluções é infinito, então não existe um conjunto solução único e determinado, culminando, assim, em uma indeterminação. Ou seja, se ambos, divisor e dividendo, forem iguais a zero, há infinitos números como solução, descaracterizando um dos princípios que uma solução determinada exige: existência e unicidade. Embora exista, esse não é único.

Nesse sentido, a reflexão dessa especificidade do “porquê” oportuniza um espaço propício de construção do conhecimento em sala de aula com os discentes. Desse modo, apresenta-se a seguir uma abordagem que, segundo Monaco (2009), mostra-se como uma alternativa pedagógica para a reflexão sobre esse questionamento do “por quê” restringir o zero no denominador de uma divisão a qual ele também é o numerador. Quadro 1


Quadro 1
Parábola clássica usando a divisão por zero.
Fonte: Adaptado de Monaco (2009, p. 16).

Com isso, observa-se um absurdo matemático, uma vez que se pode chegar a afirmações do tipo “1 é igual a 2”, visto que um número só pode ser igual a ele mesmo. Posto isso, sugere-se aos profissionais da área que trabalhem com os discentes do Ensino Fundamental — Anos Finais a partir de um contexto do equívoco histórico em admitir a divisão por zero, moldando argumentos através dos exemplos expostos, atentando-se para os resultados dúbios que poderiam ocasionar se admitissem tal operação.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidenciado, após a análise dos dados, que ora os futuros professores de matemática cometiam erros processuais e/ou conceituais no processo de resolução, ora faltavam-lhes explicações aos procedimentos aritméticos realizados. Tal fato aponta para a necessidade de o futuro professor de matemática se apropriar desse conhecimento, sobretudo na sua formação inicial (visto a sua importância no âmbito escolar), incluindo em seu processo formativo a reflexão sobre os por quês matemáticos, afim de construir saberes que são necessários para se ensinar matemática.

O diagnóstico advindo da extração e análise dos dados obtidos sugere a existência de uma lacuna em determinados saberes necessários na formação inicial do professor de matemática, em especial, sobre os saberes dos conhecimentos específicos sobre o papel do zero nas situações matemáticas levantadas na pesquisa. Aliás, se doravante não forem explorados na academia, esse quadro poderá causar danos pedagógicos aos estudantes.

Nesse sentido, ressalta-se a importância — na formação inicial — do contato precoce do futuro professor com a docência por meio de componentes curriculares específicos ao âmbito do ensino, como Estágio Supervisionado, por exemplo. Pois, in loco, o licenciando põe-se em confronto com as exigências necessárias da realidade profissional e, inclusive, terá elementos para refletir sobre sua própria formação, questionando-se se o conhecimento produzido na formação inicial está concatenado aos saberes necessários oriundos do espaço em que desempenhará sua função como docente.

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Notas

[3] Entendido aqui como uma ideia abstrata que representa uma certa quantidade. Enquanto que algarismo significa o símbolo que é usado para formar os numerais escritos.
[4] Lorenzato (1993) define o “por quê” (pergunta) como sendo o procedimento matemático ou seu resultado, e o “porquê” como a resposta adequada ao “por quê”, bem como o saber ensiná-los.
[5] Utilizou-se o termo “apenas”, nesse contexto, para enfatizar que tal resultado indica que a formação do professor de matemática está deficitária no que tange aos conhecimentos pedagógicos do objeto matemático específico que lhes serão necessários no espaço escolar.

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