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PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: ENFRENTANDO UM PROBLEMA SECULAR

NATIONAL POTENTIAL FOR LITERACY IN THE RIGHT AGE: FACING A SECULAR PROBLEM

Cancionila Janzkovski Cardoso
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Cecília Fukiko Kamei Kimura
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
Sílvia de Fátima Pilegi Rodrigues
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 4, núm. 2, 2016

revistareamec@gmail.com



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2016.v4.n2.p41-56.i5327

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalhopublicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: Os objetivos do texto são descrever e analisar as ações desenvolvidas pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) em Mato Grosso. Trata-se de programa de formação continuada e presencial de professores alfabetizadores, organizado em rede, instituído pela Portaria N. 867, de 4 de julho de 2012, coordenado em nosso estado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Após breve contextualização do tema alfabetização e das influências intelectuais e legais que circundam essa política de formação, relatamos sua implementação no estado de Mato Grosso durante os anos de 2013 a 2015. Em seguida, apresentamos dados de pesquisas survey, realizadas nos três anos, que focam respostas dadas pelos alfabetizadores relacionadas à questão: Este curso contribuiu para a sua formação? Por quê? Os dados foram trabalhados à luz da Análise de Conteúdo, com a utilização de um recurso gráfico para apresentar os termos mais frequentes, conhecido como nuvem de palavras, elaborado com o programa Tagul™. Os resultados informam que: a) o PNAIC marcou significativamente a formação continuada dos professores que participaram do Programa; b) o PNAIC marcou os participantes e se configurou como espaço de troca de experiências, de construção de conhecimentos entre os sujeitos; c) o PNAIC, de uma forma não prescritiva, possibilitou aos alfabetizadores reflexão sobre a prática e construção de caminhos, de estratégias para a alfabetização das crianças, sem abandonar a discussão teórica por meio de leituras e debates. A importante contribuição que os dados apresentam sugere a necessidade de continuidade dessa política de formação de professores alfabetizadores.

Palavras-chave: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, Formação continuada, Professores alfabetizadores, Alfabetização, Letramento.

Abstract: The objectives of the text are to describe and analyze the actions developed by the National Pact for Literacy at the Right Age (PNAIC) in Mato Grosso. It is a continued education program of literacy teachers driven by live meetings, organized in network, set up by Ordinance No 867, 4 July 2012, coordinated in our State by the Federal University of Mato Grosso (UFMT). After a brief contextualization of the literacy theme and the intellectual and legal influences that surround this training policy, we reported its implementation in the State of Mato Grosso during the years 2013 to 2015. Then, we presented data from research survey, carried out during these three years, which focused on answers given by teachers related to the matter: Has this course contributed to your edification? Why? The data were processed in the light of the analysis of content, with the use of graphic resources to present the most frequent terms, known as cloud of words, elaborated with the program Tagul™. The results indicate that: a) the PNAIC affected significantly the training of the teachers who participated in this continued education program; b) the PNAIC deeply influenced the participants and became the spot for the exchange of experiences, of knowledge building among the subjects; c) the PNAIC, making use of a non-prescriptive approach, allowed literacy teachers to reflect on the practice and construction of paths, of strategies for children's literacy, without abandoning the theoretical discussion through readings and debates. The important contribution that the present data suggests the need of continuing this policy of training literacy teachers.

Keywords: National Pact for Literacy at the Right Age, Continued education, Literacy teachers, Alphabetization, Literacy.

1. INTRODUÇÃO

Alfabetizar todas as crianças até os 8(oito) anos de idade, durante os três primeiros anos do Ciclo de Alfabetização, este sonho da grande maioria dos professores e especialistas brasileiros ganhou, a partir do ano de 2012, contornos definidos e reais possibilidades de se realizar.

Neste artigo, temos como objetivos descrever e analisar as ações desenvolvidas no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) em Mato Grosso. Trata-se de um programa de formação continuada e presencial de professores alfabetizadores, organizado em rede, instituído pela Portaria N. 867, de 4 de julho de 2012, coordenado em nosso estado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

A história da alfabetização nos mostra o desafio que este processo representa para a educação brasileira. Não cabe recuperar esta história, ou parte dela, nos limites deste trabalho, mas podemos lembrar que desde o “ensino das primeiras letras” (nomenclatura dos séculos XVIII e XIX) até o “alfabetizar letrando” (nomenclatura atual) o panorama mostra, por um lado, mudanças significativas nas concepções alfabetização e de estar alfabetizado e, por outro lado, uma conquista lenta e gradual da maioria da população no sentido de apropriação desta ferramenta primordial para a democratização do conhecimento, de forma justa e igualitária.

Presentemente, políticas públicas e universidades têm concentrado esforços com vistas a atingir tal meta, sendo que o PNAIC representa uma dessas ações, em continuidade a outras anteriormente implementadas pelo Ministério de Educação (MEC)[4].

Esse programa de formação continuada de professores nasce em um contexto intelectual no qual avançamos muito na compreensão da complexidade do processo de alfabetização, bem como na complexidade dos processos formativos dos professores. Defendemos hoje que não basta o sujeito saber assinar o nome; não basta ele saber o nome das letras e conseguir desenhá-las; não basta escrever e ler palavras isoladas. É necessário muito mais. Nas palavras de Rojo, em uma visão sociointeracionista,

[...] aprender a escrever é mais do que aprender a grafar sons ou recorrer às normas gramaticais para garantir a coesão e a coerência dos textos produzidos. Aqui, aprender a escrever é aprender novos modos do discurso (gêneros); novos modos de se relacionar com interlocutores, muitas vezes, virtuais; novos modos de se relacionar com temas e significados; novos motivos para comunicar em novas situações. Aprender a escrever é, aqui sim, construir uma nova inserção social.(ROJO, 2003, p. 21)

Seguindo o mesmo raciocínio, o campo da formação de professores muito avançou nas últimas décadas. A sociedade do século XXI apresenta novas exigências aos professores, oriundas de um mundo em que a mudança é rápida e contínua, e exige respostas adequadas, que só a formação continuada pode proporcionar. Neste sentido, em resposta à impossibilidade de uma “educação para toda a vida”, surge um novo paradigma: “formação ao longo da vida”. (SILVA, 2000).

Esta brevíssima síntese pontua algumas das principais influências intelectuais que, presentemente, circulam nos campos da alfabetização e da formação de professores, que permeiam a proposta do PNAIC.

Por outro lado, o PNAIC nasce em um contexto legislativo, que se articula às reformas de Estado sustentadas por uma lógica de ajustes estruturais frente às exigências do capitalismo atual. Além da portaria de criação, anteriormente mencionada, vincula-se à seguinte legislação:

a) Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que “Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências” (MEC, 2009, p.1);[5]

b) Portaria normativa nº 09, de junho de 2009, que lança o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, objetivando oferecer formação inicial e continuada de professores em nível superior, seguindo as orientações da formação em serviço;

c) Portaria nº 1.328, de 23 de setembro de 2011, que Institui a Rede Nacional de Formação Continuada dos Profissionais do Magistério da Educação Básica Pública, formada pelas instituições de ensino superior, públicas e comunitárias, sem fins lucrativos, e pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF)que espontaneamente apresentassem seus termos de adesão à Rede.

A Universidade Federal de Mato Grosso aderiu ao Sistema Nacional de Formação, em 2011, vindo a constituir o Comitê Gestor Institucional (COMFOR-UFMT), em fevereiro de 2013, com vistas à gestão e acompanhamento dos cursos realizados pela instituição.

Feita esta contextualização inicial, faremos, em um primeiro momento, uma breve descrição desse Programa de formação de professores alfabetizadores em seu percurso nos anos de 2013, 2014 e 2015 e, num segundo momento, analisaremos dados de pesquisa realizada junto aos professores alfabetizadores cursistas, com foco nas contribuições percebidas por eles para as suas práticas pedagógicas.

2. O PNAIC EM MATO GROSSO: TRÊS ANOS DE FORMAÇÃO

Em julho de 2012, a Presidente Dilma Roussef instituiu pela Portaria MEC nº 867, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Trata-se de programa de formação de professores alfabetizadores, política indutiva do Ministério de Educação, decorrente do compromisso formal assumido pelos governos federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal, com vistas a “garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3º ano do ensino fundamental” (BRASIL, 2012). Para o alcance dessa meta, as ações do Pacto compreendem os seguintes eixos: formação continuada de professores alfabetizadores; materiais didáticos, literatura e tecnologias educacionais; avaliação; gestão, controle e mobilização social. (Portaria nº 867/2012, Art. 6º).

O eixo formação continuada de professores alfabetizadores caracteriza-se pela formação presencial dos professores alfabetizadores das escolas das redes de ensino participantes das ações do Pacto nos municípios e pela constituição de uma rede de professores orientadores de estudo, que são formados pelas Universidades.

Os objetivos do Pacto encontram-se elencados no artigo 5º da referida Portaria:

I. Garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam alfabetizados, em língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3º ano do ensino fundamental;

II. Reduzir a distorção idade-série na Educação Básica;

III. Melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB);

IV. Contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores alfabetizadores;

V. Construir propostas para a definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros anos do ensino fundamental. (BRASIL, 2012)

Por ocasião do lançamento do Programa, este já contava com um rico material elaborado por especialistas das Universidades. No Caderno de Formação são elencados os princípios gerais da formação continuada que deverão implementados: a prática da reflexividade; a mobilização dos saberes docentes; a constituição da identidade profissional; a socialização; a colaboração (BRASIL, 2012, p. 13-18).

Tais princípios apontam para uma formação na qual o professor é tratado sujeito ativo, com poder de decisão sobre sua formação, que se dá embasada em ferramentas conceituais e práticas de sala de aula, num movimento de alternância teoria/prática. Neste contexto, os saberes já constituídos pelos professores são valorizados, mas também repensados e ampliados. Isto denota um investimento na constituição positiva da identidade profissional coletiva, com ênfase nos aspectos sociais da profissão e seus relacionamentos, como também no desenvolvimento do gosto em continuar a aprender.

A Coordenação Geral do PNAIC em Mato Grosso ficou localizada no Campus da UFMT de Rondonópolis, mais precisamente no Programa de Pós-Graduação em Educação, no qual o curso foi registrado como extensão, sendo que o lançamento se deu em abril de 2013.

A ênfase do curso de 2013 foi em Língua Portuguesa. A metodologia do PNAIC prevê a formação em rede e presencial. Assim, a Coordenação (composta por uma Coordenadora Geral e uma Adjunta) trabalhou diretamente com 14 formadores da UFMT, três supervisores; dois apoios administrativos, 139 Coordenadores Locais dos municípios e do estado e 360 orientadores de Estudo. Esses últimos replicaram os cursos para aproximadamente seis mil professores alfabetizadores de todos os municípios mato-grossenses. Baseadas em três polos de formação (Rondonópolis, Cuiabá e Sinop), planejamos e ministramos o Curso Inicial de 40 horas (por duas vezes), quatro Seminários de Acompanhamento de 24 horas (em cada polo) e um Seminário de Encerramento de 12 horas (em Cuiabá), somando 240 horas de formação, bem avaliada pelos participantes, conforme os dados apresentados neste texto demonstrarão. O material foi fornecido pelo MEC e constava de 32 Cadernos de Formação.

Internamente optamos por uma metodologia de trabalho na qual, a cada encontro, havia um momento inicial com número cultural e palestra com um especialista, com as turmas reunidas, que tematizava um conteúdo a ser trabalhado no período. Após a palestra, cada turma seguia o planejado em salas individuais. O planejamento foi feito em reuniões da Coordenação, Supervisão e Professores Formadores, que duravam dois dias e aconteciam em Rondonópolis, isso porque tínhamos formadores de nove diferentes municípios do Estado.

Em 2014, a proposta do material, composto por 12 Cadernos, era a de trabalhar a Alfabetização Matemática, enfatizando o ensino por meio de jogos e ludicidade. Em uma conquista histórica do Fórum dos Coordenadores do Pacto das Universidades, conseguimos a manutenção dos formadores de Língua Portuguesa que deveriam trabalhar em cooperação com os formadores de Matemática, aprofundando conceitos da Língua Portuguesa em um trabalho interdisciplinar. Com isso, passamos a ter em Mato Grosso, 14 turmas e 28 formadores. Fizemos uma chamada pública para compor o quadro de formadores, com os especialistas em Matemática, e conseguimos, ainda, uma nova supervisora na mesma área. Essa equipe atendeu 323 Orientadores de estudo que, por sua vez, trabalharam junto a 6.124 professores alfabetizadores. Essa experiência de formação em duplas revelou-se extremamente fecunda. Naquele ano, a carga horária do curso foi de 200 horas para os orientadores de estudo e de 60 horas para os coordenadores locais, que foram incluídos na formação.

Em 2015, a proposta foi aprofundar as práticas interdisciplinares, orientação que já vinha ocorrendo desde 2013. Novamente, foi utilizado um material específico para o curso daquele ano, composto de 12 cadernos. No entanto, em 2015 o curso sofreu um corte financeiro e, em consequência, na carga horária, devido ao contingenciamento do governo federal, foram trabalhadas apenas 100 horas com os Orientadores de Estudo, 60 horas com os Coordenadores Locais e 80 horas com os alfabetizadores, restando parte desse material a ser trabalhada posteriormente. Voltamos a ter, no ano de 2015, um único professor em 13 turmas e atendemos 322 Orientadores de Estudo e 5.957 professores alfabetizadores.

Em todos os encontros de planejamento, desde 2013, foram realizadas atividades de: a) reconhecimento dos objetivos das Unidades dos Cadernos; b) estudos dos textos de cada unidade a partir de diferentes estratégias de leitura, discussão em grupos, para destacar, em cada item, as atividades que o texto pudesse proporcionar; c) produção de materiais didáticos;

d) realização de atividades práticas para serem realizadas com os orientadores de estudo; d) construção de planejamento conjunto e socialização das atividades propostas.

Fazia, ainda, parte da carga horária anual para os municípios a realização de um Seminário Final, no qual a formação era discutida e apresentada à comunidade, com atividades culturais envolvendo as crianças, atividades acadêmicas (palestras, mesas, vídeos), bem como, exposições de materiais, entre outras.

Já a Coordenação Geral realizou, nos três anos, o Seminário de Encerramento. Com o desenho de congresso científico, planejávamos conferências com cientistas da área, mesasredondas com a participação de todos os perfis envolvidos no curso, exposição de banners e mostra de materiais didáticos construídos durante o curso, além de importante parte cultural. Como resultado desses Seminários, temos a publicação de três CDs com os anais do evento e a “Coleção PNAIC de Mato Grosso: memórias da alfabetização”, composta por três livros que apresentam os trabalhos do ano de 2013, por polo de formação, editada com o selo da Editora da Universidade Federal de Mato Grosso (EdUFMT). Entre outras publicações, é relevante citar o Suplemento Especial PNAIC, editado pelo Informativo da Fundação UNISELVA (dezembro de 2015) que traz uma importante síntese dos três anos de funcionamento do curso. Essas publicações refletem o investimento da Equipe do PNAIC na possibilidade de socializar as experiências vividas pelos Orientadores de Estudos e professores alfabetizadores.

Outro aspecto a ser mencionado diz respeito à quantidade de dados para pesquisa que o curso gerou. Ao longo dos anos estabelecemos a sistemática de elaboração de relatórios dos Formadores, Coordenadores Locais e Orientadores de Estudo, garantindo o registro sistemático de nossas atividades. Além disso, realizamos ao final de cada ano pesquisa de tipo survey, acumulando um número ainda maior de dados. A cada evento foi registrado fotograficamente e, em alguns momentos, também por meio de vídeos. Este material tem sido objeto de pesquisas que envolvem, além da equipe, alunos de graduação, mestrado e pósdoutorado.

A seguir, apresentamos dados de pesquisa que focam resultados concernentes às contribuições do PNAIC em Mato Grosso para as práticas alfabetizadoras.

3. CONTRIBUIÇÕES DO PNAIC: AS VOZES DOS ALFABETIZADORES

A pesquisa do tipo survey foi realizada ao final de cada ano de execução do PNAIC em Mato Grosso abrangendo todos os perfis de participantes do Programa. Portanto, foi constituído um vasto banco de dados com informações de 2013, 2014 e 2015.

Os recursos e metodologia empregados para a realização da pesquisa estão explicitados a seguir:

As questões que compuseram o questionário foram adaptadas do material do Pacto (Cadernos da unidade 8) e se utilizou do software Qualtrics para facilitar a aplicação, o gerenciamento e o controle dos dados. O questionário foi enviado a todos os Formadores, Orientadores de Estudo, Coordenadores Locais e Professores Alfabetizadores, contendo perguntas com escala Likert de 4 pontos (sendo 4 como Muito Bom, 3 como Bom, 2 como Regular e 1 como Ruim). Além disso, perguntas abertas foram incluídas para que o respondente pudesse dissertar sobre determinados assuntos (CARDOSO; CARDOSO, 2016, p. 99).

Neste texto, tomamos como objeto de discussão e análise as respostas relacionadas à questão: Este curso contribuiu para a sua formação? Por quê? Embora essa mesma pergunta tenha sido feita aos demais segmentos, optamos por delimitar a análise às respostas dadas pelos professores alfabetizadores cursistas. Temos, assim:

2.649 respostas referentes ao PNAIC de 2013;

2.516 respostas referentes ao PNAIC de 2014 e

1.715 respostas referentes ao PNAIC de 2015.

Nuvem de palavras – respostas dos professores
alfabetizadores acerca das contribuições do PNAIC (2013)
Figura 1
Nuvem de palavras – respostas dos professores alfabetizadores acerca das contribuições do PNAIC (2013)
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do banco de dados do PNAIC-MT (2013)

Diante do expressivo número de dados, escolhemos utilizar um recurso gráfico para apresentar os termos mais frequentes nas respostas dos professores. Tal recurso, também conhecido como nuvem de palavras, foi elaborado a partir da utilização do programa Tagul™, que é um gerador de nuvem de palavras online[6].

Para facilitar a visualização e compreensão das nuvens aqui expostas, optamos por eliminar palavras pertencentes a algumas classes gramaticais, tais como preposições, artigos, conjunções e pronomes demonstrativos. Também compusemos as nuvens com termos que foram repetidos no mínimo 50 (cinquenta) vezes. Aqueles que tiveram frequência inferior a isso foram descartados no processamento dos dados para a composição das imagens. O tamanho da fonte em que a palavra aparecesse refere à sua frequência no texto, ou seja, quanto mais frequente, maior será o seu tamanho; palavras menos frequentes estão em fontes menores.

A partir da contagem da repetição das palavras temos, dentre as dez mais frequentes: sim (1.805), prática (867), minha (766), muito (637), aula (584), sala (536), conhecimento (461), aluno (448), mais (422), curso (377). Observando a Figura é possível ver o destaque dos termos.

A partir dos termos frequentes, foi possível elaborar uma frase síntese: Sim, o Pacto contribuiu, e muito, para minha prática de sala de aula, pois este curso trouxe mais conhecimento e novas formas de ver o aluno.

A seguir apresentamos algumas respostas escritas pelos participantes:

Sim, pois me fez crescer enquanto educadora, inovar minha prática e dinâmica em planejar, repensar e conduzir minha prática pedagógica. A cada encontro me propiciou momentos de reflexão, de troca de experiências que fortaleceram minha prática junto aos meus alunos. E também essa formação me propiciou um novo olhar para meu aluno, me levando a valorizar ainda mais na sua individualidade, respeitando a sua forma de aprender e o tempo que necessita para aprender. (Resposta N. 07 – PNAIC 2013/Survey)

Com certeza contribuiu. Minhas aulas já não são as mesmas de antes. Meu comportamento com meus alunos mudou. As trocas de experiência entre os colegas e escolas me auxiliaram muito em meu planejamento e ampliaram minhas possibilidades de estratégias durante as aulas e perante as dificuldades encontradas com meus alunos. Acredito que para a grande maioria foi muito significativo. (Resposta N. 355 – PNAIC 2013/Survey) Sim. Pois os conteúdos e temas discutidos, as discussões sobre a aprendizagem e possíveis uso de estratégias em sala de aula foram importantes e decisivos para que os meus alunos avançassem na superação das dificuldades e na construção de conhecimentos. (Resposta N. 409 – PNAIC 2013/Survey)

É possível perceber, nessas respostas, como o PNAIC marcou significativamente a formação continuada dos professores que participaram do Programa. Isso também é possível constatar na maior parte das 2.649 respostas referentes ao Pacto de 2013.

O termo NÃO apareceu 114 (cento e quatorze vezes), mas não necessariamente negando as contribuições do PNAIC à formação deles. Ao contrário, como pode ser verificado no trecho da resposta N. 355 – PNAIC 2013/Survey: “Minhas aulas já não são as mesmas de antes”.

No conjunto das respostas, apenas um sujeito respondeu negativamente: “O curso não teve novidades, pois tendo semelhança ao letramento, até os vídeos foram alguns os mesmos. É a questão do planejamento que mudou a forma de falar. Sendo chamado de sequência didática.” (Resposta N. 529 – PNAIC 2013/Survey – grifo nosso). Outros dois responderam que não contribuiu na proporção que esperavam:

Parcialmente, pois eu já tenho conhecimento de como proceder em sala de aula com meus alunos, quanto minha graduação e minha pós foram ministradas por pessoas excelentes. O que eu esperava que o Pacto nos apoiasse em certas questões, mas infelizmente isso não ocorreu. Eu mesma recebi a visita dos responsáveis uma vez durante todo o processo. (Resposta N. 298 – PNAIC 2013/Survey)

Não como gostaria. (Resposta N. 1814– PNAIC 2013/Survey)

Diante do exposto, vê-se que apenas 0,11% dos respondentes consideraram que o PNAIC não trouxe contribuições ou não atingiu plenamente as suas expectativas. Na Figura 2, referente aos dados do PNAIC 2014, tomando como referência os dez termos mais frequentes, verifica-se o predomínio das seguintes palavras: sim (1.491), prática (731), minha (645), muito (616), aula (560), sala (498), mais (438), aluno (409), meu (393) e conhecimento (344). Como não houve alteração substancial com relação aos dez primeiros termos de 2013para 2014, utilizaremos como referência a mesma frase síntese para a seleção de algumas respostas dos professores alfabetizadores que participaram da pesquisa de tipo survey.

Sim. Trouxe novos conhecimentos, novas formas de ministrar os conteúdos e com certeza melhorou a minha prática na salade aula, contribuindo para uma melhor aprendizagem dos conteúdos pelos alunos. (Resposta N. 29 – PNAIC 2014/Survey) O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa foi de grande importância para mim, pois nós, professores, precisamos sempre estar aperfeiçoando nossa prática de alfabetização. O PNAIC transmitiu novos conhecimentos e o material enviado à escola (caixa de livros e jogos) é de grande importância para realizarmos um bom trabalho e inovar nossa prática pedagógica. (Resposta N. 106 – PNAIC 2014/Survey). Sim. Pois faz estudar, ampliar os conhecimentos, refletir sobre o ensino aprendizagem e investigar mais a forma de como utilizar novas estratégias para desenvolver um trabalho com mais qualidade, e com isso melhorar a aprendizagem dos alunos. (Resposta N. 578 – PNAIC 2014/Survey)

Como na edição anterior, em 2014 o PNAIC marcou os participantes e se configurou como espaço de troca de experiências, de construção de conhecimentos entre os sujeitos. As respostas também enfatizaram as sugestões recebidas quanto à utilização dos materiais (livros e jogos) que chegaram nas escolas.

A palavra NÃO apareceu 104 vezes. Entretanto, apenas em sete respostas os professores estão negando (ou relativizando) a contribuição do PNAIC à formação deles. Apenas três afirmaram que o Pacto não contribuiu.

Não. (Resposta N. 1529 – PNAIC 2014/Survey)

Nuvem de palavras – respostas dos professores
alfabetizadoresacerca das contribuições do PNAIC (2014)
Figura 2
Nuvem de palavras – respostas dos professores alfabetizadoresacerca das contribuições do PNAIC (2014)
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do banco de dados do

Não teve contribuição, por motivo que não fui motivada por realizar as atividades já que, no período que tive que passar por uma cirurgia de urgência, fui bloqueada pelo Sistema pelo qual me senti muito mal com a desvalorização que fazem com os profissionais da educação. Além de que nosso município não está contribuindo com os professores alfabetizadores, já que não temos a equipe multifuncional. Temos alunos que precisam ser encaminhados para psicólogas, fonoaudióloga e psicopedagogas que nos auxiliam. (Resposta N. 2269 – PNAIC 2014/Survey)

Não porque tudo que sei aprendi em outros cursos. (Resposta N. 2355 – PNAIC 2014/Survey)

Na resposta N. 2269 – PNAIC 2014/Survey vê-se que a professora confunde o que é atribuição da sua rede de ensino com o curso oferecido. O fato de ter estado de licença médica impossibilitava que permanecesse no Programa com bolsa. O que pode ter gerado seu descontentamento. Outras três respostas avaliaram como parcial a contribuição do PNAIC:

O curso em si é bom, porém falta flexibilidade no seu acontecimento. Digo isso referente aos horários. Esse curso pode ser feito on line. Por que não utilizar os recursos tecnológicos? É também uma forma de contato com outros cursistas do país. A troca de experiências será bem mais ampla. Criase uma plataforma para o curso, pois a mobilidade para mim está muito difícil, pois tenho pessoas que dependem de mim. (Resposta N. 384 – PNAIC 2014/Survey)

Muito pouco porque o orientador de estudo é muito confuso nas explicações e, se questionado, fica irritado e não responde[...].(Resposta N. 1560 – PNAIC 2014/Survey)

Não totalmente. Todo professor antes do curso já tinha uma bagagem. (Resposta N. 1729 – PNAIC 2014/Survey)

Na N. 384, o sujeito que respondeu faz uma proposta de alteração na metodologia de funcionamento do PNAIC. É necessário, contudo, enfatizar que um dos pontos mais destacados positivamente pelos participantes, nas respostas das três edições da pesquisa do tipo survey, foi a oportunidade de trocar experiências e aprender a utilizar materiais e metodologias que apenas foram possíveis a partir da socialização e do encontro entre os pares. O emprego de plataformas virtuais, embora pudesse enriquecer o curso em alguns aspectos, provavelmente reduziria significativamente essas trocas de conhecimentos e experiências, ainda mais se somadas às dificuldades quanto ao uso das tecnologias de informação e comunicação por parte de um grande contingente de participantes do Pacto.

Como no ano anterior, também em 2014 a avaliação do PNAIC para a formação dos alfabetizadores foi considerada como positiva, pois um percentual de apenas 0,27% negou ou relativizou tal contribuição. A seguir, apresentamos os dados das respostas dos professores alfabetizadores sobre as contribuições do PNAIC em 2015

As dez palavras mais frequentes foram praticamente as mesmas que nos anos anteriores pois, em 2015, temos: sim (1070), prática (505), minha (420), muito (418), aula (373), sala (367), conhecimento (311), mais (272), aluno (249), contribuiu (232).

Nuvem de palavras – respostas dos professores
alfabetizadores acerca das contribuições do PNAIC (2015)
Figura 3
Nuvem de palavras – respostas dos professores alfabetizadores acerca das contribuições do PNAIC (2015)
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do banco de dados do PNAIC-MT (2015)

O curso contribuiu de forma significativa uma vez que possibilitou rever minha prática pedagógica e culminou no ótimo resultado na aprendizagem dos alunos de minha turma. (Resposta N. 338 – PNAIC 2015/Survey) O curso tem contribuído a cada ano, pois mudei minha prática em sala e no relacionamento com os alunos no que diz respeito às suas dificuldades peculiares. Agora minha sala sempre está decorada com livros para apreciação de leitura e local específico com materiais manipuláveis para as aulas de matemática. Meu planejamento e a rotina escolar sempre têm uma leitura deleite. Também aprendi a me policiar para sempre organizar as aulas com sequências didáticas. (Resposta N. 1273 – PNAIC 2015/Survey)

A palavra NÃO, em 2015, apareceu 42 vezes, sendo que com a conotação de negação das contribuições do PNAIC à formação do professor alfabetizador¸ consta apenas a resposta N. 773: “Não”. E, além disso, há duas que consideraram parcial a contribuição. São elas:

Em partes. Penso que este módulo alguns temas não foram muito relevantes. (Resposta N. 323 – PNAIC 2015/Survey) Parcialmente, muitas coisas não dão para trabalhar na prática devido à quantidade alunos na sala. (Resposta N. 676 – PNAIC 2015/Survey)

Portanto, apenas 0,17% consideraram que não contribuiu ou contribuiu parcialmente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM BREVE BALANÇO

Os dados aqui apresentados confirmam o quanto o PNAIC contribuiu para a formação de professores alfabetizadores, na perspectiva dos próprios sujeitos. Não é possível ignorar, contudo, que há outras questões envolvidas para que tenhamos educação de melhor qualidade e para todos, a exemplo do que enfatiza Saviani (2009):

[...] a questão da formação de professores não pode ser dissociada do problema das condições de trabalho que envolvem a carreira docente, em cujo âmbito devem ser equacionadas as questões do salário e da jornada de trabalho. Com efeito, as condições precárias de trabalho não apenas neutralizam a ação dos professores, mesmo que fossem bem formados. (p. 153)

Apesar disso, não podemos ignorar que a formação contínua pode contribuir no processo de aprendizagem, na constituição da história e profissionalização docente e que não deve ter como premissa o apagamento da trajetória de cada sujeito. Desse modo, constatamos que o Pacto marcou singularmente seus participantes, pois muitos destacaram o quanto o PNAIC em Mato Grosso, de uma forma não prescritiva, possibilitou-lhes a reflexão sobre a prática, a construção de caminhos, de estratégias para a alfabetização das crianças, sem abandonar a discussão teórica por meio de leituras e debates. Essa proposta de reflexão teórico-metodológica pautou-se no uso de um material de formação que, sem abrir mão da discussão teórica, trouxe uma linguagem mais acessível, menos acadêmica, mas não simplista. Portanto, ao ilustrar as leituras com exemplos e relatos de experiências de alfabetizadores, os cadernos demonstraram uma concepção respeitosa de formação, de protagonismo daqueles que, por não estarem habituados com as leituras e escritas de seus pares, não raro tiveram dificuldade de se colocarem como leitores e produtores de seus próprios textos. Neste sentido, os anais dos Seminários de Encerramento e as Coletâneas produzidas com textos dos participantes do PNAIC em Mato Grosso também se constituíram como importantes canais de registro e divulgação dessa história escrita a tantas mãos.

Sabemos que há muito a ser feito para que sejam garantidos os direitos de aprendizagem de todas as crianças, mas tê-los como norteadores da prática retiram o fracasso dos ombros dos alunos e envolvem todos – governos, gestores educacionais, docentes, instituições formadoras – com o compromisso de democratizar a educação de qualidade.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Formação de Professores no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Brasília: MEC/SEB, 2012.

_____. Portaria Nº 867, de 4 de julho de 2012. Institui o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa e as ações do Pacto e define suas diretrizes gerais. Diário Oficial da União, Nº 129, quinta-feira, 5 de julho de 2012, p. 22-23.

CARDOSO, Cancionila Janzkovski; CARDOSO, André Luís Janzkovski. Formação continuada no contexto do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa: alinhamento entre práticas, princípios formativos e objetivos. Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 11, n. 1, p. 89-106, jan./abr. 2016 99

ROJO, Roxane. Prefácio. In: CARDOSO, Cancionila Janzkovski. A socioconstrução do texto escrito: uma perspectiva longitudinal. Campinas-SP: Mercado de Letras, 2003, p.15-27.

SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40, jan./abr. 2009, p. 143-155.

SILVA, Ana Maria Costa e. A formação contínua de professores: Uma reflexão sobre as práticas e as práticas de reflexão em formação. Educação & Sociedade, ano XXI, n.72, Agosto/2000, p.89-109.

Notas

[4] A exemplo do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA) e do Pró-Letramento, políticas de formação de professores alfabetizadores desenvolvidas pelo MEC após o ano 2000.
[5] Este decreto presidencial institui o regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios para a tarefa de formação de professores, já previsto na Constituição de 1988 e na LDB 9.394/96, que visa descentralizar as ações educacionais e promover uma ação conjunta de responsabilização dos entes federados.
[6] Disponível em https://tagul.com

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