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A GEOMETRIA NA FORMAÇÃO DE NORMALISTAS EM TEMPOS DE ESCOLA NOVA: APROPRIAÇÕES MINEIRAS NA DÉCADA DE 1930

GEOMETRY IN NORMAL SCHOOLS FORMATION IN TIMES OF NEW SCHOOL: APPROPRIATIONS MINING IN 1930 DECADE

Maria Cristina Araújo de Oliveira
Universidade Federal de Juiz de Fora , Brasil

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática

Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil

ISSN-e: 2318-6674

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 2, núm. 1, 2014

revistareamec@gmail.com



DOI: https://doi.org/10.26571/2318-6674.a2014.v2.n1.p4-14.i5292

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Resumo: O artigo apresenta uma análise da presença da geometria na formação de normalistas no estado de Minas Gerais na década de 1930, no âmbito do movimento da escola nova. Foram examinados documentos da legislação mineira sobre a formação de professores primários no período, quando sob a influência dos ideais escolanovistas, são implantadas reformas, acompanhadas da criação da Escola de Aperfeiçoamento e da Revista do Ensino na década de 1920. A legislação que regulamenta a Escola de Aperfeiçoamento e volumes da Revista do Ensino também constituíram fontes para o presente estudo. Por meio da análise da Revista do Ensino pode-se perceber que uma das apropriações para o ensino ativo de geometria é a utilização de jogos como metodologia. No âmbito do estudo da forma, a construção de um jardim foi uma das atividades propostas para a exploração do conceito de área de polígonos e círculos.

Palavras-chave: história da educação matemática, geometria na formação de professores primários, ensino de geometria ativa.

Abstract: The article presents an analysis of the presence of geometry in the formation of primary teachers in the state of Minas Gerais in the 1930s, under the movement of the new school. Documents of Minas Gerais legislation on training primary teachers in the period were evaluated, when under the influence of the ideal of the new school reforms were implemented, accompanied with the creation of the Escola de Aperfeiçoamento and the Revista do Ensino in the 1920s. The Laws regulating the Escola de Aperfeiçoamento and volumes of the Revista do Ensino were also sources for the present study. Through analysis of the Revista do Ensino can be seen that one of the appropriations for the active teaching of geometry is the use of games as a methodology. Within the study of form, construction of a garden was one of the activities proposed to explore the concept of area of polygons and circles.

Keywords: history of mathematics education, geometry in primary teacher training, active teaching geometry.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo discute as apropriações mineiras do ideário escolanovista tomando como objeto de análise a presença da geometria na formação de normalistas na década de 1930. Imbuídos de ideais sobre educar o povo a fim de desenvolver o país, dirigentes do estado de Minas Gerais promovem reformas no ensino primário e nas escolas normais acompanhando a tendência nacional.

A década de 1920 testemunhou muitas mudanças no ensino primário e nas escolas normais. Vários estados brasileiros promoveram reformas elaboradas em grande medida pelos protagonistas do movimento escolanovista brasileiro, como a realizada em São Paulo, por Sampaio Dória, em 1920; no Ceará, por Lourenço Filho, em 1923; na Bahia, por Anísio Teixeira, em 1925; em Minas Gerais, por Francisco Campos, em 1927; no Distrito Federal, por Fernando de Azevedo, em 1928; e em Pernambuco, por Carneiro Leão, em 1929.

Para a análise consideramos como fontes primárias o Decreto n. 9.450, de 18 de fevereiro de 1930[2], que regulamenta o ensino normal no estado de Minas Gerais; o Decreto n. 9.653, de 30 de agosto de 1930[3], que regulamenta a Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais; e o Decreto n. 10.392, de 30 de junho de 1932[4], que aprova o programa de metodologia para as Escolas Normais de 1º e 2º graus. Além disso, em busca de uma aproximação das práticas docentes a partir da legislação e da circulação das propostas modernizadoras para a educação das crianças, consideramos também algumas edições da década de 1930 da Revista do Ensino em Minas Gerais.

As noções de estratégias, de táticas e de apropriação são mobilizadas para a análise das fontes de pesquisa aqui utilizadas. Para o historiador da educação Michel de Certeau (1994) as estratégias podem ser identificadas em propostas, determinações, leis que procuram parametrizar o funcionamento e as práticas de determinados grupos sociais. Mas essas não existem sem a efetiva realização que se situa no campo das táticas, ou seja, que levam em conta as apropriações dos grupos e sujeitos submetidos às estratégias. A noção de apropriação é tratada aqui segundo a perspectiva de Roger Chartier (1991), que enfatiza a pluralidade de interpretações, de usos e a liberdade criadora dos sujeitos em contato com textos, leis e normas. Para este autor, a ―apropriação visa uma história social dos usos e das interpretações, referidas a suas determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que as produzem‖ (CHARTIER, 1991, p.180).

Dito de forma esquemática pode-se considerar que a legislação se situa no campo das estratégias, enquanto a Revista, nessa perspectiva de análise, no campo das táticas.

A literatura sobre a escola nova no Brasil é bastante ampla no âmbito da história da educação, e muitas vertentes podem ser identificadas. Mas é possível traçar alguns pontos que caracterizariam, segundo Schueler e Magaldi (2009):

tendências gerais que darão o tom de uma cultura escolar escolanovista, ainda que esta esteja sendo definida em termos muito amplos e imprecisos. Entre estas, se situa a da cientificização progressiva das práticas educativas, aspecto que alimenta a necessidade de uma crescente especialização e legitimação do educador profissional e do próprio campo educacional, que assumia contornos mais nítidos, estimulando, por sua vez, a formação apropriada de professores em espaços concebidos para esta tarefa e inspirados pelos ideais renovadores. (SCHUELER & MAGALDI, 2009, p. 50)

2. UMA NOVA REGULAMENTAÇÃO PARA A ESCOLA NORMAL

A primeira Escola Normal do Brasil foi criada em 1830, em Niterói - a capital do Império era o Rio de Janeiro; em Minas Gerais, a primeira foi em Ouro Preto, em 1835, então capital da província.

Segundo Oliveira (2004), em Minas Gerais, a década de 1920 foi ―marcada pela atuação do presidente do estado, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, e do secretário dos Negócios do Interior, Francisco Campos.‖ A criação da Revista de Ensino; a abertura de bibliotecas escolares espalhadas pelo estado; a fundação da Escola de Aperfeiçoamento, importante centro de pesquisas e experimentação de novos métodos; a promoção de congressos e cursos e o envio de professores mineiros para estudarem nos Estados Unidos revelam as iniciativas realizadas na perspectiva educacional. ―Além disso, houve uma significativa expansão na rede escolar estadual: entre 1926 a 1930 foram criadas mais de três mil unidades de ensino Primário e vinte e uma Escolas Normais.‖ (OLIVEIRA, 2004, p. 86- 87)

Em 18 de fevereiro de 1930 foi aprovado pelo Secretário do Interior do estado de Minas Gerais, Francisco Campos, o Decreto n. 9.450 que regulamentava o ensino normal. O então Secretário justificou a aprovação como compromisso do Presidente do Estado de Minas Gerais, Antonio Carlos Andrada, com a reorganização do ensino público e que

não se poderá esperar nenhum progresso na instrucção primária se se não abordar de frente o complexo problema do ensino normal‖. E ainda para justificar a aprovação do Decreto, fez o seguinte comentário: ―os defeitos do ensino primário não estão nos seus programas, nem na organização do seu curriculum: estão no professor (MINAS GERAIS, 1930a, p. 5-7).

Esse Decreto recomendava aos professores atenção com o lado educativo e as metodologias das disciplinas que professavam, de maneira que as aulas fossem modelo do ponto de vista científico e literário. Do ponto de vista metodológico reservava os dois últimos anos dos cursos das escolas de aplicação do segundo grau a teoria e a prática das técnicas pedagógicas. Para o ensino preparatório, houve destaque aos exercícios complementares de forma que os alunos se acostumassem desde cedo a investigar, a se documentar, a tomar iniciativas pessoais, adquirindo assim responsabilidade e empenho no esforço pessoal. Ressaltava ainda a importância do aprofundamento dos professores do curso normal nos estudos dos programas primários para que pudessem orientar os alunos desde o começo nos ―processos e nos methodos de sua execução‖ (MINAS GERAIS, 1930a, p. 9).

O Decreto regulamentava a divisão do ensino normal em dois graus, sendo o segundo um curso mais longo, mais completo e oferecido pelo Estado, razão pela qual se aumentou o número de Escolas oficiais para que as cinco regiões do Estado pudessem ser servidas. Aos estabelecimentos particulares, com a fiscalização e assistência do Estado, coube oferecer o curso de primeiro grau, mais curto em sua duração e menos amplo em envergadura. Aos alunos diplomados do primeiro grau desses cursos, após um estágio de dois anos como professores primários, seriam aplicadas provas complementares para obtenção do diploma do segundo grau.

Enquanto não fosse possível a criação dos Cursos de Aperfeiçoamento, os Cursos de Aplicação fariam às vezes daqueles até que se pudesse organizá-los definitivamente. Em agosto do mesmo ano, 1930, a Escola de Aperfeiçoamento de Minas Gerais seria regulamentada por meio do Decreto n. 9.653.

Outra modificação introduzida no curso normal foi o desdobramento das cadeiras de física e química e história natural, resultando na criação das cadeiras de biologia e higiene e na de psicologia educacional, além de noções de puericultura. Longa argumentação justifica a introdução e a importância da psicologia educacional agora parte da formação do professor primário. Ao longo do texto podem ser encontradas frequentes referências à Claparède, Decroly e Dewey. A cadeira de história do Brasil e geral também foi transformada em história da civilização e da educação.

O ensino das escolas normais de segundo grau ficou então organizado em três cursos: o de adaptação, o preparatório e o de aplicação; com duração de dois, três e dois anos, respectivamente.

No curso de adaptação, as matérias seriam: português, francês, aritmética, noções de história do Brasil e educação cívica, geografia, noções de ciências naturais, desenho, educação física, música e canto coral, trabalhos manuais e modelagem. Não há referência no documento sobre a distribuição das matérias ao longo dos dois anos de curso.

O preparatório, com duração de três anos, incluía as seguintes matérias: português, francês, aritmética, geografia e chorografia do Brasil, geometria e desenho linear, desenho figurado, história do Brasil e educação cívica, física e química, história natural, trabalhos manuais e modelagem, música e canto coral, educação física; distribuídas da seguinte maneira: no primeiro ano- português, francês, aritmética, geografia, desenho, trabalhos manuais e modelagem, música e canto coral, educação física; no segundo ano- português, francês, aritmética, geometria, chorografia do Brasil, desenho, trabalhos manuais e modelagem, música e canto coral, educação física e finalmente no terceiro ano- português, francês, história do Brasil, física e química, história natural, desenho e educação física.

Observa-se que as matérias foram distribuídas de modo que Desenho constava dos três anos do curso preparatório, enquanto que geometria figurava exclusivamente no 2º ano. A Aritmética constava do 1º e 2º anos, e Trabalhos Manuais e Modelagem, no 1º ano. No último ano desse curso não há cadeiras que se relacionem diretamente com os saberes matemáticos.

O curso de aplicação, com duração de dois anos, tinha como objetivo a formação profissional dos aspirantes ao magistério primário e contemplava as seguintes cadeiras: psicologia educacional, biologia e higiene, metodologia, história da civilização – particularmente história dos métodos e processos da educação, prática profissional. A cadeira de metodologia receberá posteriormente regulamentação própria pelo Decreto n. 10.392, em 1932.

O Art. 23 do Capítulo II possibilitava aos normalistas diplomados das escolas do primeiro grau que tivessem exercido o magistério primário durante um ano, diplomarem-se no segundo grau se fossem aprovados em exames de francês, psicologia educacional, metodologia e prática profissional. (MINAS GERAIS, 1930a).

As cadeiras do curso normal de primeiro grau seriam: português e francês, aritmética e geometria, geografia, história do Brasil e educação cívica, ciências naturais, psicologia infantil e higiene escolar, desenho, trabalhos manuais e modelagem, metodologia, música e canto coral, educação física; distribuídas da seguinte forma nos três anos de curso: no primeiro ano- português, francês, aritmética, geografia, desenho, trabalhos manuais e modelagem, música e canto coral, educação física; segundo ano- português, francês, aritmética, noções de geometria, geografia e chorografia do Brasil, noções de ciências naturais, desenho, trabalhos manuais e modelagem, música e canto coral, educação física e, no terceiro ano, português, francês, história do Brasil e educação cívica, metodologia, noções de psicologia infantil e higiene escolar e prática profissional.

Nota-se que os saberes matemáticos estritos estavam alocados nos dois primeiros anos do curso; aritmética, desenho, trabalhos manuais e modelagem em ambos os anos; e noções de geometria exclusivamente no segundo ano.

3. A ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE MINAS GERAIS

Um dos elementos de destaque das reformas educacionais mineiras na década de 1930 foi a profissionalização do magistério e a instituição da carreira docente. Com a criação da Escola de Aperfeiçoamento, Francisco Campos pretendia formar uma elite pedagógica e cientificamente preparada, atualizada nas tendências educacionais escolanovistas para exercer ―as funções de professores de escolas normais, de diretores dos grupos escolares, de assistentes e orientadores técnicos que difundiriam as novas ideias e técnicas de ensino aprendidas por todo o estado de Minas Gerais.‖ (GOMES, 2011, p. 330).

O Decreto n. 9.653, de 30 de agosto de 1930 estabelecia a regulamentação para essa Escola. O primeiro artigo do Regulamento afirma que a Escola de Aperfeiçoamento destinava-se a dar aos professores primários uma técnica moderna de ensino. As matérias que seriam ministradas ao longo dos dois anos de curso eram: Biologia (incluindo a social), Psicologia Educacional (compreendendo psicologia geral e individual, desenvolvimento mental da criança, técnica psicológica e elementos de estatística), Metodologia Geral, Metodologia da Língua Pátria (linguagem, leitura e escrita), Socialização (compreendendo as atividades extracurriculares), Sociologia aplicada à educação, Desenho e modelagem, Educação física e Organização de biblioteca; todas no primeiro ano. No segundo ano, as matérias eram: Psicologia educacional (desenvolvimento mental da criança e técnica psicológica), Metodologia particular de cada matéria do curso primário, Metodologia de língua pátria (literatura infantil, composição, gramática e ortografia), Socialização, Estudos dos diversos sistemas escolares (nacionais e estrangeiros), Educação física, Desenho e Modelagem, Legislação escolar, Higiene escolar (compreendendo a alimentação). Para se candidatar a uma vaga na Escola, entre outras exigências, era preciso ter pelo menos dois anos de magistério no estado e ser menor de 35 anos.

O caráter eminentemente prático, com fins profissionalizantes da proposta para a Escola pode ser identificado ao longo de grande parte do documento, particularmente na orientação pedagógica, que afirma no Art. 5

Propondo-se dar aos professores primários uma technica de ensino, a Escola de Aperfeiçoamento nem se limitará a uma exclusiva preparação scientifica, nem somente á pratica profissional, mas combinará uma e outra, por fôrma que as suas alumnas pratiquem consciente e não mechanicamente os modos e processos didacticos. (MINAS GERAIS, 1930b, p. 7)

Sob a hipótese de que a Escola tem por finalidade transmitir e não elaborar ciência, a experimentação não é incentivada no texto. Pelo contrário, a menos de exceção bem discutida em reunião de professores, deveriam preponderar processos e formas didáticas já experimentadas e analisadas em tratados de educação. (IBIDEM)

Cabe destacar a presença do Desenho e Modelagem como matéria independente nos dois anos de formação. Enquanto que a geometria é mencionada de maneira bastante reduzida somente no Decreto n. 10.392, que aprova o programa de metodologia para as Escolas Normais de 1º e 2º graus. Nesse documento relativamente à Metodologia Especial, ministrada no segundo ano, entre a destacada descrição para o ensino de aritmética com a indicação do uso de jogos, lojas e bancos escolares, há uma pequena menção à geometria prática, aos gráficos e sua interpretação. (MINAS GERAIS, 1932, p. 576)

Em estudo sobre materiais autobiográficos, GOMES (2011) analisa textos de duas professoras mineiras que vivenciaram esse momento de reformulação das Escolas Normais. Uma delas, a professora Alda Lodi, esteve nos EUA, com financiamento do governo mineiro sob o gerenciamento do secretário Francisco Campos, se especializando no Teacher‘s College, da Universidade de Columbia, no período de 1927 – 1929. A professora atuou na Escola de Aperfeiçoamento logo no momento de criação da mesma, ministrando um curso de Metodologia da Aritmética. As apropriações da professora sobre o ideário da escola nova e os conhecimentos que adquiriu nos EUA foram investigadas por GOMES (2011) a partir de um manuscrito de 13 páginas que apresentaria a proposta da professora para suas futuras alunas.

Esses materiais são reveladores de práticas docentes realizadas a partir das vivências submetidas às iniciativas oficiais de reformulação do ensino normal. Particularmente, nesse texto a análise se detém ao ensino e atividade docente com a aritmética.

A análise da legislação buscando compreender a presença da geometria na formação de normalistas mineiras não permitiu perceber o papel desse saber nessa formação em tempos de escola nova. A busca de outras fontes mais próximas do cotidiano dos cursos das escolas normais se fez necessária para o aprofundamento da investigação.

Nesta perspectiva as revistas ou impressos pedagógicos são vistos como instrumentos de formação. A imprensa pedagógica, sendo o resultado de estratégias editoriais direcionadas à classe de professores, desempenha um papel significativo na disseminação de ideias e conhecimentos, entendidos como necessários e fundamentais para a atuação docente. Segundo Fernandes et al (2006), jornais e revistas destinados aos professores são percebidos como instâncias que exercem uma função importante na circulação e na produção de saberes – teorias, modelos, práticas, experiências, entre outros.

4. A GEOMETRIA NA REVISTA DO ENSINO EM TEMPOS DE ESCOLA ATIVA

A Revista do Ensino foi uma publicação oficial da Inspetoria Geral da Instrução do Estado de Minas Gerais. Foi criada em 1892, mas desativada após a publicação de apenas três números. Foi relançada em março de 1925, sendo interrompida entre os anos de 1940-1946 devido à Segunda Guerra Mundial, voltando a circular até 1971. (BICCAS, 2008)

Segundo Biccas (2008) a Revista do Ensino pode ser considerada ―como um dispositivo de normatização pedagógica e de ampliação da cultura educacional dos professores‖ (BICCAS, 2008, p. 197).

No início da década de 1930 a Revista foi um importante veículo de divulgação e discussão sobre as propostas e a implementação de novas práticas a partir da influência do movimento escolanovista.

Examinando edições dos anos de 1930 a 1933, poucos indícios de proposições, atividades, textos explicitamente voltados ao ensino de geometria foram encontrados.

A Revista do Ensino Ano V – n. 50, 51 e 52 de out./nov./dez. de 1930[5] apresentava alguns trabalhos desenvolvidos na Escola de Aperfeiçoamento. Segundo os editores, na apresentação do volume, deveria acrescentar-se que

ao lado das aulas propriamente ditas, em que se passa em revista, por forma viva e interessante, o que ha de importante nas varias especialidades, - ha um fecundo trabalho de pesquisas no campo da psychologia e da methodologia de que muito se espera, não só para a fixação de novos processos de ensino, como também para o conhecimento da creança brasileira, o que é fundamental em qualquer organização de ensino. (Revista do Ensino Ano V – n. 50, 51 e 52 de out./nov./dez., 1930, p. 2)

Um artigo inicial exemplifica, por meio de uma história, a sala de aula antes das propostas da escola nova e na sequência mostra uma situação em classe que revelava a má compreensão da professora dessas propostas. Por último a autora ponderava pela busca do equilíbrio entre a liberdade das crianças e a autoridade e a função educativa do professor e da escola.

A ―escola ativa‖ quer que se prepare a criança para a vida que a espera, aproximando-a tanto quanto possível, daquillo que a vida do homem verdadeiramente é. A ―escola ativa‖ é a escola do trabalho. Mas do trabalho adaptado á natureza, ao gosto, á indole espiritual da infância. (VASCONCELLOS, 1930, p. 5)

Esse volume da Revista apresenta também várias monografias de alunas da Escola de Aperfeiçoamento. Há poucas referências às observações, metodologias e propostas para o ensino de geometria ou de desenho nesse volume. Identificamos apenas na monografia intitulada Conduta das crianças durante as aulas (que nos assistimos) em relação à geometria a metodologia usada foi o jogo. Times formados pelos alunos disputavam dizer o nome das figuras geométricas. (Revista do Ensino Ano V – n. 50, 51 e 52 de out./nov./dez., 1930, p. 177).

Em outro volume da Revista do Ensino, Ano VII – n. 80 jan. de 1933[6], também no espaço destinado aos relatórios de aulas observadas, foi possível identificar uma atividade sobre o estudo da forma que, numa perspectiva mais abrangente em termos de saberes geométricos, pressupõe conteúdos de geometria. Trata-se na verdade de uma proposta de atividade de feição prática sobre áreas. O estudo deveria ser feito na parte do terreno da escola destinada à construção de um jardim, a partir desse espaço deveriam ser estudados o quadrilátero, o círculo, a circunferência para a construção dos canteiros. (Revista do Ensino, Ano VII – n. 80 jan., p. 36 de 1933).

O exame dos exemplares da Revista no período de 1930 a 1933 disponibilizados no repositório da UFSC[7] revelam a grande preocupação em explicar, exemplificar e discutir os novos métodos de ensino que deveriam ser incorporados pelos professores primários. Neste sentido, muitos artigos apresentavam discussões mais teóricas sobre psicologia, pedagogia e metodologia. Algumas disciplinas receberam especial atenção. Observa-se, por exemplo, uma quantidade representativa de artigos tratando especificamente do ensino de educação física e de geografia.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exame da legislação que parametrizou a formação das normalistas mineiras na década de 1930, sob a influência da escola nova, revelou a presença da geometria em proporção bastante reduzida quando comparada à presença marcante do desenho como saber importante e independente prescrito de forma destacada. A análise das diferentes edições da Revista do Ensino revelou poucos indícios do trabalho realizado e das propostas defendidas para o ensino ativo de geometria. O uso de jogos no trabalho com as figuras geométricas foi o principal exemplo encontrado de uma metodologia para esse ensino. Mais significativo da atividade é a proposta de explorar a construção de um canteiro no jardim da escola para o estudo de figuras geométricas no âmbito do estudo da forma.

A investigação sobre a geometria presente na formação de normalistas no período da escola nova, em particular em Minas Gerais, carece ainda de aprofundamentos. Novas pesquisas, novas fontes podem trazer mais compreensão sobre as efetivas mudanças que esse importante momento da educação nacional gerou nessa formação.

Não houve grandes alterações no ensino de geometria no primário com a chegada da vaga escolanovista, segundo concluem Valente & Leme da Silva (2012), uma vez que foi possível conciliar a taquimetria – marca do ensino intuitivo – com um ensino de caráter experimental. O mesmo ainda não pode ser dito em relação ao ensino de geometria no âmbito da formação dos professores primários sendo necessário um aprofundamento da investigação.

BIBLIOGRAFIA

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CHARTIER, R. O mundo como representação. Estudos avançados – 11(5), IEA USP, São Paulo, p. 173 – 191, 1991.

FERNANDES, A. L. C. et al. Aspectos da imprensa periódica educacional em Lisboa e no Rio de Janeiro (1921 – 1963). Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, p 44-54, 2006.

GOMES, M. L. M. O ensino de aritmética na escola nova: contribuições de dois escritos autobiográficos para a história da educação matemática (Minas Gerais, Brasil, primeiras décadas do século XX). Revista Latinoamericana de Investigación en Matemática Educativa 14(3), p. 311 – 334, 2011.

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MINAS GERAIS. Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública. Decreto n. 10.392 de 30 de junho de 1932, MG. Aprova o programa de metodologia para as Escolas Normais de 1º e 2º graus. Disponível em: http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/122344. Acesso em: 23 de set. 2014.

MINAS GERAIS. Secretaria do Interior do estado de Minas Gerais. Decreto n. 9.450 de 18 de fevereiro de 1930a, MG. Regulamenta o ensino normal. Disponível em: http://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/125158. Acesso em: 23 de set. 2014.

OLIVEIRA, D. G. Memórias e representações acerca da Escola Normal de Juiz De Fora. Cadernos de História da Educação - nº. 3 - jan./dez., p.85 – 95, 2004. REVISTA DO ENSINO. Belo Horizonte: Inspetoria Geral da Instrucção. Ano V – n. 50, 51 e 52 de out./nov./dez., 1930.

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SCHUELER, A. F. M. ; MAGALDI, A. M. B. M. Educação escolar na Primeira República: memória, história e perspectivas de pesquisa. Tempo – Revista do Departamento de História da UFF, v. 26, p. 32-55, 2009.

VALENTE, W. R. ; LEME DA SILVA, M. C.. A geometria dos grupos escolares: Matemática e Pedagogia na produção de um saber escolar. Cadernos de História da Educação (UFU. Impresso), v. 11, p. 559-571, 2012.

VASCONCELLOS, M. R. G. Methodologia geral - disciplina. Revista do Ensino Ano V – n. 50, 51 e 52 de out./nov./dez., p. 3-6, 1930.

Notas

[7] Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/1769, sediado na Universidade Federal de Santa Catarina, sob a coordenação do professor David Antonio da Costa. O ambiente virtual reúne fontes de diferentes estados brasileiros no âmbito do projeto de pesquisa ―A Constituição dos Saberes Elementares Matemáticos: a aritmética, a geometria e o desenho no curso primário em perspectiva histórico-comparativa, 1890-1970‖, que conta com apoio do CNPq e é coordenado pelo professor Wagner Valente.

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