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JOGOS DE LINGUAGEM E GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA: UMA TERAPIA WITTGENSTEINIANA
Person Gouveia dos Santos Moreira; Thiago Pedro Pinto
Person Gouveia dos Santos Moreira; Thiago Pedro Pinto
JOGOS DE LINGUAGEM E GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA: UMA TERAPIA WITTGENSTEINIANA
LANGUAGE GAMES AND EUCLIDEAN FLAT GEOMETRY: A WITTGENSTEIN’S THERAPY
JUEGOS DE LENGUAJES Y GEOMETRÍA EUCLIDIANA PLANA: UNA TERAPIA WITTGENSTEINIANA
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol. 9, núm. 1, 2021
Universidade Federal de Mato Grosso
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Resumo: Este trabalho reporta uma investigação, a partir da dúvida de a geometria euclidiana plana ser abordada de modo diferente em livros distintos, utilizados na formação de professores de matemática na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Assim, com base no levantamento de ementas e bibliografias de disciplinas de geometria nos cursos de Licenciatura em Matemática da UFMS, foram analisados os livros Geometria Euclidiana Plana, de João Lucas Barbosa (2006), que vinha sendo utilizado por muitos anos em praticamente em todos os cursos de Licenciatura em Matemática, da referida Universidade e, por questões logísticas, foi substituído por Geometria Euclidiana Plana e Construções Geométricas, de Eliane Quelho Frota Rezende e Maria Lúcia Bontorim de Queiroz (2000), em busca de semelhanças e diferenças entre ambos. Ancorada na perspectiva dos jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein, a referida análise desses dois manuais pautou-se na averiguação de como se constituíam os jogos de linguagem nestes manuais. Para tanto, foi praticada uma Terapia Bibliográfica com a Geometria Euclidiana Plana, seus axiomas, postulados e teoremas, tendo em conta que jogos de linguagem estão sempre assentados em formas de vida. Assim a leitura se inspirou em possíveis usos destes manuais didáticos em salas de aula de formação de professores de Matemática. Foram constatadas várias dessemelhanças, tais como diferentes palavras usadas em um mesmo sentido, usos de uma mesma palavra de formas próprias e encadeamentos lógicos singulares, caracterizando, assim, diferentes jogos de linguagem, diferentes Geometrias Euclidianas Planas.

Palavras-chave: Jogos de Linguagem, Livros didáticos, Geometria Euclidiana Plana.

Abstract: This work reports an investigation, based on the doubt that flat Euclidean geometry is approached differently in different books, used in the formation of mathematics teachers at the Federal University of Mato Grosso do Sul - UFMS. Thus, based on the survey of menus and bibliographies of geometry disciplines in the Mathematics Degree courses at UFMS, the books Euclidean Flat Geometry, by João Lucas Barbosa (2006), which had been used for many years in practically all degree courses that were analyzed. For logistical reasons, UFMS replaced this book with Euclidean Flat Geometry and Geometric Constructions, by Eliane Quelho Frota Rezende and Maria Lúcia Bontorim de Queiroz (2000), in search of similarities and differences between both. Anchored in the perspective of Ludwig Wittgenstein's language games, the aforementioned analysis of these two manuals was based on the investigation of how language games were constituted in these manuals. For this research, a Bibliographic Therapy with Flat Euclidean Geometry, its axioms, postulates and theorems was practiced, considering that language games are always based on life forms. Thus, the reading was inspired by the possible uses of these textbooks in mathematics teacher training classrooms. Several dissimilarities were found, such as different words used in the same sense, use of the same word in their own ways and unique logical chains, thus characterizing different language games, different Flat Euclidean Geometries.

Keywords: Language-Games, Didactic books, Euclidean Flat Geometry.

Resumen: Este trabajo reporta una investigación, basada en la duda de que la geometría euclidiana plana se aborda de manera diferente en diferentes libros, utilizados en la formación de profesores de matemáticas en la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Así, a partir del relevamiento de menús y bibliografías de asignaturas de geometría en los cursos de graduacíon en Matemáticas de la UFMS, los libros Geometría Euclidiana Plana, de João Lucas Barbosa (2006), que habían sido utilizados durante muchos años en prácticamente todos los cursos de Graduacíon en Matemáticas, de esa Universidad y, por razones logísticas, fue intercambiado por Geometría plana euclidiana y construcciones geométricas, de Eliane Quelho Frota Rezende y Maria Lúcia Bontorim de Queiroz (2000), en busca de similitudes y diferencias entre ambas. Anclado en la perspectiva de los juegos de lenguaje de Ludwig Wittgenstein, el análisis antes mencionado de estos dos manuales se basó en la investigación de cómo se constituían los juegos de lenguaje en estos manuales. Para ello se practicó una Terapia Bibliográfica con Geometría Plana Euclidiana, sus axiomas, postulados y teoremas, teniendo en cuenta que los juegos de lenguaje siempre se basan en formas de vida. Así, la lectura se inspiró en los posibles usos de estos libros de texto en las aulas de formación de profesores de matemáticas. Se encontraron varias disimilitudes, como diferentes palabras utilizadas en el mismo sentido, usos de la misma palabra a su manera y cadenas lógicas únicas, caracterizando así diferentes juegos de lenguaje, diferentes geometrías planas euclidianas.

Palabras clave: Juego de Lenguaje, Libros Didácticos, Geometría Euclidiana Plana.

Carátula del artículo

Educação Matemática

JOGOS DE LINGUAGEM E GEOMETRIA EUCLIDIANA PLANA: UMA TERAPIA WITTGENSTEINIANA

LANGUAGE GAMES AND EUCLIDEAN FLAT GEOMETRY: A WITTGENSTEIN’S THERAPY

JUEGOS DE LENGUAJES Y GEOMETRÍA EUCLIDIANA PLANA: UNA TERAPIA WITTGENSTEINIANA

Person Gouveia dos Santos Moreira1
Escola do Sesc Unidade Horto em Campo , Brasil
Thiago Pedro Pinto2
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 9, núm. 1, 2021

Recepção: 17 Setembro 2020

Aprovação: 28 Setembro 2020

Publicado: 10 Março 2021


1. INTRODUÇÃO

Quando olhamos para um determinado objeto, muitas vezes não atentamos para seus detalhes e optamos por classificá-los por seus “traços essenciais”: estes são quadros, aquelas são fotos, estes são azuis, aqueles são brancos. Quando fazemos isso – e muitas vezes isso pode ser extremamente relevante –, reduzimos as demais características a meras “particularidades”, que podem, muitas vezes, ser ignoradas. É bastante comum na filosofia ocidental e, principalmente no cristianismo, a crença numa essência das coisas ou das pessoas. E, para além da essência, sobram apenas trivialidades, aspectos de menor importância.

A virada linguística possibilitou um olhar apurado para a linguagem, para os nossos modos de entendimento dela(s). Se por um lado há concepções que defendem que todas as línguas teriam relações escondidas entre si, enraizadas no modo como as palavras poderiam representar o mundo, outras abordagens vão defender justamente o oposto, certa singularidade em cada língua, em cada jogo de linguagem. Ludwig Wittgenstein se esmerou em encontrar as relações essenciais entre linguagem e mundo, especialmente em seu Tractatus Logico-Philosophicus (1968). Contudo, após alguns anos afastado da academia e dedicado a atividades diversificadas, retomou a escrita e propôs um novo modo de pen sar a linguagem, sem essências, sem traços gerais. Linguagens (no plural), jogos de linguagem, localmente situados, com suas regras e modos próprios de operar – ancorados nas formas de vida[3].

Neste contexto, cada particularidade se torna importante, pois nos ajuda a distinguir os jogos e, também, em certo sentido, a jogá-los. Os significados das palavras deixam de ser “coisas” do mundo à qual estão essencialmente relacionadas, passando a serem tomados como os modos de uso de cada palavra ou expressão em cada jogo de linguagem.

Nesta atenção para as particularidades, nuances, se insere nossa investigação. Lançaremos nosso olhar para dois livros de Geometria Euclidiana Plana, utilizados em cursos de formação de professores de Matemática na UFMS. Nosso tema de investigação surgiu da prática profissional. Ao atuar como docente na disciplina de Elementos de Geometria Plana para o curso de Licenciatura em Matemática na modalidade a distância, o segundo autor deste texto elaborou diversas atividades orientadas e alguns vídeos explicativos sobre alguns teoremas, todos pautados no livro de Barbosa (2006), que até então estava em uso. Um ou dois anos depois, já para outras turmas, os polos de apoio presencial receberam o livro de Rezende e Queiroz (2000) em número suficiente para todos os alunos. Optou-se, então, por tornar esse o texto principal na disciplina. Ao revisitar as atividades já planejadas para anos anteriores, percebeu-se a impossibilidade do seu uso “direto”. Não se tratava apenas da numeração de páginas, mas a reordenação de conteúdos e de alguns teoremas. Essas primeiras diferenciações percebidas despertaram o intuito de observar mais rigorosamente essas diferenças e semelhanças em uma pesquisa de mestrado, conduzida pelo primeiro autor deste texto e orientada pelo segundo.

Diante das inúmeras minúcias que gostaríamos de olhar e de toda empreitada de estudos teórico-metodológicos que nossa ação demandaria, escolhemos limitar nossas buscas em cada livro até o capítulo onde se apresentaria o quinto postulado de Euclides (ou seu equivalente). Não tínhamos uma metodologia a priori, mas o grupo de pesquisa tem trabalhado próximo a abordagens filosóficas, particularmente à filosofia de linguagem de Wittgenstein, que nos dá posicionamentos epistemológicos (ou contraepistemológicos ao negar a cientificidade do racionalismo, como única forma de conhecer a verdade e de relativizar a própria ideia de “verdade”) e também metodológicos, ao fazer críticas a alguns modos de filosofar e, em sua própria empreitada, empregar modos de fazer filosofia.

Buscamos inspirações em trabalhos de educação matemática que também se apoiaram na filosofia de linguagem do segundo Wittgenstein[4], por exemplo, o trabalho de Pinto (2009) que mapeou usos da linguagem em sala de aula de matemática, sustentado em Wittgenstein e no Modelo dos Campos Semânticos de Lins (1999). Pinto (2009) filmou aulas de matemática e teceu suas análises com base nesses vídeos, empreitada metodologicamente diferente do que estávamos nos propondo fazer: tecer olhares a partir de nossas leituras dos livros.

No entanto, tínhamos algo em comum com esses trabalhos, como pano de fundo de nossa questão. Acreditávamos na importância de evidenciar como aspectos da linguagem podem ser preponderantes para as aulas de matemática e constituírem, por suas particularidades, jogos próprios daqueles ambientes, que não são meras traduções (transposições) de matemáticas de outra ordem. No seu mapeamento, Pinto (2009) destacou, em consonância com o pensamento de Wittgenstein, como cada palavra pode ganhar significados diferentes, conforme o contexto, o modo de uso, a maneira que é empregada: os significados são os usos. Para a sala de aula, esta não estabilização ou negociação de significados com os alunos pode trazer dificuldades ao ensino e à aprendizagem da matemática:

Podemos pensar, então, que a palavra “reta” pode ser usada de diferentes formas em diferentes jogos de linguagem, possuindo assim, segundo Wittgenstein, diferentes significados. Se consultarmos, por exemplo, um dicionário (um registro de jogos de linguagem e, ele próprio, um jogo de linguagem particular), encontraremos algumas formas diferentes de se usar a palavra “reta”, ou seja, alguns significados diferentes para diferentes jogos de linguagem. Isto significa que “Reta” pode ser usada (a) para falar de um objeto matemático; (b) como adjetivo para coisas ou pessoas; (c) é possível (é lícito) tanto falar que “uma pessoa é reta com seus deveres” quanto, como na frase de Voltaire: (d) “Um genealogista prova a um príncipe que este descende em linha reta de um conde...” etc (PINTO, 2009, p. 73, grifos do autor).

Trazemos tal apontamento em nossa pesquisa, pois uma das principais dessemelhanças entre os manuais foi, justamente, quanto à linguagem usada por eles. No apontamento de Pinto (2009), ele fala em palavras com significados diferentes de acordo com os usos. Em nossa pesquisa (MOREIRA, 2018), deparamo-nos com duas palavras distintas que parecem possuir o mesmo uso em ambos os jogos de linguagem: postulado e axioma:

Ainda nas observações quanto à linguagem usada pelos autores em seus respectivos manuais, apontamos outra peculiaridade no que diz respeito à nomenclatura das afirmativas que devem ser tomadas como verdade “sem demonstrações”, as autoras Rezende & Queiroz (2000) chamam de POSTULADOS, já Barbosa (2006) opta pela palavra AXIOMA. Em nossa leitura, nos parece que os autores buscam sentidos semelhantes para estas duas palavras (postulado/axioma), elas parecem designar uma sentença que não deve ser questionada, tampouco provada (MOREIRA, 2018, p.47, grifo do autor).

Essa observação nos motivou a olhar mais cuidadosamente para postulados e axiomas. Questionamo-nos se as diferenças estariam apenas nos nomes ou se seriam mais profundas. Na obra de Euclides, há uma clara distinção entre essas duas palavras.

Em seguida nos apropriamos do entendimento de Vilela (2007) que faz um estudo sobre as adjetivações da matemática na literatura da Educação Matemática, tais como: matemática escolar, matemática da rua, matemática acadêmica, matemática popular e matemática do cotidiano, cada uma delas oriundas de uma determinada forma de vida. A autora evidencia como cada uma dessas matemáticas tem suas particularidades e modos de conceber a natureza dos números, operações e finalidades de seu aprendizado. Ela mostra ainda que algumas delas são diametralmente opostas em muitos aspectos, como a matemática escolar e a da rua. Suas considerações apontam para uma multiplicidade de matemáticas:

A primeira coisa a ser dita sobre isso é que abalar a imagem de uma matemática única é, por si só, pedagógico, uma vez que possibilitaria a produção de práticas culturais emancipadoras em todos os espaços institucionais (escolares ou extra-escolares) mobilizadores de cultura matemática: o conhecimento não é o espelho do mundo, e muito menos, de um único mundo, de uma única forma de vida. Isso porque, a imagem de uma matemática única é geradora do risco de personificação do coletivo, que pode ter implicações negativas no sentido de estimular a imobilidade, o sentimento de impotência e a falta de iniciativa dos sujeitos. Além disso, a imagem de uma matemática única é geradora da discriminadora e ideológica crença de que as diversas práticas mobilizadoras de cultura matemática realizadas por diferentes comunidades de prática estariam mobilizando matemáticas imperfeitas, isto é, aspectos deformados e deformadores de uma suposta matemática verdadeira (VILELA, 2007, p. 239).

Pelo que considerou Vilela (2007), os jogos de linguagem dessas matemáticas, apesar de apresentarem semelhanças de família entre si, acabam sendo jogos diferentes, pois são praticados em formas de vida diversas e seguindo regras específicas, o que os caracteriza como jogos de linguagem próprios. Em assim sendo, temos trabalhado em uma perspectiva na qual é possível se falar em diferentes matemáticas. Foi-nos interessante olhar para a Geometria Euclidiana Plana também com essa visão de múltiplas matemáticas, em nosso caso, múltiplas geometrias. Ao final, tendo evidenciado tantas particularidades e nuances, ainda que muitas semelhanças de família possam ser notadas, não faz sentido entendê-la como uma Geometria Euclidiana Plana una, que apenas se mostra de formas diferentes, com linguagens diferentes. Pelo contrário, são justamente esses traços que as constituem.

2. LINGUAGEM E GEOMETRIA

Nossa pesquisa se desenvolveu assentada em jogos de linguagem de Ludwig Wittgenstein, filósofo austríaco que viveu no século XX e, em meados deste, apresentou sua visão sobre a linguagem, inspirado nas teorias de Bertrand Russell (1872-1970) e Friedrich L. G. Frege (1848-1925). Este movimento filosófico ficou conhecido como a virada linguística[5]. Antes desse movimento, a linguagem era tomada como apenas uma ferramenta para se estar no mundo, não como constituinte deste. O que é possível dizer? Qual a relação da nossa linguagem com o nosso mundo? “Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo” asseverava Wittgenstein (1968, p.44) já na sua primeira fase.

A filosofia de Wittgenstein está ligada, de modo íntimo, ao logicismo de Russell e Frege. Esses dois pensadores se entregaram à tarefa de formular os princípios de um pensamento logicamente rigoroso. Entre Russell e Wittgenstein ocorreu um caso mútuo de influência, reconhecida pelo próprio Russell. (PENHA, 2013, p.28).

Seu incomodo com os problemas da filosofia perpassava a questão da linguagem:

Trata de problemas filosóficos e mostra, creio eu, que o questionar desses problemas repousa na má compreensão da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: em geral o que pode ser dito, o pode ser claramente, mas o que não se pode falar deve-se calar (WITTGENSTEIN, 1968, p. 53).

A obra que marca sua segunda fase, publicada postumamente, também tenta atacar os problemas filosóficos, mas dando a eles outra resposta, não mais a busca por expressões logicamente claras e exatas, mas, justamente, o olhar para como a linguagem ocorre em seus ambientes comuns e ordinários. Retirar as palavras desses usos é criar falsos problemas filosóficos. Esta abordagem trazida em sua segunda fase é a que tem maior ressonância atualmente, tendo influenciado, sobremaneira, os modos de pensar contemporâneos.

Sua maneira de entender a linguagem como linguagens (no plural), ou seja, os jogos de linguagem, é central em nosso estudo. Não tencionamos, contudo, trazer uma definição “precisa” de jogos de linguagem, visto que, segundo nos parece, a própria escolha da palavra jogo já tenta fugir de definições rigorosas e aposta na metáfora e na comparação com os jogos no sentido mais simples e usual da palavra, que, como bem mostra Wittgenstein nas Investigações Filosóficas, foge a delimitações ou traços essenciais. Como qualquer jogo, aprende-se a jogar jogando. Nosso texto está recheado de usos desta expressão, assim nosso leitor poderá entender nosso modo de usá-la. Pensar uma definição seria abandonar seus contextos de uso. Tomemos a palavra “bomba”[6], por exemplo, quantas possibilidades de uso distintas tem esta palavra?

O que designam, pois, as palavras dessa linguagem? – O que elas designam, como posso mostrar isso, a não ser na maneira de seu uso? E este uso já descrevemos. A expressão “esta palavra designa isso” deveria, portanto, ser uma parte dessa descrição. Ou: a descrição deve levar à forma: “a palavra.... Designa....” (WITTGENSTEIN 1984, p. 13, grifos do autor).

O que trará sentido à palavra é o seu modo de uso em cada jogo de linguagem. O trabalho de Pinto (2009) ressalta este aspecto no evento[7] “Definições dadas no/pelo uso”, no qual ele explora a fala de uma professora, ao definir com os alunos “mediana”, imediatamente vinculada à pergunta: “O que a gente tem que fazer?”. E o protocolo de ação passa a ser então a própria definição do termo, ou seja, para propor um entendimento da palavra mediana a professora propõe o seu uso, uma ação, “o que fazer” com ela (PINTO, 2009).

A linguagem não é universal, está atrelada a práticas sociais e formas de vida. Nesta segunda fase de Wittgenstein, a linguagem está relacionada com a forma de vida na qual se engendra, criando assim um jogo de linguagem específico para aquele uso. E é nessa perspectiva que fundamentamos nosso trabalho: essa filosofia dos jogos de linguagem que usamos em nossa Terapia Bibliográfica.

Chamamos de Terapia Bibliográfica o movimento análogo à terapia filosófica, praticada exclusivamente a partir de livros, no caso, os dois manuais de Geometria Euclidiana Plana, o de João Lucas Barbosa (2006) e o de Eliane Quelho Frota Rezende e Maria Lúcia Bontorim de Queiroz (2000). Vilela (2010, p. 435) aponta como foco da Terapia Filosófica de Wittgenstein: “[...] desfazer imagens exclusivistas através da descrição dos diversos usos que são feitos de um conceito ou palavra na prática linguística e com isso evidenciar que os usos não convergem para um significado único, para uma essência” (VILELA, 2010, p. 435). “Mostra-se agora, isto sim, um método por exemplos, e a série desses exemplos pode ser interrompida. – Resolvem-se problemas (afastam dificuldades), não um problema. Não há um método da filosofia, mas sim métodos, como que diferentes terapias” (WITTGENSTEIN, 2009, §133).

Em uma perspectiva wittgensteiniana, não tivemos a intenção de classificar ou hierarquizar os manuais, mas comparar seus jogos de linguagem, não para identificar o que seria correto ou incorreto, melhor ou pior apresentado, mas tão somente com o intuito de evidenciar aquilo que, mesmo manifesto, não nos salta aos olhos em um primeiro olhar. Ao falar de Terapia Filosófica, uma outra expressão se faz presente, o olhar panorâmico. Um olhar panorâmico é justamente observar uma diversidade de jogos de linguagem e perceber como certas palavras ou expressões podem ser usadas em cada um destes jogos, como suas regras se alteram, evidenciando-os.

Uma fonte principal de nossa incompreensão é que não temos uma visão panorâmica do uso de nossas palavras. – Falta caráter panorâmico à nossa gramática. – A representação panorâmica permite a compreensão, que consiste justamente em “ver as conexões”. Daí a importância de encontrar e inventar articulações intermediárias. O conceito de representação panorâmica é para nós de importância fundamental. Designa nossa forma de representação, o modo pelo qual vemos as coisas (É isto uma ‘visão do mundo’?) (WITTGENSTEIN, 2009, §122, grifo do autor).

É neste sentido que empregamos acima a palavra panorâmica(o) e a associamos à “comparação”: olhar para a diversidade e respeitá-la, mas ressaltando suas diferenças. Procuramos então descrever jogos de linguagem em dois manuais didáticos distintos que apresentam semelhanças e dessemelhanças, jogos que são linguagens completas, não representações de um ideal pertencente à Realidade Platônica:

Nossos claros e simples jogos de linguagem não são estudos preparatórios para uma futura regulamentação da linguagem, - como que primeiras aproximações, sem considerar o atrito e a resistência do ar. Os jogos de linguagem figuram muito mais como objetos de comparação que, através de semelhanças e dessemelhanças, devem lançar luz sobre as relações de nossa linguagem (WITTGENSTEIN, 2009, §.130, grifo do autor).

Dessa forma, nossa intenção foi descrever, em um movimento terapêutico, esses manuais, tendo sempre como horizonte de leitura um possível aluno usuário deles[8] que, de certa forma, vale-se desse recurso em sua forma de vida: o curso de Licenciatura em Matemática. Levamos, em certo sentido, a Geometria Euclidiana Plana ao divã, por meio da manifestação de jogos de linguagem da escritura de livros-texto (manuais) para o seu ensino. Contudo, não pretendemos com isso validar ou fundamentar estes jogos, como discorre Wittgenstein (2009, §124, grifo do autor):

A filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso efetivo da linguagem; em último caso, pode apenas descrevê-lo. Pois também não pode fundamentá-lo. A filosofia deixa tudo como está. Deixa também a matemática como está, e nenhuma descoberta matemática pode fazê-la progredir. Um “problema central da lógica matemática” é para nós um problema de matemática como um outro qualquer.

Wittgenstein propõe então um novo modo de fazer filosofia, um modo terapêutico, abandonando qualquer intenção metafísica, como descreve Miguel (2016, p. 03):

Associei esta imagem àquela que Wittgenstein faz da filosofia, porque ela me parece representar bem a batalha incansável travada por esse filósofo contra os modos metafísicos de pensar. Se as passagens mencionadas parecem sugerir que Wittgenstein reduziria, até quase ao esvaziamento, a importância e o propósito da Filosofia, as que se seguem parecem sugerir que ele estaria, na verdade, redefinindo o seu papel.

Todavia, olhar para essas duas literaturas, pautados em uma visão relativista e contextual, não foi uma tarefa simples, visto que estas são embasadas justamente por um modelo axiomático, carregado de essencialismo, regras próprias de se operar, que inclui o abandono da “coisa em si”, para se aproximar do objeto Real (Platônico). Nesse movimento terapêutico, pensamos os livros como um elemento de um jogo de linguagem, praticado em uma sala de aula de formação de professores de matemática, assim, consideremos que este objeto estará em uso por outras pessoas, que, por sua vez, agregam outros jogos de linguagem a este.

3. LEVANDO OS DOIS MANUAIS AO DIVÃ

Praticando a Terapia Bibliográfica em ambos os manuais, pudemos observar que, quanto mais olhávamos para as minúcias, mais seus jogos de linguagem se distanciavam. Como já anunciamos, limitamos nosso olhar até os capítulos, onde era apresentado o equivalente ao “quinto postulado de Euclides”[9]. O livro de Rezende e Queiroz (2000) o faz no seu capítulo 4, ao passo que Barbosa (2006) o faz no capítulo 6. Uma primeira diferença nos manuais chamou-nos a atenção: o uso das palavras postulado e axioma. A tradução mais recente dos Elementos de Euclides do grego antigo para o português, publicada, em 2009, por Irineu Bicudo, ressalta que, para o geômetra grego, tratava-se se de coisas diferentes, ainda que ambas não carecessem de demonstração, ou seja, deveriam ser tomadas como verdades. A enunciados bastante semelhantes, as autoras Rezende e Queiroz (2000) chamam de postulados, ao passo que Barbosa (2006) opta pela palavra axioma.

Notamos também os autores se divergindo quanto à organização de seus Postulados/Axiomas, pois, para as autoras Rezende e Queiroz (2000), tal organização é realizada fazendo uma classificação linear de seus postulados, enumerando-os de 1 a 13. Já Barbosa (2006), classifica seus axiomas, usando Algarismos Romanos, variando de I à V, com subclassificações utilizando algarismos indo-arábicos, subscrito aos algarismos romanos, ou seja, em agrupamentos. Não obstante Rezende e Queiroz (2000) e Barbosa (2006) divirjam quanto à sua organização, mesmo apresentando 13 (treze) Postulados/Axiomas. Também não significa dizer que, por trazerem a mesma quantidade de postulados/axiomas, seus itens sejam iguais ou possuam uma relação biunívoca. Nesse quesito, eles são dessemelhantes. O Quadro 1 traz em cada coluna principal o desenvolvimento dos postulados/axiomas de cada obra, facilitando, assim, um comparativo direto entre ambas:

Quadro 1
Apresentação dos Postulado/Axiomas

Fonte: Moreira (2018 p. 70).

Tal organização linear dos postulados/axiomas é importante por estarmos diante de uma proposta axiomática de geometria, ou seja, é a construção lógica do conhecimento matemático. Cada proposição/teorema depende intrinsecamente dos resultados já obtidos anteriormente. Em outras palavras, aventemos uma possível aula da disciplina norteada pelos livros acima, em duas salas distintas. Em certa aula, uma turma poderia chegar a resultados distintos da outra, se observamos, por exemplo, a opção de Rezende e Queiroz (2000), tratando a ideia de distância entre pontos. A correspondência biunívoca entre pontos e números reais primeiro, deixando a relação de estar “entre” como uma consequência desta relação, ao passo que Barbosa (2006) estabelece esta relação logo no seu Axioma II2. Da mesma forma, Barbosa (2006) inicia sua obra apresentando o Axioma I1, nos alertando que o “conjunto universo” será mais do que uma reta. Já Rezende e Queiroz (2000) fazem no Postulado 3, dizendo que há ao menos três pontos distintos não colineares.

Podemos também observar que os dois últimos Postulados/Axiomas apresentados são extremamente semelhantes, poderiam sugerir que, mesmo tomando caminhos diferentes no início, os autores chegam ao mesmo “lugar”; no entanto, para nós, o caminho percorrido modifica o seu ponto de chegada. Para este pensamento ser possível, estamos aqui pensando não em uma matemática da idealidade, residente além de nós, no Real Platônico, mas sim, em matemáticas como práticas sociais, existentes como ação de pessoas, ou melhor: jogos de linguagem impregnados de formas de vida. Ao alterar as regras dos jogos, o que vem antes ou depois como ferramenta da argumentação, nos coloca em outros jogos, coloca os corpos a exercitarem outras possibilidades e outros movimentos. Analogamente, utilizando a metáfora usada, inúmeras vezes, por Wittgenstein, seria como jogar xadrez, mas com as peças posicionadas em outras casas. Da mesma forma, ainda a título de exemplo, mesmo a prática de jogar xadrez frente a frente com seu oponente, utilizando um relógio, e a prática de jogar por envio de cartas ou por ligação telefônica, simplesmente falando o código das casas e as peças que se quer mover, nos coloca em diferentes jogos de linguagem, ainda que seja um “mesmo” jogo de xadrez.

Outra peculiaridade a ser destacada é constar de ambos os títulos a Geometria Euclidiana Plana. Isso sugeriria a um leitor ‘desavisado’ que estamos tratando com a própria geometria de Euclides. Para muitos matemáticos esta poderia ser uma afirmativa verdadeira, pois não estamos trabalhando com uma geometria não-euclidiana, e a base da construção desta geometria nestes manuais é inspirada em traduções da obra de Euclides insistentemente revisada e reeditada, com noções suprimidas, falhas lógicas corrigidas entre outros. Não queremos defender algum tipo de pureza presente na obra de Euclides ou a necessidade de proximidade a ela[10] para o uso do adjetivo euclidiana, no entanto, se pensarmos a geometria como um jogo e não como uma entidade, temos significativas alterações nas regras deste jogo, o que pode se caracterizar como um “novo” jogo.

Ainda assim, alguns elementos do texto de Euclides nos ajudam a descristalizar esta geometria[11]. O Primeiro e o Quinto Postulado (ressaltamos que aqui falamos do modo postulado por Playfair) de Euclides aparecem de forma mais direta nas obras, ao passo que o terceiro postulado de Euclides foi transformado, em ambos os manuais, em uma Definição. Barbosa (2006) traz como Definição 2.5 e Rezende e Queiroz a colocam com Definição 1.27.

Com exceção do Primeiro e do Quinto Postulado de Euclides, os outros não aparecem nessa nova axiomática proposta nesses manuais, com uma ressalva para o Terceiro Postulado de Euclides: “E, com todo centro e distância, descreve um círculo” (EUCLIDES, 2009, p. 98). Tanto Barbosa (2006) quanto Rezende & Queiroz (2000) fazem menção ao círculo, mas de outra forma e em outra sequência (MOREIRA, 2018, p. 62).

Outro apontamento realizado é quanto ao Axioma III3 (Barbosa, 2006), em síntese o axioma afirma: AB + BC = AC, ou seja, tendo três pontos colineares A, B e C, consecutivamente, a distância entre os pontos A e C é dado pela soma das distâncias entre A e B e entre B e C. Uma ideia semelhante é expressa por Rezende e Queiroz (2000), porém, para elas, tal afirmação é colocada em uma definição (1.4): “Sejam A, B e C três pontos colineares e distintos dois a dois. Se AB + BC = AC, dizemos que B está entre A e C, o que denotamos por A-B-C” (REZENDE; QUEIROZ 2000, p.17). Chamou-nos a atenção, pois, para um autor, a afirmação não tem a mesma relevância do que tem para os outros, são usadas com propósitos diferentes. Barbosa (2006) coloca como um Axioma para falar de distâncias, já Rezende e Queiroz (2000) usam a ideia de distância para definir “entre”. Este tipo de distanciamento aparece em outros tópicos em ambos os manuais (MOREIRA, 2018).

É claro que não somente dessemelhanças foram pontuadas, notamos também muitas semelhanças entre os Postulados/Axiomas/Definições. O Axioma III2, de Barbosa (2006), assemelha-se ao Postulado 5, de Rezende e Queiroz (2000). Esse Postulado/Axioma trata da relação direta entre os pontos de uma reta e os Números Reais. Todos os autores trazem afirmações bastante semelhantes em momentos diferentes de seus jogos. Também a Definição 2.3, de Barbosa (2006), se aproxima muito da Definição 1.11 de Rezende e Queiroz (2000).

O Quadro 2 apresenta o Postulado das Paralelas, ilustrando ao leitor/usuário os modos usados pelos autores para tratar do Quinto Postulado de Euclides em seus respectivos manuais didáticos.

Quadro 2
Semelhança de Proposições

Fonte: Moreira (2018, p. 79).

3.1. O postulado das paralelas e outras geometrias

Dedicamos um subtópico específico em nosso trabalho para tratar do Quinto Postulado/Axioma e de forma bastante tímida falamos das Geometrias Não-Euclidianas, tomando um extremo cuidado para não desviar do foco de nossa pesquisa. Mas não seria possível trazer ao divã o Postulado das Paralelas sem citarmos suas contribuições para o entendimento das Geometrias Não-Euclidianas, até porque os manuais que estudamos apresentam em seus jogos de linguagem tais tópicos.

Sobre o Postulado das Paralelas de Euclides, as autoras Rezende e Queiroz (2000), apresentam, no Capítulo 4, de seu manual o Postulado 13, “O Postulado das Paralelas”, mas elas não o trazem no início do capítulo. Primeiro elas fazem uma breve introdução, citando de forma sucinta as Geometrias Não-Euclidianas, e partem para definições das condições de paralelismos com o Teorema 4.1: “Duas retas distintas perpendiculares a uma mesma reta são paralelas” (REZENDE; QUEIROZ 2000, p. 55).

Já Barbosa (2006) faz um pequeno preâmbulo no início do Capítulo 6. O autor não cita a existência de outras geometrias com fazem Rezende e Queiroz (2000) e segue sequencialmente apresentando o Axioma V. Ele deixa para tratar das “outras geometrias” no final do capítulo como um apêndice.

O jogo de linguagem de Rezende & Queiroz (2000), primeiramente, propõe condições que necessitem do Postulado 13, como a recíproca do Teorema 4.7: “Se duas retas são cortadas por uma transversal, e se dois ângulos correspondentes são congruentes, então as retas são paralelas” (REZENDE; QUEIROZ, 2000, p. 57).

Barbosa (2006) inicia o Capítulo 6, afirmando que a existência de retas paralelas é uma consequência dos postulados, contudo, logo em seguida, ele apresenta duas proposições:

6.3.A Proposição: Se, ao cortarmos duas retas com um transversal, obtivermos então as retas são paralelas.

6.3.B Proposição: Se, ao cortarmos duas retas com uma transversal, o ângulo correspondente é iguais, então as retas são paralelas (BARBOSA, 2006, p.75).

A proposição 6.3.B, de Barbosa (2006), possui grande semelhança com o Teorema 4.7, de Rezende e Queiroz (2000).

Falando especificamente das “Geometrias Não-Euclidianas”, entendemos como necessário olhar para os argumentos usados pelos autores, ao trazerem esse tópico. Assim, vemos que os autores estabelecem regras bem diferentes. Enquanto Barbosa (2006) apresenta esse tópico de Geometrias Não-Euclidianas apenas no final do Capítulo 6 e não as menciona no decorrer dele, Rezende e Queiroz (2000) fazem um preâmbulo, logo no início do Capítulo 4 de seu manual, falando da existência dessas “novas geometrias” desenvolvidas, sem a hipótese euclidiana das paralelas.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já anunciamos no início do texto, nossa comparação nunca visou estabelecer um texto ideal, superior ou mais indicado que o outro. Nossa intenção foi descrever as semelhanças e as dessemelhanças entre eles; olhar para os manuais, tendo como horizonte um aluno de graduação, futuro professor de matemática, que almejasse, eventualmente, tomar simultaneamente os dois livros em seu estudo, ou vivenciasse uma troca de livros durante o seu curso, ou ainda que, por algum motivo, tivesse que realizar as atividades de um livro, tendo estudado a axiomática do outro manual.

Nossa pesquisa se iniciou sem considerar a priori uma metodologia. Almejávamos delinear diferenças e semelhanças entre os dois manuais e, para tanto, encontramos, para essa empreitada, a perspectiva filosófica de Wittgenstein, que nos auxiliou a tomar estes livros como jogos de linguagem. A princípio, pensamos que, talvez, fosse necessário observar as salas de aula para falarmos, efetivamente, em jogos de linguagem observando ali as formas de vida, no entanto isso não se fazia possível em nossas condições. Assim revisitando os textos do filósofo austríaco, deparamo-nos com a mobilização de diversos textos nas terapias praticadas por ele, por exemplo, “O ramo de ouro” (James G. Frazer), “Principia Mathematica” (Alfred North Whitehead e seu aluno Bertrand Russell), etc. No Observações sobre os fundamentos da Matemática, há toda uma seção onde Wittgenstein parece criticar o modo como Gödel mobiliza o Principia Mathematica para provar a impossibilidade da prova[12]. Ratificando, assim, nossa empreitada.

Certamente outros referenciais nos apontariam outras direções. Temos noção de que seria possível, inclusive, encontrarmos outros referenciais, que nos indicariam serem essas diferenças apenas modos diferentes dos objetos matemáticos (Reais) se apresentarem: meras questões de didática.

Por outro lado, nossa terapia bibliográfica nos permitiu evidenciar semelhanças de família entre estes jogos e uma diversidade de dessemelhanças, possibilitando uma visão mais panorâmica da Geometria Euclidiana Plana, ou, como preferimos agora, das Geometrias Euclidianas Planas. Novamente, isto não significa dizer que estas geometrias não dialogam, pelo contrário, as semelhanças de família reforçam suas similaridades, no entanto, passamos a ver como coisas aparentemente idênticas guardam suas particularidades e que estas devem ser respeitadas e, na medida do possível, evidenciadas em sala de aula. Passamos de uma Geometria Euclidiana Plana para jogos de linguagem de Geometrias Euclidianas Planas – cada qual com suas características.

Por certo poderíamos trazer para o diálogo outros livros que abordam o mesmo assunto, ampliando o nosso olhar panorâmico. Porém, para o tempo de um mestrado, optamos por nos restringir a esses estes dois livros, sem entretanto, vislumbrar possibilidades outras que nos aguçaram durante o desenvolvimento do nosso estudo, tais como: a continuidade da comparação empreendida nos livros escolhidos, tendo como foco a sua totalidade; as contribuições de Os elementos (Euclides, trad. de Irineu Bicudo, 2010); Fundamentos de Matemática Elementar: Geometria Plana, Vol. 9 (Dolce; Pompeo); Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da Geometria – Hilbert, D.). Outras possibilidades metodológicas também se abriram a nós durante o trabalho, como, por exemplo, observar aulas da Disciplina de Elementos de Geometria ou Geometria Euclidiana Plana na graduação, para conhecer como acontecem ali os jogos de linguagem.

Acreditamos que este trabalho, além de atender nossas necessidades pessoais de respostas também deu alguns passos para colaborar com o projeto “Práticas sociais, [M]matemáticas e Escola: entre Perspectivas Decoloniais e Terapêuticas Desconstrucionistas”[13].

Material suplementar
Apêndices
NOTAS

FINANCIAMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.


CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA

Resumo/Abstract/Resumen: Person Gouveia dos Santos Moreira

Introdução: Person Gouveia dos Santos Moreira

Referencial teórico: Thiago Pedro Pinto

Análise de dados: Person Gouveia dos Santos Moreira e Thiago Pedro Pinto

Discussão dos resultados: Person Gouveia dos Santos Moreira e Thiago Pedro Pinto

Conclusão e considerações finais: Person Gouveia dos Santos Moreira e Thiago Pedro Pinto

Referências: Person Gouveia dos Santos Moreira

Revisão do manuscrito: Profa. Vera Lúcia Fator Gouvêa Bonilha

Aprovação da versão final publicada: Person Gouveia dos Santos Moreira e Thiago Pedro Pinto


CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declararam não haver conflito de interesse de ordem pessoal, comercial, acadêmico, político e financeiro referente a este manuscrito.


DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Informamos que o conjunto de dados que dá suporte aos resultados da pesquisa foram publicados no próprio artigo


CONSENTIMENTO DE USO DE IMAGEM

Não se aplica.


APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Não se aplica.


COMO CITAR - ABNT

MOREIRA, Person Gouveia dos Santos; PINTO, Thiago Pedro. Jogos de Linguagem e Geometria Euclidiana Plana: Uma Terapia Wittgensteiniana. REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, Cuiabá, v. 9, n. 1, e21021, janeiro-abril, 2021. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v9i1.11143


COMO CITAR - APA

Moreira, P. G. S., Pinto, T. P. (2021). Jogos de Linguagem e Geometria Euclidiana Plana: Uma Terapia Wittgensteiniana. REAMEC - Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, 9(1), e21021. http://dx.doi.org/10.26571/reamec.v9i1.11143


LICENÇA DE USO

Licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0). Esta licença permite compartilhar, copiar, redistribuir o manuscrito em qualquer meio ou formato. Além disso, permite adaptar, remixar, transformar e construir sobre o material, desde que seja atribuído o devido crédito de autoria e publicação inicial neste periódico.


DIREITOS AUTORAIS

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática - os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução ou capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.


PUBLISHER

Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em Educação, em Ciências e Matemática (PPGECEM) da Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática (REAMEC). Publicação no Portal de Periódicos UFMT. As ideias expressadas neste artigo são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessariamente, a opinião dos editores ou da referida Universidade.


EDITOR

Dailson Evangelista Costa

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6068-7121

LATTES: http://lattes.cnpq.br/9559913886306408

Agradecimentos

Agradecemos ao grupo de pesquisa HEMEP (História da Educação Matemática em Pesquisa), na figura de seus coordenadores, Dra. Luzia Aparecida Souza e Dr. Thiago Pedro Pinto, por fornecerem embasamento teórico e sustentabilidade metodológica para a pesquisa.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, J. L. M. Geometria Euclidiana Plana. Rio de Janeiro, RJ: SBM, 2006. 221p.
BARROSO, A. V. L. T A Virada Linguística e o Contextualismo Linguístico: contribuições teóricas para se pensar a história intelectual. Rio de Janeiro, RJ: Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2015.
BICUDO, I. Os Elementos/Euclides. Tradução e introdução de Irineu Bicudo. São Paulo: Editora UNESP, 2009. 600p.
MIGUEL, A. Historiografia e Terapia na Cidade de Wittgenstein. Bolema (on-line), Rio Claro, SP, v.30, n.55, p.368-389, 2016. https://doi.org/10.1590/1980-4415v30n55a03.
MOREIRA, P. G. S. Jogos de Linguagem e Geometria Euclidiana Plana: um olhar terapêutico wittgensteiniano para dois manuais didáticos usados em Cursos de Licenciatura em Matemática. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, 2018. Disponível em: https://posgraduacao.ufms.br/portal/trabalho-arquivos/download/5538. Acesso em: 27 fev. 2021.
MORENO, A. R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2000.
PENHA, J. da. Como ler Wittgenstein. São Paulo: Paulus, 2013. (Coleção Como ler Filosofia). 113p.
PINTO, T. P. Linguagem e Educação Matemática: um mapeamento de uso na sala de aula. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro, Rio Claro, 2009. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/91078/pinto_tp_me_rcla.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 27 fev. 2021.
REZENDE, E. Q. F.; QUEIROZ, M. L. B. Geometria Euclidiana Plana e Construções Geométricas. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2000. 260p.
VILELA, D. S. Matemáticas nos usos e jogos de linguagem: ampliando concepções na Educação Matemática Tese (Doutorado em Ensino de Matemática) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP, 2007. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/251793. Acesso em: 27 fev. 2021.
VILELA, D. S. A Terapia Filosófica de Wittgenstein e a Educação Matemática. Educação e Filosofia Uberlândia, v. 24, n. 48, p. 435-456, jul./dez. 2010. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/7976. Acesso em: 27 fev. 2021.
WITTGENSTEIN, L. Tractatus Logico Philosophicus. 10. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1968.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 6a ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
WITTGENSTEIN, L. Observações sobre os Fundamentos da Matemática. Trad. bilíngue e Notas Comentadas, de João José R. L. de Almeida, 2019. (PRELIMINARY DRAFT).
Notas
Notas
[3] Wittgenstein relaciona os jogos de linguagem a formas de vida, a movimentos e contextos que os praticam: “E representar uma linguagem equivale a representar uma forma de vida” (WITTGENSTEIN, 2009, §. 19). E não há, assim, linguagem sem forma de vida.
[4] Para acirrar as diferenças, as duas fases da filosofia de Wittgenstein são comumente enunciadas como “primeiro” e “segundo Wittgenstein”.
[5] Segundo Barroso (2015) a “virada linguística” pode ser definida como uma mudança na concepção da relação entre linguagem e realidade.
[6] Apenas a título de ilustração trazemos alguns possíveis usos desta palavra: bomba de chocolate, bomba de encher pneu, um explosivo, um objeto para tomar tereré ou chimarrão, uma notícia impactante, entre outros tantos.
[7] Entendemos como Evento, o exposto por Pinto (2009) no qual trata de situações ocorridas em uma determinada sala de aula de matemática onde, ao gravar as aulas, ele pôde catalogar diversos EVENTOS que se repetiam e eles se tornaram relevantes em sua pesquisa.
[8] Ao pensarmos no processo de leitura, nos vem à tona o Modelo dos Campos Semânticos de Lins (1999). Este autor nos propõe que, ao lermos, produzimos um autor cognitivo que nos diz aquilo que efetivamente entendemos da leitura. No modo de olhar para o manual, no entanto, se pautou na produção de leitores cognitivos que buscassem colocar estes postulados/axiomas, definições e teoremas em uso e tomassem contato não apenas com um dos manuais, mas com os dois.
[9] O quinto postulado de Euclides, conhecido como postulado das paralelas, foi inicialmente escrito como: “5. E, caso uma reta, caindo sobre duas outras, faça os ângulos interiores e do mesmo lado menores do que dois retos, sendo prolongadas as duas retas, ilimitadamente, encontrarem-se no lado no qual estão os menores do que dois retos” (Euclides, trad. Irineu Bicudo, 2009), no entanto, atualmente o que se entende por ele é algo próximo à versão de Playfair “dada uma reta e um ponto exterior, existe uma e uma só reta contendo o ponto e paralela à reta dada”.
[10] No transcorrer do trabalho, pensamos em trazer para o diálogo também a obra de Euclides na sua mais recente tradução, no entanto, achamos que isso poderia causar confusões, ao aparentar alguma essencialidade desta geometria contida nesta obra, como se estivéssemos comparando o quanto cada uma das obras atuais “foge” a esta idealidade. Para nós, os jogos de linguagem são completos em si mesmo e em suas formas de vida: “Não há um uso mais adequado nem um jogo de linguagem superior; todos são igualmente adequados para os fins a que se propõe.” (MORENO, 2000, p.74).
[11] Descristalizar uma ideia (ou imagem) é algo como mostrar outras possibilidades de uso, outras formas de pensar, evidenciando a multiplicidade, modos não dogmáticos de concebê-la.
[12] Esta discussão tem sido alvo do grupo de estudos formado na Unicamp, sob a coordenação de Antonio Miguel e João José R. L. de Almeida no ano de 2020.
[13] Projeto cadastrado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.
Autor notes
1 Mestre em Educação Matemática pela UFMS. Professor na Escola do Sesc Unidade Horto em Campo, Estado de Mato Grosso do Sul. Ruas das Palmas, 343, Bairro Jockey Club, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil, CEP: 79080-610.
2 Doutor em Educação para as Ciências pela UNESP. Professor no INMA- Instituto de Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UFMS e do Mestrado Profissional em Filosofia (PROFILO) da UFMS. Cidade Universitária, Av. Costa e Silva - Pioneiros, MS, 79070-900
Quadro 1
Apresentação dos Postulado/Axiomas

Fonte: Moreira (2018 p. 70).
Quadro 2
Semelhança de Proposições

Fonte: Moreira (2018, p. 79).
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