Polifonia, Cuiabá-MT, v. 25, n.37.1, p. 01-170, jan.-abril.2018.
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Análise retórica do gênero discursivo sermão oral
A Rhetorical Analysis of the Genre Oral Sermon
Max Silva da Rocha
Universidade Estadual de Alagoas
Maria Francisca Oliveira Santos
Universidade Federal de Alagoas
Resumo
O Sermão é um nero de cunho religioso, que tem como objetivo persuadir os ouvintes a respeito de
uma determinada ideologia, por meio do discurso de autoridade ancorado em livros sagrados ou em
dogmas religiosos e da oratória do religioso que o profere. Diante disso, o sermão, nato da oratória,
formaliza-se como um discurso dirigido a um auditório sobre um determinado tema, previamente
elaborado, visando à persuasão dos ouvintes. Os gêneros retóricos estão classificados em judiciário,
deliberativo e epidítico. No que diz respeito à classificação do gênero sermão, este está inserido no gênero
epidítico, pois visa censurar, aconselhar. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo central realizar
uma análise retórica do gênero discursivo sermão, na modalidade de língua oral, procurando identificar os
elementos retóricos que foram utilizados pelo retor para proferir seus argumentos. Esse estudo parte da
definição da própria Retórica, que é definida como a arte de persuadir pelo discurso. Por isso, embasa-se
nos pressupostos teóricos de Abreu (2009), Fiorin (2017), Marcuschi (2008), Meyer (2007), Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004) e Santos (1999). O foco da análise é o domínio religioso cristão,
mais precisamente, sermões orais proferidos por um informante de uma denominação cristã, localizada no
agreste alagoano. Por meio dos argumentos, o retor proferiu discursos com o objetivo de conseguir a
adesão do seu auditório. As análises realizadas no gênero discursivo Sermão oral puderam evidenciar que
os argumentos retóricos se fizeram presentes na construção do sentido do evento comunicativo sermão,
com a intenção de persuadir o auditório.
Palavras-chave: Texto. Persuasão. Argumentos.
Abstract
The Sermon is a religious genre whose purpose is to persuade listeners about a certain ideology through
the discourse of authority anchored in sacred books or religious dogmas and through the oratory of the
religious person who delivers it. Thus, the sermon, born within oratory, is formalized as a discourse
addressed to an audience on a certain theme, previously elaborated, aimed at the persuasion of the
listeners. Rhetorical genres are classified as judicial, deliberative and epidemic. With regard to the
classification of the sermon, this genre is part of the epidemic genre, since it aims to censor, advise. In
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this sense, this work has as its main objective to perform a rhetorical analysis of the genre sermon, in the
oral mode, trying to identify the rhetorical elements that were used by the rhetor to utter his arguments.
This study starts from the definition of Rhetoric itself, which is defined as the art of persuading through
discourse. For this reason, it is based on the theoretical assumptions of Abreu (2009), Fiorin (2017),
Marcuschi (2008), Meyer (2007), Perelman and Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004) and Santos
(1999). The focus of the analysis is the Christian religious domain, more precisely, oral sermons uttered
by an informant from a Christian denomination, located in the agreste of Alagoas. By means of his
arguments, the rhetor delivered speeches with a view to obtaining the adhesion of the audience. The
analyses of the oral sermon genre could show that the rhetorical arguments were present in the
construction of the meaning of the communicative event of the sermon, with the intention of persuading
the audience.
Keywords: Text. Persuasion. Arguments.
Resumen
El Sermón es un género de cuño religioso, que tiene como objetivo persuadir a los oyentes acerca de una
determinada ideología, por medio del discurso de autoridad anclado en libros sagrados o en dogmas
religiosos y de la oratoria del religioso que lo profesa. Por eso, el sermón, nato de la oratoria, se formaliza
como un discurso dirigido a un auditorio sobre un determinado tema, previamente elaborado, visando la
persuasión de los oyentes. Los géneros retóricos están clasificados en judiciales, deliberativos y
epidícticos. En lo que se refiere a la clasificación del género sermón, éste está inserto en el género
epidíctico, pues pretende censurar, aconsejar. En este sentido, este trabajo tiene como objetivo central
realizar un análisis retórico del género discursivo sermón, en la modalidad de lengua oral, buscando
identificar los elementos retóricos que fueron utilizados por el retor para proferir sus argumentos. Este
estudio parte de la definición de la propia retórica, que se define como el arte de persuadir por el discurso.
Por lo tanto, se basa en los presupuestos teóricos de Abreu (2009), Fiorin (2017), Marcuschi (2008),
Meyer (2007), Perelman y Olbrechts-Tyteca (2005), Reboul (2004) y Santos (1999). El foco del análisis
es el dominio religioso cristiano, más precisamente, sermones orales proferidos por un informante de una
denominación cristiana, ubicada en el agreste alagoano. Por medio de los argumentos, el retor pronunció
discursos con el objetivo de lograr la adhesión de su auditorio. Los análisis realizados en el género
discursivo Sermón oral pudieron evidenciar que los argumentos retóricos se hicieron presentes en la
construcción del sentido del evento comunicativo sermón, con la intención de persuadir al auditorio.
Palabras clave: Texto. Persuasión. Argumentos.
Introdução
A Retórica sempre esteve presente, com acentuada ou pouca expressividade, em
todas as áreas envolventes do ser humano, que os indivíduos sempre tentam, de
algum modo, persuadir alguém durante algum momento da vida. No que respeita ao
caráter persuasivo, na Antiguidade Clássica, a Retórica era considerada pelos gregos
como uma Teoria da Argumentação, da persuasão através dos discursos, que é por
meio da argumentação que o discurso se relaciona direta ou indiretamente ao do outro,
com o intuito de obter o fim desejado, como, por exemplo, o de persuadir. É no
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princípio persuasivo que se entende a Retórica nesse estudo, haja vista o caráter
discursivo do gênero Sermão oral e o objetivo comunicativo de tal discurso religioso.
A Retórica centra-se em analisar como acontece a persuasão, não se voltando,
dessa maneira, à ideia de os argumentos serem fatos verdadeiros ou falsos, mas como se
essa adesão por parte do auditório. Nesse sentido, tem-se a Retórica como a arte de
persuadir pelo discurso (REBOUL, 2004).
Ressaltam-se também os argumentos ligados à Retórica, que foram classificados
por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a saber: os quase-lógicos, os que
fundamentam a estrutura do real, os que fundam a estrutura do real e os que dissociam
noções. Essa tipologia argumentativa viabiliza o desvelamento de quais tipos de
argumento aparecem nos discursos com fins persuasivos. Assim, pode-se investigar a
predominância desses argumentos no gênero deste trabalho.
Quanto ao gênero discursivo Sermão oral, é pertinente ratificar que ele é
proferido a portas abertas nas denominações religiosas cristãs e são direcionados para
todos quantos estão ali presentes ou passando naquele exato momento. É algo público, e
todos podem ouvir, tanto os membros, quanto os não membros da denominação.
Marcuschi (2008, p.195), em seu quadro acerca dos gêneros escritos e orais e
dos domínios discursivos, classifica o Sermão como um gênero discursivo do domínio
religioso pertencente à oralidade. É a partir desse posicionamento que o citado gênero
será apreciado durante todo esse trabalho.
Assim, o Sermão oral é entendido como um gênero de cunho religioso, que tem
como principal objetivo persuadir os ouvintes a respeito de uma determinada ideologia,
por meio do discurso de autoridade, ancorado em livros sagrados ou em dogmas
religiosos e da oratória do religioso que o profere (SILVA, 2013).
O gênero Sermão é a principal parte de uma celebração cristã, por meio do qual
acontece a pregação do líder religioso. É oportuno acrescentar que, no momento do
Sermão, apenas o retor tem a palavra, caracterizando, assim, um discurso assimétrico
(SANTOS, 1999). No entanto, lapsos de simetria durante a celebração. Os ouvintes
poderão se pronunciar quando são convidados. Nesse momento, ocorre a simetria
(SANTOS, 1999), ou seja, o auditório, mesmo de forma menos expressiva, também faz
uso da palavra.
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1. A nova retórica
Remontando à Grécia Antiga, percebe-se que havia a necessidade de uma
comunicação consistente e, desse modo, os estudiosos da época procuraram criar uma
forma de diálogo que pudesse ser ensinada às pessoas. Esse ensino seria iniciado,
primeiramente, nas escolas. Os primeiros professores de Retórica tinham a função de
ensinar o bem falar para os alunos. Destaca-se, a priori, um dos primeiros docentes a
fazer uso da oratória, Górgias Leontinos
1
.
A Retórica tem fundamento e/ou natureza jurídica e não literária como muitas
pessoas pensam. Nesse sentido, infere-se que a arte do bem falar estava ligada às
situações predominantemente jurídicas, como, por exemplo, um tribunal. Isso se deu
pelo caráter histórico-social da época.
Entende-se que a arte de persuadir pelo discurso (REBOUL, 2004) foi um dos
principais recursos de comunicação da antiguidade, por conta da eloquência dos retores,
bem como do meio social e político vigente na época. Era uma sociedade que acreditava
na Retórica como uma arte de falar em público, com os recursos provindos da oralidade.
Era uma concepção centrada na razão e no raciocínio, além do uso da demonstração
defendida pelos lógicos.
As características políticas eram demonstradas por meio de calorosos debates
filosóficos, por meio dos quais os oradores retratavam a cultura grega e o cotidiano
deles. Era por meio de tais debates que a democracia grega se sustentava, razão de haver
a necessidade de bons argumentos para a efetivação do discurso e a vitória do debate em
detrimento ao adversário.
No entanto, a partir do século XIX, aparece a Nova Retórica. Foi o filósofo e
jurista Chaim Perelman, ao lado de Lucie Olbrechts-Tyteca, que deu à Retórica uma
nova concepção. A publicação da obra O tratado de argumentação: a nova retórica deu
uma nova perspectiva de estudar a Retórica. Assim, o foco de estudo não é a oralidade,
mas a estrutura da argumentação, já que “o campo da argumentação é do verossímil, do
provável, na medida em que esse último escapa às certezas do cálculo” (PERELMAN,
OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.1).
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Ele nasceu em Atenas, no ano de 427 a.C.
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A Retórica, numa perspectiva anterior à publicação de Perelman e Olbrechts-
Tyteca, centrava-se mais na oralidade e cultuava essa modalidade de língua como meio
de manipulação, tratando ethos, pathos e logos de maneira separada. Atualmente, a
Retórica se volta o somente a textos orais como escritos, configurando-se como “a
análise dos questionamentos que são feitos na comunicação interpessoal e que a
suscitam ou nela se encontram” (MEYER, 2007, p.27), mas também visualizando os
citados aspectos (ethos, pathos e logos) como elementos constitutivos.
Agora, com a nova Retórica, teorizada por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005),
esses meios de persuasão são interligados. O ethos é tido como aquele que fala ou
produz o discurso; o pathos é o auditório ou o telespectador que constrói um modelo de
comportamento e integra-se à verdade do retor com suas paixões; o logos é a disposição
dos argumentos, encadeados em ordem lógica e convincente, estruturando o discurso e,
por sua vez, a persuasão. Assim, a Retórica age para a audiência, convencendo e
persuadindo, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005).
Além dos meios de persuasão, também é pertinente destacar os modalizadores,
estratégias argumentativas, lugares da argumentação, ou seja, aspectos que contribuem
para a efetivação da persuasão por parte do retor em detrimento ao auditório (SANTOS;
MELO JÚNIOR; MORAIS, 2014).
Mencionados o retor e o auditório, é importante situar a Retórica como base
teórica para a realização desse estudo. Para Morais (2015, p.13)
A retórica é a arte que busca a persuasão ou o convencimento do auditório,
por meio de argumentos que constroem qualquer defesa discursiva, e que
objetiva a boa aceitação do auditório em relação ao que é, esquematicamente,
organizado em torno do propósito argumentativo.
Há, desse modo, um jogo de linguagem no qual convergem vários aspectos de
ordem linguística, argumentativa e também um retor (ethos), um discurso (logos) e um
auditório (pathos), os quais entram no processo da persuasão argumentativa.
No discurso em estudo, destacam-se algumas características, como é o caso do
retor (ethos) e do auditório particular ou social (pathos). É necessário um acordo entre
quem fala e quem ouve para que o evento comunicativo seja efetivado. O retor pode ter
os melhores argumentos possíveis, mas se o auditório não prestar atenção, não haverá
argumentação e, consequentemente, persuasão.
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No Sermão oral, o pathos pode ser muito diversificado, por conta disso, o ethos
deve adaptar-se e direcionar seus argumentos para um auditório social. Perelman e
Olbrechts-Tyteca (2005) comentam, ainda, sobre o auditório universal e diz que nele o
ethos não controla as variáveis, logo ele tem que conhecer amplamente as ideologias de
seu auditório.
Em vista disso, o auditório é entendido “como o conjunto daqueles que o orador
quer influenciar com sua argumentação” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA,
2005, p.22). Desse modo, compreender essas relações retóricas no gênero discursivo
Sermão oral é uma atividade relevante, que explicita a forma e a função desse gênero
discursivo e “serve para se compreender que, no discurso religioso, o orador não fala em
seu próprio nome [...]” (SILVA, 2013, p.16), mas como porta-voz de argumentos de
autoridade.
Além dessas ferramentas persuasivas ethos, pathos e logos, os Estudos Retóricos
contemporâneos dispõem dos tipos de argumentos, estudados por Perelman e Olbrechts-
Tyteca (2005). Esses argumentos proporcionam os meios de construir discursos
convincentes e persuasivos. Fiorin (2017, p.19) complementa essa visão ao afirmar: “os
argumentos são os raciocínios que destinam a persuadir, isto é, a convencer ou a
comover, ambos meios igualmente válidos de levar a aceitar uma determinada tese”.
A persuasão, por sua vez, era considerada o objetivo dos discursos retóricos na
Antiguidade Grega, como escreve Reboul (2004). Para contribuir com isso, a Nova
Retórica considera a persuasão como um elemento que nasce na relação retor-auditório-
discurso, com o propósito de fazer compreender e aderir às ideologias de um discurso,
que pode ser político, religioso, jornalístico, educacional etc (REBOUL, 2004).
Aristóteles (2005) influenciou essa perspectiva e contribuiu, afirmando que a
Retórica é a arte de defender-se com argumentos, desde que eles sejam verdadeiros e
permissíveis. Assim, “[...] sua função não é [somente] persuadir, mas ver o que cada
caso comporta de persuasivo” (REBOUL, 2004, p.23).
Nota-se, com isso, que a persuasão e a argumentação podem fazer parte do gênero
discursivo Sermão oral, por possuírem várias estratégias típicas dos gêneros da ordem
do argumentar, que congregam a tipologia dissertativa (KÖCHE, BOFF E
MARINELLO, 2013).
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Para o estudo do gênero discursivo Sermão oral, é válido destacar que o ethos está
inserido num espaço definido, o domínio religioso cristão, que representa um lugar da
argumentação, bem como os possíveis ouvintes de seu discurso que caracterizam o
pathos. Nesse contexto, Abreu (2009) afirma que argumentar é a arte de convencer o
outro no plano racional, gerenciando informação e de persuadi-lo, no plano das
emoções, a fazer alguma coisa que o retor deseja, gerenciando relação. O mesmo autor
conceitua, também: “persuadir é construir no terreno das emoções, é sensibilizar o outro
para agir” (ABREU, 2009, p.25).
A persuasão é algo que todo indivíduo pratica em algum momento da vida. Tendo
em mente as estratégias persuasivas, o indivíduo será capaz de perceber no discurso-
outro as pistas/marcas retóricas. Com isso, será possível não perceber tais pistas,
como também utilizá-las no próprio discurso, pois entende-se que não se pode analisar a
língua “[...] fora dos sujeitos sociais que a falam e fora dos eventos discursivos nos
quais eles intervêm e nos quais mobilizam seus saberes quer de ordem linguística, quer
de ordem sociocognitiva, ou seja, seus modelos de mundo” (KOCH, 2003, p.44).
O espaço religioso cristão é propício aos aspectos de cunho retórico e desde
alguns anos, mecanismos persuasivos já vêm sendo explorados/utilizados pelos retores.
Hoje, o número de pesquisadores que têm se ocupado com o discurso
religioso é crescente, eles estão fazendo análises argumentativas, discursivas,
semióticas e literárias de textos religiosos. Tal feito se dá por se compreender
a importância desse gênero na formação e interação social, ou por
compreender que a dimensão religiosa é essencial em um grande número de
conflitos que vêm aumentando desde o final do século XX (SILVA, 2013,
p.15-6).
Investigar os gêneros do domínio religioso pode mostrar como se dá o propósito
comunicativo, a estrutura dos argumentos, a organização do discurso retórico, como o
ethos atua por meio de tais gêneros; neste caso, o Sermão oral, como ele está
organizado, como se apresenta, como interage com o pathos, haja vista as múltiplas
faces da linguagem e seus objetivos.
A Retórica com um teor religioso, como objeto de estudo desse trabalho, pode
evidenciar a linguagem verbal que é utilizada pelo ethos de uma denominação cristã no
agreste alagoano, além de mostrar como estão organizados os argumentos e as
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estratégias persuasivas. No tocante à persuasão do pathos, nas denominações cristãs, a
linguagem persuasiva é demasiadamente utilizada pelo retor como fim comunicativo.
Objetivando analisar os efeitos argumentativos da linguagem, não
especificamente os seus aspectos estruturais, em uma linha de análise processual,
diferentes categorias Retóricas serão colocadas em evidência para a execução das ações
do gênero Sermão oral, a fim de que a tríade aristotélica, numa construção de sentidos,
consiga fazer o mais que possível uma assonância entre argumentos provindos do
ethos/pathos/logos.
Com a junção dos elementos Retóricos e Linguísticos existentes no gênero
discursivo Sermão oral, objeto desse estudo, é possível desenvolver o sentido
persuasivo existente nesse gênero específico desencadeado por meio das categorias
associadas à Retórica.
Nessa última década, cresceu a necessidade de analisar os gêneros discursivos que
influenciam as ações da sociedade, seja por definir novas opiniões, seja por aceitar
novas ideias, o que transformou o papel dos neros discursivos, principalmente os
argumentativos, com base em Marcuschi (2008). Por conseguinte, estudá-los sob a
perspectiva Retórica, é comprovar que os textos, de caráter argumentativo ou não,
objetivam ações sociais.
Sendo assim, essa investigação localiza-se numa perspectiva Retórica e pode ser
aplicada aos mais diversos gêneros, visto que esse é um campo amplo e observa as
novas funções dos gêneros discursivos. Diante do exposto, o gênero Sermão oral é
considerado um gênero com diversas funcionalidades e uma delas é a persuasão. Além
disso, ele é destaque entre os gêneros argumentativos que objetivam a adesão de seu
auditório por meio da persuasão.
Os fatores mencionados demonstram que a temática dessa pesquisa sugere novas
linhas de análise, trazendo contribuições ao campo de estudo dos gêneros discursivos
orais, destacando o domínio religioso cristão, entendendo que “o sermão é um gênero do
discurso bastante conhecido e praticado no Ocidente” (SILVA, 2013, p.18).
Esse estudo busca contribuir, de algum modo, para a construção de um
entendimento retórico bem consistente nas práticas comunicativas sociais que envolvem
o uso linguístico, visto que todo indivíduo, a qualquer momento, pode utilizá-lo com o
intuito de persuadir aquele a quem dirige o seu propósito comunicativo.
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2. A tipologia dos argumentos
Os estudos argumentativos com base na Nova Retórica, desencadeados por
autores como Perelman e Olbrechts-Tyteca, puderam sistematizar as ideias e /ou noções
do que seria argumentação. Assim, os estudos desses autores conseguiram identificar os
argumentos e suas características, como se pode ver a seguir.
Os quase-lógicos recorrem a uma argumentação incontestável por parte do
auditório. Ela apresenta uma forma precisa, onde os argumentos apresentados são
exatos, por tentarem ser mais fortes que os seus contrários; a verdade não é contestada
se apresentada como verdade absoluta ou mesmo se comprovada a verossimilhança dos
postulados, sendo o melhor argumento, pois, o que tende a derrubar o do oponente,
prevalecendo o mais forte (SANTOS; MELO JÚNIOR; MORAIS, 2014, p.78). Eis
alguns argumentos quase-lógicos: a definição, a regra de justiça, o ridículo, o sacrifício,
a incompatibilidade, além de outros.
Os que se fundam na estrutura do real não são baseados na lógica dos
argumentos, mas no já conhecido, na experiência vivida, revelando opiniões,
subjetividade. Fazem parte dos argumentos que se fundam na estrutura do real, aqueles
que são dependentes da experiência e não da lógica, pois o argumento já existe podendo
ser reforçado por outro que seja motivado pela experiência no assunto exposto
(IBIDEM, p.78), como o argumento de autoridade, o pragmático, a relação entre o ato e
a pessoa, o argumento de desperdício, de superação, entre outros.
Os que fundam a estrutura do real se justificam por serem capazes de defender
tão bem tanto o contra quanto o pró, que podem ser exemplificados pela analogia,
conhecendo e comparando os argumentos, cuja noção principal se baseia em se dizer
que o exemplo reforça a regra. Eles não devem ser equivalentes como pretendiam os
sofistas, mas fazem compreender o funcionamento do argumento em defesa adversária
(IBIDEM, p.79). Fazem parte dessa tipologia alguns argumentos como a ilustração, o
modelo e o antimodelo, a analogia, dentre outros.
Os baseados na dissociação de noções formam pares distintos, exemplificados
pela aparência e realidade. Em outras palavras, é de profunda importância estabelecer a
dissociação entre os pares argumentativos, entre o que é e o que parece ser, pois existe
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um abismo entre ambos, que muitas vezes são desconsiderados na hora da
argumentação (IBIDEM, p.79).
3. Aspectos metodológicos
Para realizar esta pesquisa, buscaram-se subsídios teórico-metodológicos para a
coleta, a interpretação, a análise e a apresentação dos dados e dos resultados. Assim, foi
adotada uma metodologia de tipo qualitativa, trabalhando com as informações em
processo (FLICK, 2009).
Nesse sentido, a linha qualitativa “[...] explora as características dos indivíduos e
cenários que não podem ser facilmente descritos numericamente. O dado é
frequentemente verbal e é coletado pela observação, descrição, gravação [...]”
(MOREIRA; CALEFFE, 2008, p.73).
Na pesquisa qualitativa, diferentemente da quantitativa, o que importa não é a
quantidade e sim a qualidade dos dados. Por isso, esse estudo segue uma linha
processual, enfatizando o processo e não o produto final.
No que respeita à análise Retórica, ela está embasada na Nova Retórica de
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005). Tomando como base esses fundamentos teórico-
metodológicos, ocorreram, num primeiro momento, os levantamentos e fichamentos dos
Estudos Retóricos; depois, a gravação dos sermões orais proferidos por retores de uma
denominação cristã; terceiro, a transcrição do corpus da pesquisa; em seguida, a
descrição dos elementos retóricos no corpus; e, a seguir, a interpretação dos dados da
pesquisa e apresentação dos resultados.
Todos os passos aqui descritos foram desenvolvidos com o propósito de subsidiar
as análises do gênero discursivo Sermão oral e os aspectos persuasivos que o
constituem. Após a apreciação dos dados, ocorreu a seleção do fragmento para
contextualizá-lo e, concomitantemente, analisá-lo e interpretá-lo, com o objetivo de
obter, gradativamente, respostas para as questões norteadoras da pesquisa, com ênfase
no processo.
No que concerne ao corpus, ele é constituído por sermões orais coletados em
denominações cristãs, localizadas no agreste alagoano. Os dados verbais foram
descritos, comparados e analisados sob o enfoque da teoria adotada nesse estudo. Desse
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modo, interpretam-se teorias sobre o estudo da Retórica, tentando responder às
problematizações de forma flexível e dinâmica numa linha processual, como pontua
Cajueiro (2013).
O método utilizado nesse trabalho possui características fenomenológicas, visto
que a preocupação descritivo-interpretativa detalha o acontecimento dentro da realidade
dos fatos a fim de verificar o discurso dentro do contexto real da sua ocorrência,
segundo Moreira (2002).
As análises foram realizadas após a transcrição dos sermões orais. Em seguida,
escolheu-se, aleatoriamente, um fragmento. Assim, em sua forma escrita, ocorreu a
interpretação e aplicação das teorias de análise Retórica, que são base para o estudo da
persuasão. Objetivou, dessa forma, encontrar quais são os aspectos persuasivos
presentes no fragmento selecionado e como eles efetivam a realização entre ethos,
pathos e logos no gênero discursivo Sermão oral.
4. Amostragem dos dados
O gênero discursivo Sermão oral é pertencente ao domínio discursivo religioso
cristão e foi colhido durante uma celebração. Teve como tópico discursivo os
quinhentos anos da reforma protestante.
A duração do Sermão oral foi de vinte minutos e nove segundos. Foi selecionado
um fragmento para ser analisado sob o enfoque das linhas de estudos aqui teorizadas. O
auditório é composto por fiéis da denominação cristã e o espaço da proferição é a
própria denominação.
Assim, um propósito comunicativo na pregação do Sermão que se explica
pelo teor da mensagem, que foi os quinhentos anos da reforma protestante. O ethos
utiliza-se da oralidade (comunicação/linguagem verbal) para transmitir a mensagem a
um pathos composto por fiéis da própria denominação.
A pregação se deu por meio de uma conversação face a face, bem como um
evento de fala, que tem uma situação e tema previamente definidos pelo retor. Além
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disso, o tópico discursivo acopla os dogmas
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da religião e da referida denominação
cristã pertencente ao ethos e pathos.
4.1. Análise do fragmento 1
L1 (...) vamos dar uma pausa aqui... aqui Pedro então começa advertindo e diz olha vocês não
sejam... não sejam enganados pelos escarnecedores.... não sejam levados pelas suas próprias
paixões... eles ficam abusando escarnecendo onde está a promessa da sua volta? Onde está?
Veja a promessa da volta de Jesus para nós é MUIto:o significante... porque:e... de todo
movimento de reforma Deus ainda não tinha igreja com a restauração das verdades... dePOIS
do movimento de reforma... onde várias e várias igrejas surgiram... Deus reuniu todo aquele
povo de todas as crenças com a promessa da volta de Jesus em 1844... e Jesus não veio, mas
um grupo que queria continuar estudando as profecias que era o que aquele povo estava
fazendo estudando Daniel e Apocalipse... eles permaneceram estuDANdo descobrindo as
profecias e descobriu novas verdades... e naquele grupo ali Deus deu o dom profético Deus
orientou eles descobriram verdades os mandamentos a guarda do sábado a reforma de saúde a
visão do grande conflito que nos envolve... e ali daquele grupo se organizou a igreja X... no
tempo determinado da profecia bíblica aonde no céu acontecia a:a a obra do juízo
investigativo e na terra a restauração das verdades tudo profeticamente registrado... a ação
de Deus em restaurar as verdades então NÓS somos chamados a X ou seja o povo que espera
a segunda volta de Jesus... então quão importante é isso o mundo precisa saber JeSUS está
volTANDO...
L2 Amém
Fonte: corpus da pesquisa 2017.
Em se tratando dos aspectos retóricos, vê-se, já num primeiro momento, o uso de
um argumento que se funda na estrutura do real, que é o de autoridade. Tal argumento
recorre a um nome, ou seja, o prestígio, o caráter, o ethos da pessoa citada é fator
crucial para a validação das intenções” (FERREIRA, 2015, p.166). Verifica-se isso
quando o retor afirma: “aqui Pedro então começa advertindo e diz olha vocês não
sejam... não sejam enganados pelos escarnecedores.... não sejam levados pelas suas
próprias paixões...” Aqui, o ethos utiliza uma passagem bíblica para advertir o pathos
do perigo e do engano dos escarnecedores. No entanto, para dizer tal proposição, o
ethos lança mão de um nome. Observa-se que o nome do apóstolo é citado como dono
do discurso. Não é mais o ethos quem está falando, pois ele ancora-se em alguém de
maior prestígio, inclusive, entre os apóstolos, visto que Pedro era o der dos doze
2
É importante frisar que este estudo não leva em consideração os aspectos doutrinários, as
crenças ou até mesmo a do retor e do auditório. O estudo dedica-se tão somente a analisar o que de
persuasivo no gênero Sermão oral, proferido em denominações religiosas cristãs do agreste alagoano.
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discípulos de Jesus. O uso desse argumento de autoridade tem por objetivo ganhar a
adesão do auditório.
Em “não sejam enganados pelos escarnecedores.... não sejam levados pelas
suas próprias paixões... eles ficam abusando escarnecendo onde está a promessa da
sua volta? Onde está?” Nesse trecho, o retor encadeia sequências injuntivas para que o
auditório não acredite nos escarnecedores. Desse modo, verifica-se um argumento
fundado na estrutura do real, definido como a interação entre o ato e a pessoa. O ato é
“tudo quanto pode ser considerado emanação da pessoa, sejam eles ações, modos de
expressão, reações emotivas, cacoetes involuntários ou juízos” (PERELMAN;
OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.339), que o ato revela a essência quando age sobre
as pessoas. No fragmento destacado, os atos são os escárnios, as zombarias acerca da
volta de Jesus. As pessoas são os próprios escarnecedores. Então, tais atos (escárnios)
revelam quem são essas pessoas (escarnecedores). Tem-se aqui mais um argumento,
visando à persuasão do auditório.
Outro argumento que se funda na estrutura do real e que aparece no Sermão oral
é o argumento de desperdício. Este “consiste em dizer que, uma vez que já se começou
uma obra, que já se aceitaram sacrifícios que se perderiam em caso de renúncia à
empreitada, cumpre prosseguir na mesma direção” (PERELMAN; OLBRECHTS-
TYTECA, 2005, p.317). É possível constatar esse aspecto quando o ethos frisa: “(...)
Deus reuniu todo aquele povo de todas as crenças com a promessa da volta de Jesus
em 1844... e Jesus não veio (...)” Assim, caracterizou-se um grande desapontamento e,
concomitantemente, um desperdício. Talvez, muitos fiéis se desfizeram de bens
materiais, tudo isso esperando algo que não aconteceu naquela época, configurando-se,
assim, um desperdício.
Mais um argumento que se funda na estrutura do real e que foi utilizado no
fragmento é o de superação, pois eles “[...] insistem na possibilidade de ir sempre mais
longe num certo sentido, sem que se entreveja um limite nessa direção, e isso com um
crescimento contínuo de valor” (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.327).
Destaca-se a fala do ethos em: “(...) eles permaneceram estuDANdo descobrindo as
profecias e descobriu novas verdades (...) eles descobriram verdades os mandamentos a
guarda do sábado a reforma de saúde a visão do grande conflito que nos envolve... e ali
daquele grupo se organizou a igreja X...” Nessa sequência de argumentos, o ethos
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ratifica as conquistas do povo que outrora sofreu um grande desapontamento. Mesmo
com o desperdício vivido anteriormente, os fiéis continuaram estudando, descobrindo
novas verdades, os mandamentos, eles se superaram, foram além. Com todos esses
avanços, teve como culminância a organização da igreja. Verifica-se, desse modo, que
mesmo com um desperdício anterior, eles continuaram na mesma empreitada e se
superaram, conseguiram vencer os obstáculos.
O primeiro fragmento do Sermão oral é finalizado com um argumento quase-
lógico, a definição. “As definições são argumentos quase lógicos fundados no princípio
da identidade, porque, ao contrário do que pensa o senso comum, não uma maneira
unívoca de definir um objeto” (FIORIN, 2017, p.118). O retor encadeia a seguinte
sequência: (...) então NÓS somos chamados a X ou seja o povo que espera a segunda
volta de Jesus...” Isso possibilita identificar e/ou classificar a denominação cristã em
destaque. Eles (o pathos e o ethos) são caracterizados como o povo que espera a
segunda volta de Jesus. O ethos define e oferece informações de quem ele é, mas
também do povo que ele dirige.
4.2. Análise do fragmento 2
O evento comunicativo desse segundo fragmento ainda trata dos quinhentos
anos da reforma protestante e foi proferido pelo mesmo ethos do primeiro fragmento
analisado anteriormente. No entanto, o ethos passa a discorrer sobre os pecadores que se
arrependem e os que não se arrependem: os primeiros, por causa do arrependimento,
alcançarão vitória; o segundo grupo, por não aderir ao arrependimento, ficará no lago
de fogo”.
Durante o evento comunicativo de fala, ainda é dito que é necessário se abster
das atrações do mundo. Aqui, o ethos provoca um sentimento no pathos, no sentido de
este não buscar a felicidade em coisas terrenas como futebol, enriquecimento, drogas,
dentre outras coisas.
O pathos é composto por fiéis da denominação cristã e o espaço da proferição é
a própria denominação. Assim, há um objetivo da pregação, pois ela direciona um
possível caminho a ser seguido, e outro a ser recusado. Para tanto, o ethos utiliza-se da
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oralidade (comunicação/linguagem verbal) para efetivar a argumentação. É o que se
pode ver a seguir:
Fonte: corpus da pesquisa (2017).
O ethos inicia esse segundo excerto com a seguinte argumentação: “então no
lago de fogo vai ter pessoas agarrada ao pecado e na cidade santa vai ter também
pecadores... que uns são pecadores arrependidos e nós precisamos entender que vai
para o céu não é quem pecar menos é quem se arrepende mais...”. Percebe-se que o
ethos faz uma distinção entre dois grupos: pecadores arrependidos e os que não se
arrependeram. Ainda é dito acerca do que fazer para ter acesso ao céu: os
arrependimentos contínuos. também a oposição entre o lago de fogo e a cidade
santa: o primeiro seria algo que o pathos não desejaria conhecer; o segundo é tido como
o lugar ideal, que se trata de algo santo/separado. Com essas sequências, visualiza-se
a presença de um argumento baseado na estrutura do real, o pragmático. Esse
argumento refere-se a uma ligação de sucessão que permite analisar algo a partir de
suas consequências favoráveis ou desfavoráveis” (FERREIRA, 2015, p.163).
Assim, o ethos relaciona dois fatos: o primeiro com pessoas agarradas ao
pecado, além de estarem num lago de fogo (situação desfavorável), podendo-se inferir
que estão por causa das consequências de possíveis atos reprováveis; o segundo trata
da cidade santa onde haverá pecadores, mas arrependidos (situação favorável).
Depreende-se que esse segundo grupo poderá alcançar algo desejável, que vai para
o céu não é quem pecar menos é quem se arrepende mais...” O uso do argumento
L1 então no lago de fogo vai ter pessoas agarrada ao pecado e na cidade santa vai ter também
pecadores... que uns são pecadores arrependidos e nós precisamos entender que vai para o
céu não é quem pecar menos é quem se arrepende mais... é quem se joga aos pés do senhor é
quem/é aquele que cai mas retorna e diz senhor me perdoe e o sangue de Jesus purifica aquele
pecado... e Jesus é o nosso advogado mas quando ele voltar ele vem como nosso juiz e ele vai
a sentença final pra cada um (...) o mundo não anda apressado mas nós porém esperamos
novos céus e nova terra...
L2 amém
L1 o mundo anda esperando as atrações do mundo mas nós esperamos o quê? novos céus e
nova terra... muitas pessoas esperam enriquecer mas nós esperamos o quê? novos céus e nova
terra:a é isso que temos que colocar em nossos corações em nossa vida a nossa felicidade não
está em um campeonato (...) a nossa felicidade não está nos jogos esportivos nem nas drogas
nem no álcool nem no cigarro nós esperamos novos céus e nova terra:a...
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pragmático teve a finalidade de avaliar se um ato ou acontecimento possui
consequências favoráveis ou não e, como se viu, há a presença desses dois aspectos.
Em seguida, é encadeado o seguinte discurso: ...vai para o céu não é quem
pecar menos é quem se arrepende mais... é quem se joga aos pés do senhor é quem/é
aquele que cai mas retorna e diz senhor me perdoe e o sangue de Jesus purifica aquele
pecado...” Observa-se aqui que o ethos recorreu ao argumento do sacrifício, um
argumento quase-lógico. “É um argumento de comparação que ressalta o sacrifício a
que se está disposto a sujeitar-se para obter um resultado” (FERREIRA, 2015, p.161).
Verifica-se que algumas etapas para se chegar a um possível céu (resultado a ser
alcançado). Primeiramente, o ethos diz que é necessário se arrepender; segundo, jogar-
se aos pés do Senhor; terceiro, cair e retornar/levantar; quarto, pedir perdão; e,
finalmente, o quinto, a purificação do pecado. Compreende-se que todas essas etapas
têm um único objetivo: alcançar o céu. Assim, o argumento é utilizado de forma
estratégica, procurando convencer e persuadir o pathos.
Em “...e Jesus é o nosso advogado mas quando ele voltar ele vem como nosso
juiz e ele vai a sentença final pra cada um”, verifica-se que o ethos fez uso de um
argumento quase-lógico, a regra de justiça. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca
(2005, p. 248), “a regra de justiça requer a aplicação de um tratamento idêntico a seres
ou a situações que são integrados numa mesma categoria”. No excerto destacado,
percebe-se que Jesus é advogado tanto do ethos quanto do pathos. No entanto, percebe-
se que Jesus exerce esse cargo momentaneamente. Quando ele vier, como diz o retor,
ele ocupará outra função, a de juiz, e não deixará de aplicar as regras e as justiças aos
seus seguidores, mesmo que outrora exercesse a função de advogado.
No último trecho do fragmento, o retor afirma: o mundo anda esperando as
atrações do mundo mas nós esperamos o quê? novos céus e nova terra... muitas pessoas
esperam enriquecer mas nós esperamos o quê? novos céus e nova terra:a é isso que
temos que colocar em nossos corações em nossa vida a nossa felicidade não está em um
campeonato (...) a nossa felicidade não está nos jogos esportivos nem nas drogas nem
no álcool nem no cigarro nós esperamos novos céus e nova terra:a...” É possível
observar que o ethos lança mão de um argumento quase-lógico, a incompatibilidade.
Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p.222-3), o argumento da
incompatibilidade refere-se “[...] a circunstâncias contingentes, sejam estas construídas
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por leis naturais, fatos particulares ou decisões humanas [...] podem resultar da
aplicação em determinadas situações de várias regras morais ou jurídicas, de textos
legais ou sacros”. Percebeu-se que é incompatível que o pathos se relacione com as
atrações do mundo, busque de forma exacerbada o enriquecimento, centre sua atenção
no futebol e nos jogos esportivos, nas drogas lícitas como álcool, cigarro etc. Entende-
se que o pathos precisa buscar um novo céu e uma nova terra e, desse modo, distanciar-
se das coisas do mundo ora mencionadas. Caso o pathos tenha relação com tais gostos,
acarretará em incompatibilidade com o discurso proferido. Assim, o argumento
evidencia a oposição entre as atrações do mundo e os objetivos do pathos.
Compreendeu-se que o gênero discursivo Sermão oral é constituído por dois
interlocutores (ethos e pathos), mas o ethos possui, a todo o momento, o domínio do
turno dialogal, caracterizando a assimetria (SANTOS, 1999). Acredita-se que houve um
acordo entre ethos e pathos, negociando o sentido do evento comunicativo Sermão oral
(logos). O objetivo do ethos é ganhar a adesão do pathos e isso acontece se o
auditório estiver aberto à argumentação.
5. Considerações finais
Os postulados teórico-metodológicos da Nova Retórica contribuem de forma
significativa para a análise do gênero discursivo Sermão oral, porque mostram como se
organiza a disposição dos argumentos no citado gênero, além de possibilitar o
conhecimento de aspectos como o auditório, as relações entre ethos, pathos e logos,
dentre outras especificidades.
Um dos impactos esperados neste trabalho caracteriza-se pelo repensar dos
gêneros discursivos orais do domínio cristão, os quais vão além da esfera discursivo-
religiosa, indo para outras esferas do conhecimento, pois, por meio da linguagem,
qualquer retor (ethos) poderá persuadir, por meio dos elementos da linguagem (figuras,
marcadores lógicos e argumentativos, modalizadores e outros articuladores textuais), o
seu auditório social (pathos).
Quanto ao gênero discursivo sermão oral, destacou-se o seu valor social, que
possibilita a troca comunicativa entre os interlocutores (retor/auditório). Viu-se também
que o Sermão é um gênero de cunho religioso, cujo discurso é oral e que possui uma
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grande relevância social, histórica e cultural no Ocidente por ser o principal gênero
veiculador da mensagem da religião cristã, cuja influência foi dominante, por muitos
séculos nas mais diversas sociedades.
Acredita-se que a relevância da temática se deu pelo fato de o gênero discursivo
Sermão ainda não ter sido estudado à luz da Retórica, na modalidade de língua oral, em
denominações cristãs no agreste alagoano, o que justificou o desenvolvimento desse
trabalho.
É importante frisar que outros estudos virão, uma vez que estudar um gênero
discursivo como o Sermão oral é abrir possibilidades para futuras investigações de um
gênero específico do domínio religioso cristão, que, às vezes, é pouco explorado no
espaço acadêmico, em se tratando da modalidade de língua oral. Além disso, evidencia-
se a necessidade de explorar os gêneros orais, haja vista as lacunas nessa modalidade de
língua.
Compreende-se que, com esse trabalho, visualiza-se a possibilidade de realizar
outros estudos nessa área. Embora se tenham muitos estudos situados no domínio
religioso cristão, ainda é visível a necessidade de se estudar o gênero Sermão, na
modalidade oral, em denominações religiosas cristãs, neste caso, no agreste alagoano.
Por meio das análises feitas no corpus, este trabalho buscou, a todo instante, dar
uma contribuição no que diz respeito à compreensão Retórica do gênero discursivo
Sermão oral. Percebeu-se, durante este estudo, que o gênero Sermão oral apresenta
elementos retóricos, que contribuem para a persuasão do auditório. Os resultados
indicam que aparecem categorias pertencentes aos Estudos Retóricos, como os
Argumentos Baseados na Estrutural do Real, os Quase-Lógicos etc. Pode-se afirmar,
dessa maneira, que o gênero discursivo Sermão oral é retórico e visa à persuasão.
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