imaginário institui as relações discursivas, ou melhor, possibilita a condição de significação
do sentido, como também da constituição do sujeito. É nele que se produz o efeito da
transparência da linguagem; a ilusão de que podemos atravessar as palavras e atingir seu
sentido literal, seu “conteúdo”. Voltaremos a esse ponto mais adiante.
Assumimos que o sentido de uma palavra é decorrente de sua relação com uma
formação discursiva. Uma mesma palavra inserida em diferentes formações discursivas
produzirá sentidos diversos, assim como diferentes palavras inseridas em uma mesma
formação discursiva podem produzir o mesmo sentido. A respeito da questão da relação entre
palavras e sentido, Pêcheux (1998) nos diz:
se uma mesma palavra, uma mesma expressão e uma mesma proposição podem
receber sentidos diferentes - todos igualmente "evidentes" - conforme se refiram a
esta ou aquela formação discursiva, é porque [...] não tem um sentido que lhe seria
"próprio", vinculado a sua literalidade. Ao contrário, seu sentido se constitui em
cada formação discursiva [...] De modo correlato, se se admite que as mesmas
palavras, expressões e proposições mudam de sentido ao passar de uma formação
discursiva a uma outra, é necessário também admitir que palavras, expressões e
proposições literalmente diferentes podem, no interior de uma formação discursiva
dada, "ter o mesmo sentido"[...] A partir de então, a expressão processo discursivo
passará a designar o sistema de relações de substituição, paráfrases, sinonímias, etc.,
que funcionam entre elementos linguísticos - "significantes" - em uma formação
discursiva dada (PÊCHEUX, 1988, p. 161).
São os processos discursivos – os sistemas de relações de significantes em uma
formação discursiva – que nos interessam como analista de discurso. Voltando ao efeito da
transparência do sentido, pode-se dizer que não há sentido único, literal. Os sentidos que se
apresentam como literais são produtos da história, e não o resultado de uma relação natural
entre palavras e coisas do mundo. Os sentidos não têm origem no sujeito, já que são
determinados pela formação discursiva na qual ele se inscreve. O sujeito posiciona-se na
formação discursiva que o determina, identifica-se com alguns sentidos e rejeita outros. É
também dessa forma que sujeitos e sentidos – constitutivamente descontínuos em sua
historicidade, divididos em sua constituição pelo inconsciente e marcados por uma
incompletude – garantem, pela força do imaginário, uma aparente unidade. Esse é efeito da
ideologia que, dissimulando sua existência em seu próprio funcionamento, produz evidências
nas quais se constitui o sujeito. É importante frisar que as formações discursivas são
constituídas pelas diferenças, por contradições e confrontos. Estão em constante movimento,
em um processo de reconfiguração, delimitando-se por aproximação e afastamento. É dessa
forma que sujeitos e sentidos constitutivamente descontínuos, incompletos, divididos
produzem a unidade imaginária a que nos referimos.