Sistematização de uma experiência agroecológica no Cerrado brasileiro: subsídios para o planejamento ...
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 573-581, 2021.
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a margem do processo de desenvolvimento das experiências
nesse sentido, de forma que esse ocorreu baseado
fundamentalmente no esforço de agricultores, em especial
com características neorurais. Esses, motivados por
convicção ideológica, arcaram com uma fase inicial de
intenso aprendizado fundamentada na tentativa e erro
(ASSIS; ROMEIRO, 2007; ALVES et al., 2012), constituindo
um enredo geral, do começo da produção orgânica no país,
que também foi observado no início das atividades do sítio
Alegria.
Assim, técnicas das diferentes correntes de agricultura de
base ecológica foram experimentadas, o que favoreceu a
apropriação do entendimento dos procedimentos mais
adequados para, conforme descreve Canuto (2017),
possibilitar o desenvolvimento de sistemas biodiversos, e
assim viabilizar a implantação e condução de agroecosistemas
sustentáveis.
O desenvolvimento de sistemas de produção
agroecológicos pressupõe uma dependência mínima de
insumos químicos (BOAVENTURA et al., 2018). E,
entende-se que o sucesso de iniciativas nesse sentido deriva
do equilíbrio entre as plantas, solos, nutrientes, luz solar,
umidade e outros organismos coexistentes, e que a
conservação e ampliação da biodiversidade dos
agroecossistemas compõem princípio fundamental para
produzir autorregulação e sustentabilidade (ALTIERI, 2012),
sendo a saúde do solo item fundamental para a sanidade das
plantas (LOPES et al., 2019).
Curiosamente, o período de início da experiência do sítio
Alegria coincide com o período de fortalecimento da
Revolução Verde e com o início da redemocratização do
Brasil. As políticas de incentivo agrícola se orientavam no
país para o modelo industrial com caráter extensivo,
exportador, considerado naquele momento como
“moderno”. Uma conjuntura, portanto, que restringiu
bastante o acesso às literaturas sobre agriculturas sistêmicas e
conhecimentos técnicos agrícolas alternativos aos da
agricultura industrial. (SANTOS; CHALUB-MARTINS,
2012; NODARI; GUERRA, 2015; SOUSA; GOIÁS, 2015;
CANUTO, 2017).
Entretanto, é também nesse período que os movimentos
sociais começaram a se reorganizar e por mais dificultado que
tenha sido o acesso às informações técnicas ecológicas
consagradas, de raros volumes e caras importações, as
articulações de trocas de informações dentro dos grupos do
movimento da agricultura alternativa potencializaram o
clareamento e a práxis agroecológica. A qual, de acordo como
Nodari e Guerra (2015), desde o início do século passado,
desenvolveu-se no bojo de iniciativas como a da agricultura
biodinâmica, cujas bases foram estabelecidas por Rudolf
Steiner em 1924, e da agricultura orgânica apresentada por
Albert Howard em seu livro An agricultural testament (Um
testamento agrícola) em 1943. Posteriormente, ao longo do
século XX, outros autores ampliaram a base teórica acerca de
sistemas de base ecológica que valorizam o uso da matéria
orgânica e os processos biológicos.
Ainda de acordo com os mesmos autores, a agroecologia
constitui um paradigma emergente que se contrapõe ao da
agricultura industrial, e que se diferencia pela abordagem
holística que engloba questões ambientais e humanas. Nesse
sentido, nos moldes da experiência aqui analisada, não faz
uso de insumos químicos sintéticos, e utiliza grande
diversidade genética nos agroecossistemas, bem como
propugna o fortalecimento das relações de vizinhança e busca
sempre produzir alimentos com alta qualidade biológica e
nutricional.
Com a análise da sistematização da experiência
agroecológica do sítio Alegria, percebeu-se que a dinâmica de
uma unidade de produção agroecológica. desde o início, se dá
a partir de um conjunto de fatores que abrangem tanto os
aspectos de gestão quanto os aspectos físicos e biológicos
locais. Assim, o desenvolvimento de técnicas aplicadas à
paisagem produtiva, física e social, ocorreu gradualmente à
medida que novas percepções, conhecimentos e relações
agregavam-se à realidade dos atores, não necessariamente de
maneira linear.
Experimentações consecutivas possibilitaram aos atores
responsáveis pela experiência aprofundar o conhecimento
sobre as características e potenciais da localidade. Essas
experimentações basearam-se em conhecimentos técnicos
consagrados e, sobretudo, na observação perceptiva
cotidiana da dinâmica socioambiental local, o que incluiu a
inclusão de conhecimentos tradicionais, fundamentais para o
sucesso de iniciativas agroecológicas (BORSATTO;
CARMO, 2013), ao ajudar a encontrar o manejo mais
adequado para cada agroecossistema em cada momento da
experiência.
Por sua vez, a maneira de atuação e engajamento político
e social, dos atores protagonistas, incluindo a construção de
redes, que têm papel de destaque na construção de fatores
qualitativos importantes para a consecução de estratégias e
experiências de desenvolvimento sustentável, orientadas pela
agroecologia (LIMA, 2019), contribuiu para fortalecer a
proposta do sítio Alegria de integração do espaço rural com
o urbano.
A diversificação de cultivos, notadamente como a
observada no sítio Alegria que envolve sistemas biodiversos
com cultivos anuais e perenes, inseridos em um mosaico de
estratégias produtivas e de APPs, possibilita a experiência
agroecológica manter processos ecológicos que contribuem
para estabelecer a autorregulação dos agroecossistemas,
conforme Altieri (2012). Além disso, distribui melhor a força
de trabalho, ao longo do ano, viabiliza um mix variado de
produtos, que é importante para a comercialização em feiras
orgânicas, e constitui aspecto de beleza cênica, fundamental
para o desenvolvimento de atividades não agrícolas
complementares, como o turismo.
Característica inerente a experiência aqui analisada, a
neoruralidade se constitui a partir de um fenômeno que
procura resgatar valores quase perdidos da vida no campo,
como o contato com a natureza e a simplicidade material,
bem como aspectos relacionados a questões ecológicas
(DIAS; MAZETTO, 2014). Por sua vez, essas características
representam atributos inerentes à paisagem rural, que
conferem a estas, valores intangíveis passíveis de serem
trabalhados e agregados como mais um “produto”
estabelecido ao longo do desenvolvimento da experiência
agroecológica do sítio Alegria.
5. CONCLUSÕES
A sistematização da experiência do sítio Alegria
demonstra a complexidade do processo de implantação e
condução de Unidades de Produção Agroecológicas. O relato
aqui apresentado apresenta de forma objetiva a subjetividade
da dinâmica que existe dentro dessas unidades, com riqueza
em variedade, diversidade e possibilidades nos processos
biológicos, sociais, econômicos, éticos, morais e culturais.
Características estas potencializadas pela flexibilidade,