Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 573-581, 2021.
Pesquisas Agrárias e Ambientais
DOI: https://doi.org/10.31413/nativa.v9i5.13231
ISSN: 2318-7670
Sistematização de uma experiência agroecológica no Cerrado brasileiro: subsídios
para o planejamento de unidades produtivas de bases ecológicas
Isabel Corrêa Fontes Chagas de OLIVEIRA1, Renato Linhares de ASSIS2*,
Adriana Maria de AQUINO2
1 Associação de Agricultura Ecológica, Brasília, DF, Brasil.
2 Embrapa Agrobiologia, Seropédica, RJ, Brasil.
*E-mail: renato.assis@embrapa.br
(ORCID: 0000-0002-8553-5551; 0000-0003-4228-5166; 0000-0003-3718-4512)
Recebido em 01/12/2021; Aceito em 16/12/2021; Publicado em 18/12/2021.
RESUMO: Este estudo consiste na sistematização de uma experiência agroecológica a partir do ordenamento
e síntese dos processos do seu uso e ocupação. A experiência iniciou em 1984, em unidade agroecológica
pioneira, com características neorurais, na região Centro-oeste do Brasil. A pesquisa contou com entrevistas
não estruturadas, levantamento de campo, pesquisa bibliográfica e documental (fotografias, revistas, jornais,
imagens de satélite e fotografias aéreas). Utilizou-se a ferramenta Google Earth para avaliar o mosaico de
agroecossistemas resultante da ação agroecológica no espaço e tempo. Os resultados apontaram uma dinâmica
complexa do processo de construção de agroecossistemas e redes sociais, configurando-se num desenho
agroecológico que ultrapassa as fronteiras físicas da propriedade. O processo de síntese e análise relatado, além
de empoderar os protagonistas, traz a luz do conhecimento científico aprendizados de uma experiência empírica
de um modo de vida integrado à natureza, com riqueza em variedade, diversidade e possibilidades nos processos
biológicos, sociais, econômicos, éticos, morais e culturais, que pode inspirar e subsidiar outras iniciativas de
base agroecológica.
Palavras-chave: neoruralidade; gerenciamento agroecológico; redesenho da paisagem; agroecossistemas.
Systematization of an agroecological experience in the Brazilian Cerrado: subsidies
for the planning of productive units of ecological bases
ABSTRACT: This study consists of the systematization of an agroecological experience from the ordering and
synthesis of the processes of its use and occupation. The experience began in 1984, in a pioneering
agroecological unit, with neorural characteristics, in the Midwest region of Brazil. The research included
unstructured interviews, field surveys, bibliographic and documentary research (photographs, magazines,
newspapers, satellite images, and aerial photographs). The Google Earth tool was used to evaluate the mosaic
of agroecosystems resulting from agroecological action in space and time. The results pointed toward a complex
dynamic of the construction process of agroecosystems and social networks, configuring itself in an
agroecological design that goes beyond the physical boundaries of the property. The reported process of
synthesis and analysis, in addition to empowering the protagonists, brings to light scientific knowledge learning
from an empirical experience of a way of life integrated with nature, with a wealth of variety, diversity, and
possibilities in biological, social, economic, ethical, moral and cultural processes, which can inspire and
subsidize other agroecological initiatives.
Keywords: neorurality; agroecological management; landscape redesign; agroecosystems.
1. INTRODUÇÃO
A sistematização de experiências agroecológicas bem
sucedidas se configura como estratégia para que as práticas
ecológicas e conhecimentos empíricos, obtidos da
experimentação, construção e reconstrução das paisagens
agroecoprodutivas, sejam disponibilizados, de modo que
colabore com o a construção do arcabouço teórico
agroecológico e inspire outras experiências agroecológicas,
favorecendo o desenvolvimento do movimento
agroecológico.
Para Simon (2007), a sistematização de experiências
produz um novo conhecimento, possibilita a generalização,
converte a própria experiência em objeto de estudo e de
interpretação teórica e, ao mesmo tempo em objeto de
transformação, e que ao sistematizar as pessoas recuperam de
maneira ordenada o que sabem sobre sua experiência,
descobrem o que não sabem sobre ela e o que não sabiam
que já sabiam.
A prática de sistematizações tem relevância crescente e
apoia a valorização de saberes locais (ECKERT, 2009). A
carência de informações sobre a sistematização está ligada,
principalmente, à insuficiência metodológica relacionada às
propostas de ação, de forma que a construção do método a
ser aplicado é, sem dúvida, a parte mais desafiadora do
trabalho (SIMON, 2007).
Com esse entendimento, o objetivo desse artigo é
apresentar sistematização da experiência agroecológica do
sítio Alegria (pioneira no Distrito Federal), trazendo à luz do
conhecimento científico os resultados de experimentos
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práticos da agroecologia, aplicados cotidianamente como um
modo de vida. As principais práticas e aprendizados que
orientaram para a sustentabilidade desta experiência,
proporcionando maior eficiência produtiva e energética,
foram ordenados e apresentados sinteticamente.
Por se tratar de uma experiência agroecológica com
grandes potenciais e conhecimentos acumulados, a
sistematização do seu desenvolvimento produtivo agrícola e
das atividades paralelas que a envolvem, além de favorecer a
própria experiência sistematizada, a partir da autoanálise e das
tomadas de decisões mais acertadas, contribui positivamente
com a construção da agroecologia e com a problemática do
desenvolvimento rural sustentável, (HOLLIDAY, 1996).
A sistematização de experiências produz um novo
conhecimento, possibilita a generalização, converte a própria
experiência em objeto de estudo e de interpretação teórica e,
ao mesmo tempo em objeto de transformação (SIMON
(2007). Além disso, o conhecimento gerado colabora com o
relato que destaca a importância da agroecologia para a
promoção do desenvolvimento rural sustentável
(AZEVEDO; ALMEIDA NETO, 2015)
Entretanto, em função da complexidade das atividades
praticadas no tempo em uma experiência agroecológica, além
da carência metodológica para esse tipo de sistematização,
algumas informações deixam de ser registradas ficando ainda
por serem observadas e compartilhadas posteriormente.
Portanto não se pretende aqui esgotar os conteúdos que
envolvem a experiência analisada. Porém, entende-se que sua
sistematização potencializa os conhecimentos adquiridos
empiricamente a partir de uma espiral ascendente, que
culmina com a intencionalidade de compartilhar os
aprendizados.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A experiência agroecológica sistematizada no período de
1984 até 2012 foi a do sítio Alegria/DF, localizado em
Brazlândia, Região Administrativa IV (RA IV) do Distrito
Federal, no extremo noroeste, à 50 km de Brasília/DF. O
sítio Alegria é o 24° lote da gleba n° 1 do assentamento rural
pertencente ao Programa Integrado de Colonização Agrícola
Alexandre Gusmão (PICAG) do INCRA-DF. Está
localizado nas coordenadas geográficas 15°38’35.19’’S e
48°09’45.54’’O, situado nas proximidades das ocupações
urbanas de Brazlândia, a 3,5 km de estrada de terra à
Nordeste dessa localidade.
O processo de experimentação e construção do modelo
agroecológico do sítio Alegria se iniciou em 1984. Nele os
agroecossistemas amadureceram paralelamente ao
desenvolvimento de relações sociais mais justas aliados à
conservação ambiental da região onde se encontra. Fez parte
do desenvolvimento dos agroecossistemas a organização
coletiva com outros produtores para venda direta aos
consumidores, o engajamento local, político, econômico e
ambiental e o fortalecimento das relações com as instituições
públicas e privadas, dentre elas as organizações do terceiro
setor. Portanto, a experiência em questão possui fronteiras
além dos limites da unidade de produção, com rede intricada
de relações que garantem sua sustentação.
O desenvolvimento agrícola da experiência está
diretamente associado ao desenvolvimento de outros
serviços ambientais de caracteres multidisciplinares. Serviços
estes desde o turismo ecológico e pedagógico, capacitações
técnicas de profissionais e agricultores familiares, o
recebimento de estagiários de escolas técnicas e parcerias
com instituições de pesquisas e ensino.
Para sistematizar essa experiência agroecológica foi
utilizada como base a metodologia proposta por Holliday
(1996), chamada por metodologia de cinco tempos, que são:
o ponto de partida, as perguntas iniciais, a recuperação do
processo vivido, a reflexão de fundo e os pontos de chegada.
Entretanto, como o próprio autor explicita a proposta não
busca ser um “receituário”, mas sim um instrumento
utilizável, com algumas pautas indicativas que, se posta em
prática permitirá o seu questionamento, modificações,
enriquecimento e adaptação às condições particulares de cada
um. Ainda complementa que embora a proposta, em cinco
tempos, sugira um procedimento com uma ordem justificada,
este não deverá seguir-se exatamente como proposto, pois
dependede muitos fatores que incidem na multiplicidade
de experiências existentes.
Segundo o mesmo autor, a sistematização de experiência
constitui interpretação crítica de uma ou várias experiências
que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre
ou explicita a lógica do processo vivido. São considerados os
fatos que interviram no processo, a forma como se
relacionaram entre si e porque o fizeram do respectivo modo,
buscando compreender e tratar com o qualitativo da
realidade que se encontra em cada situação particular
(HOLLIDAY, 1996).
A elaboração dessa sistematização contou com pesquisas
bibliográficas, documentais e levantamentos de campo.
Utilizou-se no levantamento de campo de entrevistas
semiestruturadas - com os atores, parceiros e afins, registros
fotográficos e ainda um mapeamento participativo junto aos
atores da experiência, o que permitiu o desenho das
atividades agroecológicas do local, no tempo e espaço em
imagens de satélites do Google Earth, sobrepostas por
fotografias reas antigas acessadas na Companhia de
Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal.
3. RESULTADOS
O sítio Alegria constituiu um mosaico de uso produtivo
da propriedade resultante da aplicação contínua e
diversificada de práticas e atividades agroecológicas
desenvolvidas no período de 28 anos de experiência. Esse
mosaico de atividades ilustra a complexidade alcançada pela
construção agroecológica no tempo. A unidade de produção
em questão possui grande potencial produtivo e inspirador,
pois ao mesmo tempo que utiliza os recursos naturais
envolvidos, reconstitui, conserva o meio ambiente e difunde
essa prática. Na região onde se encontra, Centro-Oeste
brasileiro, é a unidade de produção agroecológica mais antiga
em contínua atuação, configurando-se como uma das mais
consolidadas e também reconhecidas em Brasília-DF. O sítio
serve como local de moradia familiar, produção, consumo e
distribuição de alimentos e matérias primas com alto valor
biológico à cidade. Na Figura 1 pode-se observar um
fluxograma generalizado das atividades envolvidas na
experiência do sítio Alegria.
3.1. Contextualização histórica da experiência
Essa experiência foi idealizada e concretizada por um
casal de Engenheiros Agrônomos, motivados pela vontade e
necessidade de mais ecologia em suas realidades
socioambientais. Assim, em 1984 o casal adquiriu uma
propriedade com água em abundância, fácil acesso,
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proximidade ao mercado consumidor, mas o solo
apresentava baixíssima fertilidade, que com energia física e
mental, se transformaria no sítio Alegria.
O casal protagonista se conheceu em 1977, na
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em
um contexto histórico de fortalecimento dos movimentos
sociais, durante a ditadura militar, e do estabelecimento da
industrialização da agricultura brasileira, a chamada
Revolução Verde1. Durante o curso de Engenharia
Agronômica se articularam ao movimento de agricultura
alternativa que questionava as imposições técnicas da
“agricultura moderna”, como os chamados “pacotes
agrícolas” e a intensa mecanização do campo. Esse
movimento, de modo geral em contracorrente, cresceu,
distribuiu-se, multiplicou-se e é precursor do que hoje
conhecemos como Agroecologia.
Figura 1. Fluxograma de atividades envolvidas na experiência do sítio Alegria.
Fonte: pesquisa de campo.
Figure 1. Flowchart of activities in the the Alegria farm experience.
Source: field research.
3.2. Aspectos socioambientais da região
O local escolhido foi Brazlândia, cinturão verde do
Distrito Federal localizado no seu extremo noroeste. Além
de estar próximo à importante mercado consumidor, a região
insere-se em importante bacia hidrográfica, responsável por
aproximadamente 65% da água consumida em Brasília. Por
isso toda a região foi definida como Área de Preservação
Ambiental (APA) da bacia hidrográfica do rio Descoberto.
1 “Pode-se caracterizar a Revolução Verde como um paradigma tecnológico derivado
da evolução dos conhecimentos da química e da biologia, que definiram uma trajetória
tecnológica baseada no uso intensivo de insumos químicos. Essa modernização na
Essa abundância hídrica foi determinante na escolha do local
pelos protagonistas.
A região faz divisa com o Parque Nacional de Brasília e
apresenta belas paisagens naturais, muitas propriedades
agrícolas e outras áreas públicas destinadas à preservação e
conservação ambiental. Brazlândia, ainda conserva uma
cultura rural peculiar. Em decorrência da presença dos
elementos naturais mencionados, que exigem maior
responsabilidade ambiental, existem em Brazlândia estruturas
agricultura trouxe como efeito o aumento da produção agrícola, mas também diversos
danos de ordem ambiental e social.” (SERRA et al., 2016, p.1)
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sociais organizadas e orientadas ao desenvolvimento
sustentável da região, como é o caso da Associação de
Desenvolvimento Sustentável de Brazlândia (ADESB), e da
Associação dos produtores da Bacia do rio Descoberto (Pro
Descoberto).
3.3. Aspectos ambientais da unidade de produção
agroecológica
A propriedade possui 28 ha e é delimitada por dois
córregos componentes da microbacia do córrego Capão da
Onça e pela Floresta Nacional de Brasília (FLONA-DF), o
que assegura abundância hídrica e significativa proteção
ambiental ao local.
O bioma local é o Cerrado, com o clima caracterizado por
duas estações bem marcantes, verão quente e úmido e
inverno frio e seco, com temperaturas variando entre 7°C
mínima e 35°C máxima, com média de 22°C. A região
apresenta um regime pluviométrico que varia entre 1800 a
2000 mm ao ano. Esta variação pluviométrica refere-se
principalmente ao período chuvoso, pois não chuva no
período de seca que predomina dos meses entre abril e
agosto. A vegetação natural existente é composta,
principalmente, por campos limpos e rupestres, uma
fitofisionomia bastante ocorrente no planalto central
brasileiro. A altitude média do sítio é de aproximadamente
1100m. A Geologia é representada predominantemente por
cambissolos, pequenas manchas de latossolos e solos
aluvionários ao longo dos cursos d’água.
A geomorfologia da propriedade apresenta características
de recarga hídrica, conformando-se, em sua maior parte, por
um conjunto de morros divididos por drenagens, de primeira
ordem, formadoras dos dois córregos delimitadores da
propriedade. A menor parte é formada por áreas mais planas
e passíveis de agricultura de baixo impacto, devido à
sensibilidade geomorfológica e a importância dos recursos
naturais locais, especialmente os hídricos. O restante
compõe-se de Áreas de Preservação Permanente de corpos
hídricos.
Esses elementos ambientais expressam uma peculiaridade
de sucesso a essa unidade produtiva, caracterizada pela
dinamicidade de uso e ocupação no tempo e espaço. Pois,
ainda que a área com aptidão agrícola fosse restrita, devido à
baixa fertilidade natural dos solos, os fatores como o
potencial hídrico, acesso e proximidade ao mercado
consumidor, aliados a capacidade de gestão e gerenciamento,
garantiram o desenvolvimento contínuo e progressivo do
fazer agroecológico, pois desafios como a falta de energia
elétrica e telefone, por exemplo, não faltaram.
3.4. Organização social e atividades agregadas
O casal protagonista da experiência em análise adquiriu a
propriedade, paralelamente ao desenvolvimento de outras
atividades profissionais. Instalaram as estruturas básicas de
moradia e de produção e se mudaram para o local com a
família. Desde então iniciaram o desenho e redesenho de uma
paisagem agroecológica bastante diversa e dinâmica. Uma
paisagem que vai além da diversidade em agroecossistemas,
sendo composta, também por uma multiplicidade de usos e
redes sociais.
Inicialmente, em função do trabalho vinculado às áreas
de conservação e preservação ambiental do então Instituto
Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), o marido se
deslocava diariamente para Brasília, enquanto a esposa, como
funcionária de um órgão educacional do distrito federal,
passou a trabalhar em escola rural próxima à propriedade.
Esse fato foi fundamental para o melhor acompanhamento
da instalação das estruturas e plantios iniciais.
O contato direto do casal protagonista com o urbano
favoreceu o entrosamento com outros ativistas engajados ao
movimento de agricultura alternativa, e contribuiu para
estruturar as bases política, econômica e social do casal, bem
como para a atuação desses no fortalecimento do próprio
movimento. Esse entrosamento foi fundamental no
estabelecimento de importantes redes sociais que
possibilitaram, em 1988, criar a Associação dos Produtores
Agroecológicos AGE, fundamental para a promoção e
comercialização de seus produtos em feiras orgânicas
distribuídas em Brasília.
A relação campo versus cidade da experiência está
enraizada no seu próprio desenvolvimento, ou seja, desde as
relações de trabalho, políticas e comerciais, até ao cotidiano
familiar, o qual também precisou se adaptar a uma dinâmica
social de integração constante do urbano com o rural. Isso
ocorreu de forma não planejada, atraindo simpatizantes da
Agroecologia e fortalecendo a proposta. Nesse processo, as
redes sociais das relações cotidianas, familiares e locais, foram
e são as que mais deram suporte e subsídios ao
desenvolvimento da proposta agroecológica e da localidade.
Em 2001, o marido licenciou-se do serviço público e se
dedicou à consolidação de uma cooperativa de serviços
ambientais, ECOOIDEIA, por meio da qual passou a prestar
serviços de consultorias nas mais diversas temáticas
ambientais, especializando-se em gerenciamento e gestão de
resíduos sólidos urbanos e agroecologia. A esposa
permaneceu no serviço público voltado à educação, até se
aposentar, concomitantemente participando dos trabalhos
junto a essa nova estrutura social, da qual também foi
fundadora, especialmente em ações com educação ambiental
e agroecologia, por vezes associadas à estrutura do próprio
sítio Alegria.
A atuação então concomitante junto a ECOOIDEIA e a
AGE favoreceu o desenvolvimento de uma rede social, que
bem articulada e gerida, potencializou a proposta
agroecológica da experiência, em que as principais atividades
desenvolvidas constituídas foram: produção de
hortigranjeiros, cursos, visitas técnicas e ecoturismo (Figura
2).
As atividades de caráter social: ecoturismo, visitas
técnicas e cursos, foram sendo agregadas à prática
agroecológica da experiência à medida que novas estruturas
físicas e sociais se consolidaram e novos conhecimentos e
aprendizados foram adquiridos com a prática, contribuindo
para a geração da renda familiar e sustentabilidade da
experiência. Assim, a prática de atividades não agrícolas
diversas, complementando a renda gerada pela produção
agropecuária, sempre esteve presente nessa experiência,
sendo aprimorada com o tempo a partir de vivência e
experimentação.
As atividades voltadas ao ecoturismo foram sendo
agregadas à medida que demandas espontâneas surgiram,
mas para sua consolidação foram necessários alguns
investimentos em infraestrutura (Figura 2) e ajustes na
dinâmica familiar, pois a abertura do sítio para o recebimento
de turistas exigiu adaptações também de relacionamentos
com este novo público consumidor e com a própria nova
atividade econômica agregada.
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Figura 2. Ajustes na infraestrutura para o turismo e sua dinâmica no
sítio Alegria: (A) turismo integrado ao pomar; (B) atividade
pedagógica; (C) adaptação de infraestrutura utilizada como curral
para servir como espaço de recepção de visitantes, equipada com
cozinha e banheiros; (D) alojamento com mobiliário produzido com
madeira de eucalipto produzido na unidade de produção.
Fonte: arquivo do sítio Alegria.
Figure 2. Adjustments in the tourism infrastructure and its dynamics
in the Alegria farm: (A) tourism integrated with the orchard; (B)
pedagogical activity; (C) adaptation of infrastructure used as a corral
to serve as a visitor reception area, equipped with a kitchen and
bathrooms; (D) accommodation with furniture produced with
eucalyptus wood produced in the production unit. Source: Alegria
farm archive.
3.5. Infraestrutura básica
A propriedade foi adquirida com um “barraco”, sem
energia e saneamento, com uma pequena captação de água
no córrego, com pontos erodidos e com intenso
desmatamento devido à prática da carvoaria realizada antes
da aquisição do terreno. Uma das primeiras medidas foi a
contratação de um empregado que se dispusesse a morar no
“barraco” e pudesse colaborar na construção de
infraestrutura básica.
O que se dispunha inicialmente era de um pequeno
capital financeiro e muita vontade e determinação para
materializar a proposta agroecológica; planejamento básico
de uso e ocupação do território para curto, médio e longo
prazo, de modo que a aliança entre a produção agropecuária,
a recuperação e conservação ambiental fosse sempre mantida
e otimizada por meio de uma gestão integrada e eficiente.
Como resultados, em 1986, embora ainda sem energia
elétrica, já havia uma boa malha de captação e distribuição de
água por gravidade, tanto para uso doméstico como para o
uso agropecuário; galpão multifuncional; casa sede de
moradia da família; sistema agroprodutivo que atendia
grande parte da demanda alimentar da família e gerava
excedentes para comercialização.
3.6. Captação, uso e conservação da água
No primeiro momento houve aproveitamento e
melhoramento do pequeno canal preexistente, e
posteriormente realizado o desenho e construção de uma
malha hídrica, com melhor funcionalidade para distribuição
de água na unidade de produção. Inicialmente o
abastecimento e a irrigação eram por gravidade, com
aspersão de baixa pressão, sendo o bombeamento da água
para uso e consumo por roda d’água bastante eficiente, com
potencial hidráulico suficiente à demanda de uso inicial do
sítio Alegria.
Em 1991, com a maior experiência dos protagonistas
associada a melhor infraestrutura da propriedade e ao
contexto de uma conjuntura política e socioambiental mais
favorável, foi possível obter recurso financeiro de crédito
rural, e assim instalar energia elétrica e construir dois tanques
de água para irrigação, juntamente com um sistema de
irrigação mais eficiente, com bombas elétricas de irrigação e
uma complexa malha de canos. Esse novo sistema de
irrigação substituiu paulatinamente o sistema por gravidade,
que permaneceu na dinâmica de desenvolvimento e
aprimoramento constante às novas demandas do sítio
Alegria, com adaptações como a instalação de uma segunda
bomba junto à roda d’água, para aumentar sua eficiência
energética, e a construção de uma segunda caixa d’água com
capacidade de 30.000 litros para melhor atender a demanda
da propriedade. O manejo da água e cuidados com o
saneamento, além dos plantios permanentes de espécies
nativas e produtivas nas margens dos córregos, têm
contribuído para a necessária conservação in sito da água até
os dias atuais.
3.7. Manejo, uso e conservação do solo
No sítio Alegria alguns cuidados com o solo foram
realizados antes mesmo da família se mudar para o local,
como por exemplo, a identificação de áreas com erosão ou
em estados sensíveis a deslizes e perdas de solo, como
prioritárias para ações de remediação ou prevenção.
Embora inicialmente tenha sido realizada uma análise da
fertilidade química dos solos das diferentes glebas, de forma
a orientar a calagem e consecutivos aportes de adubos
orgânicos, a baixa aptidão agrícola dos solos relacionada a
uma baixa atividade biológica dos solos, apresentou-se como
um elemento de dificuldade para a atividade produtiva. era
possível encontrar solos com material orgânico nas camadas
superficiais nas margens dos córregos, caracterizadas como
de aluviões, mesmo assim esses locais estavam bastante
desmatados.
Porém, considerando a abundância hídrica local,
associada à gestão atenta e criativa com uso de bastante mão
de obra, esse problema foi contornado com o manejo
orgânico da unidade de produção como um todo. Assim, a
maior parte da base produtiva dos solos do sítio Alegria foi
formada a partir da aplicação intensiva de matéria orgânica
rica em atividade biológica e de diversos manejos
agroecológicos, com caracteres variados, conforme as
necessidades e possibilidades de cada momento.
Ao analisar os tipos e intensidade de adubação orgânica
utilizada ao longo do tempo, verifica-se que a (re)construção
da atividade biológica dos solos possui linha ascendente de
crescimento. A percepção da família é de que à medida que o
solo foi sendo protegido das intempéries climáticas, recebeu
a incorporação de biomassa e água, o desenvolvimento
biológico foi favorecido, tornando-o mais fértil.
Desse modo, o processo de regeneração, construção e
conservação do solo da experiência em questão possui um
histórico considerável de correções, experimentações,
adaptações e manejos produtivos variados como: correções
de erosões; plantios diversificados, no tempo e espaço, de
diferentes espécies e variedades; promoção constante da
reciclagem de nutrientes e de matéria orgânica com
estratégias como adubação verde e compostagem; e
integração das produções animal e vegetal.
A
B
C
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Nessa experiência a adubação é realizada desde seu início
com a aquisição e aproveitamento de recursos internos e
externos à unidade produtiva: podas e aparas de jardinagem
urbana; estercos de animais coletado nas pastagens; produção
e manejo de biomassa vegetal local; produção de cinza;
produção e compra de esterco animal; compostagem com
biomassa e resíduos orgânicos tais como sobras de feiras,
estercos, cinzas, resíduos de colheitas e parte dos resíduos
orgânicos domésticos. A produção e uso de biofertilizantes
sempre foi utilizada como adubação complementar e de
forma a maximizar a pequena quantidade de esterco
produzida no sítio.
O input de resíduos da jardinagem urbana e a coleta de
estercos em pastagens, sempre foi alternativa para aumentar
a atividade biológica do solo, notadamente no período inicial
da experiência em que a demanda por matéria orgânica era
alta e a disponibilidade dentro da unidade de produção era
baixa. Assim, no processo dinâmico do uso, manejo e
(re)construção do solo, várias fontes de adubação têm sido
utilizadas, dependendo da disponibilidade local, para melhor
atender as demandas produtivas.
O manejo continuado de gramíneas, utilizadas como
biomassa vegetal para cobertura morta e produção de
compostos, foi a principal prática agroecológica relacionada
à nutrição das plantas utilizada, tanto diretamente junto à
base das plantas, em formato de anéis, como em pequenos
montes, visando à eficiência energética da adubação in loco.
Com essa estratégia de manejo tem sido proteger as raízes das
plantas, conservar umidade, favorecer a maior atividade
biológica e ciclagem de nutrientes.
A essa estratégia de adubação acrescenta-se que,
dependendo da necessidade, pode-se recorrer à
complementação com biofertilizante líquido e incrementá-la
com o plantio consorciado de leguminosas para adubação
verde visando o aporte de nitrogênio no sistema produtivo.
No desenvolvimento dos processos agroecológicos da
unidade produtiva utilizou-se microtrator e roçadeiras,
principalmente costal. Mais recentemente, com melhor
estabilidade financeira, foi possível adquirir um pequeno
trator para roçar gramados, que além de potencializar a
produção e manejo da biomassa vegetal, possibilita maior
eficiência da manutenção da área para o turismo.
3.8. Regulação biótica e manejo da paisagem
agroecológica
A busca dessa autorregulação é recorrente no sítio Alegria
para a promoção do controle biológico conservativo,
estratégia principal do manejo fitossanitário local, que inclui
ainda o manejo de espécies vegetais atrativas de inimigos
naturais, como joaninhas, plantas espontâneas e outras
cultivadas exclusivamente com essa finalidade, catação
manual de lesmas e lagartas, e práticas com orientações
quânticas envolvendo a dinâmica natural dos ecossistemas,
promovendo a estabilidade dos cultivos e a saúde dos
animais, fechando o ciclo da conservação e regeneração dos
recursos naturais. De forma complementar, recorre-se a
práticas de controle de impacto mais imediato, como o uso
de preparados fitoterápicos, notadamente de pimenta e alho.
No desenvolvimento dos agroecossistemas locais as
variáveis tempo e espaço também foram determinantes. O
gerenciamento das estratégias de uso e ocupação produtiva
se fez presente desde o início da experiência. Inicialmente,
como havia muita área desmatada, sem uso agrícola, a
prioridade foi recompor as áreas de solos mais férteis,
encontradas principalmente às margens dos córregos, o que
demandou muita atenção e cuidado para a regeneração e
conservação dos recursos naturais locais.
A reestruturação da vegetação permanente com plantios
de espécies nativas ocorreu simultaneamente com o
desenvolvimento da atividade olerícola e agroflorestal (Figura
3), sendo acrescentadas espécies arbóreas também produtivas
como pupunhas e cafeeiros e frutíferas como: bananeiras,
lichieiras, mangueiras, caquizeiros, citros, gravioleiras,
goiabeiras, maracujazeiros, framboeseiras, entre outras,
enriquecendo a biodiversidade produtiva e (re)equilibrando o
agroecossistema.
Figura 3. Manejo agroecológico da paisagem no sítio Alegria: (A)
diversificação produtiva de hortaliças em limite de área de
preservação permanente (APP); (B) APP com sistema agroflorestal
(SAF); (C) produção de hortaliças em consórcio com plantas
frutíferas; e (D) SAF com espécies nativas e exóticas produtivas.
Fonte: arquivo do sítio Alegria.
Figure 3. Agroecological management of the landscape at Alegria
farm: (A) productive diversification of vegetables in the limit of a
permanent preservation area; (B) permanent preservation area with
agroforestry system; (C) production of vegetables in consortium
with fruit plants; and (D) agroforestry system with native and exotic
productive species.
Source: Alegria farm archive.
Com a maior autonomia produtiva do sítio Alegria,
conquistada pela família aproximadamente a partir de 1998,
houve a primeira expansão do sistema produtivo da
propriedade, constituindo um pomar diversificado com
potencial produtivo e agroecoturístico, ao associar a
produção de frutas com área de lazer e jardins.
Atualmente a produção de olerícolas, base de cultivos
iniciais implantados para atender as feiras orgânicas da AGE,
permanece nos mesmos locais, mas em áreas mais restritas e
caracterizada por um conjunto de espécies que
demonstraram maior adaptação às condições ambientais
locais e de gerenciamento da unidade produtiva,
considerando especialmente o contexto dos sistemas
agroflorestais em áreas de preservação permanente (APPs) e
suas áreas limítrofes, bem como o cultivo de espécies mais
tolerantes à sombra e a convivência com plantas espontâneas,
evitando o uso de canteiros, que eram muito utilizados
inicialmente.
Um aspecto importante de ser mencionado refere-se à
produção madeireira para manutenção da infraestrutura e
aproveitamento dentro da propriedade. Na unidade
produtiva em questão a composição da paisagem com cultivo
A
B
C
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de eucaliptos em consócio com diferentes espécies arbóreas
como ipê, angico, café e frutífera diversificadas, fornece a
madeira necessária para o atendimento da manutenção e
desenvolvimento do sítio Alegria. Assim, o manejo de corte
é adaptado às demandas locais e cumpre papel de planta
companheira, proporcionando sombreamento ou insolação
quando necessário para as outras espécies.
3.9. Produção animal
A dinâmica da produção animal (avicultura e
bovinocultura) teve relação tempo e espaço bem definidos a
partir de uma gestão agroecológica consciente, variando de
intensidade e uso conforme, principalmente, a demanda da
produção vegetal por estercos e a disponibilidade de recursos.
Assim, a produção de gado leiteiro e de aves de postura
sempre esteve associada prioritariamente à produção de
estercos, notadamente no período agroprodutivo inicial que
mais demandou a utilização de resíduos orgânicos.
Em 1994, com um contrato de crédito rural, foi possível
a ampliação do curral para a melhor estruturação da
produção. Porém, após 15 anos com essa prática, ela deixou
de fazer parte do desenho produtivo da propriedade em
função da alta exigência de cargas de trabalho e também pela
redução da demanda por estercos, que ocorreu à medida que
aumentou a produção de biomassa vegetal, em decorrência
do avanço do manejo agroecológico na unidade de produção
como um todo, que deixou de ser dependente de altos
aportes de estercos demandados inicialmente.
Com esse novo quadro de baixa demanda por estercos,
gerencialmente optou-se por encerrar a atividade de
bovinocultura no sítio Alegria e passar a adquirir,
eventualmente de pequenos produtores de leite localizados
próximos a unidade de produção, pequenas quantidades de
estercos que ainda se fazem necessárias.
Com o fim da criação de gado, a infraestrutura utilizada
para confinar o rebanho e as áreas de pastagem, passaram por
transformações em seus usos. Assim, o curral foi adaptado
de forma a se tornar espaço de recepção, com cozinha, e as
áreas de pastagem foram substituídas por novos
agroecossistemas que passaram a fazer parte de um novo
redesenho produtivo da unidade agroecológica.
No que se refere à avicultura de postura, a infraestrutura
disponibilizada para o crescimento dos pintinhos sofreu
várias modificações no tempo, as quais possibilitaram reduzir
a taxa de mortalidade das aves de 30% para 5%. Os locais
escolhidos, entretanto, mantiveram as características de
sombreamento natural e disponibilidade de pasto para as aves
dividido em piquetes. A alimentação das aves sofreu algumas
pequenas alterações, como a germinação do grão de milho
antes de servi-lo aos animais. Contudo, práticas como o
aproveitamento das sobras de hortas, das feiras e do preparo
de alimentos nos domicílios da unidade de produção, bem
como o fornecimento de ração preparada localmente com
mistura de farelos de grãos, fazem parte dessa atividade desde
o início, possibilitando o retorno produtivo com ovos e
estercos.
3.10. Produção de mudas
A produção de mudas, tanto de espécies olerícolas como
frutíferas, madeireiras e ornamentais, é realizada localmente,
utilizando-se substrato preparado na unidade de produção a
partir da mistura de terra preta, cinzas, areia do córrego ou
palha de arroz, adquirida externamente, e esterco de gado.
Para mudas de olerícolas uma pequena estufa, enquanto
que as demais são produzidas em área semicoberta, utilizando
espaços do sítio com sombreamento natural.
Essa estratégia de produção de mudas é prática rotineira
na unidade de produção em questão, e garante quase
totalmente o atendimento da demanda por materiais
propagativos do sistema de produção como um todo. Porém,
eventualmente ainda se faz necessário adquirir externamente
mudas de determinadas espécies e sementes.
3.11. Prevenção de incêndios
No que tange prevenção de incêndios, a agregação social
local constituiu-se em fator fundamental para o sucesso da
iniciativa, e ocorreu de forma gradual e progressiva a partir
de vivências e aprendizados coletivos. Isso ocorreu a partir
de perdas e danos que fizeram a comunidade passar a se
reunir para discutir o problema e buscar estratégias coletivas
para minimizar os prejuízos decorrentes de incêndios,
problema recorrente nas áreas agrícolas do cerrado brasileiro.
Atualmente, em períodos de ocorrência de incêndios, a
comunidade da microbacia fica atenta aos focos para mais
rápida contenção, utilizando abafadores conforme
recomendação do Previ-fogo do IBAMA. Entretanto,
houve momentos de bastante desorganização e atritos por
diversos motivos, que retardaram a ação de contenção do
fogo com grandes prejuízos a atividade de produção agrícola
na região.
Destarte, a força humana da comunidade somada ao
contato eficiente com bombeiros e IBAMA, tem se mostrado
fundamental no combate local a incêndios. A essa experiência
comunitária cabe aqui agregar o relato de experiências
específicas do trabalho de combate ao fogo no sítio Alegria,
que possibilitaram aprendizados obtidos no “calor” das
queimadas, como: contrafogo; aceiros; abafadores; e plantio
de plantas, como agaves, que contribuem para reduzir a
disseminação do fogo.
4. DISCUSSÃO
A adaptação agroecológica à localidade sempre ocorreu
cotidianamente, por meio da observação, experimentação e
integração com a natureza, além do desenvolvimento de
práticas agropecuárias ecológicas e de relações sociais
criativas, dinâmicas e harmonizadas às especificidades locais
no tempo e espaço do desenvolvimento da unidade de
produção analisada.
O perfil neorural do casal protagonista foi fundamental
no estabelecimento de relações diferenciadas entre produção
e consumo, da mesma forma como foi observado por Orria;
Luise (2017). Destaca-se o papel de liderança no processo de
criação da AGE, a qual possibilitou sucesso na
comercialização de seus produtos em feiras orgânicas.
Por sua vez, no que tange as estratégias produtivas.
Precisaram conhecer bem a realidade local e investir muito
tempo, conhecimento e trabalho no caminho do equilíbrio
agroecológico. Embora o casal tenha recebido grandes
influências da agricultura e ecologia, potencializadas com os
conhecimentos adquiridos na Universidade, eles tiveram que
aprender as técnicas e a gestão da experiência agroecológica
a partir da experimentação de ideias e de novos
conhecimentos, com erros e acertos, agregados de modo
“criativo orientado” e reorientado, repetidas vezes, e
continuamente aprimoradas com o tempo.
À época das primeiras iniciativas com agricultura orgânica
no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, o Estado mantinha-se
Sistematização de uma experiência agroecológica no Cerrado brasileiro: subsídios para o planejamento ...
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a margem do processo de desenvolvimento das experiências
nesse sentido, de forma que esse ocorreu baseado
fundamentalmente no esforço de agricultores, em especial
com características neorurais. Esses, motivados por
convicção ideológica, arcaram com uma fase inicial de
intenso aprendizado fundamentada na tentativa e erro
(ASSIS; ROMEIRO, 2007; ALVES et al., 2012), constituindo
um enredo geral, do começo da produção orgânica no país,
que também foi observado no início das atividades do sítio
Alegria.
Assim, técnicas das diferentes correntes de agricultura de
base ecológica foram experimentadas, o que favoreceu a
apropriação do entendimento dos procedimentos mais
adequados para, conforme descreve Canuto (2017),
possibilitar o desenvolvimento de sistemas biodiversos, e
assim viabilizar a implantação e condução de agroecosistemas
sustentáveis.
O desenvolvimento de sistemas de produção
agroecológicos pressupõe uma dependência mínima de
insumos químicos (BOAVENTURA et al., 2018). E,
entende-se que o sucesso de iniciativas nesse sentido deriva
do equilíbrio entre as plantas, solos, nutrientes, luz solar,
umidade e outros organismos coexistentes, e que a
conservação e ampliação da biodiversidade dos
agroecossistemas compõem princípio fundamental para
produzir autorregulação e sustentabilidade (ALTIERI, 2012),
sendo a saúde do solo item fundamental para a sanidade das
plantas (LOPES et al., 2019).
Curiosamente, o período de início da experiência do sítio
Alegria coincide com o período de fortalecimento da
Revolução Verde e com o início da redemocratização do
Brasil. As políticas de incentivo agrícola se orientavam no
país para o modelo industrial com caráter extensivo,
exportador, considerado naquele momento como
“moderno”. Uma conjuntura, portanto, que restringiu
bastante o acesso às literaturas sobre agriculturas sistêmicas e
conhecimentos técnicos agrícolas alternativos aos da
agricultura industrial. (SANTOS; CHALUB-MARTINS,
2012; NODARI; GUERRA, 2015; SOUSA; GOIÁS, 2015;
CANUTO, 2017).
Entretanto, é também nesse período que os movimentos
sociais começaram a se reorganizar e por mais dificultado que
tenha sido o acesso às informações técnicas ecológicas
consagradas, de raros volumes e caras importações, as
articulações de trocas de informações dentro dos grupos do
movimento da agricultura alternativa potencializaram o
clareamento e a práxis agroecológica. A qual, de acordo como
Nodari e Guerra (2015), desde o início do século passado,
desenvolveu-se no bojo de iniciativas como a da agricultura
biodinâmica, cujas bases foram estabelecidas por Rudolf
Steiner em 1924, e da agricultura orgânica apresentada por
Albert Howard em seu livro An agricultural testament (Um
testamento agrícola) em 1943. Posteriormente, ao longo do
século XX, outros autores ampliaram a base teórica acerca de
sistemas de base ecológica que valorizam o uso da matéria
orgânica e os processos biológicos.
Ainda de acordo com os mesmos autores, a agroecologia
constitui um paradigma emergente que se contrapõe ao da
agricultura industrial, e que se diferencia pela abordagem
holística que engloba questões ambientais e humanas. Nesse
sentido, nos moldes da experiência aqui analisada, não faz
uso de insumos químicos sintéticos, e utiliza grande
diversidade genética nos agroecossistemas, bem como
propugna o fortalecimento das relações de vizinhança e busca
sempre produzir alimentos com alta qualidade biológica e
nutricional.
Com a análise da sistematização da experiência
agroecológica do sítio Alegria, percebeu-se que a dinâmica de
uma unidade de produção agroecológica. desde o início, se dá
a partir de um conjunto de fatores que abrangem tanto os
aspectos de gestão quanto os aspectos físicos e biológicos
locais. Assim, o desenvolvimento de técnicas aplicadas à
paisagem produtiva, física e social, ocorreu gradualmente à
medida que novas percepções, conhecimentos e relações
agregavam-se à realidade dos atores, não necessariamente de
maneira linear.
Experimentações consecutivas possibilitaram aos atores
responsáveis pela experiência aprofundar o conhecimento
sobre as características e potenciais da localidade. Essas
experimentações basearam-se em conhecimentos técnicos
consagrados e, sobretudo, na observação perceptiva
cotidiana da dinâmica socioambiental local, o que incluiu a
inclusão de conhecimentos tradicionais, fundamentais para o
sucesso de iniciativas agroecológicas (BORSATTO;
CARMO, 2013), ao ajudar a encontrar o manejo mais
adequado para cada agroecossistema em cada momento da
experiência.
Por sua vez, a maneira de atuação e engajamento político
e social, dos atores protagonistas, incluindo a construção de
redes, que têm papel de destaque na construção de fatores
qualitativos importantes para a consecução de estratégias e
experiências de desenvolvimento sustentável, orientadas pela
agroecologia (LIMA, 2019), contribuiu para fortalecer a
proposta do sítio Alegria de integração do espaço rural com
o urbano.
A diversificação de cultivos, notadamente como a
observada no sítio Alegria que envolve sistemas biodiversos
com cultivos anuais e perenes, inseridos em um mosaico de
estratégias produtivas e de APPs, possibilita a experiência
agroecológica manter processos ecológicos que contribuem
para estabelecer a autorregulação dos agroecossistemas,
conforme Altieri (2012). Além disso, distribui melhor a força
de trabalho, ao longo do ano, viabiliza um mix variado de
produtos, que é importante para a comercialização em feiras
orgânicas, e constitui aspecto de beleza cênica, fundamental
para o desenvolvimento de atividades não agrícolas
complementares, como o turismo.
Característica inerente a experiência aqui analisada, a
neoruralidade se constitui a partir de um fenômeno que
procura resgatar valores quase perdidos da vida no campo,
como o contato com a natureza e a simplicidade material,
bem como aspectos relacionados a questões ecológicas
(DIAS; MAZETTO, 2014). Por sua vez, essas características
representam atributos inerentes à paisagem rural, que
conferem a estas, valores intangíveis passíveis de serem
trabalhados e agregados como mais um “produto”
estabelecido ao longo do desenvolvimento da experiência
agroecológica do sítio Alegria.
5. CONCLUSÕES
A sistematização da experiência do sítio Alegria
demonstra a complexidade do processo de implantação e
condução de Unidades de Produção Agroecológicas. O relato
aqui apresentado apresenta de forma objetiva a subjetividade
da dinâmica que existe dentro dessas unidades, com riqueza
em variedade, diversidade e possibilidades nos processos
biológicos, sociais, econômicos, éticos, morais e culturais.
Características estas potencializadas pela flexibilidade,
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conectividade e agregação, articuladas em redes, com
consciência, responsabilidade, simplicidade, alegria, energia e
adaptação para conduzir os passos coletivamente.
Os aspectos do perfil neorural foram reforçados em
praticamente todas as atividades da experiência analisada. A
articulação, a construção de redes sociais, a agregação e
adaptação de atividades multidisciplinares demonstram o
grande potencial transformador inserido nessas expressões
ou manifestações agroecológicas.
Entende-se que para a viabilidade de processos de
desenvolvimento rural sustentável no país faz-se necessário
um esforço na construção de políticas públicas que deem a
verdadeira importância e suporte suficiente às manifestações
e práticas agroecológicas atuantes, como a aqui sistematizada.
Políticas de reforma agrária, por exemplo, que colaborem não
com a permanência dos atuais agricultores rurais no
campo, como também o retorno dos que foram expulsos e
ainda, que incentive e intensifique o movimento neorural,
utilizando estratégias que considerem desde crédito e
assistência técnica, até programas de articulação e parcerias
com agentes de desenvolvimento rural e outros profissionais
que atuam para o desenvolvimento da agroecologia.
A sistematização da experiência trouxe a luz do
conhecimento científico aprendizados de uma experiência
empírica de um modo de vida integrado à natureza. Esses
aprendizados sistematizados têm o potencial de colaborar nas
tomadas de decisões da própria experiência sistematizada
como para inspirar outras experiências de caráter
agroecológico.
A sistematização da experiência do sítio Alegria revelou
aprendizados alcançados na prática do cotidiano
agroecológico, indicando que as inovações tecnológicas são
sempre resultado de inquietações vinda de hipóteses, e abrem
um leque de possibilidades e conhecimentos. Destrinchar
esse leque permanece como um grande desafio, no entanto a
cada sistematização de experiências agroecológicas realizada
pode-se gerar subsídios para avançar nesse sentido e inspirar
interessados nas práticas agroecológicas de que viver um
modo de vida agroecológico é possível quando existe
interesse e disposição para se construir uma vida integrada à
natureza.
Por fim, a partir desta sistematização de experiência
agroecológica pode-se observar a grande importância das
políticas blicas como subsídios para o fortalecimento da
agroecologia no Brasil. Cada crédito rural adquirido
representou um grande salto estrutural e produtivo para esta
experiência. Entretanto, observou-se a necessidade de ajustes
que considerem o perfil neorural nas políticas que subsidiam
a agroecologia.
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