Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
Pesquisas Agrárias e Ambientais
DOI: https://doi.org/10.31413/nativa.v9i5.12917 ISSN: 2318-7670
Produção de móveis rústicos com madeira residual da floresta Amazônica
Germano Slominski BURAKOUSKI1*, Everton HILLIG1, Fabiane Salles FERRO1,
Gabriel de Magalhães MIRANDA1
1 Setor de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Estadual do Centro Oeste, Irati, PR, Brasil.
*E-mail: germanoengf@gmail.com
(ORCID: 0000-0003-4092-7567; 0000-0002-7895-2453; 0000-0003-0071-9472; 0000-0001-8536-6658)
Recebido em 31/08/2021; Aceito em 12/11/2021; Publicado em 17/12/2021.
RESUMO: A exploração madeireira e as conversões de áreas de florestas para uso alternativo do solo na
região Amazônica, em especial no estado do Amapá, resultam em grandes quantidades de madeira residual que
em geral são abandonadas em campo. Essa problemática da geração de resíduos florestais e principalmente do
desperdício e da falta de alternativas para o seu uso apropriado, resultou nesta proposta de pesquisa que teve
como objetivo a produção de móveis rústicos artesanais como uma alternativa para o uso da madeira residual
da floresta Amazônica. Foram coletados resíduos de madeira deixados no campo após a colheita de floresta
Amazônica manejada, destinando-os à fabricação de mobiliário rústico, obtendo como resultado final os
seguintes protótipos: banco peça de tora única, balcão para barzinho, aparador de madeira, pia de madeira,
mesinha de centro com tampo de madeira, mesinha de centro com tampo de vidro. Foi testada a viabilidade
técnica para fabricação artesanal das peças de mobiliário utilizando máquinas e ferramentas portáteis. Os
resíduos de madeira se mostraram excelente fonte de matéria-prima para movelaria rústica possibilitando
múltiplas alternativas de designs, apesar de certas dificuldades terem sido evidenciadas no decorrer do processo
como: peso, dureza, orientação da grã da madeira, entre outras que, no entanto, não impossibilitaram a
produção dos móveis. O uso da madeira residual para fabricação de móveis rústicos pode se constituir num
novo e empreendedor negócio para a região Amazônica, contribuindo para a geração de renda local. Verificou-
se que o método empregado proporcionou a produção de móveis originais, o que agrega valor à sua
comercialização.
Palavras-chave: trabalho artesanal; empreendedorismo; projeto.
Rustic furniture production with wood residues from the Amazon forest
ABSTRACT: Harvesting and conversions of forest areas to alternative land use in the Amazon region,
especially in the Amapá state, result in large amounts of wood residues that are generally abandoned. This
problem about the forest residues and mainly of its loss and the lack of alternatives for its proper use, resulted
in this research proposal that aimed to produce handcrafted rustic furniture as an alternative to the use of wood
residues from the Amazon forest. Wood residues left in the field after harvesting the managed Amazon forest
were collected and destined for the manufacture of rustic furniture, obtaining the following prototypes as a
final result: log bench, bar counter, wood dresser, wood sink, coffee table with wood top, coffee table with
glass top. The technical feasibility of handcrafting furniture pieces using portable machines and tools were
tested. Wood residues proved to be an excellent source of raw material for rustic furniture, enabling multiple
design alternatives, although certain difficulties were evidenced during the process such as: weight, hardness,
wood grain orientation, among others that did not prevent the furniture production. The use of wood residues
to rustic furniture manufacture can constitute a new and entrepreneurial business for the Amazon region,
contributing to the generation of local income. It was found that the method used provided the production of
original furniture, which adds value to its marketing.
Keywords: artisan work; entrepreneurship; design.
1. INTRODUÇÃO
Dados do Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde e Fundação Oswaldo Cruz
do ano de 2019, apontam a Região Amazônica como sendo
a maior área de floresta tropical do mundo, contendo,
aproximadamente, um quarto de todas as florestas tropicais
do planeta, mas que figura entre as regiões que possuem as
maiores taxas de desmatamento (ICICT; FIOCRUZ, 2019).
Nessa região, em especial no estado do Amapá, ainda é
comum a limpeza de áreas para fins de uso alternativo do solo
executada com a utilização de ferramentas manuais
(machado, foice) ou com o uso de motosserras, sem a
“destoca” com máquinas (tratores), prática que
costumeiramente gera excedentes de resíduos de madeira
nativa no campo.
A atividade florestal na Amazônia gera grandes
quantidades de resíduos, principalmente durante a colheita
(9-18%) e no processo de beneficiamento das toras (45-
55%)” (NUMAZAWA et al, 2017; SILVA et al, 2020). Os
resíduos deixados na floresta nativa por ocasião da
exploração florestal podem ser os mais variados possíveis, a
Burakouski et al.
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exemplo: tocos cortados altos do chão, madeira de espécies
não previstas para corte que são derrubadas com o corte de
árvores maiores ou eventualmente presas a cipós e às árvores
de corte, galhadas, bifurcações, sapopemas, partes tortuosas
de troncos e galhos, seções ocas de toras, madeira
proveniente de queda natural da árvore ou partes dessas
madeiras (cerne), restos de desdobro de toras por eventual
uso para infraestrutura local (pontes, barracos, etc.).
Conforme Silva et al (2020) “a carbonização é uma
alternativa potencial para mitigar este passivo”, embora essa
alternativa local na maioria das vezes apresente-se inviável
devido ao trabalho gerado, aos custos de transporte em áreas
mais remotas e ao preço de venda relativamente baixo,
condições que desmotivam tal uso.
Braz et al (2014) aponta que os resíduos oriundos da
floresta são desperdiçados, muitas vezes em função de não
saberem aproveitá-los ou por falta de opções tecnológicas.
Dessa forma, grandes quantidades de madeiras, nobres ou
não, são abandonadas no campo, condição essa que
sensibilizou a busca por alternativa que pudesse agregar valor
e dar aproveitamento a esses resíduos.
A alternativa então pensada para uso desses resíduos foi
a de produzir artesanalmente diferentes peças de mobiliário
rústico aproveitando como matéria-prima a madeira residual
da floresta nativa da Amazônia.
Diferentemente do trabalho industrial, o processo
artesanal de produção de móveis é realizado com as próprias
mãos ou por meio da utilização de ferramentas simples.
Assim, a natureza do trabalho artífice permite que o
trabalhador tome contato físico com o produto (VIEIRA,
2014).
As mãos, enquanto ferramentas possibilitam que o
artesão trabalhe o objeto a fim de que este se torne
equivalente ao que foi mentalmente projetado pelo artesão
(HERNANDES, 2016). Neste caso trata-se de fabricação do
mobiliário em pequena escala, com forte apelo artesanal,
devido a especificidade de cada peça, idealizada de acordo
com a matéria prima disponível, ou seja, a peça é produzida
em função do material obtido, sem um design pré-formatado,
por isso na maioria das vezes o resultado real do trabalho
somente é conhecido ao finalizar o móvel.
2. MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho desenvolvido utilizou material residual doado
de área de Plano de Manejo Florestal legalizada. Na área do
PMFS foram coletados resíduos de galhadas, resíduos de
árvores derrubadas com a queda de árvores maiores, resíduos
de madeira desdobrada na floresta com a finalidade de serem
utilizadas na infraestrutura do manejo, resíduos de madeira
provenientes de queda natural da árvore e ainda peças de
madeira (partes de troncos) encontradas deterioradas pelo
tempo, algumas parcialmente enterradas nas laterais da
estrada de acesso.
Para as madeiras mais comumente comercializadas foram
obtidos dados referentes a propriedades físicas e mecânicas
destinado a fins comparativos entre as espécies. Para as
madeiras sem tradição comercial não foram encontradas
referências destas propriedades.
Os dados constantes na Tabela 1, referentes às
propriedades físicas e mecânicas das espécies florestais de
interesse, foram obtidos e adaptados de Araújo (2007), o qual
indica a utilização de normas da COPANT e corpos de prova
com um teor de umidade de 12%.
Tabela 1. Propriedades físicas e mecânicas das espécies florestais.
Table 1. Physical and mechanical properties of forest species.
Prop-
Nome comum
Cast
-
Suc
-
Ang
V
-
Ang
-
P
-
Maç
-
.
Pbas (g/cm
3)
0,63
0,85
0,83
0,59
0,85
Є
r,3
(%)
-
9
9,5
6,3
8,3
Є
r,2
(%)
-
6
5,7
4,1
5,9
fM (Mpa)
116,01
182,11
156,91
109,34
128,17
EM0 (Mpa)
12553
17946
16966
11572
13533
fc0 (Mpa)
58,35
92,28
85,61
52,27
63,55
Ec90 (Mpa)
9,9
15,89
14,81
11,28
15,2
fH0 (N)
8071
14847
14318
7659
8698
fH90 (N)
6541
15200
13543
5786
9101
fwt90 (Mpa)
4,22
4,12
3,82
3,82
5,59
fv0 (Mpa)
-
6,57
6,57
-
4,31
fs0 (Mpa)
11,47
19,02
17,65
12,26
15,98
Prop- = Propriedades; Cast- = Castanheira; Suc- = Sucupira; Ang-V- =
Angelim vermelho; Ang-P- = Angelim pedra; Maç- = Maçaranduba; Pbas =
densidade básica, Єr,3 = contração tangencial; Єr,2 = contração radial; fM =
módulo de ruptura à flexão estática; EM0 = módulo de elasticidade à flexão
estática; fc0 = resistência à compressão paralela às fibras; Ec90: resistência
no limite proporcional à compressão perpendicular às fibras; fH0 = dureza
Janka paralela às fibras; fH90 = dureza Janka transversal às fibras; fwt90 =
resistência à tração perpendicular às fibras; fv0 = resistência ao
fendilhamento; fs0 = resistência ao cisalhamento.
Como a concepção das peças está atrelada à visão criativa
de quem irá produzi-las, a escolha do material em campo é
fundamental, pois ao visualizá-lo, o artesão deve ter em
mente a ideia inicial do projeto, para que possa então cortá-
lo apropriadamente de acordo com o dimensionamento da
peça que mentalizou. Para se trabalhar esses resíduos foi
necessário o uso de máquinas e ferramentas de corte,
lixamento, escavação, modelagem, entalhamento, além de
insumos aplicados nas diversas fases de criação das peças
como verniz, cola, resina, etc.
Algumas das peças de mobiliário produzidas foram
entalhadas para enobrecer a função estética do móvel,
utilizando para isso somente ferramentas manuais (formões
para entalhe). Em outras foram utilizados itens extras como
vidros devidamente dimensionados para refinar o móvel e
agregar mais valor ao produto final, utilizando-se de toda
criatividade aplicada a concepção inicial da peça.
Todo o trabalho foi executado com máquinas e
ferramentas domésticas (portáteis) e não industriais, de forma
artesanal e simples, de modo a comprovar a possibilidade de
fabricação do mobiliário sem aparatos sofisticados.
As espécies utilizadas são comuns na floresta amazônica,
sendo que a experiência profissional com manejo de florestas
nativas, aliado ao conhecimento empírico do serrador
permitiu a fácil identificação para fins de classificação
botânica.
2.1. Fabricação do banco “peça de tora única”
Este móvel foi criado a partir de um tronco de cedro
vermelho (Cedrela fissilis Vell) parcialmente corrompido pelo
apodrecimento, sendo a parte comprometida retirada com
motosserra, cujo corte idealizado tornou a peça inteiriça tanto
para o assento quanto para o encosto.
Também foi raspada toda a superfície externa da tora,
comprometida pela podridão, deixando somente a parte
íntegra da madeira que depois de totalmente seca (secagem
ao ar livre) e limpa foi entalhada com imagem temática
especificamente criada para este propósito, utilizando-se
como fontes de inspiração imagens gratuitas, obtidas em sites
da internet, adequando-as à visão panorâmica de cada
projeto.
Produção de móveis rústicos com madeira residual da floresta Amazônica
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
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Uma vez desenhada no papel em escala adequada ao
projeto a imagem foi transposta à madeira, utilizando-se para
isto o carvão aplicado ao verso da folha transformando-o em
um tipo de papel carbono (Figura 1).
Figura 1. Desenho temático em escala no papel (A) e uso de carvão
no verso do papel para facilitar a transposição do desenho na
madeira (B).
Figure 1. Thematic scale drawing on paper (A) and use of charcoal
on the paper back to facilitate the transposition of the drawing on
wood (B).
Uma vez transposto o desenho à madeira deu-se início ao
entalhe pretendido, com uso ferramentas específicas, como
formões de diversos tamanhos e configurações de fio de
corte, adicionando detalhamentos ao desenho à medida que
este ganha contornos (Figura 2).
Figura 2. Entalhe na fase inicial (A) e entalhe do encosto do banco
(AB).
Figure 2. Carving in the initial phase (A) and carving the seat back
(B).
Nesta fase a maior dificuldade foi entalhar obedecendo a
orientação da grã da madeira, condição que força o uso da
ferramenta no sentido adequado para evitar lascas e não
comprometer o desenho pretendido com a retirada acidental
de partes não desejadas.
Foi entalhado tanto o encosto como assento do banco de
forma a dar aspecto de continuidade ao desenho formando
uma única imagem panorâmica. O entalhamento do banco
foi a parte mais trabalhosa e demorada no processo de
fabricação desta peça, devido a minuciosidade e delicadeza
do trabalho.
Ainda na fase de criação da peça foi idealizada uma base
(pés do banco) com travessas de madeira de castanheira-do-
brasil (Bertholletia excelsa Bonpl), moldados para dar encaixe
no formato angular da tora e ligados por uma barra
longitudinal de madeira de sucupira-preta (Bowdichia nitida
Spruce ex Benth), a qual foi travada com a própria madeira
para dar firmeza à peça, sendo essa fixada ao assento com
parafusos franceses. Para finalização do móvel, as partes
externas do banco foram lixadas e o acabamento dado com
verniz transparente para intensificar o brilho e destacar o
entalhe (Figura 3).
Destaca-se que a espécie castanheira-do-brasil (Bertholletia
excelsa Bonpl), é considerada em risco de extinção na floresta
amazônica e por isso a legislação à protege do corte. Todas
as peças desta espécie, utilizadas para fabricação dos móveis
rústicos, foram provenientes de árvores caídas e parcialmente
apodrecidas na floresta ou encontradas a beira das estradas
de acesso.
Em áreas de supressão florestal autorizada todo o
suprimento de madeira pode ser utilizado, mesmo madeira
caída, que a área toda será limpa. Em áreas de PMFS (Plano
de Manejo Florestal Sustentável) não há controle de resíduos
por espécie, como ocorre com a madeira em forma de fuste,
portanto qualquer fonte de madeira residual pode ser
explorada como resíduo desde que o volume estabelecido
esteja dentro do montante estabelecido na AUTEX
(Autorização de Exploração Florestal).
Figura 3. Detalhe da fabricação da base do banco (A) e acabamento
com verniz transparente (B).
Figure 3. Detail of the seat base fabrication (A) and finish with
transparent varnish (B).
2.2. Fabricação do balcão para barzinho
Dentre as peças produzidas para este estudo, o balcão
para barzinho foi a maior em termos dimensionais que a
parte do balcão, proveniente de madeira de sucupira-preta
(Diplotropis purpurea Rich) foi finalizada com 2,40 metros de
comprimento e largura variável entre 0,5 e 0,7 metros, devido
o seu formato irregular ao longo da peça.
Um fato interessante sobre esta peça de sucupira-preta é
que a mesma foi encontrada semi-enterrada numa área de
pastagem e sinais aparentes mostram que a mesma havia
resistido ao fogo, pois apresentava carbonização nas
extremidades.
Notou-se também que a maior parte da tora havia sido
consumida pelo apodrecimento restando apenas uma crosta
em formato acanoado e superfície bastante irregular,
deixando claro que a madeira ficou exposta por muito tempo
na natureza e que esta foi a porção que resistiu às intempéries.
Detalhes desta peça na configuração original podem ser
vistos na Figura 4.
Figura 4. Peça de sucupira-preta com sinais de carbonização nas
extremidades (A) e deterioração na parte inferior da peça (B).
Figure 4. Black-sucupira piece with signs of carbonization at the
ends (A) and deterioration at the bottom of the piece (B).
Na Figura 5 é apresentado o trabalho de limpeza da peça
de sucupira-preta, efetuada na sua maior parte com machado
e machadinha para que pudesse ser retirada toda terra
incrustada bem como a madeira degradada concentrada na
parte inferior, região de contato desta com o solo. A limpeza
final foi executada com jato de água utilizando bomba de
pressão.
Burakouski et al.
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Figura 5. Limpeza com machado (A) e limpeza com machadinha
(B).
Figure 5. Ax cleaning (A) and ax cleaning (B).
Na Figura 6 pode-se ver as peças de madeira da espécie
quinarana (Geissospermum sericeum Benth) previamente
escolhidas e separadas para confecção das bases de
sustentação do balcão. Foram utilizadas duas destas toras de
madeira as quais tiveram que ser moldadas para se
encaixarem adequadamente ao formato angular da base,
condição esta que gerou excedente de trabalho tendo em
vista a necessidade de sucessivos testes e ajustes até dar
encaixe perfeito.
Figura 6. Toras de madeira de quinarana, pré-selecionadas para
compor a base do balcão.
Figure 6. Quinarana wood logs, pre-selected to compose the base of
the counter.
Para a fixação da parte inferior do balcão utilizou-se
travessa de madeira da espécie maçaranduba (Manilkara huberi
Ducke) formando uma pequena prateleira, útil para guardar
recipientes utilizados no barzinho, sendo o travamento da
base feito com a própria madeira. a parte superior foi
fixada com grandes parafusos franceses (rosca sem fim) de
modo a dar resistência e rigidez ao móvel. O Tratamento final
foi dado com verniz translúcido para destacar a coloração
natural de cada madeira que compõe o móvel, permitindo o
contraste entre elas, que a sucupira-preta tem coloração
escura, oposta à coloração amarelada da quinarana.
Figura 7. Estruturas de bambu destinadas a fixar a base plana de
vidro.
Figure 7. Bamboo structures designed to fix the flat glass base.
Como a superfície da base do balcão mostrou-se muito
irregular tanto devido ao formato acanoado da peça como
também pelas corrosões naturais presentes e tendo interesse
em preservar essas características rústicas e não comprometer
sua beleza natural, optou-se por formar uma base plana e
nivelada de vidro transparente, a qual foi fixada sobre o
balcão de madeira utilizando como separadores três
estruturas cilíndricas retiradas de colmos de bambu (Figura
7).
2.3. Fabricação do aparador de madeira
Na Região Norte do Brasil é muito comum ocorrer o
desdobro de madeira nativa dentro da floresta utilizando-se
apenas a motosserra para retirada das peças de interesse
(pranchas, tábuas, vigas, etc.) e desse processo geralmente
resultam grandes quantidades de resíduos, haja vista ser
utilizada somente a parte íntegra da madeira.
Em várias espécies da floresta amazônica é muito comum
o serrador deparar-se com a presença de ocos, então as peças
(pranchas, tábuas, vigas, etc.) são cortadas até o ponto em
que é possível retirar a parte íntegra da tora, ou seja, até atingir
a parte oca, abandonando-se o restante da madeira devido à
impossibilidade de retirada de outras peças.
Desta forma uma interessante estrutura retangular
envolvida pelo oco se forma tornando-se uma matéria-prima
interessante para confecção de mobiliário rústico, podendo a
ela dar inúmeras possibilidades de uso quer seja para mesas,
bancos, aparadores, etc.
Na Figura 8 pode-se ver uma estrutura retangular
proveniente do desdobro de uma tora de angelim-vermelho
(Dinizia excelsa Ducke) encontrada abandonada na floresta e
que serviu de base para a confecção do aparador.
Figura 8. Detalhe da estrutura retangular de madeira vista de frente
(A) e serrador separando a peça de madeira para o mobiliário (B).
Figure 8. Detail of the rectangular wooden structure seen from the
front (A) and sawmill separating the wooden piece for the furniture
(B).
Esta peça foi inicialmente cortada com 1,5m de
comprimento, depois limpa com lavadora de pressão e
posteriormente lixada nas partes planas com disco flap,
acoplado à esmerilhadeira, e manualmente nas áreas
irregulares.
Como processo sequencial de fabricação do aparador, foi
escavada uma gaveta na parte frontal superior, visando
aproveitar a parte maciça da madeira para torná-la mais
funcional e possibilitar o uso para guarda de pequenos
objetos bem como para reduzir o excesso de seu peso. Para
dar sofisticação ao aparador, o mesmo foi entalhado com
imagem temática utilizando-se da mesma metodologia
descrita para o banco “peça de tora única” (Figura 9).
Na fase final de fabricação desta peça, uma base de vidro
foi colocada na parte interna do aparador para servir de
prateleira. O acabamento foi dado com verniz translúcido
para acrescentar brilho ao móvel e em sua parte inferior
foram fixadas pequenas e resistentes rodinhas comumente
utilizadas para facilitar a mobilidade de mobiliários pesados.
Produção de móveis rústicos com madeira residual da floresta Amazônica
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Figura 9. Abertura da gaveta na parte frontal superior do aparador
(A) e entalhe com imagem temática feita na madeira (B).
Figure 9. Opening of the drawer on the upper front of the sideboard
(A) and carving with thematic image made in wood (B).
2.4. Fabricação da pia de madeira
Para a fabricação da pia foram utilizadas madeiras de duas
espécies da floresta amazônica, sendo a parte superior da
peça, composta pelo lavatório e saboneteira, ambas feitas
com madeira da espécie maçaranduba (Manilkara huberi
Ducke) e a base de sustentação com madeira da espécie
quinarana (Geissospermum sericeum Benth).
O lavatório e a saboneteira da pia originaram-se de uma
galhada de maçaranduba, sendo estas inicialmente recortadas
com a motosserra em partes menores proporcionais ao
tamanho da peça idealizada e posteriormente escavadas com
disco de corrente de motosserra acoplado à esmerilhadeira
até dar o formato da concavidade desejada (Figura 10).
Figura 10. Corte da galhada de maçaranduba para o lavatório da pia
de madeira (A) e lavatório da pia de madeira escavada com disco de
corrente de motosserra (B).
Figure 10. Cutting of the maçaranduba antlers for the wooden
washbasin (A) and excavated wooden washbasin with chainsaw
chain disc (B).
Para tirar irregularidades e deixar lisa a superfície escavada
foram utilizadas lixas de diversas gramaturas, desde a mais
grossa até a mais fina, o que concedeu aspecto totalmente liso
à parte escavada da madeira.
Na Figura 11 é exibida uma bifurcação de quinarana
utilizada para a base de sustentação da pia, a qual serviu de
suporte duplo entre o lavatório e a saboneteira, sendo
previamente preparada com a retirada da casca e posterior
lixamento da madeira.
A base bifurcada da madeira de quinarana, por apresentar
o interior oco foi colocada de modo que esta permaneça à
mostra (parte frontal), valorizando a presença do oco e dando
um efeito diferenciado ao acabamento da peça.
O acabamento final foi idealizado com recobrimento da
cuba da pia utilizando resina poliéster de baixa viscosidade
aplicada com pincel a qual depois de seca adquire a
consistência acrílica, impermeabilizando a área onde deve
receber água. O mesmo procedimento foi feito com a
saboneteira, porém em camada mais fina.
Para a base de sustentação foi dado acabamento com
verniz translúcido o que destacou a coloração natural da
madeira de quinarana, finalizando assim a peça que ficou com
diâmetro do lavatório de 60 cm, largura total de 70 cm e altura
de 80 cm, estando esta última dentro do padrão das pias
convencionais.
Figura 11. Bifurcação de um tronco de quinarana utilizada como
base para suporte do lavatório e da saboneteira.
Figure 11. Bifurcation of a quinarana trunk used as a base to support
the washbasin and the soap dish.
2.5. Fabricação da mesinha de centro com tampo de
madeira
Nesta peça foi utilizada madeira maciça da espécie
angelim-pedra (Hymenolobium petraeum Ducke) para o tampo,
cortada em formato de disco com espessura reduzida (cerca
de 5 cm) e diâmetro médio de 74 cm, sendo a base da mesinha
confeccionada a partir de um fragmento de tora oca de
castanheira-do-brasil (Bertholletia excelsa Bonpl), esta
encontrada à beira de uma antiga estrada de acesso, muito
provavelmente abandonada no local desde os tempos de
abertura da mesma.
Na Figura 12 pode-se observar os fragmentos ocos de
tora de castanheira-do-brasil, os quais após divididos
longitudinalmente formaram duas peças semelhantes, sendo
as mesmas invertidas, escavadas e moldadas, para dar uma
silhueta mais delineada e mais leve à peça e então poder fixá-
las entre si por meio de parafusos dimensionados
adequadamente para formar a base da mesinha.
Figura 12. Fragmentos de tora oca (A), escavação da base com
motosserra (B), retirada do excesso com formão (C) e aplainamento
e moldagem da base com disco de corrente de motosserra acoplado
à esmerilhadeira (D).
Figure 12. Hollow log fragments (A), excavation of the base with a
chainsaw (B), removal of the excess with a chisel (C) and flattening
and molding of the base with a chainsaw chain disc attached to the
grinder (D).
Na preparação do tampo utilizou-se plaina elétrica para
desempenar a peça e lixamento para dar o acabamento. Este
Burakouski et al.
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ainda foi recoberto com resina cristal formando uma camada
de aproximadamente 4mm de espessura sobre a madeira e
aplicado verniz ao restante da peça. A sequência de
aplainamento e recobrimento com resina no tampo pode ser
visualizada na Figura 13.
Figura 13. Aplainamento do tampo (A) e aplicação de resina cristal
(B).
Figure 13. Top planing (A) and application of crystal resin (B).
2.5. Fabricação da mesinha de centro com tampo de
vidro
A espécie acariquara (Minquartia guianensis Aubl) é
conhecida pela característica do tronco, fenestrado e
acanalado, o que por si só já é uma obra de arte da natureza,
e uma vez preparada adequadamente pode render variadas
opções de uso na movelaria rústica (Figura 14).
Figura 14. Fuste de acariquara utilizado como base para a mesinha.
Figure 14. Acariquara shaft used as a base for the table.
A mesinha de centro com tampo de vidro foi produzida
a partir de um fuste de madeira de aquariquara caída na
floresta, sendo esta então cortada com 60 cm de altura da qual
foi retirada a casca e o limo nela presente, depois limpa e
lixada para posterior envernizamento com a tonalidade cedro
conferindo-lhe coloração avermelhada.
Para dar maior requinte à peça e possibilitar visibilidade
ao tronco optou-se por colocar um tampo de vidro
transparente recortado segundo os contornos irregulares do
tronco mantendo uma borda de aproximadamente 15 cm e
afixado à peça por meio de prolongadores de alumínio (19 x
20 mm).
3. RESULTADOS
Ao todo foram fabricadas seis peças de móveis rústicos,
de diferentes tamanhos e graus de complexidade com registro
dos detalhamentos individuais em imagens que permitem
melhor avaliação dos resultados obtidos.
3.1. Banco “peça de tora única”
- Características do móvel: Encosto/Assento - Cedro
vermelho (Cedrela fissilis); Base - Castanheira-do-Brasil
(Bertholletia excelsa); Travessa - Sucupira (Bowdichia nitida).
- Dimensões: 0,7 m altura; 0,5 m largura; 1,5 m comprimento.
O entalhamento foi a atividade que demandou a maior
parcela de tempo na confecção desta peça de mobiliário.
Foi entalhado tanto o encosto quanto o assento do banco
de modo a formar uma ilustração panorâmica e
complementar entre si, com moinho de roda d’água no
encosto, se abrindo no formato de um rio e um pescador ao
canto esquerdo no assento (Figura 15).
Figura 15. Detalhe do entalhamento do encosto e assento do banco.
Figure 15. Detail of the carving of the seat back and seat.
Na Figura 16 é apresentado detalhamento da imagem
entalhada no encosto do banco com uma típica paisagem
interiorana, cuja temática principal é o moinho de roda d’água
com os dutos de água, árvores, montanhas, animais, pilha de
lenha e carroça.
Figura 16. Detalhe da imagem temática no encosto do banco.
Figure 16. Detail of the thematic image on the seat back.
Na Figura 17 é possível observar o detalhamento da parte
inferior do móvel, com encaixe da base no fromato curvo do
assento e travamento longitudinal com a barra de madeira de
sucupira.
Figura 17. Detalhe do encaixe para fixação da base do banco.
Figure 17. Detail of the fitting for fixing the seat base.
3.2. Balcão para barzinho
- Características do móvel: Balcão Sucupira-preta
(Diplotropis purpurea); Bases Quinarana (Geissospermum
sericeum); Travessa – Maçaranduba (Manilkara huberi).
- Dimensões: 1,2 m altura; 0,7 m largura; 2,4 m comprimento.
Produção de móveis rústicos com madeira residual da floresta Amazônica
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
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O balcão para barzinho é o mobiliário que se destaca
pelas dimensões, sendo a maior entre todas as peças
fabricadas e o resultado final pode ser visualizado na Figura
18.
Figura 18. Balcão para barzinho com vidro temperado formando
uma base plana na superfície superior.
Figure 18. Bar counter with tempered glass forming a flat base on
the upper surface.
3.3. Aparador de madeira
- Características do móvel: Peça inteiriça composta por
Angelim vermelho (Dinizia excelsa).
- Dimensões: 0,6 m altura; 0,34 m largura; 1,5 m
comprimento.
O aparador foi entalhado na parte frontal e também na
parte superior da peça com uma imagem temática de um
“carro de boi” em uma paisagem sertaneja.
Os adornos que aparecem na imagem foram colocados
para mostrar a funcionalidade da peça com a gaveta frontal e
prateleira de vidro transparente na parte inferior (Figura 19).
Figura 19. Aparador de madeira de angelim-vermelho com entalhe
frontal e superior.
Figure 19. Red angelim wooden sideboard with front and top notch.
Para tornar mais nítida a visualização da imagem
entalhada na parte superior do aparador, esta é mostrada
separadamente. Pode-se notar que a imagem apresenta
tonalidade diversa, pois trata-se da junção de duas fotos
(mosaico) para poder dar a visão ampla do entalhe (Figura
20).
Figura 20: Detalhamento do entalhe na parte superior do aparador.
Figure 20. Detailing of the notch on the top of the trimmer.
3.4. Pia de madeira
- Características do móvel: Lavatório e saboneteira
Maçaranduba (Manilkara huberi); Base - Quinarana
(Geissospermum sericeum).
- Dimensões: 0,8 m altura; 0,6 m diâmetro; 0,7 m largura total.
A pia de madeira possui orifício possibilitando acoplar
mangueira para escoamento de água. Seu design foi
trabalhado para que a mesma tenha ponto de equilíbrio que
permita manter-se em pé, porém foi colocado um
chumbador de metal na parte posterior do móvel
possibilitando fixá-la na parede para dar mais segurança na
instalação. O móvel em sua versão final pode ser visto na
Figura 21.
Figura 21. Visão frontal da pia de madeira (A) e visão lateral da pia
de madeira (B).
Figure 21. Front view of the wooden sink (A) and side view of the
wooden sink (B).
3.5. Mesa de centro com tampo de madeira
- Características do móvel: Tampo - Angelim pedra
(Hymenolobium petraeum); Base - Castanheira-do-Brasil
(Bertholletia excelsa).
- Dimensões: 0,6 m diâmetro; 0,7 m diâmetro.
Como resultado final obteve-se para a mesinha de centro
com tampo de madeira, um móvel com base sólida e
resistente a qual foi escavada para retirar excessos e assim
diminuir o peso e possibilitar um delineamento mais sutil à
peça, e tampo brilhante com uma camada transparente de
resina cristal para deixar à mostra as características da própria
madeira valorizando assim sua aparência natural.
Esta peça é representada em dois ângulos perpendiculares
entre si, conforme mostra a Figura 22.
Figura 22. Mesinha de centro vista de frente (A) e mesinha de centro
visão lateral (B).
Figure 22. Coffee table seen from the front (A) and coffee table side
view (B).
3.6. Mesa de centro com tampo de vidro
- Características do móvel: Base - Acariquara (Minquartia
guianensis); Tampo de vidro temperado 6mm.
- Dimensões: 0,6 m altura; 0,55 m diâmetro médio da base;
Burakouski et al.
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
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0,70 m diâmetro médio do tampo.
A acariquara é uma madeira que torna-se extremamente
dura depois de seca, o que dificulta sua trabalhabilidade com
máquinas e ferramentas, mesmo elétricas, porém seu estilo
singular de tronco, todo fendado é uma obra de arte da
natureza necessitando de poucas intervenções para se tornar
o principal atrativo do mobiliário, conforme podemos ver na
Figura 23.
O vidro transparente colocado na peça possibilita deixar
à mostra as irregularidades naturais do tronco, permitindo
aliar ao mesmo tempo a rusticidade e a sofisticação a este
mobiliário.
Figura 23. Mesinha de centro vista de cima com a transparência do
vidro (A) e mesinha de centro vista de frente destacando o reflexo
para delinear seu contorno (B).
Figure 23. Coffee table seen from above with glass transparency (A)
and coffee table seen from the front highlighting the reflection to
delineate its outline (B).
4. DISCUSSÃO
A madeira é a principal matéria-prima que fundamenta
esta pesquisa, que o todo resultado obtido provém do
trabalho desenvolvido a partir dela. Martins (2010) enfoca o
uso da madeira pela ampla disponibilidade e características de
fácil manuseio, a qual sempre foi utilizada pelo homem,
sendo um dos primeiros materiais a ser explorado e apesar
do aparecimento de materiais sintéticos, a madeira continua
a manter uma imensidade de usos diretos e serve de matéria-
prima para uma grande quantidade de produtos.
Uliana (2010) cita que na região amazônica, a produção
madeireira é caracterizada pela máxima retirada de madeira
por área, com a exploração de poucas espécies de interesse
comercial e pela geração de grande quantidade de resíduos,
tanto na floresta quanto na indústria, assim priorizou-se o uso
de madeira residual da floresta amazônica para este estudo,
considerando-se a grande quantidade deste material
descartado na floresta após exploração florestal.
O conhecimento da quantidade e da qualidade dos
resíduos madeireiros pode gerar alternativas de uso desse
recurso contribuindo com a racionalização dos recursos
florestais, bem como gerando novas alternativas econômicas
para famílias, aumentando a renda, além de trazer a reflexão
do uso sustentável da matéria-prima madeireira (AMARAL
et al., 2018).
Os móveis em especial têm relação estreita com a
madeira, sendo ainda hoje o material mais difundido na sua
fabricação e tamanha é sua influência no cotidiano das
pessoas que passou a simbolizar períodos da história do
homem cada qual com suas características diferenciadas. Para
Mancuso (2012) existe uma linha tênue entre a história em si,
a história da arte e a história do mobiliário.
Segundo Carvalho; Bendassolli (2019) o trabalho
artesanal pode se apresentar de maneira simples, sendo
produzido com poucos elementos e com insumos facilmente
encontrados e pouco onerosos, ou ser pomposo, requintado,
uma iguaria luxuosa, única em seu preço e/ou valor.
A primeira condição está muito presente nas peças
produzidas, pois tiveram como origem material residual
parcialmente deteriorado como a peça de sucupira-preta
utilizada no “balcão para barzinho”, a base de sustentação da
“mesinha de centro tampo de madeira” e também a base do
“banco peça de tora única”, embora a segunda condição
também seja vislumbrada, pois foram utilizados materiais
acessórios como vidros no “balcão para barzinho”, “mesa de
centro com tampo de vidro” e no “aparador de madeira” que
possibilitaram requinte aos móveis agregando valor de
mercado.
Os móveis rústicos têm como característica principal o
uso da madeira bruta, a qual preserva as peculiaridades de
cada espécie, valorizando a anatomia de seus lenhos e
integrando a beleza estrutural dos elementos que compõe à
peça a ser produzida. Dessa forma os aparentes defeitos
(tortuosidades, ocos, lenhos de reação, nós, troncos
acanalados, etc.) tornam-se potenciais atrativos ao design da
peça.
Segundo Cecchetti (2019) “os móveis atuais recebem
recobrimento de papéis decorativos que simulam
características visuais macroscópicas de madeiras naturais, e
em alguns casos até simulando a presença de veios e nós”
condição esta que é comum nos móveis rústicos
provenientes de madeira residual, ou seja, o cliente está
comprando um produto genuíno, isto é um fator de extrema
importância na valorização do mobiliário rústico.
A madeira serrada é a matéria-prima mais nobre da
indústria moveleira, pois tem como característica diferentes
fibras e colorações. Além disso, apresenta alta resistência
física e mecânica, durabilidade e usinabilidade. Pode ser
emoldurada, torneada ou entalhada (HUSQWARNA, 2016).
A forma artesanal de fabricar os móveis considera que
estes não precisam necessariamente de máquinas e
equipamentos industriais sofisticados, podendo ser
produzidos com máquinas e ferramentas de uso doméstico e
até mesmo ferramentas manuais sem a necessidade de um
elevado grau de investimento em infraestrutura.
Amaral (2018) constatou que em algumas indústrias
moveleiras da região amazônica, havia pouca inovação
tecnológica sendo operacionalizadas com equipamentos
ultrapassados frequentemente produzidos ou adaptados
pelos próprios operadores, que geralmente aprendem a
profissão de marceneiro com os pais e familiares.
Embora a fabricação dos móveis não tenha exigido
aparatos sofisticados, foi verificada a necessidade do uso de
uma serra fita ou serra circular para desdobro da madeira, em
especial de maiores dimensões, para melhorar a qualidade dos
cortes retos, pois quando efetuados com motosserra não
apresentaram bom alinhamento e angulação. Alves (2019)
cita que o corte de madeira é um processo com características
altamente variáveis devido a sua estrutura, caracterizada pela
elevada anisotropia, ou seja, é fortemente depende das
direções de corte (longitudinal, radial e tangencial).
Outro ponto relacionado ao processo de produção e que
caracterizaram duas das peças fabricadas foram os entalhes
ornamentais, apresentados no “banco tora única” e no
“aparador de madeira” como forma de enriquecer os detalhes
e assim agregar maior valor aos móveis. Segundo Alzier
(2017), a dureza e a densidade da madeira definem de que
Produção de móveis rústicos com madeira residual da floresta Amazônica
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
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forma a peça pode ser entalhada, pois essas características
determinam a técnica de acabamento. Quanto maior a dureza
e a densidade da madeira trabalhada, maior a possibilidade
dela tolerar um entalhe mais fino, ao passo que as madeiras
macias permitem entalhes de menor precisão.
Atualmente uma das maiores dificuldades em se trabalhar
com móveis rústicos está relacionada a obtenção da madeira
bruta, peças de maiores dimensões e espécies nobres,
condições que muitas vezes inviabilizam os projetos pela
indisponibilidade ou até mesmo inexistência de material de
boa qualidade na região. Com a realização de estudos mais
aprofundados referentes as caracterizações tecnológicas, os
resíduos podem ter aproveitamento na fabricação de móveis
e pequenos artefatos de madeira, agregando mais valor, além
de colaborar para o manejo sustentável (RIBEIRO et al.,
2016).
O segmento de móveis está entre os mais importantes da
Indústria de Transformação no país, não só pela importância
do valor da sua produção, como também pelo seu potencial
de geração de empregos (TEIXEIRA; FIGUEIREDO,
2017).
Segundo Câncio et al. (2021), o setor madeireiro na
Amazônia contribui expressivamente para a economia local,
regional e nacional, assim como para a geração de empregos
e desenvolvimento. No entanto, enfrenta entraves como a
falta de políticas e ações voltadas para a consolidação de uma
base florestal que venha atender as demandas de quem
depende da madeira como matéria prima em pequenos
municípios da Amazônia.
A criação e produção de móveis com materiais renováveis
bem como a avalição do seu ciclo de vida, é justificada pela
crise dos recursos renováveis que o planeta sofre. O design
envolve uma série de elementos e etapas de elaboração que
vão além da aparência, que podem atrair a atenção do
consumidor causando uma impressão favorável não do
produto como da imagem da empresa. O consumidor está
exigente e procura exclusividade, sendo importante que o
produto apresente um conforto visual (GEIB; OLIVO,
2015).
Na região onde os móveis deste trabalho foram
produzidos uma grande dificuldade em se mudar a
concepção dos moveleiros locais para abertura do mercado a
novidades, por isso a forma de produzir o mobiliário ainda é
fortemente atrelado ao tradicionalismo local. Oliveira (2009)
num estudo nesta mesma região, concluiu que Na verdade
realmente é cultural, porque os móveis são feitos de acordo
com as necessidades regionais e não a partir das demandas de
mercado tanto falado pelos consultores e pouco entendido
pelos moveleiros”.
Outras dificuldades presentes na região são: acesso
precário, distância dos grandes centros consumidores e
principalmente a ausência total de divulgação de seus
trabalhos o que restringe o comércio apenas à venda local.
Motta; Garcia (2006) há muito tempo correlacionaram essa
última condição quando citaram como importante fonte
competitiva para as empresas o desenvolvimento de canais
de comercialização.
Uma alternativa atual para sanar este déficit seria o uso de
canais de divulgação via internet, cuja abrangência ultrapassa
as barreiras culturais e de distâncias. Vieira et al. (2019), numa
pesquisa com artesãos e escultores de madeira na região do
nordeste brasileiro verificaram dificuldade deles se manterem
financeiramente, pois esse trabalho não gerou renda fixa. No
entanto, o uso de tecnologias de informação favoreceu a
comercialização dos produtos, especialmente verificada na
utilização de mídias sociais.
Este estudo demonstra que o trabalho artesanal com
resíduos de madeira da floresta amazônica pode contribuir
para desenvolvimento de atividade local que esteja voltada ao
cumprimento de alguns dos principais objetivos de
desenvolvimento sustentável da ONU, entre eles: promover
o crescimento econômico, inclusivo e sustentável; fomentar
a inovação; reduzir a desigualdade dentro dos países;
assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;
proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos
ecossistemas terrestres e gerir de forma sustentável as
florestas (NAÇÕES UNIDAS, 2021).
5. CONCLUSÕES
Os resíduos de madeira oriundos de limpeza e exploração
de áreas de floresta nativa na região norte do País se
mostraram excelente fonte de matéria-prima para movelaria
rústica, possibilitando ltiplas alternativas de designs em
função das possibilidades de personalização do mobiliário.
Grãs irregulares de madeira de espécies florestais nativas
dificultam o trabalho de entalhamento das peças, as quais tem
que ser esculpidas obedecendo ao sentido das fibras caso
contrário corre-se o risco de lascar a madeira e comprometer
o desenho que fora idealizado para o móvel, embora a prática
do artesão na arte do entalhe seja o principal diferencial nesta
atividade.
O uso de outros materiais como vidros e resina acrílica
para revestimento e preenchimento da madeira residual
possibilita outras opções de design para o mobiliário, aliando
a rusticidade à sofisticação em uma mesma peça, aumentando
a sua valoração no mercado.
A produção artesanal de móveis rústicos é possível sem o
uso de máquinas e ferramentas sofisticadas e a transformação
de resíduos descartados na floresta em móveis rústicos que
podem ser comercializados é uma forma de abrir novos
caminhos ao empreendedorismo local.
Pensando em uma produção comercial dos móveis
rústicos, parcerias com empresas que exploram madeira sob
o regime de PMFS (Plano de Manejo Florestal Sustentável)
na região ajudariam na obtenção dos resíduos utilizados,
inclusive em relação a comprovação de origem da madeira.
Estudos que tenham relação com design de mobiliário,
possibilidades de uso de outros materiais e acessórios para
delinear novos formatos aos móveis, possibilitando unir o
rústico com o requinte do moderno e, ainda, o conhecimento
de tendências e preferências dos consumidores podem tornar
mais qualificado e profissional o trabalho do artesão,
facilitando a inserção destes produtos no mercado, ganhando
margem de competitividade frente aos produtos de outras
regiões.
O conhecimento da potencialidade do mercado de
móveis rústicos pelos moveleiros locais pode mudar a
concepção de seu trabalho tradicional para a oferta deste tipo
de produto artesanal ao mercado, buscando maior agregação
de valor e renda local. Para isso, podem ser utilizadas as
máquinas e ferramentas habituais, sem a necessidade de
investimentos, adaptando-as facilmente a nova produção.
Outro ponto importante refere-se à assessoria de
instituições voltadas à capacitação e promoção da nova
atividade, a exemplo do SEBRAE, que pode atuar
principalmente na assistência do moveleiro para divulgação e
Burakouski et al.
Nativa, Sinop, v. 9, n. 5, p. 508-517, 2021.
517
logística de seus produtos até os grandes centros
consumidores, pontos esses que são considerados os
principais gargalos ao desenvolvimento da atividade na
região.
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